quinta-feira, 9 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Sobretudo a idéia fundamental com que representamos o século: o contraste entre capitalismo e socialismo. No plano conceitual, era (e é) uma idéia insustentável. De um ponto de vista rigoroso, o termo capitalismo designa um modo de produção; o termo socialismo, ao contrário, designa um critério de regulação da sociedade e da economia. O oposto de socialismo não é capitalismo, mas liberalismo, que designa os modos de regulamentação aos quais o socialismo se contrapõe.”

(Giuseppe Vacca, presidente da Fundação Instituto Gramsci, em Roma, no livro, Pensar o mundo novo - pgs, 175-6, Editora Ática, São Paulo 1996)

Ousadia ou incoerência?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A intervenção do governo no Banco do Brasil, demitindo seu presidente alegadamente por não ter reduzido o spread, a diferença entre os juros oficiais e o que os bancos cobram do tomador de empréstimos, ganhou dimensões políticas inusitadas no fim do dia, quando dois fatores se juntaram às explicações oficiais de medida tão polêmica. A chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, explicitou a sindicalistas o que estava subentendido: o governo está combatendo dirigentes de bancos públicos que se comportam como presidentes de bancos privados. “A lógica do banco público não deve ser a do banco privado”, teria afirmado a ministra. Essa postura oficial pode ser responsabilizada pela queda do preço das ações do Banco do Brasil, que, desse ponto de vista, passa a ser um mau investimento.

Já os partidos de oposição partiram para duvidar que a queda dos juros seja a verdadeira razão da demissão de Antonio Francisco Lima Neto, e insinuaram em nota oficial que a culpa seria de negócios irregulares. Se, de um lado, a intervenção se coaduna com o pensamento que prevalece no governo, no momento em que o intervencionismo estatal parece ser um caminho para a solução da crise, ela não está coerente com os últimos movimentos do próprio governo, que trabalhou para ajudar o Banco do Brasil a disputar o primeiro lugar no mercado do sistema bancário contra a fusão do Itaú com o Unibanco.

A venda da Nossa Caixa pelo governo de São Paulo foi negociada pessoalmente com o presidente Lula, que se responsabilizou pelo fato de o governo estar recheando com dinheiro novo o cofre do governo de José Serra, potencial adversário do PT na corrida sucessória. Lula reagiu às reclamações do PT dizendo que era importante fazer com que o Banco do Brasil voltasse a ser o maior banco do país.

Ao mesmo tempo, a oposição tem razão de exigir explicações, pois, desde que a medida provisória 443 autorizou tanto o Banco do Brasil como a Caixa Econômica Federal a comprar participação de instituições financeiras em dificuldades, há a suspeita de que o governo usaria o banco politicamente para ajudar grupos financeiros. A recente compra de 49% do Banco Votorantim pelo Banco do Brasil foi tida como uma ajuda ao grupo paulista, um dos muitos em dificuldades com aplicações em derivativos. A oposição denuncia que negócios “sem transparência e, em decorrência, sem qualquer fiscalização” acontecem nas duas instituições.

Voltando à explicação oficial, não há dúvidas de que o spread bancário no Brasil é dos mais altos do mundo. Alguns estudos põem o Brasil em segundo lugar numa lista de 72 países, enquanto outros, fazendo ajustes metodológicos e levando em conta o alto custo de captação do país, mostram o Brasil em 11onuma lista de 33 países.

Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas do Rio, chefiado pelo economista Luiz Guilherme Schymura, mostra, com base no Relatório de Economia Bancária e Crédito do Banco Central, que o spread no país, em 2007, poderia ser decomposto entre os seus principais fatores com as seguintes participações: 37,4% devidos à inadimplência; 13,5%, ao custo administrativo; 3,6%, ao compulsório; 8,1%, aos tributos e taxas; 10%, aos impostos diretos; e 27% de resíduo não explicado, sendo que o lucro do banco e os subsídios implícitos, referentes aos créditos direcionados, estariam contidos no item “resíduo não explicado”.

Já houve momentos em que a insegurança jurídica era a culpada pelos altos spreads no Brasil, e também os juros altos ou o compulsório dos bancos, ou a inadimplência.

Com a crise internacional, os juros Selic caíram, o Banco Central reduziu o compulsório.

O crédito consignado aumentou a garantia de pagamento, mas mesmo assim o spread continua alto.

O Ibre lembra que o cadastro positivo, um ponto importante para a redução do spread, vem tendo sua aprovação protelada pelo Congresso sob a alegação de que é discriminatório, já que os clientes que não quiserem aderir ao sistema muito provavelmente serão os de pior qualidade de crédito.

Para Schymura, isso remete “à velha dificuldade nacional de, no afã de proteger os mais vulneráveis, prejudicar o conjunto de cidadãos comuns, que tem sua vida financeira em ordem, e gostaria de ter acesso ao crédito com custos menores”. O economista acha que o governo tem ainda “uma última arma, que poderia ser utilizada no esforço para que a redução dos spreads aconteça numa velocidade que, sem prejudicar a lógica econômico-financeira, tampouco ofenda a sensibilidade social”.

Outro banco, a Caixa Econômica Federal, que é 100% estatal, poderia ser utilizado “para estabelecer parâmetros de rentabilidade no setor bancário”.

Segundo essa proposta, a política de concessão de crédito da Caixa poderia se pautar por uma taxa de retorno arbitrada pelo Poder Executivo, “que, evidentemente, deveria resguardar a saúde financeira da instituição. A partir desse parâmetro, o banco estatal ofereceria juros com spreads que cumpririam aquela meta, independentemente de a concorrência praticar juros mais altos”.

Schymura diz que, “dada a parcela significativa da Caixa no total de crédito do sistema bancário, uma estratégia daquele tipo obviamente tenderia a empurrar os spreads para baixo, por força da competição”.

A vantagem dessa solução, diz a Carta do Ibre, é que ela baliza o retorno do setor bancário “sem interferir diretamente no funcionamento do sistema, como seria o caso de medidas comprovadamente inadequadas, como o tabelamento dos juros”.

Luiz Schymura diz que “a ideia de envolver a Caixa no esforço para reduzir os spreads no Brasil pode parecer ousada, mas o arrojo, com racionalidade, pode às vezes ser a melhor resposta a distorções que se mostrem muito difíceis de corrigir pelos métodos convencionais”.

O que dizer, então, do uso do Banco do Brasil, que tem ações na Bolsa?

Impunidade parlamentar

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Com todo o respeito que não anda a merecer a instituição, muito do que vem sendo revelado sobre os meios e modos adotados nas internas do Congresso só por concessão é definido como "irregularidade".

Há crimes claros, apropriação de recursos públicos, fraudes para obtenção de vantagem financeira, roubo, em português castiço.

Não existe outra designação possível para o ato de embolsar dinheiro indevido.

Receber auxílio-moradia sem "morar", transferir ao público o pagamento de contas telefônicas particulares, contratar serviços de auditoria para engavetá-los sem usar - como já fizeram a Câmara e o Senado com estudos sobre redução de gastos feitos pela Fundação Getúlio Vargas -, apresentar notas fiscais de despesas inexistentes, ganhar salário sem trabalhar, tudo isso, na essência, configura usurpação.

Pelas leis vigentes no País para todos os cidadãos, ilícito passível de pena de prisão.

No Congresso, contudo, recebem outras denominações: irregularidades, erros, equívocos. Todos passíveis de perdão, mediante anistia, justificativa burocrática amoldada às regras da corporação, pagamento da dívida em questão, demissão do elo mais fraco ou irremediavelmente apodrecido ou simplesmente por um acordo tácito de esquecimento geral.

A presunção é a da inocência mesmo quando o réu é confesso e pego em flagrante.

Descobriu-se que a empregada doméstica era paga como assessora parlamentar? Demita-se a moça. A filha do senador gastou R$ 14 mil com celular do Senado? O pai acerta as contas e não se fala no assunto. O diretor foi pego com um dossiê sobre contas telefônicas astronômicas? Puna-se o potencial chantagista ou, pior, informante da imprensa.

A verba indenizatória precisa de limites? Criem-se limites, mas com muito cuidado para que não causem desconforto a suas excelências. Se a restrição for considerada excessiva, revoguem-se as restrições.

Como agora. A Mesa Diretora da Câmara proibiu o uso da verba com despesas de alimentação e contratação de consultorias, bem como vetou a distribuição das passagens aéreas destinadas aos deputados. Quando suas excelências reclamaram, a Mesa voltou atrás e deixou as proibições para lá.

No Congresso nada obriga ninguém a coisa alguma. A vontade dos parlamentares se sobrepõe a qualquer princípio, regra ou valor.

Trata-se, portanto, de uma falácia que o Parlamento é um Poder transparente fiscalizado pela sociedade. É, sim, um Poder vulnerável, obscuro, que funciona de costas para a Nação, pintando e bordando à revelia de tudo, de todos e das balizas do Estado de Direito.

Verba no Supremo

Autor da ação popular que em 2007 conseguiu suspender por uma semana o pagamento da verba indenizatória de deputados e senadores, o advogado e ex-deputado federal João Cunha vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

Há dois anos, o Tribunal Regional Federal de Brasília revogou a decisão alegando que a suspensão do pagamento do extra "causaria comoção pública e impediria o exercício das atividades parlamentares".

Em janeiro último, João Cunha apresentou um recurso ao próprio TRF pedindo que o tribunal deixe patente naquela decisão o fato de que a verba indenizatória descumpre legislação federal, pois nasceu de ato da Mesa e não de lei aprovada e sancionada, como reza a Constituição.

Até agora o tribunal não se manifestou.

Cumbuca

O governador José Serra, a cúpula do PSDB e o comando do DEM resolveram tirar, de cima do fim da reeleição para presidente, governador e prefeito, a mão que abençoava a proposta.

Aprovada no fim do ano passado na Comissão de Constituição e Justiça, a emenda institui mandato único de cinco anos. O recuo no apoio a um projeto que era comum ao PSDB e ao PT - com o aval direto de Serra e Lula - foi geral.

O ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia, um entusiasta da ideia, prometera nomear a comissão especial para analisar a emenda e não o fez. O sucessor, Michel Temer, outro fã incondicional do fim da reeleição, tampouco fez menção de levar o assunto adiante.

Os motivos da desistência não estão claros, mas é possível detectar indícios. Da parte dos petistas, o arrefecimento do ânimo coincidiu com o convencimento de que a tese de um terceiro mandato para Lula não tinha chance de prosperar.

No tocante aos tucanos, o interesse da maioria era propiciar um entendimento interno, já que o candidato de 2010, se eleito, não poderia concorrer a novo mandato, apressando, assim, a entrada em cena do próximo na fila de espera.

A desistência referida em cálculo de custo-benefício comprova que o motivo da defesa do fim da reeleição não era uma questão de princípio, como alegavam as excelências, mas de conveniência pura.

Aécio diz ter mais potencial que Serra

Christiane Samarco, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Com números de uma pesquisa eleitoral feita pelo instituto mineiro Vox Populi, o governador de Minas, Aécio Neves, fez campanha ontem no Congresso pelas prévias do PSDB para escolha do candidato tucano a presidente. Sorridente, ele trouxe na ponta da língua os dados que, ao menos em um quesito - potencial de crescimento -, lhe dariam vantagem sobre o governador de São Paulo, José Serra.

De acordo com os números apresentados aos parlamentares no Congresso, o governador mineiro, no caso de se tornar candidato do PSDB à Presidência, teria mais condições de assegurar e atrair votos.

"Quem conhece Aécio vota em Aécio", resumia o presidente do PSDB mineiro, deputado Paulo Abi-Ackel, na escolta política do governador.

De acordo com a assessoria do governador mineiro, ele tem a fidelidade de 44% dos eleitores que o conhecem bem, enquanto Serra registraria 32%. Na matemática pregada pelos aecistas, com mais exposição política, Aécio seria teria a capacidade de atrair mais e fiéis votos, o chamado potencial de crescimento eleitoral.

Aécio propõe que o PSDB realize as suas prévias até novembro, para que o candidato tucano à Presidência seja apresentado ao País ainda este ano. "Se não houver acordo entre os dois candidatos, este é o caminho", admitiu o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Temeroso de um racha que indisponha o candidato paulista com os mineiros, que representam o segundo maior colégio eleitoral do País, o grupo ligado a Serra defende um entendimento que dispense a realização de prévias.

Tasso avalia que a união dos dois é "muito provável", mas admite não saber "se é possível" transformar essa união em uma chapa puro-sangue.

LIDERANÇA

Como Serra lidera todas as pesquisas de intenção de voto, inclusive a do Vox Populi - a depender do cenário, ele obtém 40% a 45% das preferências -, o sonho dos serristas é ter Aécio como vice. "Em política, o imbatível não existe, mas difícil de ser derrotada é", afirmou Tasso, referindo-se à chapa puro-sangue.

Para o secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG), o importante da pesquisa é que os tucanos podem comemorar dois fatos: além de ter o líder, tem o candidato com o maior potencial de crescimento.

"Melhor ainda, ficou claro que o desempenho da candidata do PT não é tão bom e que não será fácil carregar esta candidatura", concluiu Castro, alfinetando a ministra da Casa Civil e pré-candidata, Dilma Rousseff.

Mal chegou ao plenário da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, à procura de Tasso, Aécio foi surpreendido com uma manifestação do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que pediu a palavra para defender a consulta às bases na escolha do candidato tucano.

"Não há nada mais importante para a democracia do que as prévias", disse Suplicy, que fez questão de lembrar a própria "façanha" de ter disputado as prévias petistas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Mas o Lula nunca te perdoou por causa disso", atalhou, em aparte, o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Em meio às risadas suprapartidárias do plenário, Simon lembrou ao petista que a ousadia custou caro.

Aécio não passou recibo. "É muito bom receber esse tipo de apoio. Se quem perde acha tão bom, imagine quem ganha", arrematou.

Crise nos municípios dissemina recessão

Luiz Paulo Vellozo Lucas
Ex-prefeito de Vitória, é deputado federal (PSDB-ES) e presidente do Instituto Teotônio Vilela
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


As dificuldades que milhares de pequenos e médios municípios do país enfrentam para manter de pé atividades básicas como funcionamento de hospitais, fornecimento de merenda escolar e coleta de lixo são reflexos visíveis da errática política econômica do governo Lula. E compõem o mesmo quadro recessivo que só faz aumentar as filas de brasileiros desempregados.

Hoje, as cerca de 4.300 prefeituras que dependem quase exclusivamente dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) estão pagando a conta das medidas de desoneração tributária adotadas pela União para resguardar setores como a indústria automobilística. Com a redução do IPI e do Imposto de Renda, os repasses para os municípios não param de cair. É o governo distribuindo benefícios com chapéu alheio.

Com as medidas anunciadas na semana passada para beneficiar a construção civil e prolongar o refresco para as montadoras, o alívio tributário concedido até agora, apenas por meio de IPI e IR, chega a R$ 8,9 bilhões, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Desonerar a produção é salutar numa recessão, mas não é justo que a maior parte da conta recaia sobre estados e municípios. E é exatamente isso o que está ocorrendo.

Do total da renúncia, nada menos que R$ 4,7 bilhões (ou 53% do total) deixarão de chegar a estados e municípios e ao fundo que compensa exportações de produtos industrializados, segundo a CNM. Ou seja, à União caberá a parcela menor dos sacrifícios (R$ 4,2 bilhões), embora o governo federal seja quem mais cobra tributos dos contribuintes. Com o saco de bondades, só os municípios perderão R$ 2,1 bilhões, de acordo com estimativa da CNM.

Repasses do FPM representam o combustível vital da atividade econômica. Segundo o Tesouro Nacional, os municípios investiram perto de 0,8% do PIB em 2007, percentual superior ao da União, que se limitou a 0,67%. Junto com os estados, os municípios respondem por quase 70% do investimento público feito no país. Claro está que asfixiar os municípios equivale a abrir uma fábrica de desempregados em todos os pontos do território nacional.

A gestão econômica do governo Lula tira o horizonte de estados e municípios. Como fazer frente a orçamentos aprovados no ano passado com base em projeções de repasses que a cada dia diminuem? Acreditassem nas palavras do governo federal, os prefeitos estariam em situação ainda pior.

Os repasses feitos por meio do FPM nos três primeiros meses deste ano encolheram R$ 1,7 bilhão na comparação com o mesmo período de 2008, caindo para R$ 11,9 bilhões. São 12,6% a menos em termos reais. O valor em março foi o menor desde outubro de 2007. Trata-se de um quadro que só vai piorar, porque ainda não considera as desonerações anunciadas recentemente.

O FPM é formado por parcela do IPI e do IR, justamente os tributos cuja arrecadação mais caiu no primeiro bimestre. É de se perguntar por que o governo não faz desonerações baseadas em renúncia de contribuições, que são inteiramente abocanhadas pela União — a redução da Cofins de motos é exceção tímida.

Não cabe à oposição apenas constatar a gravidade da situação, mas sim apontar alternativas concretas. É por isso que PSDB, Democratas e PPS propõem a criação de um fundo de emergência com vigência até 31 de dezembro para compensar os municípios.

Alimentado com verbas da DRU e do Fundo Soberano, asseguraria a manutenção dos valores transferidos em 2008, dando um mínimo de estabilidade à vida dos municípios. Além disso, municípios fiscalmente responsáveis, que cumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal, têm que ser recompensados. Propõe-se rever critérios de endividamento nesses casos, a fim de desinterditar o acesso das prefeituras ao crédito.

Outra ação mais imediata é alterar a MP 457, que dispõe sobre débitos previdenciários dos municípios. A ideia é criar condições para que os municípios procedam a um acerto de contas com o INSS, o que lhes renderia crédito de R$ 3,2 bilhões. Algumas prefeituras já estão fechando portas em sinal de protesto. Em breve serão forçadas a fazê-lo por necessidade. A penúria municipal será tema crescente na agenda política nacional.

Tucanos moderam o ânimo da disputa

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O PSDB está intrigado com a repercussão dada à guerra fiscal entre o Espírito Santo e São Paulo, justamente num momento em que diminuiu a animosidade entre os dois principais pré-candidatos do partido a presidente, os governadores José Serra e Aécio Neves, de Minas Gerais. Há até um certo otimismo em relação a um entendimento entre os dois tucanos, provavelmente com Serra na cabeça de chapa, embora o mineiro ainda insista na realização da prévia partidária - assunto, aliás, que saiu da pauta tucana e só volta no segundo semestre em caso de necessidade.

Os tucanos acham que o "assunto Espírito Santo" é fabricado, em termos políticos, porque na prática não passa de uma batalha da guerra fiscal entre os Estados. Nem o governador capixaba Paulo Hartung, nem o secretário do Desenvolvimento, Guilherme Dias, procuraram Serra para tratar do assunto, muito embora a Secretaria da Fazenda paulista, desde algum tempo autuasse empresas que faziam importações via terceiros, no Espírito Santo, para não recolher o ICMS em São Paulo.

Há duas semanas o governador Hartung conversou com a deputada Rita Camata (PMDB) e a convidou para participar de uma audiência a ser marcada com Serra, para a qual convidava também o senador Gerson Camata (PMDB). Rita, lembra-se, foi candidata a vice-presidente na chapa de Serra nas eleições vencidas por Lula em 2002. Talvez nem fosse necessário, afinal Hartung sempre manteve excelentes relações com José Serra.

Mas na segunda-feira, quando 18 entidades representativas de empresas capixabas publicaram um manifesto em defesa da federação, nos jornais, foi para Rita que Serra telefonou, de Genebra, para tentar entender a situação. A audiência com o governador, a deputada e o senador capixaba não fora marcada. Serra, na realidade, só teria tomado conhecimento do contencioso por uma notícia de jornal que lera a bordo do voo que o levaria para Genebra.

A decisão normativa que causou indignação aos capixabas também foi publicada pelo secretário da Fazenda, Mauro Ricardo, sem consulta prévia ao governador - acusado de ser centralizador, Serra na verdade costuma traçar as grandes linhas e dar autonomia aos secretários na execução. Ricardo, por sua vez, supunha apenas ter respondido rotineiramente à consulta de uma empresa paulista.

A história ajuda a entender um pouco de um outro aspecto da guerra fiscal, que este longe de se restringir a incentivos concedidos pelos Estados periféricos para atrair empresas que, de outra maneira, se instalariam nos maiores mercados. No caso em questão, a tal empresa paulista queria saber se, importando por Vitória, poderia recolher o ICMS na capital capixaba. O entendimento da secretaria é que isso é inconstutucional: cobra o ICMS o Estado que fez a importação. Imagine-se o que seria, então, de Estados como Minas Gerais ou Goiás, que nem portos marítimos têm.

De acordo com tributaristas, o Espírito Santo, há muitos anos, pratica a forma mais prejudicial de guerra fiscal: reduz o ICMS de importações, mediante vários expedientes. Por exemplo, com automóveis: o carro produzido em Minas, Rio de Janeiro ou São Paulo paga ICMS. O carro importado do Japão, da Alemanha, da Argentina ou da Coreia, quando não paga, recolhe algo como 25% ou 30% por cento do imposto

A conclusão é inevitável: ao taxar menos a importação que a produção doméstica, o país exporta empregos. Mas, nesse caso, a importação com menos ICMS é feita por uma empresa do Espírito Santo. No entanto, agora há uma nova modalidade: a empresa nem precisa ser capixaba. Basta um empresário paulista ou mineiro ligar para um despachante de Vitória e importar por lá.

O PSDB também estranhou a reação capixaba porque o governo de São Paulo sempre negociou com Paulo Hartung. Serra atendeu pedidos dele para não insistir em Ações Diretas de Constitucionalidade (Adins) ajuizadas no Supremo pelos ex-governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin (a atual gestão não fez nenhuma), com o acordo de que o processo seria progressivamente moderado e desativariam, ao longo dos anos. Em vez disso, foram criados novos e mais truques tributários.

O PSDB chama a atenção ainda para outro aspecto: em nenhuma pesquisa, qualitativa ou quantitativa, de 2000 até hoje, apareceu algum tipo de restrição ao nome de Serra, em nenhum Estado do Brasil, pelo fato de ele ser paulista. Estados onde Lula é muito popular, como é o caso da Bahia, Serra é o primeiro em todas as pesquisas. Logo, os tucanos avaliam que tudo não passa de uma trama bem urdida para intrigar São Paulo e Serra com o resto do país.

A pelo menos um interlocutor Lula afirmou que a imagem excessivamente paulista pode ser prejudicial a Serra nas eleições. Internamente, o próximo dia 15 pode ser uma oportunidade para se medir a quantas anda a disputa entre os dois tucanos: o PSDB vai reunir seus prefeitos em Brasília. Aécio pretende ir. Serra ainda não se manifestou.

MST invade fazenda na Bahia

DEU EM O GLOBO

SALVADOR. Cerca de 200 integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) ocuparam na madrugada de ontem uma fazenda de eucaliptos no distrito de Mundo Novo, em Eunápolis, no Sul da Bahia.

Com 4.700 hectares, a Fazenda Putumuju pertence a Flamarion Matos.

A produção vai para a Veracel Celulose, empresa que planta eucaliptos na região para produzir celulose.

Os sem-terra derrubaram dezenas de pés de eucalipto da fazenda, e disseram que a ocupação faz parte das ações do abril vermelho do MST.

Márcio Matos, do MST, disse que 1.500 pessoas irão para o acampamento.

O objetivo é pressionar o governo do estado a acelerar desapropriações.

Por quem os juros caem

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO


Parece que a queda dos juros no Brasil é uma questão de vontade, algo entre a política e a moral. Seria mais ou menos assim: os juros não caem porque os banqueiros não deixam e o governo não tem a disposição ou a vontade de forçar a derrubada. Fariam parte desse esquema os diretores do Banco Central, pessoas que estariam a serviço do sistema financeiro, não por dinheiro, mas por identidade profissional.

A substituição do presidente do Banco do Brasil, no contexto de uma operação para forçar a queda dos juros, parece confirmar que o governo Lula pensa mais ou menos assim.

Ocorre que a existência de dois grandes bancos públicos no varejo prejudica a tese. A conspiração teria de começar pelos banqueiros privados, que combinariam entre si o nível das taxas de juros. Essa prática, em si, já é difícil de acontecer. São bancos nacionais e estrangeiros, que disputam mercados, além de uns tentarem comprar outros, mas digamos que ocorra um cartel implícito.

Nenhum banco tomaria a iniciativa de romper o status quo.

Mas não faz sentido imaginar que os diretores do BB e da Caixa Econômica Federal participem da conspiração, especialmente quando o presidente Lula, o chefe deles, declara-se “obsessivo” com a derrubada dos juros.

Acrescente a isso que o Banco Central estuda esse assunto, no detalhe, pelo menos desde 1999, quando divulgou o primeiro documento sobre o spread bancário (a diferença entre o que os bancos pagam pelo dinheiro e quanto cobram do cliente, pessoa física ou jurídica, na ponta).

Há, portanto, uma dimensão técnica do problema, a partir da qual o BC tomou algumas medidas. Mas não importa, para o momento, o teor dessa argumentação técnica. O propósito aqui é mostrar que há duas abordagens nessa história, uma que vai pela política, ética e, claro, pela conspiração, e outra que segue pela teoria econômica. Na primeira, a coisa é simples: o presidente manda, os bancos públicos derrubam os juros e forçam os privados a fazer o mesmo.

Pela abordagem econômica, os juros, na ponta final, só cairão expressivamente depois de realizadas várias reformas microeconômicas (cadastro positivo, garantias jurídicas do crédito, regras que impeçam o devedor de adiar o pagamento por anos a fio, e por aí vai).

Não é simples encaminhar essas reformas. Há dificuldades econômicas e políticas. Já na abordagem política não haveria problemas. O presidente quer e ponto final.

Por que, então, Antonio Francisco de Lima, ontem afastado da presidência do BB, não realizou essa missão, mesmo correndo o risco de perder seu emprego? Não seria razoável supor que talvez não seja tão fácil assim reduzir os juros? Mas não. Em vez dessa hipótese, o governo preferiu pensar que faltou a Lima ou vontade ou competência.

Na sua gestão, Lima conseguiu um belo lucro para o banco — mas parece que esse não é o critério. Vários membros do governo disseram que um banco público não precisa lucrar tanto assim.

O que leva a outro aspecto da história, o de que empresas públicas, aí incluída a Petrobras, por exemplo, há outras funções prioritárias que não a de dar lucro. (A propósito, se for isso, seria preciso explicitar, porque há milhões de pessoas e inclusive fundos de pensão de trabalhadores de estatais comprando as ações dessas empresas para garantir aposentadorias.) Voltando aos juros, o novo presidente do BB, Aldemir Bendine, assumiu com o compromisso de ser bastante agressivo na concessão de crédito.

Quer dizer, emprestar cada vez mais dinheiro, fazer um volume maior de negócios, esperando que isso reduza o custo das operações e, pois, os juros. Isso, sabendo-se que bancos estatais têm custos mais pesados que os privados.

Veremos. Convém lembrar que: 1) a crise do subprime nos EUA começou com a determinação do então presidente Bill Clinton para que as agências hipotecárias fossem mais agressivas nos empréstimos, ou seja, emprestassem mais, a juros menores. Fizeram isso e quebraram, mas depois de deixar anos de glória para Clinton, durante o boom da construção; 2) faz uns dez anos, apenas, que o governo FHC teve de colocar R$ 8 bilhões para salvar o BB, quebrado que estava pela prática de emprestar politicamente.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

Presidente promete ''carinho'', depois critica 'jogo político'

Tânia Monteiro e Leonencio Nossa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Em questão de horas, ele muda discurso sobre prefeitos

Em poucas horas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou o tom em relação ao tratamento dado aos prefeitos que se queixam da redução dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Pela manhã, Lula disse, em entrevista, que estava cuidando do assunto "com carinho" e o governo tinha "compreensão" dos problemas enfrentados pelas prefeituras. No início da tarde, em conversa com sindicalistas, reclamou que os prefeitos estavam fazendo o jogo da oposição e tirando proveito político da crise.

"Vamos encontrar uma solução. Para o governo federal, é importante que as prefeituras encontrem uma solução, porque se permitirmos que elas fiquem quebradas, quem vai pagar o preço é o povo", declarou o presidente, no fim da manhã.

Mais tarde, depois de se reunir com sindicalistas, Lula deixou de lado a cordialidade com os prefeitos e se queixou de que alguns estariam usando politicamente o problema da queda de receita dos municípios. Segundo relato de sindicalistas que estiveram reunidos com o presidente no Centro Cultural Banco do Brasil, ele disse que o caso está virando um jogo político e a oposição está torcendo contra.

Para o presidente, de acordo com os sindicalistas, não interessa ao governo que prefeituras atrasem pagamentos e demitam porque isso só traz mais problemas para o Planalto. Ele chegou a usar uma metáfora para reclamar do "jogo" dos prefeitos. Segundo os sindicalistas, Lula disse que alguns prefeitos "estão mais preocupados em quanto de cachaça podem tomar do que com os tombos".

Na contramão dos ataques e desafios ao governo federal lançados pelos prefeitos, descontentes com as perdas de receitas, o prefeito de Cruzeiro do Oeste (PR), Zeca Dirceu (PT), filho do ex-ministro José Dirceu, afirmou ao Estado que "a situação dos municípios não está tão ruim assim e já foi muito pior". Em seguida, contou que o volume de recursos do FPM que recebe caiu apenas 6% este ano, em relação ao ano passado. "Se comparar com 2007, a queda é ainda menor", ressaltou. "De 2006 para 2007, o FPM cresceu 13%, de 2007 para 2008, cresceu 20% e, agora, caiu em torno de 6, 7 ou 8%." Para Zeca Dirceu, o governo "está fazendo sua parte". "Estão pintando o diabo pior do que ele é", comentou.

Nakano vê risco de queda de 2% a 4% no PIB deste ano

Sergio Lamucci, de São Paulo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O economista Yoshiaki Nakano acha improvável o Brasil escapar de uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Embora veja uma grande dificuldade para fazer previsões no atual cenário de incerteza, ele acredita que a economia brasileira pode ter uma queda de 2% a 4% em 2009 se a política econômica continuar como está. Diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nakano diz que é fundamental destravar o crédito, reduzindo muito mais os depósitos compulsórios e os juros básicos. O Brasil, segundo ele, foi atingido com força pela crise principalmente porque "houve uma monumental barbeiragem das autoridades monetárias". O Banco Central demorou a agir e, quando o fez, foi tímido, critica Nakano, ex-secretário da Fazenda paulista.

A variação negativa do PIB, porém, não é irreversível, acredita ele. "É possível reverter essa situação, mas são necessárias medidas corajosas e muito fortes do lado do crédito", afirma Nakano, defendendo reduções mais significativas dos compulsórios e da taxa Selic. Ele vê espaço limitado para uma política fiscal anticíclica, num cenário de queda na arrecadação e aumento expressivo de gastos correntes.

Para Nakano, a crise no Brasil se desenvolveu de modo atípico, por não ter começado com uma contração de demanda. O travamento do crédito afetou imediatamente a oferta, com o tombo da produção, o que ajuda a explicar por que ela não é tão perceptível, diz Nakano. Num segundo momento, porém, a piora do mercado de trabalho afetará o consumo, lembra ele.

Nakano diz que o Brasil vivia uma situação singular antes da eclosão da crise, com a formação de "um novo polo dinâmico baseado na expansão do mercado doméstico". "Nós estávamos caminhando para um modelo de mercado de consumo de massa, que os americanos inventaram no fim do século 19 e no começo do século 20." Se for reativado o crédito, é possível retomar essa dinâmica, acredita Nakano, ressaltando, contudo, que não está defendendo uma economia fechada.

"É necessário expandir obrigatoriamente as exportações para o país poder importar mais porque a nova tecnologia vem sob a forma de novos bens de capital mais modernos." O economista acredita, aliás, que o Brasil pode conseguir aumentar as exportações mesmo com um mundo em recessão. A desvalorização do câmbio tende a ajudar o Brasil a vender mais para o exterior, aumentando a competitividade dos produtos manufaturados especialmente na América Latina e nos EUA, diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Por que a economia brasileira foi tão atingida pela crise?

Yoshiaki Nakano: A reação foi tão violenta porque houve uma monumental barbeiragem das autoridades monetárias. Há diversos canais por onde a crise chegou aos países emergentes. Um canal é exportação e importação. Esse ainda vai ter mais efeitos, mas ainda não teve um impacto brutal, particularmente porque as exportações já estavam caindo. Há um outro canal que afeta muito que ocorre via contágio, expectativas. Mas o canal por onde realmente a crise veio foi o do crédito. Quando o crédito externo se interrompeu, automaticamente se reverteu o fluxo de capitais. Ela veio pelo crédito externo associado ao contágio, à incerteza, ao medo. Isso fez com que os bancos paralisassem o crédito, o que gerou um quase pânico na indústria. É por causa disso que o investimento foi o componente da demanda que mais caiu. A queda do investimento no quarto trimestre de 2008 dá uma taxa anualizada de 45,3%.

Valor: Mas o BC reduziu bastante o compulsório, estimulou os bancos maiores a comprar a carteira de crédito dos bancos menores...

Nakano: Mas isso não foi suficiente. Ele foi muito tímido, porque, para começar, não conseguiu contrabalançar o travamento do crédito. E, mais do que tímido, o BC reagiu muito mais depois de a crise já ter ocorrido e os pequenos bancos estarem com problemas de recursos. Eles não estavam conseguindo captar recursos. Quando houve o travamento, era necessário imediatamente ter expandido o crédito doméstico para compensar a restrição que vinha de fora.

Valor: O que ele deveria ter feito?

Nakano: Reduzir o compulsório e reduzir a taxa de juros rapidinho. Em setembro, estava absolutamente claro que a crise estava chegando. Em outubro, as empresas estavam em pânico porque os bancos cortaram o crédito.

Valor: O sr. acha que ele deveria ter cortado os juros em outubro?

Nakano: Não, deveria ter cortado em setembro [em 10 de setembro, cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers, o BC elevou a Selic de 13% para 13,75%]. Era uma crise brutal que estava chegando.

Valor: Mesmo com a defasagem da política monetária, o sr. acha que a queda de 3,6% do PIB no quarto trimestre é culpa em parte das autoridades monetárias?

Nakano: Grande parte, ou quase toda. Poderia ter sido muito mais suave. O nosso sistema bancário não tem nenhum problema. O canal da queda nos preços dos ativos teve um impacto relativamente limitado no Brasil. O crucial foi o crédito. Os bancos ficaram apavorados. O BC deveria ter agido com rapidez e expandido o crédito. Houve momentos em que a base monetária dos EUA cresceu 350%. Isso ocorreu em quase todos os países. Os BCs flexibilizaram rapidamente a política monetária, com exceção do nosso.

Valor: No terceiro trimestre, a economia brasileira cresceu 6,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. O BC poderia ter reduzido os juros mesmo nesse cenário?

Nakano: O instrumento adequado não era a política monetária, era fiscal. Primeiro, porque os nossos juros já eram muito altos. O governo deveria ter feito uma política fiscal contracionista, inclusive porque nós estávamos com o déficit em conta corrente subindo muito rapidamente. Não deveria usar a política monetária, porque apreciaria o câmbio mais ainda. O instrumento adequado era a política fiscal. Ela não apenas comprimiria a demanda, como ajudaria o problema do setor externo que estava sendo criado. Era melhor conter a demanda agregada com política fiscal, cortando despesa corrente, e não investimento.

Valor: Em janeiro, o BC cortou os juros em 1 ponto percentual e em março, em mais 1,5 ponto. É pouco?

Nakano: É pouco, tem que cortar mais, e reduzir mais o compulsório. As empresas ainda reclamam da dificuldade de obter crédito. Essa crise no Brasil é diferente da crise típica, que começa com a contração da demanda. A demanda cai, o comércio tem redução nas vendas, isso repercute na indústria e depois nos serviços. Essa é a sequência normal nas crises. Nesta crise, não. A demanda continuou alta, mas houve um travamento no lado da oferta, da produção. Tirando os setores que dependem diretamente do crédito, como automóveis, o varejo continuou a operar como se não existisse crise. As vendas dos supermercados, por exemplo, estão bem. Esse desemprego mais para frente vai afetar os supermercados também, mas essa crise não é tão perceptível porque não começa do lado da demanda.

Valor: De que modo se dá o impacto desta crise?

Nakano: Há o bloqueio do investimento, da produção, por um motivo muito simples. O crédito é um elemento fundamental para os circuitos econômicos funcionarem, para as transações econômicas ocorrerem. Se isso se contrai abruptamente, desorganizam-se todas essas ações.

Valor: O país estava num ciclo em que o investimento crescia próximo ou acima de dois dígitos. Essa pausa é temporária ou nós vamos ficar vários trimestres com o investimento estagnado ou em queda?

Nakano: Acho que serão diversos trimestres. Só quando a demanda começar a crescer para valer sistematicamente os empresários voltarão a investir.

Valor: A recuperação da demanda virá pelo mercado interno ou pelo setor externo?

Nakano: Pelo mercado interno. O Brasil passava por uma situação bastante singular. A recuperação da economia começou de fora, a partir de 2003, com o aumento dos preços de commodities, o boom global, as exportações crescendo. Mas não foi a expansão das exportações que gerou esse crescimento recente. Foi a criação de um novo polo dinâmico baseado na expansão do mercado doméstico. Isso ocorreu por um motivo estrutural. A taxa de natalidade no Brasil atingiu o pico em 1984. A partir de 2000, mais ou menos, começa uma mudança muito significativa. A população em idade de entrar no mercado de trabalho começa a cair, em termos absolutos. O mercado de trabalho fica muito menos pressionado. Com isso, cria-se uma nova dinâmica no mercado de trabalho. As empresas contratam trabalhadores, são obrigadas a formalizá-los e, à medida que tem que elevar os salários, começam a priorizar aumentos de produtividade. Foi criado um círculo virtuoso, em que se geram empregos formais, com salários maiores. A base começa a subir e há esse fenômeno de redistribuição de renda no Brasil. Por sua vez, isso gera uma pressão para os empresários aumentarem a produtividade, o que permite que os salários reais aumentem. Mas a margem de lucros também cresceu, porque os salários cresceram menos que a produtividade. Nós estávamos caminhando para um modelo de mercado de consumo de massa, que os americanos inventaram no fim do século 19 e no começo do século 20.

Valor: É possível retomar essa dinâmica de crescimento?

Nakano: Sim, mas depende de fazer as políticas adequadas. É fundamental retomar o crédito, evidentemente, e ter juros muito menores. Esse processo também foi alavancado por um período curto em que o mercado de capitais fez uma espécie de "by pass" no sistema bancário. Como o sistema bancário está atrelado a juros muito altos, os recursos vieram por meio do mercado de capitais. Nós precisamos retomar esse processo de expandir o mercado financeiro e ter juros bancários menores. Uma outra coisa fundamental é continuar aumentando a produtividade. Eu não estou sugerindo um modelo de economia fechada. É necessário expandir obrigatoriamente as exportações para poder importar mais, porque a nova tecnologia vem sob a forma de novos bens de capital mais modernos.

Valor: Mas dá para exportar mais nesse mundo recessivo?

Nakano: Sim, porque se nós tivermos uma política cambial mais agressiva, a nossa participação em cada um dos mercados é ínfima. Acho que o câmbio ainda vai se desvalorizar mais. O mundo mudou. Aquele período de abundância de capital acabou. Mas é possível ter saldos comerciais maiores, porque nós estávamos com o câmbio valorizado e o que estava gerando déficit em conta corrente era uma expansão muito veloz nas importações. Com o câmbio adequado, você não vai ter isso. Em função do dólar barato, nós estávamos perdendo mercado para os chineses. Com o câmbio mais agressivo, o Brasil compete com chineses, principalmente na América Latina e nos EUA. Nos últimos anos nós descolamos mais da economia americana e colamos mais com a economia chinesa, porque nós estávamos privilegiando exportações de commodities e menos de manufaturados. Com o câmbio mais competitivo, o Brasil volta a exportar para a América Latina, para os EUA, que compram mais produtos manufaturados, e ainda tem a vantagem de poder contar com o mercado chinês, que certamente vai continuar a importar commodities. A China vai desacelerar, mas não vai parar de crescer. Eles têm uma meta de crescimento de 8%, e têm a competência para atingir essas taxas.

Valor: Há uma queda de arrecadação e uma alta forte de gastos correntes. Há espaço para política fiscal anticíclica no Brasil?

Nakano: Muito pouco. Na fase de expansão do ciclo, o melhor teria sido reduzir as despesas correntes, diminuindo a participação das despesas de consumo do governo no PIB, para abrir espaço para a expansão do investimento e das exportações líquidas. Com isso, haveria mais chance de fazer alguma coisa de política fiscal. O espaço para isso hoje é muito limitado.

Valor: O Morgan Stanley prevê queda de 4,5% do PIB e o governo aposta em crescimento de 2%. Quem está certo?

Nakano: Nenhum dos dois, porque fazer previsão nesse quadro de incerteza é impossível. Ainda há instrumentos para o governo brasileiro reagir. Eu já falei em redução de compulsórios e que há muito espaço para reduzir os juros. O futuro neste ano ainda depende muito de decisões de natureza de política econômica. Com isso, é muito difícil fazer previsão. Mas, se tudo permanecer no ritmo atual, a verdade está mais do lado do Morgan Stanley do que do governo. A hipótese de crescer é quase zero.

Valor: Mesmo se adotadas as políticas que o sr. considera corretas?

Nakano: Aí é possível reverter essa situação. Mas são necessárias medidas corajosas e muito fortes do lado do crédito.

Valor: Que crescimento é possível esperar para 2009?

Nakano: A contração na economia vai ser qualquer coisa de -2% a -4%, se tudo correr como está, sem grandes mudanças na política. Mas 2009 ainda está para ser construído. Nós temos essa enorme vantagem, a de que nós estávamos criando esse círculo virtuoso, baseado no aumento do emprego, do salário real, da produtividade, nessa expansão do mercado. Então é rapidamente reativar isso.

Valor: Há alguma previsão de quando os EUA vão voltar a crescer ou é algo que não devemos contar, porque vai demorar muito?

Nakano: Isso vai demorar. Nós estamos vivendo uma situação de incerteza. Não há informação suficiente, não é possível fazer previsão. Uma crise financeira tem uma série de mecanismos de retroalimentação. Quando um banco tem um prejuízo, ele começa a se desalavancar, sendo obrigado a vender ativos. Quando vende ativos, os preços caem, o que causa um prejuízo adicional. O capital próprio se reduz, é comido pelo prejuízo, sendo necessário vender mais ativos, e assim sucessivamente. Como há um conjunto de bancos fazendo isso, os preços dos ativos começam a desabar. Há uma série de mecanismos que interagem e, mais do que isso, a contração de crédito e a destruição de ativos impactam o setor real da economia. Daí a economia real entra num processo de contração que repercute de volta no setor financeiro. Uma queda de empregos gera outras perdas. As incertezas se difundem para todos os segmentos. Isso torna quase impossível prever o que vai ocorrer com a economia e onde a crise vai parar.

Valor: O mundo enfrenta a maior crise desde os anos 30. O sr. não está atribuindo uma importância muito grande ao papel do BC sobre o desempenho da economia brasileira?

Nakano: Se você olha historicamente e pega a crise de 30, enquanto o mundo estava afundando, o Brasil e a América Latina rapidinho começaram a crescer. Isso ocorreu porque nós deslocamos o polo de crescimento da exportação de café para a criação do mercado doméstico, com substituição de importações. O polo virtuoso que estávamos criando pode ter um papel similar ao da substituição de importações na crise de 30.

Como será o novo FMI?

Raquel Landim, de São Paulo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Durante a conferência de Bretton Woods em 1944, que estabeleceu a nova arquitetura financeira global no pós-guerra, o negociador-chefe do Reino Unido, John Maynard Keynes, estava cada vez mais frustrado com a arrogância dos americanos liderados por Harry Dextler White. Uma anedota da época conta que, para confortá-lo, o embaixador britânico Lord Halifax disse: "Os americanos podem ter as bolsas de dinheiro, mas nós temos todo o cérebro."

De nada adiantou a pretensa superioridade intelectual inglesa, pois o Fundo Monetário Internacional (FMI) nasceu como desejava White. Prevaleceu a posição dos Estados Unidos de uma instituição menor que aplicaria seus recursos seletivamente. Também venceu a ideia de utilizar as moedas nacionais nos empréstimos, principalmente o dólar, em vez de um novo ativo proposto por Keynes, o "bancor".

O FMI adotou como mandamento a defesa de White aos preços estáveis e à política monetária disciplinada. Com o passar do tempo, tornou-se ainda mais conservador que seu mentor, pois White compartilhava com Keynes a crença em políticas anticíclicas para manter o nível de emprego na crise. Mas essa configuração está se modificando. Passados 65 anos de sua criação, o fundo é obrigado pela mais grave crise econômica desde a Grande Depressão na década de 30 a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas.

A reunião de primavera do FMI, nos dias 24 e 25 em Washington, promete ser um bom teste para sua suposta guinada heterodoxa, pois ainda há muitas questões em aberto. De onde virá o dinheiro para reforçar o seu caixa? Em vez de cobrar austeridade fiscal, o fundo será capaz de incentivar gastos? O FMI vai efetivamente atuar como regulador e supervisor do sistema financeiro? Os emergentes realmente terão mais poder na instituição? "Se até o fim do mês não tiver nada concreto, podemos colocar as barbas de molho", diz Rubens Ricupero, ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).

Após o encontro do G-20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, em Londres na semana passada, o diretor-gerente Dominique Strauss-Khan comemorou: "O FMI está de volta." Não restam dúvidas de que ele está certo. A crise recolocou o fundo no centro da cena internacional depois de um período de duras críticas, corte de gastos e até de objeções à sua existência. Os líderes mundiais prometeram triplicar o caixa do FMI para US$ 750 bilhões e autorizaram mais US$ 250 bilhões em Direito Especial de Saque (DES), uma espécie de moeda da instituição.

Foi a principal decisão da reunião do G-20 e o único tema sobre o qual foi possível chegar a um consenso. Os países emergentes, como China e Brasil, se comprometeram a colocar dinheiro no fundo (embora ainda não tenham especificado valores), mesmo antes de ser atendido seu pleito de maior poder e participação na instituição. Para essas nações, é muito importante restabelecer os fluxos de capital no mundo, e essas mudanças institucionais levam tempo. Foi estabelecido o prazo de janeiro de 2011 para a conclusão da reforma das cotas do FMI. Os emergentes reclamam, com razão, de que estão sub-representados. A China, por exemplo, possui a mesma fatia da pequenina Bélgica.

O FMI também ganhou múltiplos papéis no combate à crise. O G-20 solicitou que a instituição monitore a implementação das políticas fiscais adotadas pelos países; que emita alertas prévios contra novas turbulências (em conjunto com o Fórum de Estabilidade Financeira); e seja parceiro dos países na discussão sobre quais políticas devem ser adotadas. Além, é claro, de utilizar seus recursos para aumentar a liquidez mundial e para ajudar os países emergentes afetados pela crise, especialmente os de menor desenvolvimento relativo.

A "ressurreição" do FMI já havia começado um pouco antes da reunião do G-20, quando nações como Hungria, Ucrânia, Paquistão e Islândia recorreram ao fundo em busca de uma ajuda de emergência para equilibrar sua balança de pagamentos. Fazia tempo que o fundo não tinha tantos clientes. No período pré-crise de abundância de capital e fluidez do crédito, os países em desenvolvimento fizeram reformas, acumularam reservas e deixaram o FMI às moscas. Além disso, a instituição ainda luta contra um forte estigma. Os países evitam recorrer ao fundo a todo custo, pois aceitar suas pesadas condicionalidades envia ao mercado o sinal de estar à beira da bancarrota.

Nas crises da Ásia e da América Latina na década de 90, o FMI recebeu reprimendas de economistas das mais diversas correntes por causa da insistência em recomendar mais privações - como taxas de juros elevadas e rígidos cortes de gastos - a países que já estavam doentes. Para o professor da Universidade de São Paulo Dante Aldrighi, a crise atual impôs mudanças ao fundo, pois não faz sentido pedir sacrifícios às nações pobres enquanto os Estados Unidos jogam dinheiro de helicóptero para recuperar seu mercado. "A crise financeira provocou a revisão de algumas convicções do pensamento ortodoxo", afirma.

O FMI fez o seu dever de casa ao dobrar os limites para os empréstimos sem condicionalidades e flexibilizar significativamente seus critérios. O objetivo do fundo agora é focar na qualificação dos países antes da tomada do crédito, em vez de impor metas de política econômica. Foi criada uma nova linha de crédito flexível, que prevê empréstimos significativos, de longo prazo e sem limites de renovação, liberados logo após sua aprovação, para países com fundamentos econômicos sólidos e políticas fiscais e monetárias consistentes. Para os países que não se encaixarem nesse critério, também foram relaxadas as regras para os tradicionais empréstimos de stand-by.

Afastado do fundo desde 1995, o México surpreendeu o mundo ao revelar que havia pleiteado um crédito de US$ 47 bilhões no FMI por meio da nova linha de condições flexíveis para combater os efeitos da crise internacional. Ao invés de provocar alarme, a notícia animou os mercados, e o peso mexicano valorizou-se. Um resultado e tanto para o fundo, que espera que o exemplo do México estimule outros países a bater à sua porta antes que a sua situação econômica esteja à beira da catástrofe.

Segundo Paulo Nogueira Batista, diretor-executivo do FMI pelo Brasil e mais oito países da América Latina e do Caribe, o governo brasileiro teve papel importante nessa mudança, pois foi o primeiro a propor a flexibilização dos critérios de empréstimos. Ele garante que não existem mais nas regras exigências como adoção de câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário, mas admite que vai ser preciso supervisionar de perto se as intenções do fundo se transformarão em realidade. "Fizemos dois gols, mas ainda podemos tomar uma bola nas costas e perder a partida", diz.

Há muitas dúvidas entre os especialistas se o FMI vai realmente mudar sua cultura, abandonar as antigas receitas e conceder empréstimos para os países gastarem na reativação de suas economias em vez de economizar para o pagamento de dívidas. Na reunião do G-20, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, declarou que o Consenso de Washington acabou - o conjunto de regras que conduziu a política do FMI para a América Latina.

Martin Feldstein, presidente do prestigiado Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER) e professor de Harvard, diz acreditar que o FMI vai seguir recomendando aos países princípios do consenso como livre comércio e câmbio flutuante. Ele está cético sobre o novo papel do fundo e recorda que não ficou claro se a instituição vai receber todo o dinheiro que foi prometido, já que, por enquanto, estão garantidos apenas US$ 100 bilhões do Japão e US$ 100 bilhões da União Europeia. Também duvida que o FMI vá funcionar como um fiscal eficiente se os países não tomarem as medidas necessárias para sair da crise. "Eles não estão realmente dispostos a disciplinar grandes países como os Estados Unidos", diz ao Valor.

Para Ronald McKinnon, professor da Universidade de Stanford, o Consenso de Washington só pode ser considerado passado no que diz respeito à defesa de regulação mínima dos mercados financeiros e do fluxo de capitais. Ele diz acreditar que não haverá mudança nos princípios envolvidos no comércio de bens e serviços. McKinnon defende que a austeridade tradicional do FMI era adequada quando países individualmente estavam com problemas, mas, no momento de uma recessão global, políticas expansionistas generalizadas são justificáveis.

Com diversos acordos de livre comércio, inflação baixa, contas em ordem e câmbio flutuante, o México é um excelente aluno da antiga receita do FMI e um dos melhores exemplos de países que seguiram o Consenso de Washington. Portanto, não é nenhum trauma para os burocratas do fundo aprovarem uma linha de crédito sem condicionalidades para os mexicanos. Mas o que pode ocorrer se a Argentina, que deu o calote nos seus credores, ou a Venezuela, que controla importações e câmbio, recorrerem ao FMI? "São países com políticas heterodoxas populistas, que possuem inflação alta e contas desequilibradas. Se o FMI for socorrê-los, vai ser pelas condições tradicionais", observa Simão David Silber, professor da USP.

Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, avalia que o motivo determinante do fortalecimento do fundo foi a necessidade dos países ricos de transferir recursos para as nações emergentes atingidas pela crise. O temor de Estados Unidos e União Europeia é que a quebradeira desses países provoque uma nova onda de turbulência global. É o caso do México, vizinho e um dos principais parceiros dos EUA, mas principalmente do Leste Europeu. "Eles não conseguiram pensar em um sistema alternativo para o salvar a Europa Orienal", afirma Rogoff ao Valor.

A União Europeia não possui os mecanismos e a expertise para socorrer essas economias em transição do comunismo para o capitalismo. Uma crise de grandes proporções no Leste Europeu pode ter consequências econômicas e políticas significativas para todo o continente. Japão e China também aceitaram participar do esforço para capitalizar o FMI, porque estão preocupados com a situação de países na Ásia. Na América Latina, o Brasil está em melhores condições que muitos de seus vizinhos.

Outro temor de Rogoff é com a sustentabilidade das "dramáticas" mudanças que o fundo promoveu em seus critérios de financiamento. O economista questiona o que pode ocorrer se os países que receberam montanhas de recursos do fundo para enfrentar a crise simplesmente não se recuperarem. "Se a confiança dos mercados não for reconstruída, o que acontece depois? Parece que os líderes mundiais apenas jogaram o problema para a frente."

Uma das principais críticas de diversos especialistas é que prevaleceu entre os líderes mundiais na reunião do G-20 a percepção equivocada de que era preciso apenas resolver os problemas dos países em desenvolvimento. Praticamente nada foi feito até agora para promover mudanças significativas na regulação do mercado financeiro global, especialmente nos países ricos onde a crise nasceu. Há muitas dúvidas sobre se o FMI pode desempenhar esse papel. "Em princípio, o fundo pode fazer isso, mas não tem a expertise suficiente. Seria preciso contratar uma equipe completa de novos funcionários", diz Rogoff.

Sob os auspícios de um FMI fortalecido e com um novo papel na governança global, os líderes mundiais foram bem-sucedidos em sua ofensiva de relações públicas e uma onda de otimismo se espalhou após a reunião do G-20, culminando em um rally dos mercados de ações. O problema é que se as promessas em relação ao fundo não começarem rapidamente a se transformar em realidade, tudo pode cair em descrédito. Com a crise, o keynesianismo e sua receita de estimular gastos públicos estão nos planos de todos os países, com mais (americanos) ou menos (europeus) ênfase. Mas, quando se refere ao FMI, é bem provável que mesmo depois dessa crise White continue vencendo a batalha contra Keynes.

O presidente do Banco Central chinês, Zhou Xiaochuan, revelou recentemente suas preocupações sobre a utilização do dólar como moeda de reserva internacional e sugeriu a adoção dos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI como alternativa, mas sua proposta tem pouquíssimas chances de ir para a frente. E ninguém chega a cogitar a criação de um dinheiro internacionalizado como o "bancor" de Keynes. Ronald McKinnon reconhece que a expansão fiscal está na ordem do dia, mas diz que isso vem sendo feito sem radicalismos, por meio da expansão do poder de empréstimo do FMI através da contribuições dos países membros - exatamente como previa o plano de White.

Centrais criticam redução de encargos

Kennedy Alencar, Simone Iglesias e Leandra Peres
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Governo, que estudava reduzir o recolhimento de FGTS para evitar demissões, recua após reclamações

Os representantes das centrais sindicais reagiram mal à proposta do governo de reduzir tributos para as empresas -inclusive o recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)- em troca de manutenção no emprego com reduções nas jornadas de trabalho sem corte de salário.

Diante da reação negativa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que reexamine o assunto e tente marcar neste mês nova discussão com as centrais.

Lula também disse que, se os sindicalistas não aceitarem, o governo não levará a proposta adiante. Seria preciso acordo entre empresas e sindicatos para fazer a redução temporária.

Segundo a Folha apurou, o governo está preocupado com o aumento do desemprego e elaborou a proposta, que, apesar nas negativas oficiais, foi discutida ontem com sindicalistas. A Folha revelou ontem que o governo estudava o assunto. A preocupação de Lula é tentar manter empregos sem redução de salário. Daí a contrapartida de desonerar a folha de pagamento das empresas.

Na saída do encontro de ontem com Lula, o presidente da Força Sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), classificou a ideia como "fantasma da Semana Santa" e "coisa de maluco".

"Nenhuma central sindical aceita discutir direitos trabalhistas. Essa conversa do FGTS foi enterrada hoje com o presidente Lula", disse Paulinho.

O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Artur Henrique, explicou que uma desoneração da folha de pagamentos com redução de direitos trabalhistas não se aplica ao momento atual da crise, quando as dificuldades são restritas a setores específicos e já há sinais de recuperação.

"Nesse momento isso não ajuda, não colabora e não constrói a saída da crise. Não é hora para debate sobre redução de direitos trabalhistas", disse Henrique.

Os sindicalistas foram unânimes em apontar a elevada taxa de juros e o "spread" -diferença entre a taxa paga pelos bancos e a cobrada dos tomadores- como mais importantes contra o desemprego.

Oficialmente, o encontro com o presidente Lula serviu para criar mais um grupo de avaliação da crise. O governo decidiu se reunir com empresários e sindicalistas de setores que estão em dificuldades econômicas para avaliar mais rapidamente as medidas que podem ser tomadas para combater os efeitos recessivos.

Linha branca

Durante a reunião com as centrais sindicais, o presidente Lula confirmou que vai reduzir "o mais rápido possível" o IPI de geladeira, fogão, máquina de lavar e tanquinhos. Ele disse que a medida passou a ser urgente por causa da divulgação de que o governo estava estudando novas reduções do IPI, o que reduz as compras.

Ele disse também que está estudando medidas de incentivo para caminhões, máquinas agrícolas e ônibus, que já tiveram redução do IPI com os automóveis.

Juros, BB e o BBB de Lula

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Aflição politiqueira parece levar o governo a recorrer a mágicas e milagres ineficazes para estimular a economia

LULA COMEÇA a fuçar a caixinha de mágicas & milagres econômicos. Força a barra no Banco do Brasil. Quer o Bolsa Empresário (cortar imposto de quem não demitir). Renegocia dívidas a granel. Quer repetir em regra a fórmula do IPI dos carros. Parece aflição desorientada e politiqueira.

Subsidiar casas para pobres foi boa ideia -basta implementar. Emprestar a empresas dólares das reservas também, assim como garantir o crédito de bancos menores. Inteligente ainda foi colocar mais dinheiro no BNDES. Se houver bom negócio, haverá financiamento barato. Mas a demanda privada cai. Cai a exportação, o desemprego sobe. As fábricas ficam ociosas. Cai, pois, o investimento. Mais obras públicas e concessões de serviços públicos estimulariam algum investimento. Mas o governo não consegue nem tapar buracos em estradas, como o demonstrou outro dia esta Folha.

Reduzir o IPI de carros foi outra boa ideia, mas pontual e emergencial. Evitou pânico maior, mais demissões, o que teria engrossado desnecessariamente a bola de neve recessiva. Mas, em clima de demanda reduzida e desemprego crescente, reduções de tributos tendem a ser cada vez menos eficazes para estimular o consumo.

O recurso a esquisitices é também evidência de que o governo passou seis anos quentando ao sol, comendo banana e coçando a pereba da perna, como a família do poema de Drummond. O "spread" está alto desde o período jurássico. Qual foi o plano organizado do governo para reduzi-lo, até agora?

O governo quer forçar BB e CEF a emprestar mais e a juro menor. Vai dar certo? Primeiro, falta dinheiro na praça. Segundo, a procura das empresas anda devagar -considere o caso do BNDES. Terceiro, desde outubro de 2008, início da crise, a fatia dos bancos públicos no total de crédito subiu. Até então andava em torno de 34%. Agora está em 37%. É uma mudança forte. Os estatais têm mais gás?

O governo imagina que, se BB e CEF emprestarem mais, a custo menor, tiram mercado dos bancos privados, que seriam obrigados a reagir. Os bancos privados já abriram mão de mercado em troca de rentabilidade e de segurança. De quanto teria de ser o avanço de BB e CEF para a banca privada emprestar mais e a custo menor? Os estatais, como qualquer banco, têm fundos limitados e não podem ficar no vermelho. Mas correriam mais risco de "seleção adversa": de dar mais empréstimo a mais gente sem condição de pagá-lo, risco que os bancos privados tentam evitar.

Isto posto, é provável que os bancos privados exagerem no conservadorismo e no "spread". Os estatais podem substituí-los? BB e CEF tinham, em dezembro, uns 32% das operações de crédito dos bancos comerciais -é peso. Mas os estatais atuam pesadamente em setores largados pelo setor privado, como habitação e agropecuária. Logo, é menor o peso dos estatais em outros setores de crédito caro e escasso. Por fim, os bancos não atuam todos nas mesmas áreas. BB e CEF podem baixar custos em áreas que não afetam os privados, o que não teria efeito nos juros.

O novo BB de Lula tem cara de BBB político. E de desespero.

PT ganha força no banco a um ano das eleições

Kennedy Alencar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A troca de comando no Banco do Brasil atende ao interesse político do Palácio do Planalto de influenciar mais diretamente as decisões da instituição pública que possam minimizar efeitos da crise econômica. E o PT também aproveita essa mudança para tentar ampliar sua influência no banco a um ano e meio das eleições de 2010.

O novo presidente do BB, Aldemir Bendine, tem laços políticos com o PT, apesar de não ser filiado à sigla. Entre seus padrinhos, está o presidente nacional do PT, o deputado federal Ricardo Berzoini (SP), que fez carreira no sindicalismo bancário.

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a gestão de Antonio Lima Neto era mais refratária ao uso de um banco público como ferramenta de combate à crise. Lula se queixava de eventual resistência do corpo técnico do BB em seguir a orientação política de reduzir o "spread" bancário. O "spread" é a diferença entre o custo de captação de recursos e o quanto o banco cobra ao emprestá-los em suas operações finais.

Na visão do Palácio do Planalto, o BB e a Caixa Econômica Federal deveriam liderar uma articulação para forçar o resto do sistema financeiro do país a reduzir o "spread". Ou seja, baixar suas taxas e tentar tirar clientes de outras instituições, que, pressionadas, poderiam cobrir a oferta da concorrência.

Na avaliação de Lula, a Caixa teria desempenhado esse papel com mais força do que o BB. Houve ainda mobilização da máquina partidária do PT para tentar ampliar seu espaço numa instituição na qual tem presença forte.

Parlamentares do PT levaram ao Planalto mensagens de que a gestão de Lima Neto não transformaria em atos as palavras de Lula para aumentar a oferta de crédito e reduzir o "spread".

Como haverá eleição presidencial em 2010, o reforço da presença petista no Banco do Brasil atende aos interesses dos defensores da eventual candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Lula sabe, contudo, dos limites para partidarizar a instituição, que conta com um corpo técnico de carreira que segue normas de governança administrativa importantes para quem tem ações em Bolsa.

Mas avalia que a crise reforça os defensores de maior intervenção estatal na economia e que, no Brasil, o BB deve cumprir esse papel ao lado de Caixa e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

O homem spread

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Os juros bancários no Brasil são indefensáveis e incompreensíveis. Mesmo assim, a intervenção do presidente da República no Banco do Brasil não é a melhor solução. O banco tem capital aberto e acionistas privados; o controlador pode, mas não deve, demitir o principal executivo do banco e mandar o substituto reduzir juros. Isso só explicita o problema de governança da instituição.

Essa gestão não era brilhante e, como todas as estatais do governo Lula, foi subserviente às determinações políticas do Executivo.

Em outra gestão, só para ficar no caso mais pitoresco, o banco foi usado até para comprar ingressos em show musical para arrecadar dinheiro para o partido do atual governo. Mas a decisão de ontem, e a maneira como foi feita, deixou claro que o governo usa as estatais, mesmo as de economia mista, como se fossem um braço do Executivo, sem respeito aos minoritários e às regras de mercado.

No caso de ontem, foi como se só um homem estivesse impedindo a queda dos juros. Se quisesse usar um dos bancos públicos para liderar um processo de competição para redução do spread bancário, o mais aconselhável seria usar a Caixa Econômica, que é 100% estatal, mas com o cuidado de garantir a solidez financeira da instituição.

Foi o que sugeriu ontem a Carta do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas.

Os juros sempre foram altos no Brasil, os spreads bancários, altíssimos. Em parte porque o Brasil vem se curando, aos poucos, de longas e variadas enfermidades econômicas. Nos últimos dez anos, os juros da Selic ficaram, em termos reais, entre 9% e 13%, calcula o Ibre.

Mais recentemente, caíram para níveis inéditos, mas os juros bancários não acompanharam a mesma queda.

O altíssimo custo do dinheiro no Brasil é uma das travas da economia brasileira, mas a solução é mais complexa. Os bancos públicos já custaram muito ao contribuinte. Tanto Banco do Brasil quanto Caixa receberam, em anos recentes, capitalizações altíssimas do Tesouro com o dinheiro de todos nós. Depois disso, o sistema foi saneado e passou a adotar critérios mais transparentes de concessão de crédito, com a troca do critério político pelo técnico e pela criação de comitês de crédito.

O analista Luís Miguel Santacreu lembra que o banco vinha sendo blindado nos últimos anos e que a decisão de ontem reverte esse processo.

Ele argumenta também que, nos últimos anos, o governo poderia ter trabalhado para a redução do spread com medidas como a reforma tributária.

A decisão de reduzir o spread na lei ou na marra cria vários dilemas. A rentabilidade do banco pode cair e, neste caso, todos os acionistas receberão menos dividendos, entre eles o governo e a Previ, fundo de pensão dos funcionários. Se reduzir os juros muito abaixo dos de mercado, o BB vai atrair as empresas melhores.

Neste caso, mesmo que tenha um número bonito de redução do spread, estará concedendo crédito a quem já tem oferta no mercado. Os dados estarão mascarando a realidade. Se houver uma concessão de crédito dirigido a empresas que em outros bancos pagam taxas de risco muito altas, o BB estará assumindo um risco que acabará estourando na conta do acionista.

Passou o melhor momento para levar os bancos públicos a liderarem um processo de redução do spread através do acirramento da competição. Isso é mais fácil fazer no ciclo de alta.

Agora, quando aumenta a percepção de risco do mercado e há uma escassez de crédito, mesmo que os bancos públicos reduzam as taxas, podem não ser acompanhados pelos bancos privados, que vão competir apenas pelos clientes grandes e de baixo risco. Haverá uma superoferta de crédito para quem já tem crédito; e os que hoje têm dificuldade podem continuar enfrentando a mesma escassez.

Há divergência entre os bancos e o BC quando se faz a decomposição do spread no Brasil. No Banco Central, diz a Carta do Ibre, o spread é dividido assim: 37,4% seriam devidos à inadimplência, 13,5% do custo administrativo, 3,6% ao compulsório, 8,1% aos tributos e taxas, 10% aos impostos diretos e 27% de resíduo não explicado — que seriam o lucro do banco e os subsídios implícitos no crédito direcionado.

Numa entrevista que fiz recentemente com o presidente da Febraban, Fábio Barbosa, não encontrei resposta satisfatória para o fato de eles arbitrarem uma taxa de risco tão alta se a taxa de inadimplência ainda é baixa no Brasil. Um dos argumentos dele é que o crédito direcionado para os setores rural e habitacional tem uma taxa de juros muito baixa, em alguns casos negativa, e que esse custo é repassado aos outros tomadores. De fato há taxas subsidiadas, como a do setor rural, e já que não existe almoço grátis, a sociedade como um todo paga a conta. Mas isso não explica tão altas taxas.

Entre as várias distorções do mercado brasileiro está a concentração bancária.

Hoje, cinco bancos têm 80% dos depósitos. Enfim, esse assunto é complexo, e as soluções simples têm grande chance de estarem erradas e o risco de criarem mais desajustes adiante. A economia brasileira precisa ter spreads bancários parecidos com os do resto do mundo, mas o tema deveria ser tratado com menos emoção, e mais conhecimento técnico.