sábado, 11 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Portanto, existe antes de mais nada um problema de cultura política diante de nós: a tarefa de restituir aos partidos reformistas a consciência de que, na elaboração dos programas, é decisivo o nexo nacional-internacional; a exigência de reafirmar que tal nexo é imprescindível para determinar quer os recursos, quer os vínculos da ação política; a necessidade de tornar claro que, da capacidade de combinar o elemento nacional e o elemento internacional do desenvolvimento, depende a passagem dos partidos da representação corporativa para a função dirigente política; e a necessidade de reiterar que o entrelaçamento do nacional com o internacional distingue os sujeitos políticos dos outros atores sociais. Trata-se, em resumo, de reestabelecer o princípio de que é a hegemonia a noção que os partidos devem recuperar, e só dela pode surgir uma regeneração da sua função e dos seus programas.”

(Giuseppe Vacca, presidente da Fundação Instituto Gramsci, Roma, no livro “Por um novo reformismo”, - pág.96 – Fundação Astrojildo Pereira/ Contraponto, 2009)

O ponto crítico

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Janeiro, pelo menos no que se refere ao bolso do brasileiro, foi o mês que marcou o ponto crítico dos efeitos da crise econômica internacional. A classe C, que vinha crescendo nos últimos cinco anos, chegando a 53,8% da população em dezembro de 2008, caiu para 52% em janeiro, perdendo 2,2% em apenas um mês, no primeiro e único sinal até agora de que a crise chegou ao bolso do cidadão médio. O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, ressalta que em fevereiro a crise não se aprofundou, o que é uma boa notícia, mas também não vieram sinais de que será revertida tão cedo. A classe AB, que vinha crescendo num ritmo até maior — 35% nos últimos cinco anos —, vem caindo desde setembro.

Na última semana de fevereiro, passou a ser 13,2% da população, quando já fora mais de 14%.

A redução da desigualdade na distribuição de renda, e o crescimento da classe média, registrados por pesquisas da Fundação Getulio Vargas do Rio e do Ipea no ano passado, eram fenômenos em escala global antes que a crise financeira eclodisse, em setembro.

Segundo estudo da Goldman Sachs dos Estados Unidos, esse fenômeno teria uma longa duração, durante a qual haveria a mudança do poder de compra em direção às economias médias, a tal ponto que elas poderiam vir a dominar o gasto global pela primeira vez em décadas, à medida que os países de maiores populações, como os incluídos nos Bric, fortalecessem suas economias.

Nesse contexto, a classe média, grupo que vinha crescendo em escala mundial nos últimos dez anos, aumentaria sua participação na renda, fazendo com que a distribuição da renda mundial ficasse menos desigual.

Trabalho de Nora Lustig, professora da Universidade George Washington, publicado nos Cadernos do Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais sobre “A pobreza e a desigualdade na América Latina e os governos de esquerda”, mostra que, entre 1990 e 2005, a incidência da pobreza extrema em nível mundial, medida com a linha internacional de pobreza de US$ 1,25 por dia, caiu de 42% para 25%.

Com relação à América Latina, entre 2002 e 2006 a pobreza extrema se reduziu em 14 países, entre eles o Brasil, enquanto em outros três países — Nicarágua, República Dominicana e Uruguai — a pobreza moderada subiu no mesmo período.

O índice de Gini, indicador usado pela ONU para medir a desigualdade de renda nos países, foi reduzido no Brasil e em mais dez dos 14 países pesquisados, e aumentou em quatro outros, além dos mesmos Nicarágua, República Dominicana e Uruguai, mais Honduras.

Portanto, a redução da desigualdade foi um fenômeno bastante generalizado na região na última década.

Segundo o estudo de Nora Lustig, em geral os países da América Latina governados pela esquerda experimentaram uma redução da desigualdade e da pobreza maior que nos governos anteriores, com exceção da Venezuela, que tem uma trajetória incerta nas políticas sociais, com a pobreza aumentando e sendo reduzida no mesmo governo Chávez, ao sabor do preço do petróleo.

No caso da Argentina, houve uma clara reversão, com a redução da pobreza e da desigualdade no governo justicialista de esquerda, enquanto aumentou nos períodos anteriores. No caso do Brasil, o estudo destaca que no governo Lula se detecta uma aceleração da pobreza e da desigualdade, que nos anos anteriores se mantiveram estáveis ou haviam sido reduzidos ligeiramente.

No Chile, a pobreza extrema foi reduzida durante todo o período do governo da Concertação, inclusive retomando essa tendência em 2001, com a chegada ao governo do Partido Socialista.

A partir de 2002, a pobreza extrema foi reduzida na região em uma velocidade maior do que em períodos anteriores, especialmente pelo benefício que a alta das matérias primas no mercado internacional trouxe às economias da região.

A professora Nora Lustig diz que, embora os números indiquem que os governos de esquerda da América Latina têm maior êxito em reduzir a pobreza e a desigualdade do que governos de outras tendências políticas, e que entre os governos de esquerda, os populistas têm mais êxito do que os social-democratas, é possível que esse melhor desempenho se deva mais à macroeconomia do que às políticas sociais assistencialistas.

Diz a professora que outra questão é se as políticas de redistribuição de renda são sustentáveis. Ela cita os casos de Argentina e Venezuela, que, enquanto os preços das matérias-primas estavam altos e crescentes, puderam disfarçar seus problemas fiscais, e agora, com a crise internacional, ficará mais difícil manter as políticas distributivistas.

Embora o estudo de Nora Lustig não se refira ao Brasil como país em dificuldade para manter suas políticas sociais, é sintomático que o índice de Gini, que vinha sendo reduzido na última década, tenha voltado a crescer.

O aumento médio da desigualdade na década de 60 do século passado foi de 2,28%, enquanto na década atual houve uma queda média de 2,6% ao ano.

A crise econômica internacional afetou em janeiro a desigualdade do trabalho de maneira contundente, de acordo com o estudo da Fundação Getulio Vargas. Em um mês, a taxa acumulada desde maio de 2002 passou de 3,32% para 2,09%.

O índice de Gini apresenta em fevereiro deste ano um número superior ao do mesmo mês do ano passado, a primeira alta da década.

Será o fim do longo período de redução da desigualdade iniciado em 2001? — pergunta o estudo da FGV.

(Continua amanhã)

Costas quentes

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se estiverem corretas as conclusões do delegado Amaro Vieira, no relatório final das investigações sobre a atuação do delegado Protógenes Queiroz no comando da Operação Satiagraha, não há como escapar da evidência: Protógenes tinha as costas quentes. No mínimo, dentro da Polícia Federal, para não dizer no Ministério da Justiça ou até em instâncias superiores.

Não se trata de uma ilação leviana, mas de uma suspeita óbvia, pois um delegado não poderia cometer tantos e tão graves desvios de conduta funcional sem algum tipo de proteção que lhe permitisse agir com desenvoltura e autonomia.

Segundo Amaro Vieira, Protógenes subverteu a hierarquia interna, não prestava contas à diretoria de Inteligência Policial, reportando-se diretamente ao então diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, usou indevidamente servidores da Agência Brasileira de Inteligência, levou para a estrutura da PF agentes do antigo SNI, hoje dedicados a serviços de investigação particular, e lançou mão de parcerias heterodoxas com o Judiciário, Ministério Público e veículos de comunicação.

Um prontuário robusto, para ser analisado à parte do objeto da operação chefiada pelo delegado agora acusado, contra o banqueiro Daniel Dantas. Uma coisa são os crimes dos quais é acusado Daniel Dantas, outra são as suspeitas que pesam sobre o delegado Protógenes.

Misturar as duas não leva a nada senão ao equívoco de transformar em aceitáveis ações inaceitáveis do investigador para não dar a impressão de que, com isso, defende-se o alvo da investigação original. Os crimes de um não justificam os ilícitos do outro.

Da mesma forma, a eventual condenação funcional do delegado Protógenes não pode encerrar as investigações sobre o episódio.

Um homem só não mobiliza os recursos humanos e financeiros necessários para fazer funcionar a rede de ilegalidades que o delegado Amaro Vieira denuncia. Tampouco faz isso sem que encontre obstáculos.

Em seu primeiro depoimento ao Ministério Público, Protógenes Queiroz informou que atuava sob as ordens diretas do presidente da República, sob a coordenação do delegado Paulo Lacerda, com a colaboração de área de inteligência militar, com o conhecimento do procurador Rodrigo de Grandis e do juiz Fausto De Sanctis.

Depois disso, retificou várias vezes suas palavras, desmentiu a participação de todos os outros, admitiu apenas a participação informal e pontual de um ou outro agente da Abin, até que na última quarta-feira se apresentou à CPI dos Grampos em silêncio quase absoluto garantido por habeas corpus do Supremo Tribunal Federal.

Foi loquaz apenas ao acusar. Seja Daniel Dantas ou aqueles tidos por ele seus perseguidores dentro da PF, entre os quais, claro, o delegado Amaro Vieira.

Convidado a explicar, calou-se. Supostamente, portanto, porque não poderia fazê-lo sem se incriminar ou sem aprofundar ainda mais as contradições em relação a declarações anteriores.

Invocou o HC até mesmo para se recusar a responder a quem se reportava na PF durante a Operação Satiagraha.

De acordo com a investigação agora concluída, prestava contas diretamente ao diretor-geral Paulo Lacerda, a quem continuou a se dirigir mesmo depois da transferência de Lacerda para o comando da Abin.

Na primeira vez em que estiveram na CPI, sem habeas corpus, ambos negaram essa relação, tal como rechaçaram o uso da agência na investigação dos crimes de Daniel Dantas. Quando muito, falaram em "meia dúzia" de agentes para serem desmentidos pela revelação, logo em seguida, de que haviam sido 85.

Depois disso, a polícia descobriu que Protógenes armazenava monumental arquivo de informações sobre autoridades, jornalistas, gente comum, políticos, cuja utilidade é ainda desconhecida, embora possa ser presumida.

Por causa dessa descoberta, a CPI, que já se preparava para fechar as portas sem concluir coisa alguma, resolveu reabrir os trabalhos. Chamou Protógenes, chamará Daniel Dantas, prepara-se para obrigar Lacerda a comparecer.

E por que obrigar se o próprio Lacerda há 15 dias disse à CPI que voltaria quando fosse necessário e estaria sempre à disposição?

Porque o ex-diretor da PF, ex-chefe da Abin e atual adido policial na Embaixada do Brasil em Portugal mudou de ideia.

Na terça-feira passada mandou uma carta para a CPI dizendo que na condição de "agente diplomático" estaria impedido de comparecer, na próxima quarta-feira, pela Convenção de Viena.

Baseada na Constituição brasileira, contudo, a CPI decidiu manter a convocação. Já esperando que Paulo Lacerda vá lançar mão de algum subterfúgio e, no limite, invocar primeira vez, como fez Protógenes, o direito ao silêncio.

Mas, como pedir o habeas corpus sem se pôr sob suspeita? Protógenes alegou receio de ser preso. Era um artifício para obter o habeas corpus com o intuito exclusivo de não falar.

Paulo Lacerda, se também precisar calar, pode recorrer ao estratagema do colega e alegar constrangimento por parte da CPI.

Cabral eleva previsão de gastos com publicidade

Alexandre Rodrigues, Rio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que se prepara para concorrer à reeleição em 2010, triplicou a previsão de gastos com publicidade para este ano. Dados da execução orçamentária obtidos pelo Estado mostram que o governador fluminense reservou quase R$ 67 milhões para comunicação e divulgação em 2009.

Em 2007 e 2008, Cabral previu gastos de pouco mais de R$ 20 milhões com publicidade e acabou ultrapassando os R$ 80 milhões com essas despesas no final dos exercícios. Neste ano, o governo já partiu de uma dotação inicial de R$ 66.985.337. Desse total, foram gastos R$ 10,41 milhões nos três primeiros meses do ano.

O resultado pôde ser visto em anúncios em jornais do Rio e em comercial de TV veiculado em horário nobre nas últimas semanas, listando projetos de seu governo. No rádio, um comercial elogia seu plano de unidades de saúde de emergência, que têm colecionado filas.

Anunciando uma "prestação de contas", as peças contrariam a promessa de Cabral que, ao tomar posse, afirmou que só gastaria com campanhas de utilidade pública. Era uma crítica indireta ao estilo do casal Garotinho, que no último ano da gestão de Rosinha (PMDB) gastou R$ 113 milhões com propaganda para exaltar suas obras.

O incremento na publicidade pode estar ligado à tentativa do governador de superar os índices modestos de popularidade com que larga para a reeleição. Pesquisas divulgadas nas últimas semanas mostraram que a aprovação ao seu governo está abaixo de 40%.

As sondagens de intenção de voto revelaram a força de potenciais adversários como Fernando Gabeira (PV) e Marcelo Crivella (PRB) e indicaram que os desafetos Cesar Maia (DEM), Anthony Garotinho (PMDB) e Lindberg Farias (PT) podem dificultar os seus planos.

Instabilidade na América do Sul

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A DEMOCRATIZAÇÃO da América do Sul não se completou. Nos últimos 20 anos, 13 presidentes não completaram o seu período presidencial. O Equador foi o recordista, com seis (Bucaram, Rosalía, Alarcón, Mahuad, Noboa, Gutiérrez). A Argentina teve dois (Alfonsín e de La Rúa). O Brasil, um (Collor). A Bolívia, dois (Lozada e Mesa). O Paraguai, um (Cubas). E o Peru, um (Fujimori).

Regras do jogo foram alteradas no meio dos mandatos para permitir a reeleição: Fujimori, Menem, Fernando Henrique Cardoso. A partir daí -legitimada pelos exemplos-, essa regra foi multiplicada e ampliada, incluindo a convocação de assembleias constituintes em inicio de mandato, alterando as regras do jogo: reeleição, poder absoluto ao presidente... Aí estão Chávez (Venezuela), Morales (Bolívia) e Correa (Equador).

O plebiscito nacional passou a ser regra nesses países -aliás, usual instrumento dos autocratas, como Napoleão, Napoleão 3º, Hitler, de Gaulle... Na Grã-Bretanha e nos EUA nunca ocorreram plebiscitos nacionais. O Brasil já fez alguns que não resultaram -presidencialismo em 63, regime de governo em 93, armas em 99- e, grave, abriram o uso de um perigoso instrumento contra as instituições democráticas.

O Brasil viveu um longo e exemplar período de estabilidade das instituições políticas no império de d. Pedro 2º. Brasil e Inglaterra foram -quase- os dois únicos países com estabilidade institucional nesse período. Lembre-se as guerras do México e de Secessão nos EUA, as revoluções de 1848 na Europa, a Comuna de Paris, as unificações italiana e alemã...

Recentemente introduziram-se na América do Sul novidades desestabilizadoras. É o hiperpresidencialismo. Na Venezuela, na Bolívia e no Equador, o Poder Legislativo é simplesmente desconsiderado pelo Executivo e tem funcionamento de fachada. A Argentina legalizou esse sistema por meio de uma super lei delegada, dando ao presidente quase todos os poderes e micromizando o ato de legislar.

O Brasil tem situação parecida, com o caso de aluguel de mandatos (mensalão), abuso de medidas provisórias e uma convergência implícita no desgaste do Legislativo. A América espanhola viveu, a partir do período das independências, instabilidade permanente. Havia consenso para a independência, mas não para institucionalizar um novo regime. Não era simples substituir a legitimidade "divina" da coroa por regras de ocasião.

O processo de democratização da América do Sul, nesse sentido, não se completou. A observância das formalidades tem servido para mudar as instituições, abrindo, onde ocorreu, espaço inevitável a seu questionamento futuro. Chile e Uruguai são exceções.

Planalto quer aproximar Dilma dos sem-terra

Eduardo Scolese
Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O governo tenta amenizar a resistência de movimentos sociais à ministra Dilma Rousseff, principal nome petista à sucessão de 2010. A estratégia inclui uma reunião entre a ministra e líderes dos sem-terra, que a vêem como alinhada ao agronegócio

Planalto tenta aproximar Dilma de movimento social

Ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) é escalado como interlocutor

Apontada como potencial candidata do PT à sucessão do presidente Lula, ministra seria vista por sem-terra como aliada do agronegócio

O Palácio do Planalto decidiu se mexer para tentar amenizar a resistência dos movimentos sociais com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), principal nome petista para a sucessão presidencial de 2010.

O ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) foi escalado para organizar uma reunião informal e secreta da ministra com líderes desses movimentos, em especial dos sem-terra. Os primeiros contatos já foram feitos, mas ainda não há data acertada.

Outra determinação palaciana partiu para Rolf Hackbart, presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A estratégia é que ele monte uma agenda "com a cara da ministra" nos assentamentos de reforma agrária pelo país afora.

Um dos principais entraves à ministra está no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por isso essa agenda nos assentamentos será planejada de forma que ela consiga fugir do discurso de metas, acampamentos, violência no campo e desapropriações e possa ficar mais à vontade para falar sobre projetos de irrigação e inaugurações do programa Luz para Todos.

Agronegócio

A resistência dos movimentos à ministra não é nova. Ela é vista por eles como defensora de um modelo de desenvolvimento próximo ao que pensa o agronegócio, supostamente sem preocupação ambiental e com simpatia à entrada de empresas estrangeiras no país.

Por conta das hidrelétricas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Dilma é mal vista no MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens). Já no MST é rotulada como uma "desconhecida" que se apega em sua história pessoal, mas não busca o diálogo com os movimentos.

No recente artigo "Por que Dilma?", o assessor da CPT (Comissão Pastoral da Terra) Roberto Malvezzi afirma que o PAC tem aspectos positivos, como o saneamento ambiental, mas "daí para frente o PAC é a cara dos militares e de Delfim Netto, numa lógica irremediavelmente predadora". "A visão de mundo de Dilma pertence a esse perfil. Não é a pessoa com a visão de mundo adequada para os atuais desafios brasileiros e mundiais", completa o texto.

A resistência aumentou no final do ano passado, quando, em um evento com movimentos no Planalto, Dilma foi saudada como candidata por alguns dos convidados.

MST e outros movimentos enxergaram as saudações pró-Dilma como algo encomendado pelo governo federal, o que acabou esvaziando o objetivo do encontro: pedidos por mudanças na política econômica.

Base de apoio

Tudo isso, porém, não significa uma inclinação dos movimentos a uma outra candidatura. Indica apenas uma pressão para que a candidata de Lula assuma compromissos setoriais de campanha e que a sua eventual eleição não signifique um distanciamento do Planalto com os movimentos.

A preocupação do Planalto não visa apenas o período de campanha. O foco está numa base de apoio em um eventual governo Dilma. Esses movimentos sociais foram importantes para o presidente Lula no auge da crise do mensalão, em 2005, quando saíram às ruas para defendê-lo da tentativa de impeachment sugerida pela oposição.

De olho em 2010, além da montagem de uma agenda e da organização de um encontro, o Planalto fez chegar ao MST que foi apenas uma "bronca", e não uma sinal de "rompimento", uma recente declaração pública do presidente Lula na qual chamou de "inaceitável" o argumento do movimento para a morte de quatro seguranças de uma fazenda em Pernambuco.

O recado conta ainda com a promessa de manutenção, mesmo com restrições, dos repasses de recursos para novos convênios com sem-terra.

POEMA DA AGONIA

Graziela Melo

Entra noite
Sai dia

E a mesma
Agonia...

Não há pão
Nem poesia

Só fome,
Aflição,

João
E Maria!!!

Entra noite
Sai dia...

Quem vai liderar este novo mundo multipolar?

Fernando Abrucio
DEU EM ÉPOCA


O G20 é um marco histórico, mas é preciso definir quem vai segurar o leme nos momentos críticos

A reunião do G20 foi um marco histórico. Sepultou o antigo clubinho dos desenvolvidos e incluiu mais países no centro decisório do mundo. O resultado mostrou uma ordem internacional mais multipolar, em contraste com a bipolaridade da Guerra Fria e com a dominância americana recente. Tudo isso é um avanço. O problema é saber quais serão as bases da cooperação entre as nações daqui para diante. Em outras palavras: como será o processo decisório da nova governança global?

A primeira hipótese seria a realização de acordos apenas com a aceitação de todos os atores globais. Mas quem seriam eles? Todos os integrantes do G20? Será que as outras nações não gostariam de ter um sistema de acesso a esse clube? Tais perguntas são embaraçosas e mostram que a multipolaridade pode ser um fato, mas não define por si quem serão os novos atores. Provavelmente, estamos assistindo ao surgimento de um mundo em que as principais potências terão de conversar e, em algumas situações, negociar com mais países – sem que isso, contudo, signifique que todos terão o mesmo poder de voto. Não se trata aqui apenas de um problema de distribuição de poder. A experiência da Organização Mundial do Comércio (OMC), baseada no princípio da unanimidade, revelou que também existe uma questão de eficácia do sistema decisório internacional. Basta ver a interminável novela da Rodada Doha, na OMC.

Caso se aceite a ideia de que alguns países terão mais poder que outros no final – embora só possam fazê-lo depois de ouvir e levar em consideração outras nações –, fica pendente a seleção dos “escolhidos”. Serão os poderes efetivos e os construídos internacionalmente que definirão esse processo.

O poder efetivo das nações vincula-se à riqueza e ao poderio geopolítico, este último ligado – mas não só – à capacidade militar. Estados Unidos, as peças centrais da União Europeia – Alemanha, Inglaterra e França –, Rússia, China e Índia detêm tais condições. Mas a legitimidade internacional construída pelos países também deve ser colocada como critério para estar no clube dos mais poderosos. A necessidade de obter legitimidade numa ordem internacional mais multipolar abre espaço a países sem tanta riqueza ou poder militar, mas que estejam numa rota de fortalecimento econômico e geopolítico, que atuem como intermediadores dos descontentes ou de regiões sem lugar cativo no clube dos poderosos. Essa é a possibilidade aberta a nações como África do Sul e Brasil.

Sai desse novo contexto a frase de Barack Obama ao presidente Lula. O líder americano sabe que a configuração multipolar não ignora os poderes efetivos, mas percebeu rapidamente que sua força depende cada vez mais da legitimidade de sua atuação, incluindo aí a simpatia de potências intermediárias, capazes de reduzir os custos da cooperação ou de abrir as portas a barganhas interditadas. Se a tradução deve ser “Ele é o cara” ou “Ele é meu chapa”, tanto faz. O que importa é a necessidade de construir alianças com nações como o Brasil, tanto por seus poderes efetivos como por sua capacidade de construir legitimidade internacional.

A ordem multipolar contará com algumas nações mais fortes à frente, outras intermediárias um pouco abaixo, embora estas possam ter poder de interferir no jogo entre os poderosos. Talvez tenhamos um G20 com sete ou oito nações no primeiro bloco e três a quatro no segundo. A definição do número e dos nomes dos atores globais não esgota o problema. De que maneira definirão o processo decisório? As instituições internacionais terão de ser reformuladas para a nova realidade, algo que demandará tempo. Mesmo quando isso ocorrer, as decisões serão mais eficazes à medida que houver lideranças capazes de mobilizar e convencer os demais. Uma ordem multipolar precisa, particularmente nos momentos mais críticos, que alguém ou alguns poucos segurem o leme. Nos próximos anos conheceremos os timoneiros da mudança – e quem o fizer terá mais legitimidade no futuro, como os EUA no pós-guerra.

Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

Pela transparência no setor público

Carta do diretor de redação Helio Gurovitz
DEU EM ÉPOCA


A estabilidade monetária no Brasil foi uma das mais duras conquistas de nossa sociedade – e é hoje nossa principal defesa contra a crise financeira global. Ela custou, ao longo de mais de duas décadas, um preço altíssimo: uma onda de hiperinflação e um sem-número de planos econômicos. Foram passes de mágica ou alquimias que se propuseram, basicamente, a revogar a lei da gravidade. Assim que o país aceitou que, para o bem de todos, era preciso aceitar os princípios que regem a economia, em vez de tentar resolver o problema por meio de malabarismos, o Brasil trouxe em pouquíssimo tempo a discussão inflacionária para um terreno sólido – o terreno da razão.

Os pilares sobre os quais se erguem todos os edifícios desse terreno se baseiam numa noção simples, que vale não apenas para a economia: questões técnicas devem ser resolvidas por quem as entende em toda a sua complexidade. Não adianta pedir a um engenheiro para fazer uma cirurgia, nem a um médico para construir uma ponte. Pelo mesmo princípio, a área de energia deve ser comandada não por alguém que agrade a interesses políticos ou partidários, mas por quem domine a complexidade de nossa questão energética. E um banco – seja ele público ou privado – deve ser regido pelos princípios inerentes à atividade e ao mercado bancários: concessão de empréstimos, cobrança de dívidas e atração de depósitos e investimentos privados. Trata-se de um problema para banqueiros resolverem, não para ministros, muito menos para o presidente da República.

É triste constatar que o governo parece, aos poucos, abandonar o terreno da razão nessas áreas. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu trocar o presidente do Banco Brasil, pois o ocupante do cargo não estaria, em seu entender, combatendo com a devida força o “spread bancário”. A intervenção política numa empresa de capital aberto gerou uma onda de incerteza no mercado. Ela prejudica não apenas os acionistas do Banco do Brasil, mas todos os cidadãos que dependem da estabilidade de nosso sistema financeiro. Um banco público em que manda este ou aquele político, de acordo com seus interesses – por mais nobre que pareça o combate ao “spread”–, pode se tornar um foco de manobras danosas a seus clientes e acionistas, quando não simplesmente de corrupção.

Uma situação ainda pior já vive a Agência Nacional do Petróleo (ANP), cujo comando foi entregue não a especialistas técnicos devidamente credenciados, mas a um grupo político ligado ao Partido Comunista do Brasil. Como revela a extensa investigação realizada pelos repórteres Isabel Clemente e Andrei Meireles nesta edição de ÉPOCA, a ANP se converteu num centro onde proliferam esquemas suspeitos e transações nebulosas, ligados a figuras obscuras. É o tipo de coisa que acontece quando os interesses políticos sobrepujam os critérios técnicos. ÉPOCA tem convicção de que a mesma força técnica e consciência moral usadas para domar a inflação devem ser empregadas em todas as agências reguladoras, como a ANP, ou instituições públicas, como o BB. Elas devem ser administradas de modo transparente, livres de intervenções políticas arbitrárias, portanto livres de corrupção.

HELIO GUROVITZ
Diretor de Redação

PSB defende 2 candidatos contra Serra e lança Ciro

Julia Duailibi e Christiane Samarco
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O PSB, que faz parte da base aliada do governo, vai promover um giro nacional para colocar em evidência o presidenciável Ciro Gomes. O partido acha necessário ter dois candidatos governistas para forçar um segundo turno na eleição presidencial de 2010, contra José Serra, do PSDB. “O governo não pode ficar só com a Dilma. É muito arriscado”, disse o senador Renato Casagrande (ES), da executiva do PSB


PSB alerta que crise ameaça Dilma e articula Ciro para forçar 2º turno

"Operação Pernambuco" prevê lançamento de dois candidatos da base governista em 2010 para enfrentar Serra

Com a tese de que é necessário lançar dois candidatos governistas para forçar um segundo turno na eleição presidencial de 2010, o PSB começou a executar um giro nacional para colocar em evidência o presidenciável do partido, Ciro Gomes.

A articulação já ganhou até um nome, a chamada "Operação Pernambuco". Trata-se de uma referência às eleições de 2006 naquele Estado, quando a oposição lançou dois candidatos, Eduardo Campos (PSB) e Humberto Costa (PT), contra o candidato do governo, Mendonça Filho (DEM), então favorito e apoiado pelo ex-governador do Estado, Jarbas Vasconcellos (PMDB). A oposição conseguiu forçar o segundo turno e Campos acabou vencendo.

"O governo não pode ficar só com a Dilma, é muito arriscado", advertiu o senador Renato Casagrande (ES) na reunião da executiva do PSB, na semana passada, em referência à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. "Uma economia em queda expõe as mazelas do governo", emendou o senador.

O temor da cúpula socialista é de que as dificuldades econômicas arrastem a candidatura da petista Dilma, abrindo espaço para a vitória em primeiro turno do candidato da oposição. O PSB aposta todas as suas fichas na candidatura do governador paulista José Serra (PSDB), e também não tem dúvidas de que grande parte do debate de campanha se dará em torno da gestão pública, área em que o tucano tem mais experiência.

Para Roberto Amaral, vice-presidente do PSB, lançar duas candidaturas é "uma forma de garantir a defesa do governo e de assegurar um segundo turno". "Há espaço para mais de um candidato da base. Temos dois exemplos, um bem-sucedido, que foi Pernambuco, e um malsucedido, que foi São Paulo. É o mesmo raciocínio para 2010", disse o deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). O parlamentar se refere à eleição de 2008, quando o PT, de Marta Suplicy, foi vencido por Gilberto Kassab (DEM). À época, aliados dos petistas insistiam em ter mais uma candidatura de oposição, mas o PT preferiu se aliar ao PC do B, de Aldo Rebelo, já no primeiro turno. Alguns pessebistas também desconfiam do fôlego de Dilma para vencer Serra, o que dá mais combustível ao lançamento de outra candidatura da base.

TELEVISÃO

O partido pretende dar musculatura à candidatura de Ciro nos próximos meses. Deputado pelo Ceará, ele será a principal estrela do programa de TV do PSB, que vai ao ar no dia 16. No calendário, são articuladas viagens pelo País, cujo motor é crise econômica, tema que Ciro, ex-ministro da Fazenda (1994), debate com familiaridade.

Há cerca de quinze dias, ele esteve em Manaus, onde conversou com empresários locais. Neste fim de semana deve ir a Porto Alegre. Na agenda, há ainda viagens para Rio Branco, Cuiabá e Belo Horizonte. Na terça-feira, há uma reunião entre os líderes do partido para discutir, entre outros pontos, uma pesquisa nacional que está sendo realizada em todo o País.

É com base na pesquisa que os líderes do PSB pretendem conversar com Lula sobre a conveniência de se lançar mais um candidato da base governista. "Vamos mostrar ao presidente nossas razões. Em 2002, nossas assessorias se entenderam muito bem. Vamos tentar convencê-lo", disse Amaral. O partido acredita que pode melhorar o potencial de votos, que em 2006 ultrapassou 21 milhões. "Dos três candidatos (Serra, Dilma e Ciro), ele foi o que teve menos exposição. Ainda assim, aparece bem nas pesquisas", afirmou o presidente do PSB paulista, Márcio França.

ESPERA

Ciro demorou para começar a se posicionar como uma alternativa para 2010. Ex-ministro da Integração Nacional, ele tem boa relação com o presidente e temia que a antecipação da eleição fosse prejudicial ao debate. Por outro lado, dizem aliados, também esperava uma sinalização do presidente, que acabou por abraçar a pré-candidatura de Dilma. "Agora estamos organizando com ele a agenda do partido. Estamos dialogando com ele de uma forma mais intensa", disse Casagrande.

Lula ainda é reticente em relação à existência de dois candidatos da base. O parceiro preferencial é o PMDB, mas o partido pode entrar dividido na eleição, o que poderia propiciar uma indicação de Ciro ou Eduardo Campos para vice de Dilma. Amaral resiste a essa opção, mas afirma que "não é um determinismo o PSB ter candidato nem uma tragédia apoiar (o PT)". Em 2006, o partido não apoiou oficialmente a reeleição de Lula em razão da verticalização, que condicionava as alianças regionais à federal.

O partido quer que Ciro aproveite a vertente economista e mergulhe nos temas sobre o País. "Eu sei onde está o dinheiro", chegou a comentar o ex-ministro, em entrevista recente à Rede TV, ao ser indagado sobre as respostas para a crise.

Lições de Marcito

Cristovam Buarque
DEU EM O GLOBO


Faleceu, na sexta-feira da semana passada, um dos raros brasileiros símbolo , por seus gestos e suas falas. Foi sua fala na Câmara de Deputados, em 1968, que levou a ditadura a fechar o Congresso que ela mantinha aberto, passivo, dependente, inoperante e irrelevante, apenas um adorno do sistema ditatorial para dizer que aqui havia uma diferença em relação a outras ditaduras.

Marcio Moreira Alves tornou-se símbolo. Símbolo, para todos nós, da tomada de posição, do gesto daqueles que não querem ficar calados, e que falam independentemente das consequências das verdades ditas. Símbolo da intransigência com os poderosos, da política com base em princípios, dos políticos com causas. Marcito foi o símbolo da falta de transigência com o golpe militar, mesmo que sua tomada de posição tenha levado ao agravamento da repressão. A consequência foi um acirramento da maldade ditatorial, mas também o fim da falsa impressão de paz que resultava do silêncio dos que transigiam com a ditadura.

Marcito não queria fechar o Congresso; queria, na verdade, abri-lo.

Mas só tinha a força da fala, que às vezes espera anos para manifestar seu poder — como em verdade ocorreu, 17 anos depois. Ele não queria com seu discurso fechar o Congresso, mas não aceitava pagar o preço da tolerância para manter a ditadura disfarçada, aceita em nome do “menos mal”. Há momentos em que a política precisa ser intransigente, existir em nome da verdade, sejam quais forem as consequências.

Marcito foi um exemplo disso. Fez o que devia ser feito naquele momento, diante da omissão de muitos, tanto dentro do Congresso quanto nas ruas.

Ele e o Brasil pagaram um preço alto com o fechamento do Congresso, mas um preço que estava sendo pago aos poucos, e deixando a impressão de que não era pago. Em vez de admitirmos com clareza que o Brasil vivia uma ditadura, preferíamos dizer que a ditadura poderia ser pior. Márcio Moreira Alves é um símbolo do momento da verdade e do preço que se paga por ela.

Hoje, em tempos de democracia, Marcito não deixaria de denunciar que a democracia não está completa, que os avanços na educação, na transparência, na ética são insuficientes para fazer um Brasil justo e eficiente.

Ele não foi somente um político, foi sobretudo jornalista. E foi também um símbolo do jornalismo que faz a pauta e a matéria comprometidas com a verdade, conforme a verdade, sem manipulação. Marcio foi ao fundo da verdade como repórter, e nessa função descobriu que, além dos escândalos e vergonhas, há verdades positivas a serem ditas sobre a política.

Não duvidou em dizer as boas verdades na sua coluna, no jornal “O GLOBO”. Eram os “Sábados azuis”, em que descrevia as experiências de políticas públicas implantadas ao longo de todo o território brasileiro, por prefeitos e governadores que aos poucos iam mudando, localmente, a realidade brasileira.

Marcio foi um exemplo de jornalista e de político, por apresentar uma qualidade rara: a intransigência em defesa da democracia e da verdade, inteiras e completas. Seu exemplo é ainda maior em um tempo no qual a transigência, tanto na política quanto no jornalismo, tornou-se constante.

A transigência dos políticos que defendem as saladas partidárias, em nome da vitória eleitoral, da conquista de cargos e de evitar o pior. E do jornalismo que, em busca da venda dos jornais, tem preferência pelos escândalos e não pelo debate aberto, pela verdade, mesmo que em torno de fatos positivos.

Entramos em um tempo de transigências aceitas como a regra normal da política. Por isso, nessa semana, morreu a boa intransigência — contra a corrupção, a ditadura, a mentira.

Marcio fará falta como analista, jornalista, sobretudo como amigo de tantos. Mas sua falta será compensada pelo papel que desempenhará como símbolo, pela memória de suas falas e de seus gestos. Acima de tudo, pelo fato de sua defesa da democracia ter provocado o agravamento momentâneo do regime autoritário, como prova de sua fragilidade e fracasso.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).

Consumo de crise

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O consumidor já mudou seus hábitos e está comprando menos produtos de maior valor agregado.

As pessoas admitem cortar gastos, trocar marcas e estão mais pessimistas do que na crise de 2003. A queda dos perecíveis começou no ano passado, com a alta das commodities. Para se manter no gosto do consumidor — e no bolso — alguns setores vão precisar inovar.

Uma pesquisa da Nielsen mostra que o consumo no primeiro bimestre já desacelerou.

Em algumas categorias, como perecíveis, já havia caído em 2008, para 2007, e neste início de ano caiu mais um pouco. A pesquisa mostra que os consumidores estão mais cautelosos e vão reduzir gastos.

Pelos dados, 45% dos entrevistados vão cortar despesas com refeições fora de casa, 44% com telefonia celular — que está em desaceleração este ano —, 37% com produtos eletroeletrônicos, 30% com roupas e 17% vão cortar no abastecimento do lar.

— Para as empresas, não é bom parar de investir ou de inovar, porque depois é mais difícil recuperar a preferência do consumidor — diz o analista de mercado da Nielsen, Ricardo Alvarenga.

De 1994 a 2007, dobrou o volume de vendas no país nas categorias auditadas pela Nielsen. Em 2008, o aumento foi só de 0,5%. Este ano, a tendência é de queda e de mudança de hábito. As classes C, D e E, até o ano passado, dividiram suas despesas do dia a dia com prestações dos novos equipamentos das casas. Na classe C, foram mais 800 mil novos lares com máquinas de lavar e mais 1 milhão deles com micro-ondas. Nas classes D e E, foram mais 650 mil lares com TV colorida. No setor de bebidas, uma novidade ganhou espaço: as feitas à base de soja entraram em mais 2,2 milhões de novos lares em 2008, e o maior crescimento deste setor foi nas classes D e E, que passaram a consumir 32% mais.

Com o pessimismo em alta, o primeiro item a ser cortado é alimentação fora de casa, e o segundo são os gastos com telefonia celular, que nos últimos anos ganharam espaço no orçamento doméstico. Alguns produtos têm marca consolidada, como creme dental, e não devem ter muita migração. Já refrigerantes, cervejas, margarinas e chocolates têm marcas conhecidas, mas há espaço para inovações em embalagens.

Outros produtos da cesta de consumo, como papel higiênico, iogurtes, biscoito, amaciantes, shampoo, lâmina de barbear, café, as linhas de pós-shampoo e tinturas têm mais risco de mudança de marca, segundo avaliação dos especialistas.

O ano passado marcou a fronteira entre a abundância e a crise. Foi de crescimento acelerado nos três primeiros trimestres e despencou no último. E isso de certa forma se vê no consumo. Os números de 2008 ainda são de crescimento, mas foi no fim do ano que o consumidor começou a pisar no freio.

— A produção de laticínios teve uma queda de 7,5% no primeiro bimestre de 2009, mais ou menos a mesma queda do setor de bebidas.

As bebidas light, segmento que vinha crescendo, está em queda um pouco menor. Esses setores dependem de poder aquisitivo e o consumidor está mais seletivo — diz o diretor de economia da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação, Dênis Ribeiro.

A crise afeta a economia de forma diversa. O varejo sente os efeitos da crise. As empresas de cosméticos dizem não sentir queda nas vendas.

A Natura informou que está investindo em lançamentos de uma menor quantidade de produtos, mas com maior divulgação, e que acompanha o cenário com lupa.

— Estamos atentos ao que acontece na crise e flexíveis para reduzir ou ampliar o investimento. Até agora não fomos afetados, mas mês que vem podemos sentir os efeitos da crise. O nosso orçamento é quase mensal — conta o vice-presidente de negócios para o Brasil da empresa, José Vicente Mariano.

Outra indústria do setor, a Unilever, que também atua em alimentos, investe em divulgação e na manutenção de suas marcas principais no mercado.

— O consumidor não leva em conta só o custo. Se deixar de investir, perde participação de mercado e vai custar mais para recuperar depois. Tem de ter um portfólio, com marcas mais baratas e outras de valor agregado.

Até porque, se o consumidor já é fiel a uma marca, pode passar a ser fiel a outras marcas nossas — diz o vice-presidente de assuntos corporativos da empresa, Luiz Carlos Dutra.

Outros setores só conseguem manter o nível de vendas com promoções. Na quinta-feira, uma leitora da coluna nos contou que comprou óculos escuros depois de obter 40% de desconto e com parcelamento em seis vezes, tudo oferecido pela ótica e desta maneira: 30% do desconto eram da loja e os outros 10% eram da comissão da vendedora.

O presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Calçados, Marconi Leonel dos Santos, disse que o mês de março deve ter uma queda de 2% no faturamento, depois de um primeiro bimestre em que o volume de vendas cresceu, mas, com as liquidações, os preços foram menores e o faturamento ficou estável.

— Para o segundo trimestre estamos cautelosos, mas abril começou melhor.

O consumo em época de crise varia mês a mês. O consumidor é mais arisco.

Fica no mercado quem sabe usar as velhas armas da qualidade e do preço.

Com Leonardo Zanelli

Façam bancos tediosos

Paul Krugman *, The New York Times
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Há mais de 30 anos, na época em que eu acabava de me formar em Economia, somente os meus colegas de turma menos ambiciosos procuraram fazer carreira no mundo financeiro. E mesmo então, os bancos de investimentos pagavam mais do que as universidades ou o funcionalismo público - embora não muito mais, e, de qualquer modo, todos sabiam que trabalhar em banco era uma coisa tediosa.

Nos anos seguintes, evidentemente, o sistema bancário deixou de ser tedioso. As negociatas iam de vento em popa e os níveis salariais nas finanças dispararam repentinamente atraindo grande número dos melhores e mais dotados jovens da nação (bem, não tenho muita certeza quanto aos "melhores"). E os americanos tiveram a garantia de que no nosso superdimensionado setor financeiro estava o segredo da prosperidade.

No entanto, ao contrário, o mundo das finanças transformou-se no monstro que engoliu a economia mundial. Recentemente, os economistas Thomas Philippon e Ariell Reshef fizeram circular o estudo Wages and Human Capital in the U.S. Financial Industry, 1909-2006 (Salários e capital humano no setor financeiro dos EUA). Eles mostram que, no século passado, o sistema bancário dos EUA cobriu três épocas.

Antes de 1930, era um setor particularmente interessante, com várias personalidades cercadas por uma aura de grandeza, que construíram gigantescos impérios (que posteriormente revelaram-se baseados na fraude). Este ambicioso setor determinou um rápido aumento da dívida: o endividamento das famílias como porcentagem do PIB, quase dobrou entre a Primeira Guerra Mundial e 1929.

Durante a primeira fase das altas finanças, executivos de bancos percebiam, em média, salários muito maiores do que seus colegas de outros setores. Mas as finanças perderam seu glamour quando o sistema entrou em colapso com a Depressão.

O setor bancário que emergiu do colapso obedecia a uma rígida regulamentação, era muito menos interessante do que antes da Depressão, e muito menos lucrativo para os que o dirigiam. O sistema bancário tornou-se algo tedioso, em parte porque os executivos eram extremamente conservadores em matéria de empréstimos. O curioso é que esta era de bancos tediosos foi uma era de progresso econômico espetacular para os americanos.

Entretanto, depois de 1980, com a mudança dos ventos da política, foram eliminadas muitas regulamentações que haviam sido impostas ao setor e o sistema bancário voltou a ser interessante. O endividamento começou a crescer de maneira rápida, chegando quase ao mesmo patamar de 1929 em relação ao PIB. As dimensões do setor financeiro explodiram. Em meados daquela época, representava um terço dos lucros das empresas.

Enquanto estas mudanças ocorriam, uma carreira nas finanças voltou a ser altamente compensadora, com remunerações espetacularmente elevadas, para os que construíam novos impérios financeiros.

Não é preciso dizer que os novos superastros acreditavam que haviam merecido ganhar sua riqueza. "Acho que os resultados da nossa companhia, dos quais saiu a maior parte da minha riqueza, justificaram o que eu consegui", declarou Sanford Weill em 2007, um ano depois de se aposentar do Citi. Muitos economistas concordaram com ele.

Somente alguns advertiram que este sistema financeiro supercarregado poderia acabar mal. A Cassandra mais notável foi talvez Raghuram Rajan da Universidade de Chicago, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Numa conferência da qual participou em 2005, ele argumentou que o rápido crescimento das finanças aumentara o risco de um "derretimento catastrófico".

Mas outros participantes da conferência, como Lawrence Summers, atualmente diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, ridicularizaram os temores de Rajan.

E o derretimento aconteceu.

Grande parte do aparente sucesso do setor financeiro revelou-se então uma ilusão. Pior ainda, o colapso lançou no caos o restante da economia, enquanto o comércio e a produção industrial mundial caíam na realidade mais rapidamente do que durante a Grande Depressão. A catástrofe provocou apelos para uma regulamentação mais rígida do setor financeiro.

Eu acho que as autoridades econômicas ainda acreditam numa reformulação da área de supervisão dos bancos. Elas não estão absolutamente dispostas a fazer o que deve ser feito - ou seja, tornar novamente o sistema bancário um setor tedioso.

Em parte, o problema está no fato de que isto significaria executivos mais pobres; além disso, o setor tem muitos amigos nos altos postos. Mas é também uma questão de ideologia: apesar do que aconteceu, a maioria das pessoas que ocupam cargos de poder ainda associa finanças exorbitantes a progresso econômico. Encontraremos a vontade de adotar uma reforma financeira de fato?Se não for assim, a crise atual deixará de ser um acontecimento esporádico, mas determinará o próprio futuro.

*O autor é articulista