terça-feira, 26 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

Nossas afirmações anteriores não significam a inexistência de verdades no senso comum. Significam que o senso comum é um conceito equívoco, contraditório, multiforme, e que referir-se ao senso comum como prova de verdade é um contra- senso. È possível dizer corretamente que uma verdade determinada tornou-se senso comum visando a indicar que se difundiu para além do circulo dos grupos intelectuais, mas, neste caso, nada mais se faz do que uma constatação de caráter histórico e uma afirmação de racionalidade histórica; neste sentido, contanto que seja empregado com sobriedade, o argumento tem o seu valor, precisamente porque o senso comum é grosseiramente misoneísta e conservador, e ter conseguido inserir nele uma nova verdade é prova de que tal verdade tem uma grande força de expansividade e de evidência."


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 118 – Civilização Brasileira, 2006.)

No panteon dos ex-presidentes

Wilson Figueiredo
DEU EM OPINIÃO E NOTICIAS

Assim como a Física diz que dois corpos não são capazes de ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo espaço, o presidente Lula _ se tudo correr bem e eleger (ou não) a candidata que patrocina _ terá de dividir depois com Fernando Henrique Cardoso a condição de ex-presidente. Não que seja do agrado de ambos ocuparem juntos o mesmo espaço. Aí é que serão elas. Mesmo em espaços próprios, cada qual no seu, nenhum dos dois é compatível com a condição de ex-presidente, por ser um redutor ostensivo de prestígio. Já se foi o tempo em que se reverenciavam ex-presidentes com espírito cívico, de alguma forma mais respeitáveis (por pedir humildade) do que presidentes cheios de si.

Quando chega a hora, presidentes passam o poder e o título, e mal disfarçam o desagrado de caírem na categoria equivalente ao purgatório da história. Ex-presidente já era. O PSDB tem dois candidatos bem situados nas intenções de votos para 2010, e nem assim a Física vai abrir exceção prévia para que José Serra e Aécio Neves tentem ocupar o mesmo lugar de candidato (a presidente) no espaço onde cabe apenas um, e acabem os dois vendo navios. Vice é prêmio de consolação.

O poliédrico Lula tem várias facetas, desde as três candidaturas frustradas às duas bem sucedidas, sem contar a mal explicada disposição para o terceiro mandato, do qual recuou em tempo, pelo menos nas condições vigentes. Outra é a sintonia com a idéia açodada de acabar com a limitação do número de re-candidaturas sucessivas. Foi o que o levou a desautorizar a conversa aberta a respeito e ter como certo que um dia a democracia será enriquecida por sucessivas reeleições. Enquanto gozar de boa saúde, o presidente conviverá com a hipótese. Não se passa uma quinzena sem que Lula suspire e confesse que, para ele, limitar o mandato presidencial a apenas uma recidiva é indigno de democracia que se preza.

Nada podem fazer Fernando Henrique e Lula em relação (em latim soa melhor) à capitis diminutio, que é a desconfortável condição de ex-presidente, e ainda ter de carregar essa cruz toda vez que forem referidos, a partir de 2010, exatamente quando vidas mais longas vão se democratizando. Nenhum deles conseguirá mais segurar a língua nas oportunidades de crise, seja nas que venham de fora, seja nas aqui mesmo produzidas para consumo interno. Não será impossível que os dois façam dueto. O ex-presidente Itamar Franco, se não fosse por princípio, bateria de quina ou de frente com ex-presidente que lhe desse motivo. Lula não deve ter ouvido falar de Wenceslau Brás, outro ex-presidente que adotou a ética (republicana) de não piar em mandato alheio. Pegaria mal Lula discutir com FH qual dos dois mandatos de cada um foi mais produtivo. Na hipótese (e apenas nela) Dilma Rousseff, Fernando Henrique vai poder bicar seu sucessor com a velha tese segundo a qual não existe dívida de gratidão eleitoral. Logo, ela não precisaria pagar. Quem elege (se é que elege) não consegue governar de trás da cortina ou, modernamente, por controle remoto. Não tendo como se ressarcir com cargos de relevo político pelo crédito contabilizado em votos, o presidente Lula teria que voltar ao ABC, abaixar a cabeça e fazer como Wenceslau Brás, que saiu do Catete direto para Itajubá, onde se dedicou, a perder de vista, à pesca solitária de rio, o santo remédio para dor de cotovelo. Dois exemplos mais próximos _ os presidentes José Sarney e Itamar Franco _ são variações do mesmo tema. Sarney cobriu-se com o manto de senador e esbanja experiência em lidar com adversidades, ao mesmo tempo que retoca aqui e ali a biografia que espera ver terceirizada. Recusa-se a fazer como Lula, que já passou ao estágio de administrar a própria imagem, a começar do cinema nacional. Itamar Franco mostrou relação madura com o perfil de homem público de superior padrão ético e político. Está em alta ociosa. Fernando Collor também não passou recibo como ex-presidente.

E Lula? Não vai ser fácil impedir que entre às cotoveladas para o panteon dos ex-presidentes. Matematicamente certo que não tutelaria o governo de sua candidata, nem aceitaria como penitência o princípio universal de que entre o eleito e um grande eleitor (como Lula se apresenta), a vitória os separa assim que o vencedor emerge da apuração. Eleitor e eleito são duas placas tectônicas em desajustamento contínuo. Ficam por ai as hipóteses previsíveis, sem prejuízo de outras. De acordo com as circunstâncias.

Os extremos

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Quando Álvaro Uribe acabou de falar no World Economic Forum, no Rio, um economista do mercado financeiro, encantado, comentou comigo: “Ele só tem um problema: não tem sucessor.

Precisa continuar!” Isso me lembrou que o governo faz das manobras de Hugo Chávez para se eternizar no poder como sendo “democráticas”. A direita e a esquerda abonam os seus.


Na Colômbia, o caminho iniciado pelo Congresso para rasgar a Constituição e cometer a violência institucional de um terceiro mandato é o plebiscito. Supostamente democrático, os referendos não passam, às vezes, de manipulação, em que governos autoritários criam regras que os favorecem, e abusam da máquina para cavar o resultado.

Chávez tem um agravante: não aceita “não” como resposta. Perdeu o plebiscito de 2007 e tem posto em vigor, na marra, tudo o que foi rejeitado pelo eleitorado.

O comentário pró-continuísmo do economista no Forum me fez lembrar também de uma ácida discussão que tive com um jornalista na época de Fujimori. Ele defendeu a ideia de que Fujimori era insubstituível, e justificava suas afrontas à lei pelos supostos êxitos na luta contra a corrupção e o terrorismo. A direita e a esquerda só não gostam do continuísmo dos adversários.

Aprovam o dos seus.

Quando entrevistei Uribe, me lembrei da entrevista que tinha feito com Chávez. Eles têm estilos diferentes. Uribe, um tecnocrata sem carisma que sustenta seu discurso em cifras e fala curta. Chávez, um falastrão gongórico, cheio de frases de efeito e exageros para capturar manchetes.

Mas os dois são homens tensos e que reagem a perguntas duras como se o jornalista pertencesse a hostes inimigas. Uribe encerrou a entrevista antes do tempo combinado; Chávez me chamou de loca. Com os dois, usei a mesma técnica, corriqueira, de construir perguntas da perspectiva oposta a do entrevistado. Eles levaram para o lado pessoal.

A ideia sustentada por defensores de Uribe e Chávez é a de que eles se justificam pelos resultados.

Chávez, supostamente combatendo a pobreza e a desigualdade. Uribe, pelas vitórias sobre os terroristas das Farc e a redução da violência. O fato de Chávez estar afrontando, em bases diárias, a ordem democrática não impressiona os chavistas, da mesma forma que os defensores de Uribe não se preocupam com suas nebulosas relações com os paramilitares.

Justificar os excessos a partir dos resultados é um clássico do pensamento autoritário de qualquer vertente.

É o que acaba de fazer o ex-vice-presidente americano Dick Cheney, no debate virtual com o presidente Barack Obama. Cheney defende os “métodos rigorosos” de interrogatório por causa de seus supostos resultados de redução da vulnerabilidade americana ao terrorismo; Obama nega que a “tortura”— ele usa o nome certo da coisa — tornará os Estados Unidos mais seguros.

Cheney defende a excrescência de haver uma prisão extra-territorial na qual as leis americanas não são respeitadas; Obama acha que a prisão de Guantánamo é um atentado aos mais caros valores e princípios que constituíram o país. No debate dos dois se vê como o pensamento genuinamente democrático é mais claro, direto, simples.

Se uma política é boa e tem apoio da população, ela será mantida pelo sucessor eleito democraticamente, mesmo que ele venha de outro campo político. Foi assim com a estabilidade monetária no Brasil. Será assim com as políticas públicas que derrubaram as taxas de homicídio na Colômbia a um nível que é hoje um sexto das taxas na Venezuela. Será assim com o atendimento das populações dos barrios de Caracas.

A América Latina tem frequentado perigosamente o desrespeito à lei por governos que acham que têm uma missão a executar e que precisam atingir seus objetivos na lei ou na marra. Evo Morales, na Bolívia, tem a meta de reduzir a pobreza e aumentar o poder da maioria indígena. Tem falhado na primeira porque perde oportunidades e espanta investidores pelos excessos ideológicos. Rafael Correa, no Equador, quer reduzir o poder da velha oligarquia política, mas só consegue ser um avatar de Chávez.

Chávez é o exemplo mais perfeito desse movimento de usar uma causa nobre para justificar crimes e ainda afastarse da realização desse objetivo.

A prática “Bolivariana” tem sido encurralar os adversários, tomar de assalto as instituições, sufocar a imprensa, aumentar os tentáculos do estado desapropriando setores econômicos.

Seus resultados na redução da pobreza são pífios, mesmo na época da exuberância das contas públicas no boom do preço do petróleo.

Para uma região que teve apenas hiatos democráticos entre surtos autoritários, a América Latina está aceitando riscos demais. Hoje, ela se descola do mundo desenvolvido na política, e não na economia. Estão sendo tolerados governantes que chegam ao poder pelo voto, mas, lá instalados, conspiram, com o poder do Estado, contra a ordem institucional. Nas democracias, o segundo mandato é um princípio consagrado; o terceiro, uma aberração.

Chávez desprezou esse princípio, Uribe o ameaça.

Ainda bem que o Brasil sabe exatamente onde é a fronteira entre ordem democrática e autoritarismo continuísta.

Carlos Lacerda lança o truque das CPIs

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Na primeira campanha eleitoral depois da queda da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, com a liberdade de imprensa restabelecida com o fim da censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP de tenebrosa memória, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) decidiu lançar candidato próprio à Presidência da República.

Uma aventura, para o teste da popularidade da legenda que fora praticamente dizimada na reação militar da ditadura depois da tentativa de rebelião para a tomada do poder com o fracasso dos levantes de Natal, que durou uma semana, e de Recife, que não passou de horas. Mas, a chamada intentona comunista colheu o maior revés com o frustrado levante da Praia Vermelha abafado em horas pela tropa do Exército.

Getúlio Vargas, com o apoio do ministro do Exército, general Eurico Gaspar Dutra, a caçada aos lideres e militantes comunistas pela Polícia Civil chefiada por Filinto Muller e com o plano do Estado Novo à espera da oportunidade para ser detonado, a vez chegou em 10 de novembro de 1937.

O Estado Novo não resistiu à contradição da vitória dos aliados na Segunda Grande Guerra, com a participação da Força Expedicionária Brasileira.

Com o fim do Estado Novo, em 29 de outubro de 1945, a campanha eleitoral ganhou as praças e as ruas, nos grandes comícios que atraíam multidões fantásticas, especialmente os da União Democrática Nacional – a UDN dos grandes oradores – e o PSD de sólidas bases estaduais.

Depois de tanto rodeio, chego ao meu ponto de partida. O Partido Comunista Brasileiro renasceu com a redemocratização. E, com a chefia de Luiz Carlos Prestes, decidiu lançar candidato próprio para fortalecer a legenda. Prestes examinou listas de nomes. E por caiporismo fixou-se no engenheiro Iedo Fiúza, ex-prefeito de Petrópolis, amigo e alcoviteiro do ex-ditador Vargas, que em 1951 voltaria à Presidência em consagradora vitória. Nas suas memórias, publicadas pela Fundação Getúlio Vargas, o ilustre autor conta que o então prefeito de Petrópolis era o incumbido de providenciar os chalés discretos para as suas tardes com a amada, Aimée de Harém.

O prefeito Iedo Fiúza não tinha credenciais para enfrentar a dura parada com a imprensa liberada da censura. Em cima do lançamento, o jornalista Carlos Lacerda iniciou, pelo Diário Carioca, violenta campanha contra o candidato comunista, condecorado pela alcunha de Rato Fiúza e acusado de embolsar a propina de 10% sobre todas as obras e compras da prefeitura.

A manchete de primeira página teve instantâneo sucesso. O infamante apelido pegou como catapora. Primoroso escritor, crítico literário e cronista, Prudente de Moraes Neto, o Pedro Dantas, encontrou com Carlos Lacerda na redação e depois dos cumprimentos e rapapés do estilo perguntou sobre as provas, os documentos que ancoravam as denúncias sobre a roubalheira do prefeito de Petrópolis e candidato do PCB à Presidência.

A resposta em cima da bucha foi como um soco no estômago:

– Provas? Não tenho nenhuma. Elas vão começar a chegar agora.

E não deu outra. Sem maiores cuidados na seleção, Carlos Lacerda sustentou a campanha até as urnas e a derrota do candidato do partidão, com um inesgotável repertório de denúncias. E que não deram em nada, quer dizer, ajudaram a aprofundar a derrota do candidato de Prestes.

Carlos Lacerda estava lançando a fórmula aplicada até hoje para sufocar uma CPI: primeiro as denúncias. As provas chegam depois.

Inferno no Senado

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Foi-se o tempo em que, como definiu Darcy Ribeiro, o Senado era melhor do que o paraíso, pois nem era preciso morrer para usufruir de suas benesses. Hoje, ele é nada menos que um inferno para o governo, que tem uma maioria teórica que nunca se torna realidade quando mais interessa ao Planalto. Justamente ao contrário: quando mais interessa ao governo, mais o fiel da balança apresenta sua conta salgada.

Com a maior bancada do Senado, o PMDB usa a maioria dos seus 18 senadores, boa parte deles suplentes sem expressão política alguma, para chantagear o governo em troca de mais poder.

E, quanto mais se aproxima a hora de definir de que lado estará em 2010, mais o cacife do PMDB se torna imprescindível na montagem do tabuleiro eleitoral.

A criação da CPI do Petrobras às vésperas da eleição presidencial não se deve apenas à atuação da oposição, mas à passividade do PMDB, que deixou passar a CPI para poder negociar seu apoio com o governo.

Faz parte dessa estratégia a ideia de dar à oposição a presidência da CPI, para isolar o PT e manter sua posição de voto de minerva.

É o troco que o senador Renan Calheiros esperava para dar no petista Aloizio Mercadante, a quem considera um adversário político a ser batido, mesmo este tendo atuado claramente a seu favor na votação de sua cassação.

Renan combinou com Agripino Maia, líder do DEM, que a presidência da CPI seria do senador ACM Junior, um oposicionista “não radical”, na sua definição.

O primeiro objetivo era impedir que Mercadante fosse o presidente por indicação do PT; o segundo era reforçar o papel do PMDB de fiel da balança, colocando Romero Jucá na relatoria.

Um Jucá ainda magoado com o governo devido à limpeza na Infraero, que levou de roldão parentes seus. Na tropa de choque de Renan na CPI, pode constar também o neossenador Fernando Collor, do PTB, que já fora colocado na Comissão de Infraestrutura contra a líder do PT, Ideli Salvatti, uma das maiores articuladoras do salvamento de Renan quando foi julgado por quebra de decoro, acusado de pagar com dinheiro de uma empreiteira a pensão que dava para a amante Mônica Veloso, mãe de uma filha sua fora do casamento.

A eleição de Collor para presidir a comissão que vai fiscalizar o PAC — fundamental para os planos do governo em relação à ministra Dilma Rousseff — foi considerada por Mercadante na ocasião como um “acordo espúrio”, o que só fez aumentar a distância que o separa de Renan Calheiros.

Como se vê, há um oceano de ressentimentos dividindo a base aliada do governo no Senado, que só fez aumentar com os rumores de que o PMDB exigia a diretoria “que fura poço” na Petrobras em troca de um apoio mais firme do governo na CPI.

Renan atribui a Mercadante a revelação dessa exigência, que ele garante que não existe. O Palácio do Planalto tem toda razão, portanto, em não confiar em acordos do PMDB com a oposição, embora não ganhe nada com o clima tenso que está sendo criado antes mesmo da implantação da CPI.

E, mesmo que consiga fazer o presidente e o relator da CPI, não terá a garantia de apoio total do PMDB, que tem três integrantes que podem fazer a maioria pender para o governo ou para a oposição, conforme as conveniências do momento.

O governo vem demonstrando na prática que sua maioria, mesmo na Câmara, não lhe ser ve para nada quando é para votar alguma coisa que seja minimamente polêmica.

O caso da reforma política que se pretende aprovar antes das eleições de 2010 é típica.

O voto em lista, com financiamento público de campanha, era um projeto considerado prioritário pelo PT, que conseguiu apoio do DEM e do PPS na oposição e apenas um pequeno partido de sua base aliada, o PCdoB.

Mas outros pequenos partidos da base ficaram contra, e o governo não está encontrando forças para impor sua vontade.

A base do governo é tão heterogênea e dispersa que não existe tema que a una de maneira integral, tantos são os interesses específicos de cada uma das 15 legendas que a integram.

Mesmo uma “coalizão defensiva”, como a que mantém no Senado, tem se mostrado ineficaz diante de perigos como a CPI da Petrobras.

O requerimento aprovado foi de autoria do senador oposicionista Álvaro Dias, do PSDB, mas havia outro, do senador Romeu Tuma, que é do PTB, da própria base aliada do governo.

Na verdade, como se viu nos últimos dias com a sucessão de escândalos, o Senado tem vida própria, e cada senador tem sua posição política definida por suas convicções pessoais ou pelos seus interesses pessoais, não havendo uma linha partidária clara a ser defendida.

Isso ficou claro mesmo entre a oposição, quando o DEM foi acusado pelo PSDB de estar titubeante na condução das articulações para instalar a CPI.

Os dois partidos de oposição procuram superar esses problemas, agora que a CPI virou uma realidade, atuando de comum acordo.

O partido que porventura emplacar o presidente da CPI cederá para o outro os dois lugares restantes da oposição. Se vingar a indicação de ACM Junior, o PSDB terá dois representantes.

Se o PT fechar questão com relação à presidência, restará à oposição explorar as desavenças entre PMDB e PT no decorrer dos trabalhos da comissão.

Ao governo, até para forçar o PMDB a segui-lo, será útil a campanha que os chamados “movimentos sociais” estão fazendo, tentando levar para as ruas o que seria um clamor popular contra a CPI.

Encurralar as oposições, acusando-as de entreguismo, é uma arma política que pode ser útil até mesmo como mote da campanha presidencial.

A oposição, se não conseguir a presidência da CPI, vai acusar o governo de estar com medo da investigação na Petrobras. E já ameaça com outra CPI no Senado, a do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Terreno infértil

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A abertura de uma janela de oportunidade para o presidente Luiz Inácio da Silva de alguma forma prolongar sua permanência no comando da nação - via prorrogação de mandato ou disputa de um terceiro tempo consecutivo - é um óbvio desejo de quem compartilha com ele o poder.

É possível mesmo apostar na suposição de que a Lula não desagradaria a possibilidade. Isso se evidencia, não só porque deixa prosperar a ideia do continuísmo, a despeito dos desmentidos, mas principalmente porque o debate do tema cria um conveniente clima de perspectiva de poder.

Uma maneira (torta) de anular os efeitos da aproximação do fim do período regulamentar, acentuados agora pela antecipação do processo de sucessão.

Na democracia, porém, casuísmos não dependem apenas da vontade. Aliás, dependem muito pouco de "querências". É preciso que sejam atendidos os requisitos das "poderências", as condições propícias à instituição do casuísmo pretendido. Não basta querer, é indispensável poder.

E a questão objetiva atualmente é: existem essas condições?

A menos da ocorrência de uma hecatombe institucional, hoje são totalmente inexistentes.

A emenda da reeleição foi aprovada em janeiro de 1997, dois anos e mais ou menos três meses depois de o então presidente Fernando Henrique Cardoso ser eleito em primeiro turno, um ano e dez meses antes da eleição seguinte, que FH também ganharia de primeira.

Quer dizer, foi pensada e executada em tempo hábil, num ambiente congressual favorável e com a oposição em desvantagem eleitoral.

Quando FH assumiu, em janeiro de 1995, o governo já se organizava em torno do projeto sob o comando do então ministro das Comunicações, Sérgio Motta.

Havia a meta, o eixo, o condutor, o empenho da base de sustentação, o arrazoado para tornar a tese palatável na sociedade (a continuidade do Plano Real, bombardeado pelo PT, então um partido que considerava estabilidade, controle de gastos, abertura da economia e combate à inflação coisas da "direita") e havia, sobretudo, tempo.

Isso sem falar na diferença objetiva entre a proposta de uma reeleição e a tentativa de prorrogação de mandato ou de extensão do instrumento da renovação por mais um período, instrumentos reconhecidos como de natureza autoritária, a principal razão da grita geral contra esse tipo de proposta.

Havendo rejeição no Judiciário (manifestamente contrário), nos meios de comunicação, na opinião pública internacional, em boa parte do Legislativo, numa parcela expressiva da sociedade e na própria base governista, um casuísmo não tem como progredir.

Por muito menos, o PSDB desistiu de patrocinar o fim da reeleição, uma reincidência casuística. Por muito menos, o governo não conseguiu reunir quórum constitucional para aprovar no Senado a emenda que prorrogava a vigência da CPMF.

Imaginar que conseguiria mudar a Constituição em quatro meses, a tempo de a nova regra valer para 2010, para dar a Lula, aos governadores, aos prefeitos a chance de um terceiro mandato ou para dar a todos esses, mais aos senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores dois anos adicionais de bandeja, sem o esforço de passar pelo escrutínio do eleitorado, é conspirar contra a realidade e acreditar que o Brasil seja uma nação de indefesos desprovidos de opinião, vontade e discernimento.

A eliminação, por inexequível, da hipótese do continuísmo, não significa que a imensa massa de ocupantes da máquina administrativa ou por ela beneficiados vá absorver civilizadamente o princípio da alternância no poder, diante da contingência de experimentá-lo na própria carne.

Por isso, o fato de não haver condições objetivas para artifícios institucionais de última hora não quer dizer que a campanha, a eleição e, se for o caso de vitória da oposição, a transição nos reservam cenas pesadas. E surpreendentes, se algo ainda for capaz de surpreender alguém.

Candidatíssimo

O senador Cristovam Buarque está revendo sua decisão de desistir de concorrer à diretoria-geral da Unesco.

Ele havia recuado depois de ouvir do chanceler Celso Amorim que o Brasil apoiaria o egípcio Farouk Hosny, por "razões geopolíticas".

Como Hosny está sendo forte e mundialmente contestado, Cristovam acha que a coisa muda de figura. Se o nome dele for retirado, o senador volta a se apresentar como candidato do Brasil, mas ressalva: "Só com apoio do governo."

No caso, disputaria esse apoio com outro brasileiro, o atual diretor adjunto da Unesco, Márcio Barbosa.

Gente fina

"Coalizão administrativa" é o nome dado pelo presidente da Câmara e presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, ao loteamento de cargos do partido no governo federal, conhecido como fisiologismo em rodas mais informais.

Reforma política: suas dificuldades

Michel Temer
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pelas várias opções apresentadas, defendidas e acusadas, pode-se avaliar a dimensão da divergência a respeito da reforma política

LISTA FECHADA . Lista fechada com voto proporcional. Voto distrital. Misto ou puro. Voto majoritário para eleger deputado (distritão). Deixar como está, ou seja, voto proporcional, mediante quociente eleitoral. Sobre nenhum deles há acordo.

Financiamento público? Também há divergência. Sustenta-se que só é possível com a lista partidária fechada. Ou financiamento público com privado apenas permitido para as pessoas físicas? Financiamento público apenas para cargos majoritários? Ou tudo deve ficar como está, quero dizer, financiamento privado autorizado às pessoas físicas e jurídicas? Também não há convergência.

Coincidência de eleições para todos os cargos, incluindo o prefeito? Divergências, mais uma vez. Fim da reeleição, com período maior de governo? O tamanho do desacordo leva alguns a pensar na re-reeleição.

Eleição de suplentes de senador pelo voto ou como chapa? Nem se toca no assunto.

Todos esses temas fazem parte do que se convencionou chamar reforma política. Pelas várias opções apresentadas, defendidas e acusadas, pode-se avaliar a dimensão da divergência.

Por isso, talvez, a reforma política é a matéria mais apregoada durante as eleições, sendo o primeiro tema esquecido logo após. Não é porque não se a queira fazer. É pelas dificuldades para realizá-la.

Ainda agora, quando alguns líderes partidários querem pedir urgência para o projeto da lista fechada com financiamento público de campanha, outros partidos iniciam, legitimamente, obstrução na Câmara dos Deputados para nada votar.

Tudo isso após interpretação constitucional que dei, segundo a qual medida provisória somente tranca a pauta de algumas espécies de leis ordinárias, o que nos tem permitido votar temas construídos no Legislativo e de interesse do país.

Pessoalmente, e para tomar posição, sou a favor do voto majoritário para eleição de deputado. Se São Paulo tem 70 vagas, os mais votados seriam os eleitos. Isso acompanhado de uma rígida fidelidade partidária para enaltecer os partidos nas suas campanhas para os cargos majoritários.

É medida de fácil compreensão para o eleitor. Mas sei que esse tema também não é pacífico e enseja muita controvérsia.

Aqui, deve-se perguntar: isso tudo deve fazer com que desistamos? Absolutamente não! Deve-se ainda indagar: do que não vamos desistir? Da discussão. Esta há de ser levada até o fim, buscando um mínimo de consenso entre os partidos políticos e as bancadas. E, ao final, submeter as propostas a votos. Para mudar ou para ficar como está. Uma ou outra hipótese significa decisão. É do que estamos precisando neste momento: decidir para que o Congresso não seja permanentemente questionado.

O tempo é curto. Para aplicar modificação na próxima eleição, impõe-se que a decisão da Câmara e do Senado seja proferida e promulgada até o final de setembro. Daí a necessidade da discussão quase em tempo integral.

De qualquer forma, tenho sustentado que é mais fácil realizar reformulação política para vigorar em 2014. É mais tranquilo aplicar a modificação no futuro do que logo, na eleição de 2010.

Convenhamos, discute-se intensamente a reforma política desde 1998. Houvéssemos legislado na legislatura 1998-2002, já poderíamos tê-la utilizado na eleição de 2006, sem aplicá-la em 2002. Estaria em vigor. Esse raciocínio deve guiar nossos passos com o objetivo de produzirmos modificações, ainda que aplicáveis no futuro.

O que o Congresso não pode deixar de fazer, agora, para orientar as eleições de 2010, é uma lei minuciosa a respeito dos procedimentos eleitorais. Tal fato dará segurança às eleições, com o que impedirá inúmeras ações em que se disputam judicialmente mandatos eletivos. Tais procedimentos são, no geral, objeto de resoluções do TSE.

Penso que o Congresso tem condições de ingressar nas minudências eleitorais, disciplinando-as. Essa função é muito mais do Congresso que do TSE. Este, legitimamente, expede resoluções em face de ausência de normas legais disciplinadoras.

Note-se que faço distinção entre a reforma política, que é mais estrutural, dizendo respeito à maneira de chegar ao Poder Legislativo, e a lei eleitoral, que se refere ao processo das eleições.

Em síntese, precisamos da compreensão e do entusiasmo de todos para exercer a nossa função. Reforma política e lei eleitoral são indispensáveis para o reconhecimento da atividade parlamentar.

Michel Temer , 69, advogado e professor de direito constitucional da PUC-SP, deputado federal pelo PMDB-SP, é presidente da Câmara dos Deputados e presidente nacional (licenciado) de seu partido. Foi secretário da Segurança Pública (governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado de São Paulo.

Para Aécio, Dilma ainda é menor que PT

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ministra está em patamar de intenção de votos inferior ao que deveria alcançar como candidata petista, diz tucano

Um dos pré-candidatos do PSDB na disputa pela Presidência em 2010, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, afirmou ontem que a antecipação do debate eleitoral foi causada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na tentativa de tornar conhecida sua candidata, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ao avaliar o desempenho da adversária nas pesquisas de intenção de voto, o mineiro disse ainda que a petista se encontra "num patamar menor" do que deveria estar um candidato do PT.

Na semana passada, o PT divulgou pesquisa encomendada ao instituto Vox Populi na qual Dilma aparece com índices de intenção de voto entre 19% e 25%, a depender do cenário apresentado.

Na disputa com Aécio, a ministra teria 21%, contra 18% do tucano. Questionado sobre os resultados, o governador mineiro disse ser "natural" a melhora do desempenho de Dilma em razão da "grande exposição" que ela teve nos últimos meses. "Ela está ainda num patamar menor que aquele em que um candidato do PT deve naturalmente estar. Mas é natural que ela continue crescendo", observou.

Com um discurso de que é necessário pensar o País em um momento "pós-Lula", Aécio esteve em São Paulo para se encontrar com empresários do setor cafeeiro. O tucano tem viajado e buscado maior exposição nacional, desde que pôs seu nome na corrida presidencial. Há pouco mais de dois meses, quando pressionado pelo partido para ser vice do governador de São Paulo, José Serra, na chapa presidencial tucana, o mineiro chegou a dizer que não se constrói um projeto para o País "da Avenida Paulista".

Para Aécio, a necessidade de dar visibilidade a Dilma levou Lula a antecipar o debate eleitoral.


"Acho que houve uma precipitação, sim, em razão da movimentação do governo e do próprio presidente Lula, que, em busca de dar visibilidade a sua candidata, antecipou o processo", declarou. Serra também tem sido bastante crítico da antecipação do debate. Para o governador paulista, a discussão sobre a eleição deveria ser iniciada só em 2010.

Indagado sobre um eventual uso da máquina por parte do governo para projetar Dilma, Aécio cobrou isenção. "Acho que o próprio governo federal deve estar atento. É natural que ela fale, que ela viaje, que ela se movimente e que tenha opinião sobre as questões nacionais, mas todos nós devemos estar atentos para que não haja utilização da máquina." O mineiro afirmou que o PSDB tem de dar exemplo e ressaltou que tem participado apenas de eventos promovidos pelo partido.

PRÉVIAS

Apesar das críticas ao debate eleitoral precipitado, o governador de Minas tem defendido, publicamente, a realização de prévias partidárias para escolher o candidato tucano à sucessão - no fim deste ano ou no começo do ano que vem. Sobre a disputa com Serra, garantiu lealdade. "Estaremos unidos, a unidade do PSDB é o mais vigoroso instrumento que temos para vencer as eleições."

Na avaliação de Aécio, Lula não tentará disputar um terceiro mandato, tema que tem aparecido com frequência, nas últimas semanas, no Congresso. "Seria um retrocesso para o País. O presidente Lula não mancharia sua biografia com uma proposta dessas. Acho que não existe mais tempo hábil para a aprovação (de um eventual terceiro mandato)."

Ministros do STF criticam “janela”

Mirella D’Elia
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Projeto que prevê novo prazo para troca de partido não é bem-visto por integrantes do Supremo

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e especialistas em legislação eleitoral condenaram ontem a ideia de reduzir pela metade o prazo permitido para a livre-troca de partido antes da realização de eleições no país. O projeto de lei do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vem sendo chamado por parlamentares contrários de “janela da infidelidade”, foi apresentado na semana passada na Câmara. O texto prevê uma mudança na legislação eleitoral, diminuindo de um ano para seis meses antes do pleito o prazo de filiação partidária. Atualmente, quem for disputar as eleições de 2010 precisa estar filiado a uma legenda até o fim de setembro. Se a mudança passar, a migração poderá ser feita até o fim de março do ano que vem. Críticos dizem que isso dificultaria a punição ao troca-troca partidário, já que dificilmente a Justiça Eleitoral conseguiria julgar a tempo casos de políticos infiéis.

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto defendeu a regra em vigor — que, na avaliação dele, evita o oportunismo político. E disse que o projeto em discussão seria um “retrocesso ideológico”. “A lei atual é sábia porque quer homenagear a consistência do vínculo entre o filiado e o partido. Por isso, prevê pelo menos um ano para a filiação. A lei quer que o quadro partidário se defina antes do quadro político-eleitoral, para evitar excessos de pragmatismos, fisiologismos e oportunismos. Abrir mão de um ano para se contentar com seis meses parece retrocesso ideológico ou de filosofia política”, disse Ayres Britto.

Também integrante do STF, Marco Aurélio Mello afirmou que a Constituição Federal não impede a aprovação de uma lei sobre o assunto. Mas ele foi irônico ao comentar a possibilidade. “Isso é um problema de conveniência política. Não sei se é melhor para o fortalecimento da nossa democracia”, alfinetou Marco Aurélio, que voltou a ocupar uma das cadeiras do TSE recentemente. “Nada surge sem uma causa. A causa aí seria o drible (à possibilidade de perder o mandato com a mudança de partido). E aí, passa a ser condenável em termos de razoabilidade”, completou. O ministro, no entanto, não descartou a possibilidade de uma eventual mudança ser questionada na Justiça. “Sempre é possível (o questionamento judicial). As portas do Judiciário não se fecham”, disse.

Decisão política

Ex-ministro do TSE, Luiz Carlos Madeira também criticou a medida. “Acho que a norma que exige um ano de filiação partidária dá estabilidade aos partidos políticos. A instabilidade não me parece boa para o regime democrático”, afirmou. “Não há nada que impeça a mudança. Essa é uma decisão política — e com p maiúsculo”, comentou Torquato Jardim, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (IBRADE).

O pedido para que o projeto tramite em regime de urgência está sendo analisado pela Mesa Diretora da Câmara. A proposta prevê que os prazos de filiação partidária e para deixar cargos públicos sejam os mesmos — o que facilitaria a vida de políticos que desejam trocar de partido para entrar na corrida eleitoral.

O bolo de rolo da eleição

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Debate no país se enreda mais e mais em picuinhas relativas à eleição de 2010 e divisão final das boquinhas

EM FEVEREIRO , Lula enviou a mensagem ao Congresso, que trata, entre outras coisas, das prioridades do governo para o ano, projetos de lei inclusive. Ninguém dá a mínima, decerto, mas o contraste entre algumas das diretrizes e o burburinho político de que nos ocupamos revela o nível da conversa fiada tanto dos projetos oficiais do governo como da vida real da política, mais e mais tragada pelo chantagismo do PMDB e pela eleição de 2010.

Entre as prioridades de Lula no Congresso estavam a reforma tributária, a reforma das agências reguladoras, a mudança da lei de licitações e a lei que limita os gastos do governo com salários de servidores.

Não se esperava quase nada da conversa de reforma tributária, dadas as divisões regionais e políticas, mas a mudança nos impostos acabou de ser exilada para o reino das fadas com a queda da receita de impostos. No lugar da reforma, houve favores do federal governo para prefeitos, favores de cunho eleitoral. Lula concedeu alguns caros caraminguás a fim de tapar os rombos das prefeituras, que querem continuar a gastar como antes da crise.

Os Estados não levaram quase nada, além de alguns créditos. Como caíram também os repasses referentes ao imposto sobre combustíveis, os governadores, do PSDB em especial, ajudaram a criar o caldo de cultura que deu na CPI da Petrobras.

O limite dos gastos com servidores, se saísse do mofo, valeria na prática só no próximo governo. Enfim, foi proposto como prioridade num ano em que houve uma das maiores altas de gastos com salários.

No lugar de melhorias fiscais, o Congresso aprovou mais um refinanciamento eterno de dívidas com o fisco. Agora, o presidente do Congresso, José Sarney, do PMDB aliado de Lula, aliou mais uma chantagem ao pacote de ameaças de seu partido. Quer colocar em votação o veto de Lula a um aumento ainda maior das aposentadorias do INSS.

As agências reguladoras continuam tão loteadas politicamente quanto dantes. O projeto de lei mofa no Congresso. Enfim, por que Lula quereria arrumar mais uma confusão no universo da boquinha no momento em que o PMDB e a "base aliada" fazem chacrinha e tumulto políticos por causa de cargos?

Lula tem ocupado seus dias de volta das Arábias em negociações acerca da CPI da Petrobras com o notório Renan Calheiros, líder das tropas de assalto do PMDB. Líderes do PSDB dizem que não esqueceram do caso da poupança e que vão armar um rolo legislativo ou jurídico assim que o governo enviar ao Congresso o projeto de tributação das cadernetas. No mais, a política politiqueira se ocupa do "plano B" para a candidatura Dilma Rousseff.

Para adicionar chantilly a esse bolo de rolo, os ministros do Supremo Tribunal Federal vão dizendo, um a um, em público ou "em conversas reservadas", para gente da oposição, que não vão deixar passar o terceiro mandato ou variantes. O projeto que tornaria possível o Lula 3 foi debatido pelo governismo extra-Planalto e deve ser apresentado nesta ou na próxima semana ao Congresso.

Enfim, há o risco de a tensão social crescer um tico, com desemprego em alta e renda em baixa. Parece que de mais nada vai se tratar nos próximos 18 meses além de eleição.

Lula negocia CPI com Renan

Maria Lima, Luiza Damé e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

O presidente Lula negociou com o senador Renan Calheiros (PMDB) para que a base aliada escolha o presidente e o relator da CPI da Petrobras. Renan não deve indicar nomes que disputarão eleições com o PT. Página 3 e editorial “Sem imunidades”

Lula articula CPI com Renan

Presidente intervém na negociação, e PMDB ajudará a adiar investigação sobre a Petrobras

BRASÍLIA Diante das divergências entre PT e PMDB no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de intervir pessoalmente ontem para tentar enfrentar a CPI da Petrobras sem sofrer o fogo amigo peemedebista. Lula se reuniu com o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entre outros.

No fim do dia, estava praticamente descartada a proposta dos aliados de dar a presidência da CPI ao senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA). Ou seja, caberá à maioria — no caso, a base governista — escolher o presidente e o relator da CPI.

Na conversa reservada de 40 minutos com Lula, Renan teria se comprometido a evitar indicar para a CPI parlamentares do PMDB que disputarão eleições em 2010 contra petistas. Com isso, teria subido a cotação dos senadores Neuto do Conto (PMDB-SC) e Valdir Raupp (PMDB-RO). O primeiro não deverá disputar a reeleição, já que o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique, será candidato ao Senado.

O segundo não enfrentará candidato do PT nas eleições. Raupp, no entanto, teria de sair da CPI das ONGs, da qual já é titular. Em troca, o PT também deverá agir para evitar disputas com o PMDB nos estados.

— A conversa foi muito boa. O presidente não pretende interferir nas indicações dos partidos por considerar que essa é uma questão do Congresso — desconversou Renan.

“Prefiro brigar com o Mercadante”

Após se reunir com o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, anteontem à noite, Lula também recebeu de manhã o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, o presidente da BR Distribuidora, José Eduardo Dutra, e o controladorgeral da União, Jorge Hage.

— O modelo adotado no Senado estes anos todos, principalmente no governo passado, é que a maioria escolhe a presidência e a relatoria — alegou Múcio.

Na conversa com Renan, Lula pediu o apoio do PMDB para evitar que a CPI prejudique os investimentos da empresa, responsável por 40% das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

— A preocupação do presidente é que a CPI não crie embaraços para os investimentos da Petrobras, num momento importante para a manutenção dos empregos. Há quatro refinarias sendo construídas — disse Múcio.

A estratégia é adiar ao máximo o início das investigações. Para amenizar o desconforto especialmente entre Renan e Aloizio Mercadante (PTSP), Lula deve recomendar a indicação da nova líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC), para uma das três vagas do bloco formado por PT, PSB, PCdoB, PR e PRB.

— Entre comprar uma briga com Renan ou Mercadante, prefiro brigar com o segundo, pois isso dá para resolver dentro da bancada do PT — teria desabafado Lula a Múcio.

A indicação de Ideli é o sinal que o PMDB esperava para encampar a ideia de manter o controle do comando da CPI da Petrobras. Também se reduziram as chances de o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), ser indicado relator.

A avaliação é de que Jucá teria perdido terreno depois de ter seu nome referendado por Mercadante.

Para oposição, é a CPI chapa-branca

A oposição promete reagir ao que classifica de CPI chapa-branca.

— Se o governo insistir em manter o controle total no comando da CPI, só reforçará o seu medo de que as investigações abram a caixa-preta da Petrobras — adiantou o líder do DEM, José Agripino (RN).

A previsão é que Mercadante se reúna com Lula antes de anunciar os nomes que indicará para a CPI.

Mercadante admitiu ontem, pela primeira vez, a possibilidade de ficar de fora da CPI, para superar as divergências com o líder do PMDB.

Renan deverá rebater em plenário a acusação de que o PMDB teria reivindicado a mais poderosa diretoria da Petrobras, a de Exploração e Produção, em troca de seu apoio ao governo na CPI.

Para ele, essa acusação partiu de setores do PT, interessados em ligar o PMDB ao fisiologismo.

Mesmo que os líderes partidários indiquem até amanhã seus representantes, a instalação da CPI só deverá acontecer na próxima semana. Isso porque o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), teria três dias para oficializar as designações.

Na reunião com Gabrielli, de manhã, Lula foi informado que há uma disputa antiga entre a Petrobras e o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o que pode ser investigado pelo tribunal na companhia. Gabrielli explicou que muita coisa que tem sido denunciada na imprensa não poderá ser investigada na CPI. Lembrou que a discussão sobre a competência do TCU para investigar a empresa começou no governo Fernando Henrique, quando o então presidente, Francisco Gros, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal afirmando que o TCU não tinha competência para fiscalizar a Petrobras.

Já o TCU considera inconstitucional o decreto 2.745, que dá à empresa condições especiais de contratação, fora da Lei 8.666. O STF sempre deu liminares a favor da Petrobras, mas o mérito ainda não foi julgado.

Gabrielli avisou a Lula que empresas fornecedoras que perderam licitações da companhia nos últimos anos poderão se transformar em denunciantes contra a Petrobras.

— Nossa preocupação não é com a investigação em si. A Petrobras é uma empresa imensa, com um número imenso de contratos. Qualquer um que tenha perdido uma licitação pode querer pescar em águas turvas para ver se consegue alguma coisa — diz um dos membros do governo.

No Recife, ato contra comissão

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A CPI da Petrobras foi tema de ato de repúdio ontem na Câmara dos Vereadores do Recife. Representantes de sindicatos liderados pela Central Única dos Trabalhadores, e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), em conjunto com políticos do PT, PDT, PCdoB, PHS, PTN, PRP abraçaram um tambor representando a Petrobras, fechando o trânsito em frente a Casa de José Mariano, às 11h20.

O discurso adotado no evento era de defesa da Petrobras e o alvo principal era a “direita brasileira”, que supostamente teria enfraquecido a empresa durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e tentado privatizar a estatal. Os três senadores de Pernambuco – Sérgio Guerra (PSDB), Marco Maciel (DEM) e Jarbas Vasconcelos (PMDB) – também viraram alvo da artilharia, formada por líderes do PT, do PDT, bem como pela CUT por terem apoiado a criação da CPI.

O presidente estadual do PT, Jorge Perez, sugeriu a criação de um comitê para definir novas manifestações. Os vereadores da legenda deverão fazer pronunciamentos em todo o Estado. O ato público foi o principal assunto na sessão de ontem da Casa de José Mariano, gerando polêmica entre vereadores governistas e da oposição.

Entre os líderes políticos presentes no evento, estavam o ex-prefeito João Paulo (PT), o secretário estadual das Cidades, Humberto Costa (PT), além dos deputados federais Fernando Ferro (PT), Pedro Eugênio (PT), Fernando Nascimento (PT) e Paulo Rubens Santiago (PDT).

Em reportagem do último domingo, o jornal Folha de S. Paulo informou que entidades que atacam a CPI – a exemplo da CUT, UNE e ABI – receberam recursos da Petrobras. Questionado ontem sobre o assunto, o presidente da CUT em Pernambuco, Sérgio Goiana, comentou que a estatal financia projeto de alfabetização que conta com a participação de alguns movimentos na formação de turmas.

Lula volta a atacar antecessores

Chico de Gois
DEU EM O GLOBO

Presidente faz piada com viagens ao exterior

CACHOEIRA (BA). O presidente Lula voltou a criticar seus antecessores, ontem, em Cachoeira, a 120 km de Salvador, onde foi entregar a obra de recuperação do Quarteirão Leite Alves, prédio histórico que abrigará o primeiro campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Num discurso de 15 minutos, Lula disse que nenhum governo, em nenhum momento da história do país, investiu mais em educação do que sua administração.

— Certamente aqui tem gente muito mais letrada do que eu. Agora, pesquisem e vejam se existiu no país, em todo o tempo que este país existe, um governo que fez pelo menos 50% do que estamos fazendo pela educação.

Como tossiu algumas vezes, Lula brincou com o fato de estar com problemas na garganta e acabou escorregando no português.

— Estou com um problema na garganta talvez porque tenha falado árabe, chinês e turco, e minha garganta se enrolou um pouco e agora está tendo dificuldade para falar português. Mas eu vou falar em baianês — brincou, referindose às visitas à Arábia Saudita, à China e à Turquia.

E, ao falar sobre ações do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional) na região, complementou: — Vou ter de repetir o que o Iphan disse para vocês poderem gravar o que está sendo fazido (sic) aqui.

Em resposta às vaias de estudantes que cobravam do governador Jaques Wagner (PT) laboratórios e mais professores para as universidades, Lula disse: — Quem disse que pobre não tem que ter laboratório? Isso diziam antes de eu chegar à Presidência e o Jaques Wagner ao governo.

Queremos que este povo conquiste cidadania.

Na Bahia, Lula e Jaques Wagner são vaiados

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

SALVADOR – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador baiano, Jaques Wagner (PT), viram cenas pouco comuns em seus mandatos, na tarde de ontem, em Cachoeira (BA), 110 quilômetros a oeste de Salvador. Eles foram vaiados por representantes de entidades sindicais de professores e de trabalhadores da Segurança Pública. O motivo principal dos apupos foi o mesmo: falta de concurso para contratar professores, escrivães e investigadores.

Em uma das faixas empunhadas pelos manifestantes, a frase deixava clara a insatisfação: “Estudante autodidata não dá Precisamos de professores já”, em uma alusão ao motivo de os dois estarem na cidade histórica do Recôncavo Baiano – a inauguração das obras de restauração dos prédios do Quarteirão Leite Alves, que passa a dar espaço ao câmpus de Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com capacidade para dois mil alunos.

“Eu vi companheiros reclamando da falta de laboratórios, da falta de professor”, disse Lula. “É bom reclamar, mas é importante a gente ter clareza sobre o que está de fato acontecendo neste País. Pesquisem se tem um governo que tenha feito pelo menos 50% do que a gente já fez pela educação deste país.”

Falar em 3o- mandato ou em alongar os atuais é casuísmo, afirma Gilmar

Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO

Para presidente do Supremo, mudanças não seriam referendadas pela Corte

BRASÍLIA. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, chamou de casuísmo a proposta de emenda constitucional para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa disputar o terceiro mandato consecutivo e a que estende por dois anos os atuais mandatos do presidente, de governadores, deputados e senadores. Segundo Gilmar, se aprovadas no Congresso, dificilmente as propostas serão referendadas pela Corte.

Dos 11 integrantes do STF, pelo menos cinco deles, ouvidos pelo GLOBO, são contra a possibilidade do terceiro mandato.

mdash; Acho extremamente difícil fazer a compatibilização com o princípio republicano. As duas medidas têm muitas características de casuísmo. Vejo que dificilmente seria aprovado no STF — disse o ministro ontem, após dar palestra na Embaixada da Alemanha, em Brasília.

Gilmar ponderou que a reeleição existe em vários países, mas que a prática continuada é incompatível com a democracia: mdash; Democracia constitucional é mais do que reeleição. A reeleição continuada, que pode ser a quarta, a quinta, não.

Certamente seria uma lesão ao princípio republicano.

Caso aprovada a emenda que prevê a possibilidade de o presidente Lula disputar o terceiro mandato, e ela seja um dia julgada pelo STF, a tendência é que seja derrubada. Além de Gilmar, Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio Mello já se manifestaram, no ano passado, contra o terceiro mandato consecutivo.

Dois outros ministros declararam recentemente ao GLOBO, em caráter reservado, que também são contra a proposta.

— O terceiro mandato recende a uma postura antirrepublicana — já dizia Ayres Britto ao GLOBO ano passado.

— Caminhar agora para o terceiro mandato é adotar posição contrária aos ares democráticos republicanos — disse Marco Aurélio, também em entrevista recente.

— A alternância de poder é essencial para haver democracia — concordou um outro ministro, reservadamente.

A hipótese tem sido cogitada por aliados do governo, caso os problemas de saúde inviabilizem a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) à Presidência em 2010. Lula, porém, tem negado o desejo de disputar nova reeleição.

Peemedebista: “Terceiro mandato é palavrão”

No Congresso, os governistas tentam esfriar o debate. O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), disse que a ideia do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) de apresentar emenda marcando plebiscito em setembro sobre terceiro mandato é iniciativa isolada: — Essa questão de terceiro mandato não existe, é palavrão.

E prorrogação de mandato tem chance zero.

O líder da bancada na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), adotou o mesmo tom: — O PT defende o estado democrático de direito, e não é legal nem legítima a prorrogação de mandatos. Sobre terceiro mandato, a discussão é uma tolice.

O PT tem candidato, que é a Dilma, e Lula não é candidato.

Estão querendo fabricar notícia diferente da notícia real.

A oposição, por sua vez, critica o debate: — Quando o assunto começa a ser tratado como moeda de troca pelo PMDB, para pequenos golpes oportunistas, em busca de cargos e de poder, ele revela sua face golpista — afirmou o presidente do PPS, Roberto Freire.

Acerca do 3º mandato

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os problemas de saúde da ministra Dilma Rousseff, preferida de Luiz Inácio Lula da Silva e seu partido à sucessão presidencial, reacenderam a discussão em torno do terceiro mandato presidencial. As razões para tanto são várias. Primeiramente, na conjuntura imediata, a carência no PT de uma candidatura alternativa à da ministra - caso seus problemas de saúde tornem pouco recomendável o enfrentamento das agruras de uma campanha eleitoral país afora e, mais ainda, quatro anos de Presidência. Em segundo lugar, o fantasma do chavismo (e sua ânsia de perpetuação no poder), cujo lençol já era brandido pelos opositores de Lula mesmo antes de sua primeira vitória eleitoral, em 2002. Em terceiro lugar, confundindo-se com o chavismo, mas podendo dele ser distinguida, a onda latino-americana de tentativas presidenciais de perpetuação no cargo, que embora tenha começado com o esquerdista Hugo Chávez, afeta também o direitista Alvaro Uribe. Por fim, as iniciativas de certos membros da base aliada do governo, que a despeito das muitas negativas do próprio Lula, insistem em propor mudanças constitucionais que permitam mais uma reeleição.

A falta de uma candidatura viável do PT que não seja nem a de Lula, nem a de Dilma, deve-se ao processo de decapitação coletiva pelo qual o partido passou pelo menos desde o início do episódio do "mensalão". Uma a uma, tiveram desgraçada sua imagem pública diversas lideranças petistas que poderiam ter sido catapultadas à condição de sucessores naturais do presidente. Todas elas tinham o perfil de serem figuras de projeção nacional, capacidade de liderança dentro e fora do partido, e comprometimento com o projeto governamental petista.

José Dirceu não resistiu aos instintos primitivos de Roberto Jefferson; José Genoino foi abalroado pelas assinaturas nos contratos de empréstimo avalizados por Marcos Valério e pelos dólares na cueca do assessor de seu irmão; Antonio Palocci foi colhido pela onda de acusações de seu ex-amigo, Rogério Buratti, respaldadas pelo depoimento do caseiro Francenildo Costa, culminando sua desgraça na violação do sigilo bancário do delator.

O estrago feito naquele que era o mais popular dos ministros de Lua foi tal que hoje, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) não dê seguimento à denúncia contra o ex-ministro da Fazenda, será difícil para ele recuperar a capacidade de competidor temível em disputas eleitorais majoritárias. Os outros nomes que o PT poderia apresentar para a sucessão presidencial não empolgam o eleitor para além de seus redutos regionais: Tarso Genro já percebeu isto e se apressa em viabilizar sua candidatura no Rio Grande do Sul; Marta Suplicy mal consegue se viabilizar como nome competitivo em São Paulo; Fernando Haddad é uma boa aposta para o futuro, mas por ser ainda pouco conhecido do eleitor brasileiro, faria mais sentido lançá-lo em São Paulo, como hoje se cogita; Jaques Wagner dificilmente abriria mão de uma reeleição provável num Estado até há pouco tempo controlado pela direita para ingressar numa incerta aventura nacional. Sobraria para o PT a improvável possibilidade de apostar em algum nome aliado, como Ciro Gomes. Contudo, sabendo-se da propensão hegemonista do partido, o apoio petista a um membro de outra agremiação dificilmente se concretizará no plano nacional.

Quanto ao chavismo, a experiência governamental de Lula já deu seguidas mostras de que não é o figurino que apetece ao presidente. Lula é uma liderança de caráter eminentemente institucional, que atua por meio das instituições e de modo a reforçá-las. Um bom indicativo disto é o perfil de suas indicações para o STF, muito mais pautadas num perfil técnico do que aquelas feitas por seus antecessores, que indicaram para o cargo ex-ministros de perfil eminentemente político (como Nelson Jobim e Gilmar Mendes, por Fernando Henrique Cardoso, ou Maurício Correia, por Itamar Franco). Deste modo, supor que o esquerdismo do presidente e sua condição de líder carismático seriam fatores que o tornariam propenso ao chavismo é o mesmo que tentar identificar numa caricatura atributos de uma descrição anatômica.

É essa mesma condição de liderança que historicamente tem valorizado as instituições para além de seu carisma pessoal que torna pouco crível que Lula aposte numa aventura política como a do projeto do terceiro mandato. Diferentemente não só de Chávez, mas também de Uribe, que identificaram em sua continuidade no poder a condição para a preservação do sucesso de suas políticas, Lula pauta seu discurso pela defesa do projeto de seu governo como uma obra coletiva de sua equipe. Isto aparece não só no apoio à "mãe do PAC", mas nos frequentes elogios que costuma tecer a seus auxiliares no governo, sempre que se vê às voltas com a tentativa de capitalizar o sucesso de uma ou outra iniciativa de sua administração. Nisto, Lula se assemelha bastante a seu antecessor no cargo - com a diferença de dispor de muito mais carisma.

Contudo, ao que se nota pela atuação de alguns de seus aliados no Congresso - petistas e não petistas -, parecem ser insuficientes todas as evidências da improbabilidade de que o popular presidente embarque numa aventura populista. Para alguns deles, as propostas de um terceiro mandato parecem ser apenas uma forma de ganhar certo destaque no noticiário. Veja-se o caso do deputado do PMDB sergipano Jackson Barreto. Antes da proposta de um referendo acerca da possibilidade de uma nova reeleição presidencial, esse parlamentar se destacava no noticiário por razões bem menos honrosas, como a de ser o segundo deputado com mais ações na justiça, segundo noticiou a revista "Istoé" no fim de fevereiro deste ano. Também o deputado Devanir Ribeiro, amigo de Lula desde os tempos de sindicalismo, parece ter tido nessa iniciativa de adulação presidencial por meio de projeto de lei uma forma de ganhar destaque na mídia. Acabou sendo desautorizado pelo presidente.

O que tem faltado àqueles que dão muita importância à tese do terceiro mandato, contudo, é uma observação bem mais comezinha. Esta é uma mudança nas regras do jogo que apenas pode ser implementada por emenda constitucional, que requer o voto de 60% dos membros das duas Casas do Congresso, em duas votações. Mas se este governo não conseguiu sequer aprovar a emenda constitucional da prorrogação da CPMF, para o quê os votos oposicionistas eram indispensáveis, como conseguiria o apoio para uma mudança constitucional que daria ao popularíssimo Lula a chance de arrasar nas urnas o eventual candidato oposicionista à Presidência? Ora, políticos não têm vocação para o suicídio eleitoral.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP.

Eficácia das políticas anticíclicas

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Nas recessões moderadas que afetam as economias capitalistas periodicamente, tanto os problemas relativos à geração de lucro, renda, e emprego quanto os patrimoniais (como o grau de endividamento e o risco das posições ativas e passivas) têm origem nas variações dos fluxos do gasto privado de consumo e de investimento.

Tais flutuações provocam movimentos de ajuste na composição e no rendimento dos ativos que podem agravar o declínio do gasto produtivo. Mas esses movimentos cíclicos apresentam, em geral, grande sensibilidade à atuação das políticas anticíclicas que se destinam a defender os fluxos de produção, os preços dos ativos e a validade das dívidas mediante a sustentação da liquidez dos mercados e do lucro das empresas. Essas políticas conseguem preservar as condições patrimoniais do setor privado - empresas e famílias - ao tornar possíveis os movimentos de portfólios na direção de uma maior liquidez e de menor risco proporcionados pelo aumento da dívida pública nas carteiras das instituições financeiras.

A moderada intervenção do Estado repõe as condições para o crescimento dos lucros a partir da elevação do gasto público e a consequente resposta do gasto privado. Sendo assim, instaura-se um novo ciclo de valorização dos ativos produtivos e de recuperação do endividamento privado, o que permite o crescimento da receita de impostos e a progressiva retração do endividamento público. Ocorrendo isto, o Estado poderia refluir a sua ação, reequilibrar o déficit fiscal e reduzir o seu endividamento.

Até aqui estamos no mundo das flutuações ou, no máximo, da instabilidade da produção, da renda e do emprego nas economias capitalistas. Em uma crise como a atual, a avaliação da riqueza (as expectativas de longo prazo) e a incerteza radical (não apenas o risco) paralisam e negam os novos fluxos gasto. A ruptura brutal do estado de convenções que vinha regendo o movimento da economia significa que os produtores e consumidores privados paralisam suas decisões - de produção, consumo e de investimento - diante da incerteza radical em que estão mergulhados. Este é o estado que contrasta com o de "expectativas convencionais": nele os agentes se comportam como se a incerteza não existisse e como se o presente constituísse a melhor avaliação do futuro.

Keynes procurou demonstrar que, em uma situação de ruptura do estado convencional de expectativas, torna-se aguda a contradição entre o enriquecimento privado e a criação da nova riqueza para a sociedade (crescimento das inversões em capital real). A crise leva ao limite o impulso de enriquecimento privado, ao ponto de torná-lo antissocial devido à preferência pela liquidez que impõe a paralisia ao investimento e ao consumo, isto é, à formação da renda e ao emprego. Numa conjuntura de redução drástica do investimento e do consumo privados, as empresas e os consumidores buscam desesperadamente reduzir o endividamento e aumentar a poupança. A ruptura da confiança faz recair sobre o dinheiro a esperança de preservação do valor da riqueza. Isto significa que os detentores de direitos sobre a riqueza são levados a supor a existência de uma medida e forma do enriquecimento que não esteja sujeita à contestação dos demais, a única socialmente reconhecida num momento em que os demais ativos não têm preço porque não encontram compradores.

Nessas circunstâncias, as políticas de Estado de geração do déficit e de criação de nova dívida pública - instrumentos de sustentação dos lucros das empresas e de proteção dos portfólios do setor bancário privado - estão diante de expectativas de longo prazo insensíveis aos estímulos convencionais. Em uma economia que atravessa uma crise como a americana, por exemplo, o desequilíbrio fiscal e o crescimento do débito público na composição dos patrimônios privados tendem a se tornar fenômenos mais profundos e duradouros. Diante de antecipações pessimistas do setor privado, o déficit do governo consegue apenas impedir a queda acelerada da produção e evitar o agravamento da deflação de ativos. Com isso, a crise não é superada, mas ameaça se transformar de crise da finança privada em crise financeira do Estado.

Neste caso, as expectativas privadas passam a se orientar pelas suposições acerca da evolução da "crise financeira do Estado". O fato relevante nos próximos meses será a avaliação dos detentores de riqueza, sobretudo dos controladores do crédito, sobre os rumos da política fiscal e do endividamento público. Há sinais de que os senhores da finança - salvos pela vigorosa intervenção do Estado - já consideram insustentáveis a trajetória do déficit fiscal e da dívida do governo americano. A desconfiança privada atinge a fundo a soberania estatal, comprometendo a legitimidade do Estado como gestor da moeda e da dívida pública.

Diante do avanço das antecipações, o Estado poderá ser levado desvalorizar a sua dívida - agora forma dominante da riqueza privada - mediante a monetização continuada. Com esta providência estará sancionando o encurtamento do horizonte temporal fixado pelo setor privado, na busca de maior segurança e liquidez para o seu estoque de riqueza. Com isso, eleva-se o prêmio de liquidez e restringem-se os mercados para contratos de prazos mais longos, comprometendo a própria capacidade do Estado de emitir dívida nova e de administrar o estoque de endividamento existente. Isto tende a reduzir ainda mais as possibilidades de atuação da política monetária, submetida aos imperativos de taxas de juros reais elevadas, com efeitos desastrosos sobre a recuperação da economia.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

No Rio, PDT dá trabalho a Lupi

Raphael Bruno
Brasília
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Cresce insatisfação de grupos que acusam ministro de desviar o partido de bandeiras históricas

Além das preocupações com o sobe e desce, impulsionado pelos impactos da crise econômica no mercado de trabalho brasileiro, dos números de geração de empregos e demissões, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, ganhou, nos últimos dias, uma preocupação adicional: ele enfrenta crescentes focos de insatisfação dentro de seu partido, o PDT, com a forma pela qual vem conduzindo a direção da legenda e os trabalhos à frente do ministério. Para piorar, uma das maiores tensões entre o ministro, presidente licenciado do partido, e outras correntes pedetistas, se desenvolve justamente no quintal político de Lupi, o Rio de Janeiro. Hoje, integrantes do diretório municipal carioca tentam, na sede do partido, realizar uma convenção extraordinária com o objetivo de renovar a direção partidária na cidade. Lupi e a atual direção são acusados pela oposição interna de desviarem a legenda do brizolismo histórico e podarem a participação de grupos insatisfeitos com os rumos do partido.

O período de gestão do atual diretório municipal se encerra hoje. Como até alguns dias atrás uma nova convenção não havia sido marcada, integrantes do diretório, opositores a Lupi, se organizaram para realizar, hoje, convenção extraordinária na sede do partido no Rio de Janeiro.

A direção nacional do PDT reagiu e instalou uma comissão provisória que, de acordo com o estatuto partidário, tem até 90 dias para realizar novas eleições para o diretório. Para os grupos alinhados com Lupi, uma maneira de ampliar a participação no processo eleitoral interno. Para os pedetistas insatisfeitos, uma manobra para ganhar tempo e evitar a perda do controle da legenda.

– Qual a razão de não ter havido, normalmente, a convocação da convenção pelo diretório municipal? – questiona o deputado estadual e candidato à prefeito do partido nas últimas eleições municipais, Paulo Ramos. – Esse tipo de prática acaba colocando em situação de conflito companheiros. É uma situação triste, porque não constrói. Por quê a necessidade de tudo ser arrancado à força? Há uma tentativa de excluir da participação. É tudo muito desgastante.

– Há uma rebeldia contra a direção do partido, contra toda a direção nacional, estadual e municipal – completa o ex-deputado federal, membro do diretório nacional do partido e atual assessor da presidência da Petrobras, Vivaldo Barbosa. – A comissão provisória é para manter o controle do partido. Não querem dar a oportunidade de disputar. É uma visão estreita de controle do partido. O Diretório Nacional do PDT não se reúne há dois anos. Queremos reuniões, o debate de ideias. O Brizola era um poço de ideias.

Um dos organizadores da tentativa de realizar a convenção extraordinária, Barbosa acusa Lupi e a atual direção de afastarem o partido dos princípios históricos do brizolismo e do trabalhismo.

– A condução política do PDT está equivocada – dispara o ex-deputado federal. – O alinhamento ao governo Lula está muito automático. Nosso entendimento é de que a participação do PDT no governo tem que ser pautada na diretriz de empurrar o governo para o trabalhismo, e isso não está ocorrendo.

Como exemplo de que Lupi não estaria atuando, no ministério, de acordo com as bandeiras tradicionais do PDT, Barbosa menciona uma portaria do órgão que, segundo ele, ataca a unicidade sindical, fragmentando e enfraquecendo os sindicatos, além da proposta de acabar com o imposto sindical, um projeto que no entendimento do ex-deputado federal fere a autonomia financeira dos sindicatos. Segundo Barbosa, essas e outras medidas teriam despertado insatisfações, também, em partes do PDT do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais e de Goiás.

– São críticas que não tem ressonância dentro do partido, porque não tem fundamento algum – rebate o líder do PDT na Câmara, Brizola Neto (RJ), um dos defensores da ideia de instalar a comissão provisória para organizar o processo eleitoral no diretório municipal do Rio. – A portaria criticada não ataca a unicidade, isso é uma interpretação equivocada da parte deles. Ela faz é garantir a presença dos sindicatos nos municípios. E quanto ao imposto sindical sou testemunha do esforço do ministro Lupi, no Congresso, para derrotar o fim do imposto.

Na avaliação do parlamentar, se a convenção extraordinária for mesmo realizada hoje, ela será ilegal por não cumprir as regras estatutárias de recolhimento de assinaturas e aprovação de pedido pelas instâncias superiores do partido. A questão, de toda maneira, dificilmente será resolvida sem a necessidade de envolvimento da Justiça Eleitoral, que terá julgar a validade da convenção caso ela se realize. A atual convenção estadual do partido no Rio já enfrenta ação que pede sua anulação no Tribunal Regional Eleitoral do estado.

– Há uma certa dose de impaciência desses grupos – critica Brizola Neto. – A comissão provisória foi instalada, vamos ter eleições. O que fizemos foi uma tentativa de acalmar os ânimos para dar tempo de organizar as zonais e evitar um processo eleitoral dentro do partido sem discussão política.

Antecedentes

Lupi está à frente do PDT desde 2004, quando o fundador e estrela maior do partido, o ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, faleceu. Desde 2007, após pressão da Comissão de Ética do Palácio do Planalto, que lhe recomendou não exercer simultaneamente a presidência do partido e o cargo de ministro, Lupi se licenciou do comando formal da legenda. Na prática, porém, continua exercendo grande influência sobre as decisões partidárias.

Os questionamentos em relação aos rumos que o ministro deu ao partido não são novos. No início de 2007, Lupi foi duramente criticado por pedetistas que se posicionaram contrários à adesão formal do partido ao governo Lula, embora a participação na coalizão governista tenha sido aprovada por ampla maioria do diretório nacional. No final do mesmo ano, foi a vez do senador Osmar Dias (PDT-PR), ameaçado de expulsão por não concordar em votar favoravelmente à prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), se estranhar com o ministro.

Luz no fim do túnel

Ao menos no Rio de Janeiro, contudo, os rachas internos podem estar com os dias contados. O motivo: as eleições de 2010. Atualmente, o partido, em quase sua totalidade, está insatisfeito com o governador Sérgio Cabral. Líderes da legenda não escondem a irritação com a decisão de Cabral de interromper a construção de um memorial em homenagem a Brizola e questionam a política de segurança pública do governo, vista como truculenta pelos pedetistas, especialmente se comparada com o modelo implantado enquanto Brizola esteve na chefia do governo estadual. A leitura é de que o receio de que nenhuma outra candidatura surja dos partidos que hoje compõem a base de Cabral pode levar a legenda a se unir em torno da candidatura do deputado estadual Wagner Montes, hoje um dos nomes mais bem posicionados em pesquisas de intenção de voto para o governo estadual.

Justiça suspende cotas em universidades do Rio

DEU EM O GLOBO

Liminar do Órgão Especial do Tribunal de Justiça atinge instituições da rede estadual; mérito ainda será julgado

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio suspendeu ontem a lei estadual 5.346, de 2008, que prevê o sistema de cotas para o ingresso, nas universidades estaduais, de estudantes negros, índios, egressos de escolas públicas e filhos de policiais e bombeiros. A Justiça atendeu a pedido de liminar feito pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP), que questiona a constitucionalidade da lei aprovada pela Assembleia Legislativa.

A liminar deve complicar a realização dos vestibulares de meio de ano, já que não haverá tempo hábil para que o mérito seja julgado pelo TJ.

O parlamentar alega que há discriminação entre cotistas e não-cotistas nas universidades que adotam o sistema no Rio, como a Uerj, a primeira do país a ter cotas raciais e sociais. A lei original era de 2002, com reservas para negros e alunos de escolas públicas. Depois, em 2008, a Alerj aprovou a inclusão de filhos de policiais e bombeiros mortos em serviço.

— A lei é demagógica, discriminatória, e não atinge seus objetivos — disse o deputado Flávio Bolsonaro O relator do processo, desembargador Sérgio Cavalieri Filho, votou contra a concessão da liminar, mas foi derrotado.

Tudo era pecado nos anos 50

Arnaldo Jabor
DEU EM O GLOBO / Segundo Caderno


Há dez anos, escrevia sobre o quase-impeachment do Bill Clinton, nos USA, perseguido pela imprensa conservadora e pela boneca enrustida do procurador Ken Starr, (lembram?) e traduzi a palavra ''bimbo'', que a imprensa usava a propósito da Mônica Lewinski (lembram também?) como sendo uma gíria para ''pênis''. Errei. ''Bimbo'' é mulher-galinha, perua-piranha, algo assim.

No entanto, ''bimbo'' me evocou o saudoso pipoqueiro Bené, das ruas de minha infância. Meu artigo acabou sendo sobre o Bené. E hoje, ele virou uma das personagens principais do filme que faço no Rio.

Bené participou ativamente de minha formação sexual, quando encostávamos em sua carrocinha para ouvir, entre estalidos de pipoca quente, as artes nobres de suas ''bimbadas'' famosas.

O pipoqueiro Bené era olhado por nós com respeito fascinado e seu bigodinho carioca, raso e brejeiro, parecia um ''brevet'' de d. Juan ali da Urca (quantos se lembram do grande Bené, orgulhoso, baixinho, cabelo com ''glostora'', um dente de ouro, papando as empregadas e até madames solitárias que se esfregavam na carrocinha quente, divididas na eterna duvida: ''doce ou salgada?'' Bené nos contava as historias mais profundas sobre sexo e amor, que bebíamos encantados, já que nossos pais e mães ''art déco'' jamais iam muito além da cegonha. Neste mister, Bené, o pipoqueiro, era ajudado por Alfredinho, o aleijado. Alfredo tinha as duas perninhas penduradas entre as muletas, mas ostentava um tórax invejável, devido ao exercício de se mover. E os dois, como uma dupla ensaiada, nos iniciavam nos mistérios da carne, se bem que Alfredinho era menos confiável, pois se gabava de aventuras inverossímeis que, dada a sua condição de deficiente físico, nos pareciam fantasias compensatórias para a sua infelicidade.

Bené, não. Esse, enquanto enchia os saquinhos de pipoca, dentro de seu aventalzinho branco, nos ensinava, por exemplo, que a masturbação, se executada com a mão debaixo da perna, era melhor, pois fazia-a dormente e aumentava o prazer, parecendo a uma carícia batida pela mão de outrem, de preferência a bela mãe de algum amigo, ou da Terezinha de 15 anos que Bené ambicionava , embora soubéssemos que era em vão, por ser a menina de outra classe social e loura, jamais para seu bico. E, muito menos, para o bico de Alfredo, o Aleijadinho, este sim, se esmerando em narrar aventuras rocambolescas, como a da mulher do major da Aeronáutica que ele afirmava ter ''bimbado'', se balançando nas muletinhas, em pé, debaixo da escada que serpeava sob o ''flamboyant'' coberto de cigarras.

Pelas mãos destes mestres , fui formado, aprendendo coisas fundamentais, como da importância da vaselina ou do cuspe para imaginadas ações de sodomia em menininhas ou da necessidade de termos olhos de lince para distinguir quem era veado ou não, o medo máximo que nos rondava e cuja simples menção como xingamento numa pelada de rua nos obrigava a lutas terríveis, entre arranhões e ''gravatas''. Se veados fôramos - eles nos advertiam - poderíamos acabar como o mendigo-bicha ''Amelia'', andando com saco nas costas e sujo, que, segundo Bené, tinha dado mijo para a mãe beber no leito de morte, o que lhe valera o castigo de Deus de ser mendigo, catando papel, revirando os olhos com arrebiques femininos pelas sarjetas. Bené e Alfredinho nos avisavam também dos perigos de uma estirpe de meliantes, os tremendos ''bocas de fogo'', como eram chamados os comedores de meninos bobos, dos quais o mais temido era o Chita, ex-pracinha bissexual neurótico da Segunda Guerra, que ''dava'' nos fundos de garagem ou nas pedras da amurada, se bem que - advertia Bené - ''comeu tem de dar e olha que o Chita já comeu fulano e sicrano''.

Pela sábia supervisão de Alfredinho, vimos pela primeira vez a fascinante revista de sacanagem ''Saúde e Nudismo'', toda em monocromatismo azulado, que nos arregalava os olhos diante de mulheres suecas fora de foco, deitadas de lado em rochedos da Escandinávia. O sexo que aprendíamos ali não tinha esta invejável liberdade dos garotos de hoje,o sexo era um corredor secreto, um filme de suspense, uma espécie de crime feito em fundos de quintal. Foi Bené que me explicou a ''camisa-de-vênus'' que eu achara no banheiro de meus pais, bola de encher leitosa, prova do pecado de minha mãe , que me valeu noites de insônia e rancor de menino traído pela mãe. Alfredinho, mais culto que Bené, nos decifrou as figuras do livro de medicina que um amigo roubou do pai e levou para a furtiva luz amarela do pipoqueiro , na noite da Urca. Ali, na luz do carbureto, víamos os corpos brancos dos mortos nus, da mulher de seios arrancados, do veado que se matou com o fio da tomada no anus carbonizado e, supremo trauma infantil, a foto do hermafrodita , com a tarja negra sobre os olhos, sorrindo tristemente com seu duplo sexo pendurado. E foi ali, na luz febril do carbureto, que eu fui estimulado a tentar minha primeira conquista, a de Angelita, menina pálida , filha do espanhol da padaria, que me fitava sempre com olheiras negras, segurando a saiazinha suja. Estimulado por Alfredinho e Bené, tomei coragem e, uma tarde, dentro do sótão de sua casa, entre baús e com um velho manequim me olhando, trocamos cuspe dentro da boca um do outro e pude tocá-la sob a calcinha, cheirando depois os dedos que, ate hoje, me trazem de volta um olor tênue e úmido, visgo de seiva de planta e que (eu senti) era o primeiro sinal de uma viagem pelo amor e carne, do mundo - doce ou salgado - que me esperava. Para Bené e Alfredinho, claro, falei de grandes gestos viris, e nada disse sobre as lágrimas de Angelita e de meu pavor do manequim me olhando, nem da fuga pela escada poeirenta sob a voz do espanhol, nem que Angelita nunca mais me fitou com seus olhos tristes. Usei bravamente apenas os palavrões que aprendera com eles, sentindo já em meu labio o tremor de um bigodinho viril, como o do Bené.

Entre o crime e a medicina, éramos formados para o amor nos anos 50.