quarta-feira, 17 de junho de 2009

Uma nova visão

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A decisão das quatro maiores economias de países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China (Brics), de atuar de forma coordenada na reforma do sistema financeiro internacional, tomada na primeira cúpula dos chefes de Estado realizada ontem em Yekaterinburgo, na Rússia, é apenas parte do que está por acontecer. O "pano de fundo, a raiz profunda, que vai demorar ainda a transparecer", tem muito mais densidade, na opinião do ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, e tem o poder de mudar nossa política externa.

Para ele, embora o sistema financeiro seja um tema premente, tornado conhecido pelas discussões do G-20, e haja uma tendência nessas reuniões de evitar colocar temas controversos e difíceis nos comunicados, seria "um grande equívoco" interpretar o que está ocorrendo como uma mera continuação das discussões do G-20.

O ministro, que participou de reuniões preparatórias ao encontro, considera que o eixo central dessa discussão "é o esforço para desvincular os objetivos de abertura econômica e de segurança política da imposição de uma fórmula institucional ao mundo".

Mangabeira vê como ponto comum entre os quatro países o "desejo de criar uma ordem que ofereça mais espaço para as alternativas, os experimentos, as divergências, as heresias".

Rejeitar a tese da convergência institucional forçada tem a ver, segundo ele, com "a busca interna em cada um dos Brics de um modelo de desenvolvimento baseado em ampliação de oportunidades econômicas e educativas. Nas discussões entre os Brics sobre as respostas à crise há uma determinação de colocar o foco na economia real e na ampliação e democratização da base produtiva" para que a economia que venha depois da crise não reproduza a mesma lógica que foi superada por ela.

Este evento dos Brics pode marcar um momento importante para o país e, na opinião pessoal de Mangabeira Unger, o projeto brasileiro para a América do Sul e sua ligação com os Estados Unidos e a União Europeia será altamente impactado pelo movimento dos Brics.

Ele diz que os projetos de integração regional "são um corpo sem espírito". Um projeto comum de desenvolvimento seria preciso para que o processo de integração se assemelhasse ao da União Europeia.

Mas Mangabeira Unger não é muito animado com a nossa situação na América do Sul que, de acordo com ele, pode ser descrita "sem anestesia" e em caráter pessoal da seguinte forma: o bom é que não temos inimigos, mas estamos cercados "de um lado por países muito bem organizados, muito ordenados, admiráveis sob muitos aspectos, mas que não primaram pelas inovações institucionais".

Refere-se especialmente ao Chile que, admite, será o primeiro país a ter indicadores econômicos e sociais semelhantes à Espanha na região. "Não estou desmerecendo o significado do que o Chile alcançou. Mas ele e outros são países que aceitaram uma estratégia de integração no espaço econômico dos outros, em particular dos Estados Unidos, o que não queremos para a América do Sul".

De outro lado, diz Mangabeira, temos vizinhos "muito rebeldes, mas muito confusos, que ameaçam afundar num pântano de populismo, de autoritarismo, de desorientação".

Não citou nomes "por um mínimo de prudência", mas é fácil inferir que falava de Venezuela, Bolívia, Equador e que tais.

Mangabeira acha que o avanço em relação aos Brics está ocorrendo mais depressa, "e com isso realça a imperfeição do que já conseguimos na América do Sul".

Ele lamenta, por outro lado, que o Brasil, sendo "o país do mundo mais parecido com os Estados Unidos, é surpreendente que nós praticamente não tenhamos uma relação com ele".

Ele define nossa relação com os Estados Unidos como "cordial, mas estreita e superficial.

Tratamos os Estados Unidos como um vendedor e comprador".

Mangabeira diz que o movimento dos Brics já está despertando muita preocupação lá, e é visto como "um jogo de contenção de poder americano", o que considera "um equívoco".

A consolidação dos Brics, segundo ele, vai colocar nossa relação com os EUA "em uma encruzilhada, mas ao mesmo tempo em que tensiona, cria uma grande oportunidade de dar uma reviravolta e engajar os Estados Unidos na discussão sobre um projeto interno ampliador de oportunidades e uma ordem mundial mais pluralista".

O ministro do Planejamento Estratégico acha que "não deveríamos esperar, deveríamos propor a eles projetos de ampliação de oportunidades nas Américas".

Ele acha que "avançamos muito na construção de uma relação estratégica" com a União Europeia, em particular com a França, e cita os campos de tecnologia de defesa; uso pacífico da energia nuclear, tecnologia para pequenas e médias empresas e desenvolvimento sustentável como pontos em que a colaboração já tem seu peso.

Segundo Mangabeira, o movimento dos Brics vai colocar um desafio para a Europa, em particular para a França, que tem sido mais sensível a esse novo mundo pluralista.

Mangabeira Unger está convencido de que o movimento dos Brics "vai mexer de uma maneira profunda com toda nossa política exterior" e, embora esclareça que não é um crítico dela, diz que "uma das condições para aumentar nosso grau de iniciativa é estabelecer a política exterior como tema da política interna do país, e entender que a política exterior não pode ser delegada aos diplomatas, que não formulam, devem apenas executá-la".

Para Mangabeira, a política exterior "é construída no debate nacional e definida pelo governo eleito", e não é "um ramo do comércio, mas um ramo da política". "Os temas comerciais, por importantes que sejam, são acessórios aos temas geopolíticos", afirma.

Perdido no espaço

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O pronunciamento do presidente do Senado, José Sarney, mostrou que o senador não compreende a natureza nem a dimensão da crise que assola o Parlamento. Não está à altura das necessidades do momento e, portanto, não é a pessoa indicada para conduzir os acontecimentos ao caminho da melhor solução.

Não tendo sido - como é melhor crer que não tenha sido - apenas uma manifestação de desfaçatez absoluta, o que se viu e ouviu da cadeira da presidência do Senado na tarde de ontem foi um homem fora de seu tempo e alheio às circunstâncias que o cercam.

Referido no passado, apegado a uma fantasia de majestade, movido por conceitos anacrônicos, a exigir reverência a uma biografia que, na sua convicção, o torna imune a questionamentos e faz de qualquer crítica a seus atos uma injustiça por definição.

Se não se fez de desentendido, o senador José Sarney ontem deixou patente que perdeu seu discernimento no túnel do tempo dos 60 anos de vida pública aos quais aludiu, não para oferecer sua experiência à dissolução da crise, mas para se dizer acima de julgamentos.

Ontem, finalmente, foi possível compreender por que Sarney não mediu nem percebeu o risco da insistência em se candidatar pela terceira vez à presidência do Senado. Ficou muito claro também a razão do equívoco de imaginar que poderia ser ungido ao posto pela unanimidade de seus pares.

José Sarney simplesmente não leva em conta o mundo em volta. Apreende da realidade só o que bem entende e depreende o que lhe é conveniente. A despeito dos fatos.

O presidente do Senado usou do microfone para celebrar seu papel de opositor da edição do AI-5, há 40 anos; para exaltar o gesto de rompimento com o partido de sustentação da ditadura militar, há 25 anos; para teorizar sobre o desgaste do sistema representativo no mundo; para relembrar suas realizações em prol da transparência quando ocupou a Presidência da República, há mais de duas décadas; para apontar a existência de forças em movimento para enfraquecer o Parlamento.

Deixou, contudo, de listar a nefasta contribuição que o próprio Legislativo dá a esses interesses ao se apequenar com gestos recentes que o presidente do Senado propositadamente ignorou ou sobre os quais simplesmente tergiversou. Quando não distorceu de maneira explícita.

Por exemplo, ao dizer que não tem feito outra coisa a não ser tomar providências para corrigir erros cometidos em gestões anteriores.

Discorreu sobre o elenco de atitudes que foi obrigado a tomar sob pressão: a demissão de Agaciel Maia, a suspensão de negócios ilícitos de crédito consignado, o cancelamento do pagamento de horas extras no recesso, a regulamentação do uso de passagens aéreas, a divulgação na internet dos gastos com a verba indenizatória, a publicação dos atos secretos.

Distorções que, quando denunciadas, Sarney atribuiu ao desejo da imprensa de fazer do Senado um "boi de piranha". Nenhuma das correções fez parte do discurso de posse, cuja promessa mais austera previa um corte de 10% nas despesas.

Isso embora não fosse um estreante, mas um reincidente na presidência. Em defesa do senador Sarney diga-se que se ele não atua conforme exige o tempo moderno, o corpo do Senado tampouco está em consonância com o contemporâneo, pois, se a maioria o elegeu, foi por considerá-lo o homem certo.

Enquanto isso...

...Na Câmara dos Deputados não se fala mais em reestruturação no sistema de gastos em modernização nem em aperfeiçoamento de procedimentos, muito menos em punição para a quadrilha que negociava no câmbio negro com agências de turismo as passagens aéreas compradas pela Casa.

Depois de muito discurso, as providências ficaram resumidas à criação de uma cota única de R$ 23 mil a R$ 34 mil por deputado, para gastos com passagens, correio e telefone. Fora isso, continua válida a verba de R$ 60 mil para contratação de assessores nos gabinetes, o auxílio-moradia, mais dois salários extras (13º e 14º) salários por ano. Não houve redução de valores.

O "cotão" poderá ser gasto como, onde e com quem o deputado quiser. De três em três meses, cada qual põe sua prestação de contas na internet. Da maneira como lhe for mais conveniente, não necessariamente da forma tecnicamente mais transparente.

Metodologia

O governo francês levou ao pé da letra a declaração de Lula sobre o pagamento das indenizações às famílias do acidente com voo AF 447 e, mesmo correndo o risco de uma descortesia diplomática, apressou-se em esclarecer que é da Air France, e não da França, a responsabilidade pelos seguros.

Acostumados à precisão das palavras, os franceses não entenderam o espírito da coisa: Lula apenas aplicou a Sarkozy seu método de apropriação de qualquer fato ou ato de caráter positivo.

Serra libera R$ 21 milhões para socorrer prefeitos

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um evento realizado ontem pelo governo de São Paulo para anunciar a liberação de R$ 21,5 milhões a 92 municípios virou palco para elogios à conduta do governador José Serra (PSDB) no enfrentamento da crise econômica e queixas indiretas à atuação do governo federal.

"Quero dar aqui meu testemunho. Nós que acabamos de ver nosso fundo de participação cair, se não é o nosso governador José Serra abrir o braço para nós prefeitos, com certeza, estaríamos fritos", discursou o prefeito de São Simão, Marcelo Aparecido dos Santos (PSDB), referindo-se à queda no início deste ano dos repasses federais às prefeituras pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), um dos reflexos da crise. "Nosso governador tem sido exemplo de como governar o Estado e de como olhar para o futuro", prosseguiu Santos, para cerca de 90 prefeitos.

Na sequência, foi a secretária estadual de Assistência e Desenvolvimento Social, Rita Passos, quem ressaltou as ações de Serra. "Com essa crise que vem sendo vivida por todo o mundo, se não é o governo ajudar os municípios torna-se difícil governar. Graças a Deus temos um governador sério e atuante que é parceiro dos municípios, que dá as mãos aos prefeitos", disse.

Apesar dos discursos elogiosos, nenhum dos convidados mencionou uma eventual candidatura de Serra à Presidência em 2010, como já ocorreu em outras ocasiões. O presidente da Assembleia Legislativa, Barros Munhoz (PSDB), limitou-se a dizer que Serra "é o verdadeiro estadista".

PARTIDOS

Para o governador, esses R$ 21,5 milhões em convênios vêm ajudar os municípios a fazer investimentos em tempos difíceis. Ao todo, foram 92 cidades beneficiadas. "Temos levado a sério essa parceria com a Assembleia Legislativa e os municípios do Estado sem conotação político-partidária", disse.

Na lista de convênios assinados ontem, entretanto, apenas 5 (ou 5,4%) prefeituras são administradas pelo PT, contra 39 (42,4%) do PSDB. Os números não refletem a divisão de forças hoje no Estado, onde os petistas governam quase 10% dos municípios e os tucanos, 32%.

O secretário do Planejamento, Francisco Luna, pediu aos prefeitos que agilizassem a documentação exigida para assinatura dos convênios. Segundo ele, o governo tem dinheiro para repassar às cidades, mas não consegue fazê-lo por esse motivo. "Não temos nenhum tipo de preferência partidária. Recebendo a documentação, processamos o convênio." Desde 2007, foram R$ 862 milhões para convênios.

Paralisação no INSS já atinge 16 estados

DEU NO JORNAL DO BRASIL

A greve de servidores do INSS chega a 16 estados, mais o Distrito Federal, que respondem por 90% do total de atendimentos do instituto. No Rio, segundo o Sindsprev/RJ, a greve deixou mais de 90 postos de atendimento do estado parcialmente paralisados. As principais reivindicações dos servidores são a elaboração de um plano de carreira e a realização de concurso público para a contratação de novos funcionários.

Servidores do INSS em greve

Sindicato e instituto divergem sobre adesão à paralisação. Atendimentos são remarcados

A greve de servidores do Instituto Nacional de Seguridade Social atinge 16 Estados mais o Distrito Federal, segundo balanço divulgado ontem por entidades de classe e a assessoria de imprensa da Previdência Social. Os números relativos ao percentual de adesão à greve, porém, variam.

A Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social, que reúne dados de todos os sindicatos de funcionários no país, ainda não tinha balanço oficial até a noite de ontem. A entidade ressalta, porém, que os estados que aderiram à greve respondem por 90% do total de atendimentos do instituto.

Além do Distrito Federal, os estados que adeririam à greve são Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Piauí, Espírito Santos, Rio de Janeiro, Ceará, Pará, Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Sergipe, Amazonas e São Paulo. Goiás, Rondônia e Amapá estavam em "estruturação da greve", explica a Fenasps. Mato Grosso ainda não tinha realizado assembleia sobre o tema, enquanto Alagoas, Maranhão, Roraima, Acre e Tocantins não informaram sobre a decisão.

O último balanço nacional feito pelo INSS, no entanto, indicava uma adesão baixa à greve ao longo do dia de ontem. Das 962 agências consultadas pelo país (ao todo, são 1.110 unidades), 837 tiveram funcionamento normal, 98 funcionaram parcialmente e 27 fecharam. O Brasil tem hoje entre 20 mil e 25 mil servidores na Previdência Social.

Sobre a adesão ao movimento em São Paulo, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência de São Paulo, das 48 agências da capital, 27 aderiram parcial ou integralmente à paralisação. No interior, das 132 agências, outras 27 teriam aderido. As agências paulistas respondem por 60% dos atendimentos do INSS em todo o Brasil, segundo o sindicato.

Já os dados da assessoria da Previdência são conta de que, em São Paulo, das 48 agências, 15 pararam parcialmente, realizando perícias agendadas, e apenas quatro fecharam. Já no interior, a adesão foi menor ainda: das 132 agências, nove pararam parcialmente e apenas uma fechou as portas.

No Rio, Segundo o Sindsprev/RJ, a greve deixou mais de 90 postos de atendimento do estado parcialmente paralisados. Apenas os atendimentos agendados de perícia médica foram feitos.

Atendimento

Quem tinha um atendimento agendado em um posto com greve deve ter o pedido remarcado no INSS. Apesar de os médicos peritos não estarem em greve, o atendimento foi prejudicado ou pelo fechamento da unidade ou pela falta de funcionários para fazer o primeiro atendimento.

As principais reivindicações dos servidores são a elaboração de um plano de carreira e a realização de concurso público para a contratação de novos funcionários. Na avaliação do sindicato, um aumento do quadro atual de servidores é necessário para melhorar as condições de trabalho e evitar o aumento da jornada de 30 horas para 40 horas semanais. Pelos cálculos da entidade, nos próximos dois anos, mais de 10 mil dos 33 mil trabalhadores responsáveis pelo atendimento ao público estarão em condições de se aposentar, o que deverá gerar um déficit de pessoal. (Com agências)

Pelo fim da "maldade" contra aposentados

Fernando Coruja
Deputado Federal (PPS-SC) e líder da bancada
DEU NO JORNAL DO BRASIL

A Câmara dos Deputados precisa dar um basta na angústia que atinge aposentados e pensionistas toda vez que se decide reajustar o salário mínimo. É que boa parcela destes ex-trabalhadores, que tanto já contribuiu com o desenvolvimento deste país, é tratada desigualmente pelo governo federal que gere os recursos da Previdência Social.

A oportunidade está sobre a mesa: deputados podem apreciar a qualquer momento emenda aprovada pelos senadores que estende a todos os beneficiários do INSS o mesmo percentual de aumento concedido anualmente a quem recebe o salário mínimo (R$ 465). Hoje, o indivíduo que ganha acima deste piso tem reajuste bem menor que os demais.

O dispositivo que promove a paridade, independentemente da faixa salarial, está no Projeto de Lei Complementar 1/2007. A proposta já passou pela Câmara e foi aprovada no Senado. Só que, nesta última Casa, foi acrescida de emenda que vincula o aumento a todos os benefícios. Por este motivo, retorna às mãos dos deputados.

Hoje, o valor do mínimo é elevado anualmente de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais a variação do PIB no penúltimo ano. Os benefícios iguais a um salário mínimo seguem essas mesmas regras, mas os superiores são reajustados apenas pelo INPC. O resultado são salários achatados ao longo dos anos para aposentados que recebam, por exemplo, apenas R$ 1 além do piso nacional.

O PPS tem se orientado para pressionar, principalmente, a base aliada a devolver aos ex-trabalhadores o direito de terem vencimentos dignos. Nosso partido é autor de algumas propostas neste sentido, já que observamos perda do poder de compra para quem tem na aposentadoria ou na pensão a única fonte de renda.

Paralelamente a esta votação, urge ao Congresso Nacional que convoque sessão deliberativa para apreciar veto presidencial que derrubou tal paridade de reajuste. Com uma canetada, o presidente impediu que ex-trabalhadores fizessem jus a uma remuneração digna, ao suspender emenda aprovada pelo legislativo.

Os parlamentares haviam aprovado aumento de 16,67% para a categoria, juntamente com uma medida provisória convertida em lei em 2006.

Neste caso, o PPS também encaminhará o voto para a derrubada do que considera uma "maldade" contra os aposentados e pensionistas.

Já a base aliada tem reforçado o apoio irrestrito ao Palácio do Planalto e a disposição de referendar a maldade de Lula contra nossos trabalhadores.

Vale lembrar que o partido político do presidente, após quase sete anos de administração do poder central, se encolhe por não promover nenhuma grande reforma neste país, ao mesmo tempo que se notabiliza por escantear aqueles que contribuíram e ainda com este empreedimento chamado Brasil.

Também é dever do Legislativo federal reparar erro de um passado recente, quando aqui se instituiu o chamado fator previdenciário. A medida perversa, que teve votos contrários do PPS, modificou a forma de cálculo da aposentadoria. Isto representou um tempo maior de contribuição ao INSS para que o trabalhador tenha direito ao benefício integralmente.

A proposta, que está pronta para ir à Ordem do Dia, revoga parte da lei 3299/08 e estabelece como base para definir a aposentadoria a média aritmética obtida a partir da contribuição previdenciária nos últimos meses, num máximo de 36, antes da data de afastamento da atividade profissional.

Assim como mostramos à população que o PT queria mexer na caderneta de poupança dos brasileiros, é dever das oposições alertá-la sobre a omissão do governo nesta questão.

Está claro que sobram propostas, mas falta coragem à base governista para encarar o debate. É preciso que os aliados de Lula digam porque não querem restabelecer a justiça, muito menos pôr fim a maldades históricas cometidas contra nossos trabalhadores.

O flerte do PV com Marina Silva

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por sua biografia, prestígio internacional, coerência de ideias, coragem, Marina Silva poderia escolher qualquer partido, especialmente se estiver mais à esquerda, onde vem se situando antes mesmo dos primeiros passos eleitorais dados no Acre, para criar sua base de atuação.

Contudo, não cogitou ainda de transferir-se do PT, o Partido dos Trabalhadores, onde ingressou depois de, primeiro, militar na CUT como líder seringalista do grupo do já lendário Chico Mendes, para qualquer outra agremiação.

Isto não significa que as legendas não estejam cobiçando a líder ambientalista.. O Partido Verde (PV) saiu na frente, quer Marina para ser sua candidata a Presidente da República e está se adiantando porque, nas avaliações que fez, considera pífio o apoio que o PT dá a ela, às suas teses, a seu trabalho. O PT e, mais que ele, o governo Luiz Inácio Lula da Silva inteiro, do qual Marina foi a ministra do Meio Ambiente do primeiro mandato e do início do segundo.

O PV tem uma avaliação pior da relação da senadora com o PT e o governo do que ela própria.

Olhando de fora, avalia o Partido Verde que ela não conseguiu espaço no PT, tem sido motivo de ironias por suas posições consideradas radicais, não tem interlocutor para estabelecer o diálogo, não é vista como símbolo, o ícone que realmente é.

A ex-ministra não parece descortinar cenário tão negativo nas suas relações com o partido.

Objeções que fez à MP 458, da regularização fundiária, foram seguidas por quase todos os senadores petistas, com exceção de apenas um. Isto a acalenta e dá combustível partidário. Mas quem tem razão é o PV, é realmente pouco.

Na verdade, Marina Silva coleciona derrotas nas lutas que enfrenta pelo Meio Ambiente, tantas quantos são os prêmios nacionais e internacionais com que é agraciada mundo afora. Hoje mesmo está na Noruega para receber troféu e US$ 100 mil do prêmio "Sofia 2009", da Fundação Sophie, "por sua coragem, criatividade, habilidade de fazer alianças e sobretudo pelos resultados alcançados na luta pela preservação da Amazônia". Este é o quarto prêmio internacional que recebe depois que deixou o governo e voltou ao Senado, há um ano: do príncipe Philip da Inglaterra, ganhou a medalha Duque de Edimburgo, em reconhecimento a sua luta em defesa da Amazônia brasileira (o mais importante concedido pela WWF); recebeu, também, o "World Rainforest Award", concedido pela Rainforest Action Network (RAN) como reconhecimento por seu compromisso de proteger a floresta tropical; e o XIV Premio N"Aitun 2009, destinado a pessoas e instituições que se destacam na defesa do meio ambiente.

A senadora venceu outros dez prêmios internacionais, ganhou dezenas de prêmios e medalhas nacionais e já foi escolhida, pelo jornal britânico "The Guardian", em 2007, uma das 50 pessoas em condições de ajudar a salvar o planeta. As derrotas, porém, têm igual calibre. Marina, em entrevista à revista "Época", neste fim de semana, disse, sobre a ministra Dilma Rousseff, a mais poderosa integrante do governo e candidata à sucessão do presidente Lula, que a chefe da Casa Civil não tem uma visão de sustentabilidade ambiental igual à sua. "Ela ainda tem uma relação muito forte com a visão tradicional e antiga de desenvolvimento". A senadora criticou também o governo como um todo, sem isentar o Presidente Lula. Disse que a MP 458 foi a pior iniciativa do governo até hoje, praticamente atribuindo à medida a frustração de "30 anos de luta para evitar que a Amazônia virasse uma terra sem lei". Sobraram farpas também para o ministro das estratégias, Mangabeira Unger.

No governo, Marina perdeu o Plano Amazônia Sustentável para o ministro Mangabeira Unger (uma das gotas d"água para sua saída do Ministério, a outra foi Lula ter afrouxado o pacote ambiental que previa restrição de crédito rural e recadastramento fundiário nos 36 municípios campeões de desmatamento); foi voto único e vencido contra a retomada das obras de Angra 3; foi derrotada na liberação comercial dos transgênicos para o ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues; assistiu à ministra Dilma Rousseff atropelar o licenciamento do rio Madeira.

Desde a volta ao Senado coleciona derrotas parlamentares: da MP 458, de regularização fundiária, à criação do Ministério da Pesca com a usurpação de poderes do Ibama sobre fiscalização e licenciamentos; da taxa de compensação ambiental sobre valor de obras, ao código florestal que pode, realmente, vir a ser uma das maiores derrotas dos ambientalistas para os ruralistas. A senadora concorda que a questão ambiental é períférica para governo, para empresas e vários setores da sociedade, mas suas ideias têm adesão no seu partido. A desproporção, porém, é evidente vista de fora.

O Partido Verde já teve com ela duas ou três conversas objetivas, bem inseridas no jogo da sedução, mas Marina não deu qualquer sinal de que é possível transferir-se, no momento, para uma agremiação que trate suas preocupações como o centro do mundo. O PV aponta, para Marina, uma candidatura ao que ela quiser, Senado, Câmara, Governo, mas o que gostaria mesmo o Partido Verde é tê-la como candidata a Presidente da República, ficando Fernando Gabeira como candidato a Senador, por este caminho, agregar votos para a estruturação do partido.

Já existe um blog dos partidários desta postulação que a ex-ministra atribui, modestamente, a "coisa de estudantes". Segundo análises preliminares, Marina teria uma votação maior do que a possível, hoje, para a ex-senadora Heloisa Helena, por exemplo, que está, inclusive, perdendo o eleitorado do funcionalismo público, novamente reconciliado com Lula. Marina Silva teria espaço garantido na classe média, onde o PV se vê, também, com base sólida. E poderia iniciar sua trajetória com 8% a 9% dos votos, reunidos pelo seu carisma e suavidade, atributos que são seus mais do que de outros bem sucedidos candidatos.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Conhecimento e Rejeição

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

"Se o lulismo cresceu tanto, de onde vem a rejeição que sua candidata enfrenta?"

Da recente fornada de pesquisas sobre as eleições presidenciais de 2010, alguns dos resultados que mais chamaram a atenção foram os relativos ao conhecimento e ao nível de rejeição da candidata do PT. Muita gente falou sobre eles, nem sempre considerando com atenção o que os números disseram.

Todas as pesquisas concordaram em alguns pontos. Em primeiro lugar, que Dilma continua a ser muito pouco conhecida, em um nível apenas comparado ao de Aécio Neves. Não por acaso, são os únicos que nunca disputaram eleições nacionais. Mas o fato de serem tão desconhecidos, apesar de um ser governador de Minas Gerais há quase sete anos e a outra a ministra mais visível de Lula, diz muito sobre nossa sociedade e nosso eleitorado.

Em segundo lugar, as pesquisas mostraram que Dilma tem uma rejeição que parece muito grande. Isso assustou alguns de seus possíveis aliados, em mais um sobressalto desde quando Lula os fez engolir a escolha que fez. Não bastasse a ameaça da doença, imaginaram que teriam que carregar uma candidatura pesada.

As oposições saudaram esses resultados com entusiasmo compreensível. Não que fossem números que merecessem foguetes, mas era algo que justificava, pelo menos, uma pequena comemoração, em tempos em que tudo parece sorrir para o governo (como a recuperação de sua popularidade).

Para comentar o que as pesquisas disseram, é preciso observar que, nem sempre, elas podem ser comparadas. Vejamos uma dimensão que não deveria gerar polêmicas, a do conhecimento.

Cada instituto usa uma escala própria para perguntar às pessoas como e quanto conhecem os candidatos. Nenhuma é melhor que as outras e cada uma revela algo um pouco diferente.

No Ibope, 9% dos entrevistados disseram conhecer Dilma bem, saber “muito sobre ela e o que ela já fez”, com outros 27% dizendo que “mais ou menos”. Na Vox Populi, resultados quase iguais, com 12% dos ouvidos dizendo que a “conhecem bem, têm muitas informações sobre ela” e outros 26% que a “conhecem, mas não muito”. O Datafolha divulgou que 21% das pessoas que entrevistou afirmaram que a “conheciam bem”. Na Sensus, a pergunta permitia somente dizer que 33% a “conhecem”, sem especificar se “bem” ou não.

Ou seja, é de cerca de um terço a proporção de eleitores que hoje se sentem confortáveis para dizer que conhecem algo sobre Dilma Rousseff. É muito, se considerarmos que, faz pouquíssimo tempo, essa parcela era perto da metade de agora. Segundo o Datafolha, entre março e maio, os que diziam conhecê-la bem passaram de 12% para 21% , quase dobrando. Mas é pouco, se considerarmos o volume de mídia que lhe foi dedicado nos últimos meses.

Essas proporções têm que ser consideradas na avaliação do tamanho da rejeição ao nome da ministra, sobre o qual os institutos são quase unânimes.

No Ibope, 34% dos entrevistados disseram que “não votariam nela de jeito nenhum para presidente”; na Vox, 31% dos que a conhecem afirmaram não haver “nenhuma possibilidade de votar nela”; na Sensus, o mesmo, com 32% dos que sabem quem ela é afirmando que “não votariam nela de jeito nenhum”.

O curioso desses números é que são muito parecidos com o que foi uma regra em nossas eleições recentes, de 1994 em diante. Em todas elas, um terço do eleitorado dizia que não votaria em Lula ou no PT. E, ao que tudo indica, não votou mesmo, pelo que vimos depois que as urnas foram apuradas, seja quando Lula perdeu ou ganhou.

Há, no entanto, que considerar que o perfil do atual conhecimento de Dilma não é igual ao que ela vai alcançar no fim da campanha. Hoje, ela é muito mais conhecida entre os segmentos de escolaridade e informação mais altos, onde a crítica e a partidirização costumam ser elevadas. À medida que seu conhecimento aumentar nos estratos mais pobres, sua avaliação média pode melhorar.

Mas há uma luz amarela, acesa pelas pesquisas recentes, para a candidatura de Dilma. Os que acham que sua rejeição está alta apenas pelo desgaste generalizado dos políticos, podem se enganar. De bom para ela é que, de abril para cá, sua rejeição caiu, segundo dados da Vox Populi, vindo de 39% para os 31% de agora.

É melhor, mas ainda é muito. Se o lulismo cresceu tanto, de onde vem a rejeição que sua candidata enfrenta?

Equação iraniana

Newton Carlos
Jornalista
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Nunca, no pós-Guerra Fria, assumiu forma tão assustadoras a conclusão da ONU de que a proliferação nuclear é a maior ameaça à humanidade e não se trata só do Irã. A opinião pública internacional não parece perceber o que está acontecendo, mas os especialistas, os que estão por dentro da questão, não se cansam de emitir sinais, ou advertências, que tratam de fatos e não de ficção científica. O presidente Barack Obama imaginou o começo de um mundo sem armas de destruição maciça quando propôs à Rússia negociações envolvendo engenhos estratégicos e os acontecimentos tomam rumo em contrário.

O Bulletin of the Atomic Scientists, espécie de porta-voz de cientistas atômicos dos Estados Unidos e Europa contrários à bomba, tem o seu relógio do apocalipse. Os ponteiros se aproximam ou se afastam da meia-noite, dependendo dos níveis de armamentismo “não convencional”. Com o fim da Guerra Fria, eles se afastaram. Mas voltaram a aproximar-se. As potências nucleares sofisticam seus arsenais, em desrespeito ao Tratado de Não Proliferação, de 1968, novos membros ultrapassam as portas do Clube, como Índia e Paquistão, e cresce a relação de candidatos tidos como em condições de ingresso.

São citados Bélgica, Itália, Alemanha, Japão, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça. Também a África do Sul, que na época do apartheid associou-se a Israel, fornecendo matérias-primas e recebendo tecnologia. Talvez até o Brasil, que já enriquece urânio. Não se sabe por que cargas d’água o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica visitou Jerusalém e sequer tocou num fato de amplo conhecimento, o de que Israel tem a bomba, espécie de bomba consentida.

Outro pessimista é Andrew F. Krepinevich, analista militar à frente do Center for Stategic and Budgetary Assessments, dos Estados Unidos. Bruce Blair, presidente do Center for Defense Information, admite que não se surpreenderia se dentro de 15 ou 20 anos houver disparos de algum tipo de arma não convencional. Nuclear, portanto.

Estados Unidos, China, ONU, Rússia e o Japão, mais a Coreia do Sul (grupo dos seis) estiveram envolvidos em conversações com o objetivo de acabar com o programa nuclear norte-coreano e chegaram a anunciar acordos que nunca alcançaram um mínimo de implementação. Muito pelo contrário, a Coreia do Norte trata de mostrar que tem bombas e foguetes e até diz, de forma arrogante, que usará todo o plutônio disponível na fabricação de mais bombas, enquanto o Irã, de olho na sua, segundo suspeitas ocidentais, não se intimida com ameaças de sanções. Um ex-inspetor de armas da ONU, David Albright, é hoje diretor do Institute for Science and International Security, dos Estados Unidos. Ele afirma que “os estoques mundiais de plutônio e de urânio altamente enriquecido só aumentam, em meio a fantasias, insufladas por situações de fato, de um big bang nuclear”.

O que acontece no Irã e na Coreia do Norte compõe uma equação que torna mais agudos os sinais inquietantes. O Irã, sob suspeita de encaminhar-se na direção da bomba, reelegeu um presidente fixado na questão nuclear e que faz seus cálculos com o que acontece com a Coreia do Norte. Ele certamente tentará ir em frente, com passos mais acelerados, se a comunidade internacional não conseguir conter o ditador norte-coreano, que reage a sanções do Conselho do Segurança da ONU ameaçando explodir e construir mais bombas e mais foguetes. Coreia do Norte e Irã se interligam num momento de inquietações em montante. Nesse quadro, as eleições no Irã pouco ou nada significam, porque o poder real está com os aiatolás e o presidente que continua é gente deles.

O que se pergunta é se, em última instância, os Estados Unidos atacarão o Irã ou se procurarão derrubar o regime dos aiatolás. Um ex-chefe do Pentágono, William Perry, entrou em cena com proposições e advertências que se completam seguindo uma linha com duas pontas. Disse primeiro que os Estados Unidos talvez tenham de atacar o Irã. Bush ainda estava na Casa Branca, com a opção militar em cima da mesa. Com a eleição de Obama, ele voltou à cena dizendo que o novo presidente dos Estados Unidos enfrentará uma “crise nuclear” até o fim do ano. O que seria isso? Um ataque de Israel ao Irã. São claros os sintomas de que Israel, já portador da bomba e convencido de que é o alvo principal, pensa nisso seriamente, sobretudo depois do advento de um governo linha-dura. Há, inclusive, antecedente: o ataque de Israel nos anos 1980 ao reator nuclear do Iraque.

Quanto à Coreia do Norte, ditadura stalinista brutal, trancada a sete chaves, pode provocar corrida armamentista na Ásia. Embora constrangido por uma Constituição pacifista, o Japão tem como responder à altura. É o que não quer a China, que já dispõe de suas bombas. Isso talvez leve os chineses a pressionarem a Coreia do Norte de modo sério. Tem instrumentos. Em vários itens importantes, a Coreia do Norte depende da China. Mas permanece o talvez.

Bric, Bricamac

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Juntos, os Brics têm US$2,8 trilhões de reservas, 70% disso em dólar. Os Brics são uma invenção de um economista. Arbitrária como qualquer outra. Poderia ser Bricamac: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, México, Austrália e Coréia. Todas potências médias. Os economistas erram muito, mas são felizes nos nomes que inventam. Hoje, os Brics se acham e se reúnem. Querem mais poder.

A criação do economista Jim O"Neil, do Goldman Sachs, foi muito além do que ele poderia imaginar, e hoje, Ekaterimburgo, na Rússia, é palco de evento político. E monetário. Eles disseram que querem uma nova moeda, ou uma supermoeda supranacional, ou um mix de moedas em vez do dólar. Têm razão nisso, apesar de ser algo difícil de virar realidade. Os quatro disseram que o dólar não tem cumprido suas funções de moeda de referência, e estão absolutamente certos. Mas daí a fazerem algo a respeito, demora um pouco.

Difícil acreditar que eles queiram outra ordem monetária como referência no comércio. Todos têm grande quantidade de dólar em reserva, não têm moeda conversível e não ganhariam nada com uma crise de confiança em relação à moeda americana. São grandes financiadores da dívida americana, principalmente a China, que é dona de US$2 trilhões de reservas cambiais, quase tudo em dólar. A médio prazo, certamente o dólar será menos importante, queira ou não a cúpula de Ekaterimburgo, porque os Estados Unidos estão com uma enorme dívida, e uma expansão fiscal e monetária que já contratou um enfraquecimento da moeda.

Ouvido pelo "China Daily", o economista Yu Yongding, da Academia de Ciências Sociais do país, disse que "uma das causas da crise atual é a contradição entre a moeda nacional americana e o dólar como moeda hegemônica de reserva internacional". Ele acha que os quatro países juntos podem fazer um mapa dos passos para se reduzir a importância do dólar. Neste momento, no entanto, tudo o que for feito resultará em desvalorização dos ativos dessas mesmas economias.

Os quatro países reuniram-se apesar das suas diferenças. A Rússia já foi potência e hoje é emergente. Melhor seria dizer que ela imergiu. Ela encolheu no PIB, na população e na diversidade econômica: hoje é um país jogado para o alto ou para baixo de acordo com a variação do preço do petróleo. É o país mais afetado pela crise, está enfrentando uma forte recessão, provocada entre outras razões pelo fato de que as empresas se alavancaram violentamente pelo tamanho do valor dos seus ativos em bolsa. A Rússia precisou usar os dólares que tinha para defender o rublo que despencou no primeiro momento.

A China não se acha uma emergente. Acha que já emergiu. Pensa, se comporta, e ameaça o planeta como um país desenvolvido. Mas tem menos renda per capita que o Brasil, por exemplo, tem um pé no atraso rural, seu crescimento acelerado deixou um passivo ambiental pesado e não tem instituições políticas modernas. Índia e China estão com enorme contencioso comercial bilateral pelo desembarque de produtos chineses de preços inaceitáveis até para os indianos. O Brasil é país de crescimento cronicamente baixo. Depois de crescer 6% ao ano durante 80 anos, ele tem tido apenas períodos curtos de crescimento forte. No boom que antecedeu a atual crise, foi o país que menos cresceu de todo o grupo.

A nossa diferença em relação aos outros três em termos geopolíticos é importante e nos favorece. Os três países vivem em áreas conturbadas politicamente e todos têm armas nucleares. O conflito Índia e Paquistão é um dos pontos nevrálgicos do planeta. A Rússia invadiu a Geórgia pela Ossétia do Sul e só não se expandiu mais militarmente na região porque era o mês de agosto. Em setembro veio a crise internacional e a Rússia teve que arrumar a casa. A China tem várias áreas de conflito territorial, como o Tibete, e é o país que vive a dubiedade de dar a ajuda que mantém vivo o regime da Coréia do Norte, e ser o único capaz de segurar o louco que a governa. A existência de um regime como o de Kim Jong-Il aumenta a instabilidade da região, principalmente nesta esquisita transição que se avizinha em que ele já começa a transferir o governo, como uma capitania hereditária, ao seu filho terceiro. Qualquer rápido passeio pelos outros integrantes do clube já mostra que o Brasil está em região bem mais tranquila do ponto de vista geopolítico. Melhor. Temos que investir menos recursos em nos defender dos outros e podemos nos dedicar a resolver nossos próprios problemas.

O que há de certo nos Brics é que o mundo está mudando de ordem. A nova ordem terá o poder menos concentrado. Fica esquisito um G-8 sem a China mas com a Itália, por exemplo. Mesmo na medida mais rudimentar que existe, o PIB, a China já passou até a Inglaterra. É por isso que os chineses acham que já estão com um pé fora do grupo das potências médias.

Como os governantes resolverem seguir à risca o nome inventado pelo economista, deixam de estar lá outras potências médias que também são relevantes. A Indonésia, por exemplo, se a discussão for ambiental, tem que estar junto com o Brasil. Os dois países têm as maiores florestas megadiversas do mundo. E o ritmo do desmatamento nos dois é igualmente assustador. Se o debate for de potências médias produtoras de commodities, a Austrália e a África do Sul também precisam ser incluídas nessa lista.

É importante entender nossas forças e fraquezas e não achar simplesmente que ser um "Bric" é um determinismo de sucesso.

Os quatro tijolos

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nem sigla é. Trata-se de um acrônimo, ou seja, uma palavra formada pela inicial de quatro outras: Brasil, Rússia, Índia e China. E mesmo esses quatro nomes poderiam formar outros acrônimos, como Birc, Crib ou Cirb. Mas o que ficou (e colou) foi esse aí: Bric.

Não constituem um grupo propriamente dito, pelo menos até agora. Têm em comum apenas o fato de que são hoje os quatro emergentes mais importantes na avaliação do economista Jim O?Neill, do banco Goldman Sachs, que inventou a palavra em 2001, acompanhada da observação de que designa os países que em 30 anos poderiam figurar como as novas potências do século 21. Hoje perfazem 15% do PIB global avaliado em US$ 60,7 trilhões. Mas, nos cálculos do Goldman Sachs, em 2030 podem chegar a 50%. A experiência mostra como é perigoso fazer projeções de longo prazo. De todo modo, o acrônimo ficou fácil de pronunciar e, em inglês, lembra tijolo (brick), um dos elementos básicos que integram uma construção.

Num mundo em grande transformação, até mesmo o núcleo ainda hegemônico formado pelo grupo informal dos sete países mais ricos (G-7), ampliado para G-8 com a incorporação da Rússia, já sente necessidade de integrar os emergentes quando se trata de tomar as decisões estratégicas que conduzirão os interesses públicos do Planeta Terra. Daí o novo grupo informal de decisão estratégica, o G-20.

A reunião de cúpula dos chefes de Estado dos Brics, realizada ontem na cidade de Ecaterimburgo, na Rússia asiática, não foi convocada para criar um contraponto ao G-8, até porque a Rússia faz parte dos dois grupos. Pode-se dizer que, apesar das diferenças, há certa complementaridade econômica entre os Brics. China e Índia são grandes importadores de petróleo e de matérias-primas. Rússia e Brasil já são importantes produtores de petróleo e, além disso, são grandes fornecedores de matérias-primas. No entanto, mais apropriado dizer que os conflitos entre Brasil, Rússia e Índia com a China podem crescer e que os quatro do Bric estão mais unidos pelo que podem tornar-se do que pelo que já são.

Mais do que isso, os interesses da China estão entranhadamente misturados aos dos Estados Unidos, a ponto de se dizer que constituem uma relação simbiótica. E só isso poderia indicar que a China esteja mais amarrada ao futuro do G-8 do que a própria Rússia, e menos ao agrupamento Bric.

A reunião de cúpula de ontem foi notável não pelos seus frutos imediatos, mas pelo seu potencial estratégico. Foi Napoleão que um dia predisse que o mundo tremeria quando a China despertasse. No imaginário dos senhores do mundo, trata-se de um encontro dessa China aí com mais três colossos futuros que podem ocupar espaços hoje mal ocupados pelo G-7.

O pronunciamento emitido após a reunião de cúpula foi curto e seco. Externou apenas o comprometimento com a reforma do sistema financeiro e o desejo dos quatro de participarem mais das grandes decisões globais. Mas silenciou sobre um tema explosivo, que é o da criação de uma nova moeda internacional de reserva que pudesse assumir funções hoje monopolizadas pelo dólar.

Mas ninguém pense que essa reforma do sistema monetário do mundo esteja à vista. Nem que se possa providenciar tão cedo uma moeda com essa força. Além disso, os países do Bric detêm juntos nada menos que US$ 2,8 trilhões em reservas , quase todas elas em dólares. Seria contra o interesse deles que o dólar se desvalorizasse rapidamente.

O Bric e a tijolada no dólar

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Liderados pela China, Brasil, Rússia e Índia atacam domínio americano, mas ainda não têm o que colocar no lugar

O BRIC parece um pouco com as bruxas do batido provérbio: não se deve acreditar nele, mas que ele existe, existe. O Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) encerrou ontem sua primeira reunião de cúpula, na qual se professou a redução do peso dos EUA e de sua moeda nos negócios do mundo. O domínio do dólar confere aos americanos um "privilégio exorbitante", como os franceses diziam nos anos 1960. Isto é, permite que os EUA consumam mais do que produzem e sustentem desequilíbrios econômicos que acabariam em quebra no resto do globo.

No seu último grande ciclo de desequilíbrio, iniciado no final dos anos 90, os EUA voltaram a acumular déficits externos gigantes (importam mais que exportam) devidos tanto ao excesso de consumo privado como do governo (déficit público). Os EUA quebrariam caso não houvesse um fluxo de capital enorme, vindo de países que produzem muito e consomem menos. Os excedentes de Ásia, países petrolíferos e até do Brasil financiam o gasto (tais países investem em títulos americanos: mantém a maior parte de suas reservas em dólar). Esse é o beabá do chamado "desequilíbrio global".

Como os EUA têm déficit público cada vez mais gigante (13% do PIB) e dívida enorme, há o risco teórico de fuga de ativos americanos e de desvalorização maciça do dólar. Mas: 1) Onde mais colocar o dinheiro?; 2) Em caso de desvalorização catastrófica, quem investe nos EUA teria prejuízo. Os EUA ainda recebem tanto dinheiro porque sua economia é a maior e tem enormes e sofisticados mercados financeiros. Para que os EUA percam essa posição, seria preciso encontrar substituto(s) de igual tamanho e capacidade.

Bem, não é o caso da China. Sua economia nem é bem de mercado.Seus mercados financeiros são primitivos, opacos e ilíquidos. A moeda de uma ditadura arbitrária e potência econômica ainda nova e menor não é confiável, conversível.

Para piorar, a China vive em simbiose com os EUA: com o grande e gastador mercado americano e com seus mercados financeiros. Não pode se divorciar dos EUA sem mais.Teria de mudar seu padrão de crescimento (consumir mais, investir menos). Teria de diversificar lentamente suas reservas (a fim de evitar um "crash" do dólar). Teria de deixar sua moeda flutuar e reduzir controles de capitais, o que é anátema.

Mas China e Rússia têm interesse político no enfraquecimento dos EUA. A China até passa sabão nos EUA: diz que o déficit americano provocará inflação (o que o FMI nos dizia). Os chineses começam a auxiliar as finanças de vizinhos e até da Argentina (mas em dólares). O Brasil, em escala micro, começa a fazer o mesmo na América do Sul. Brasil, Rússia e China dizem que vão diversificar suas reservas -vão, por exemplo, investir mais em papéis do FMI (é troco: só 2%, 3% das reservas). Querem comerciar em moedas nacionais, mas isso não tem muito futuro enquanto o financiamento das transações for quase todo em dólar. Querem criar moedas fortes "regionais". E há o rumor de que comprariam títulos uns dos outros, em vez de financiar os EUA (ver para crer).

É um começo. Porém, como se viu no pior da crise, os EUA ainda são considerados o banco do planeta.

Mesmo teoricamente quebrados.

Editoriais da Folha de S. Paulo

Imprevidência
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
17/6/2009

Nova reforma seria meio de conciliar demandas legítimas na Previdência e evitar lesões ao erário em debate no Congresso

CUMPRE-SE o desabafo do presidente Lula, feito na virada de 2007 para 2008 a propósito da derrota da proposta de prorrogar a CPMF. A partir dali, dizia-se no círculo presidencial, o governo não mais se empenharia por reforma constitucional nenhuma.

Evidentemente, a ausência de reformas estruturantes no Congresso, de lá para cá, não se deve à amargura do Planalto com aquela derrota. Foi o resultado, na verdade, de uma acomodação interessada do governo Lula ao longo do segundo mandato.

O crescimento da economia e da receita tributária ofereceu ao Executivo federal, e com fartas sobras, o que o fim do imposto do cheque negou. A popularidade presidencial subiu e estacionou em níveis historicamente elevados. Com esses dois ativos -e imbuído do propósito de fabricar uma candidata à sucessão-, o governo Lula adotou uma rotina de "administração das coisas", no Congresso e na sociedade, orientada a distribuir fundos e poder a fim de evitar atritos.

Do PMDB ao funcionalismo federal, de prefeitos a governadores, de empreiteiras a grandes grupos de telefonia, foram muitos os setores beneficiados nessa grande aposta no apaziguamento político. Mas uma conspiração silenciosa, em nome de uma fatia de aposentados esquecida na distribuição das "bondades" presidenciais, ameaça romper essa "pax" e, com ela, o equilíbrio fiscal nos próximos anos.

Tramitam no Congresso ao menos cinco propostas que, aprovadas, representariam gasto adicional de R$ 100 bilhões já no próximo ano. Pretende-se, por exemplo, derrubar o chamado fator previdenciário, base da reforma implantada ainda no governo FHC, e derrubar um veto de Lula que impediu a correção de todas as aposentadorias do INSS pelo mesmo índice atribuído ao salário mínimo.

Na hipótese da aprovação do pacote de generosidades dos congressistas, sempre à custa do dinheiro alheio, de um ano para o outro o governo seria obrigado a aumentar a sua receita em 14% só para arcar com a despesa nova. Os efeitos ao longo do tempo, dada a crescente parcela de aposentados na população, seriam ainda mais desestruturantes.

A abordagem minimalista do governo, voltada a apagar incêndios localizados sem levantar celeumas, é um risco nesse caso. Na pior hipótese, motivações eleitoreiras atropelam a resistência de setores do Executivo e o fardo recai, como sempre, sobre os contribuintes e as futuras gerações. No melhor desfecho, perde-se uma oportunidade de equacionar, com responsabilidade, duas demandas legítimas.

Pois não há dúvidas de que a renda dos aposentados do INSS que recebem acima de um salário mínimo tem sido menos beneficiada pelas políticas previdenciárias nos últimos anos. Tampouco se pode ignorar o imperativo de preparar, desde já, o sistema de pensões para a nova realidade demográfica à porta.

Abrir um novo capítulo da reforma da Previdência seria, portanto, o melhor meio de conciliar essas duas necessidades. Nada, infelizmente, que esteja no horizonte dos 18 meses de mandato que restam ao presidente Lula.

Contas abertas
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
17/6/2009


O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) acaba de dar um passo importante para a abertura do Judiciário brasileiro ao escrutínio público.

O conselho decidiu que, até o dia 1º de janeiro de 2010, cada um dos 27 tribunais de Justiça do país, os órgãos máximos das Justiças estaduais, deverá abrigar em seu site um campo dedicado à transparência -com esse nome-, com informações detalhadas acerca de sua programação e execução orçamentária. Prudentemente, a medida do CNJ veda a classificação genérica das despesas sob rubricas como "vantagens" e "outros", que podem funcionar como máscaras de uma pretensa limpidez.

A preferência pela divulgação na internet favorece a rapidez e o alcance da prestação de contas -além disso, evita um efeito colateral, o aumento dos custos com papelaria e impressão.Embora em outra instância administrativa, partilha do mesmo espírito a decisão do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), de divulgar nomes, cargos e salários de servidores municipais na rede, com exceção daqueles da Guarda Civil Metropolitana, por questão de segurança.

Não há dúvida sobre as vantagens da mais ampla e mais clara exposição dos gastos executados com dinheiro público. Para a prefeitura, investir na transparência é, ao mesmo tempo, desincentivar, no "atacado", a improbidade administrativa. Para o contribuinte, na medida em que tem como aferir para onde é destinado o seu dinheiro, ações desse gênero tornam-se uma arma eficaz na avaliação objetiva dos políticos eleitos.

Com o passar dos anos, ademais, o Brasil disporá de uma série de dados sobre o funcionamento de órgãos da administração pública nas mais variadas esferas -algo extremamente valioso para o estudo e o planejamento desses serviços essenciais.