quarta-feira, 22 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Gramsci

“(...), os inícios de um novo mundo, sempre ásperos e pedregosos são superiores à decadência de um mundo em agonia e aos cantos de cisne que ele produz.”

(Antonio Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, Civilização Brasileira, 2002.)

Teúdos e manteúdos

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O novo presidente da União Nacional dos Estudantes, Augusto Chagas, acha "legítimo" o governo federal patrocinar o "movimento estudantil" e não vê, portanto, fundamento nas críticas ao fato de a UNE receber milhares de reais dos cofres públicos para realizar o seu congresso nacional e muitos milhões para reconstruir sua sede.

É uma maneira de ver a vida. Bem como é uma opção da entidade apoiar o grupo político que bem entender. Se o "movimento estudantil" se sente representado, confortável, ou não, nessa posição, é uma questão a ser resolvida entre os estudantes, a direção da UNE e os saudosos do velho espírito combativo retratado no lema "a UNE somos nós, nossa força, nossa voz".

Há algum tempo, a voz passou a ter um dono só. E, por isso mesmo, o público - ou parte dele - tem todo o direito de reclamar o destino do dinheiro coletivo. Bem como não tem mais condições de vislumbrar a mais tênue diferença entre um político que recebe favores do Estado para integrar a maioria do governo no Congresso e uma entidade que se curva a qualquer descalabro em troca de dinheiro em espécie.

O novo presidente da UNE, um estudante profissional de 27 anos de idade, eleito por pouco mais de 2 mil estudantes em pleito indireto e há anos devidamente manipulado pelo aparelho do PC do B, acha que protestar contra a CPI da Petrobrás sob o gentil patrocínio do acionista majoritário da empresa é exercer o sagrado direito à liberdade de expressão.

"Não vejo problema no fato de a UNE ter opinião", diz, aproveitando o ensejo para se associar a quem lhe paga (com o dinheiro alheio) no repúdio aos reparos - gerais, não só da oposição como quer fazer crer em seu sofisma - à presença na presidência do Senado e conduta moral e legal do senador José Sarney.

"A mera saída de Sarney não resolve nada", afirma como quem adere à campanha "eu também me lixo para a opinião pública". Realmente, "a mera saída" não resolve e pode até mesmo servir como lenitivo para aplacar consciências.

Por isso mesmo, o que se defende não é a "mera saída" por conta das irregularidades gerais cometidas na Casa, mas o afastamento por causa das denúncias de malversação do poder político que pesam contra o senador e a escolha de um presidente que possa conduzir o Senado para fora do mar de lama.

Mas tal providência não mobiliza a UNE, assim como aos estudantes do Brasil não parece causar desconforto esse tipo de posição por parte de alguém que diz representá-los. Há duas possibilidades de explicação para a indiferença, uma ruim e outra péssima.

A ruim, a ausência de legitimidade real da entidade. A péssima, o desinteresse da estudantada em tratar as questões nacionais com mais seriedade que protestos carnavalescos movidos ao horroroso simbolismo da "pizza".

O novo presidente da UNE não estabelece relação de causa e efeito entre a dinheirama ganha do governo federal e o protesto contra a CPI da Petrobrás. "Não acreditamos que a CPI tenha o objetivo de apurar irregularidades."

Não seria, então, o caso de esperar o início dos trabalhos e, uma vez configurada como verdadeira essa desconfiança, protestar contra a falta de empenho na investigação?

Talvez o novo presidente da UNE não tenha se dado conta, mas defende a mesma posição da tropa de choque comandada por Renan Calheiros, certamente alvo de zombaria e indignação nas rodas de sua convivência social, política e familiar.

O novo presidente da UNE ficaria chocado se comparado ao suplente Wellington Salgado? Pois não deveria.

Ter opinião é uma coisa. Isso o novo presidente da UNE faz quando revela sua preferência pela candidatura da ministra Dilma Rousseff. Quanto a isso, é como ele diz, não há nenhum problema.

A história muda de figura quando essa opinião é vendida como mercadoria. Repetindo: ter opinião é uma coisa.

Vendê-la é outra bem diferente. Implica uma decisão consciente, no mínimo, de abrir mão da moral para criticar o fisiologismo reinante na casa do vizinho.

Isso vale para a UNE, mas vale também para sindicatos e entidades ditas representativas de movimentos sociais, cuja função não é atacar ou defender governos, mas lutar pelas demandas de seus representados e, quando acham que devem, se engajar nas melhores causas. Sem prejuízo da opinião, mas também sem benefícios financeiros.

Como dois e dois

Tão certo quanto o espetáculo à parte que o presidente do Conselho de Ética do Senado, o suplente Paulo Duque, continuará estrelando até ser derrubado do posto, é o arranca-rabo que se avizinha no comando da CPI da Petrobrás.

Entre o presidente, o suplente petista João Pedro, e o relator, o pemedebista Romero Jucá. Guardadas as proporções, reproduzirá o embate PT-PMDB no esquema de defesa do presidente da Casa, José Sarney.

É de se conferir se aí também o presidente Lula fará o mesmo tipo de arbitragem.

PT chama de fascista israelense que Lula recebe hoje

Adauri Antunes Barbosa e Eliane Oliveira
DEU EM O GLOBO

PT chama chanceler de Israel de fascista

Itamaraty afirma que opinião do partido não representa a do governo


SÃO PAULO e BRASÍLIA. No dia da chegada do chanceler de Israel, Avigdor Lieberman, ao Brasil, o jornal israelense "Haaretz" publicou ontem entrevista com o secretário de relações internacionais do PT, Valter Pomar, na qual ele chama o polêmico ministro de "fascista" e "racista" e previu protestos durante sua visita ao país.

"Lieberman é um fascista e um racista. A esquerda brasileira organizará manifestações de protesto contra ele e a política que representa", afirmou Pomar ao jornal israelense.

O Itamaraty informou que a posição de um partido político, "seja ele o PT ou qualquer outro", não representa o ponto de vista do governo brasileiro.

- Ele pode emitir sua opinião, mas não fala em nome do governo brasileiro - esclareceu um porta-voz.

Lula e Amorim recebem ministro hoje em Brasília

Hoje, Lieberman - que é contrário ao estabelecimento de um Estado palestino e defende a expulsão de árabes de Israel - se reúne no final da manhã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, em seguida, com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Lieberman escolheu o Brasil para iniciar uma viagem de dez dias à América do Sul. Ele também visitará a Argentina, o Peru e a Colômbia.

Ontem, o chanceler israelense se encontrou com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Antes da reunião com Serra, Lieberman almoçou com empresários na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Ao contrário do anunciado, não houve protestos contra a política defendida pelo ministro israelense nos dois compromissos, mas o forte esquema de segurança não foi desativado.

Na comitiva que acompanha o chanceler está a deputada Ruhama Abraham Balila, que faz oposição a Lieberman e defende a coexistência pacífica entre palestinos e judeus.

De acordo com o ex-chanceler Celso Lafer, que participou do encontro entre Serra e as autoridades israelitas, foi discutida a cooperação técnica e científica entre São Paulo e Israel. Uma das possíveis cooperações que podem ser firmadas é sobre a fabricação de medicamentos genéricos, área que Israel domina e na qual Serra tem muito interesse.

Celso Lafer, que é presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo (Fapesp), disse ainda que outros temas foram abordados, como nanotecnologia, uso da água, desenvolvimento sustentável, bioenergia, energias renováveis, técnicas agrícolas. Segundo Lafer, a conversa tem uma lógica natural porque cerca de 50% da produção de conhecimento científico do Brasil são feitos no estado de São Paulo, e Israel também se destaca nesse campo.

Lula pressiona PT paulista a apoiar Ciro em São Paulo

Soraya Aggege e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Irritado com vazamento de reunião que teria com petistas, que preferem candidatura própria, presidente cancela reunião

SÃO PAULO E BRASÍLIA. Irritado com o vazamento de uma reunião que teria hoje à noite com um grupo de petistas de São Paulo - para apresentar seu plano de lançar o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) candidato ao governo do estado -, o presidente Lula cancelou o encontro. A conversa seria antes de um encontro já previsto com Ciro, que deve ser mantido. O presidente teria decidido manter sua estratégia, mas sem consultar o grupo paulista.

Ontem, o presidente decidiu cobrar responsabilidade do PT no lançamento de candidaturas próprias nos estados e na definição da política de alianças.

- Eu não sou membro da direção do PT. Não tenho como me reunir para discutir o problema deste ou daquele estado. As pessoas sabem o que penso e, portanto, acho que o PT tem de ter uma ação de responsabilidade, saber qual a força que temos em cada estado, qual a perspectiva que a gente tem de fazer ou não aliança política. O PT já aprendeu, o PT tem 29 anos de história e sabe que tem de fazer política de alianças para ganhar eleição - afirmou Lula.

Lula teria comentado internamente que "o PT paulista não tem juízo". O presidente mandou um assessor telefonar à tarde para cerca de dez convidados, informando apenas que o encontro, para o qual fora convidado, estava desmarcado "porque houve um imprevisto". O imprevisto foi entendido como o vazamento da reunião, divulgada pelo "Valor Econômico", em sua edição de ontem.

Lula pedira sigilo absoluto sobre o encontro e já havia adiantado a alguns convidados que, se houvesse vazamento, "nunca mais" chamaria o PT paulista para um diálogo. O presidente teria argumentado que não quer a imprensa envolvida nos primeiros debates. O PT paulista está dividido com a proposta de "importar" Ciro para a disputa em São Paulo. Vários grupos já apresentaram pré-candidatos, além de um rosário de motivos contra a estratégia de Lula.

O presidente do PT paulista, Edinho Silva, negou ontem que haveria uma reunião com Lula:

- Essa reunião nunca existiu. Eu não fui convidado.

Petistas querem dois palanques para Dilma

Mas vários outros petistas confirmaram a informação.

- Não existe reunião confidencial quando se convida mais de duas pessoas. A mim, por exemplo, sequer foi pedido sigilo - disse um petista convidado.

Lula quer resolver dois problemas ao fazer o PT apoiar Ciro em São Paulo: incomodar o PSDB, que governa São Paulo há 14 anos, e ter menos candidatos à sua sucessão, para que a eleição seja "plebiscitária", entre a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e um candidato tucano (o governador de São Paulo, José Serra, ou o de Minas, Aécio Neves) apoiado pelo DEM.

Os petistas contrários ao projeto Ciro Gomes afirmam que o melhor para Dilma será ter dois palanques em São Paulo: o PSB lançaria Ciro, paralelamente ao do PT. Na reta final, os dois se aliariam. Enquanto isso, o PT teria tempo de ampliar sua candidatura no estado.

Em conversas reservadas, Lula também tem feito duras críticas à disputa interna pela presidência do PT. Ele avalia que isso pode deixar sequelas, além de tirar o foco do partido do objetivo principal. Ele chegou a afirmar a alguns interlocutores que o PT deveria se concentrar, neste momento, na candidatura de Dilma. Por essa avaliação, o partido ficará de julho até novembro discutindo candidaturas internas, quando deveria estar organizando as campanhas nos estados e no plano nacional.

Disputam o comando do PT o ex-senador José Eduardo Dutra (SE), da tendência Construindo um Novo Brasil (ex-Campo Majoritário), o deputado José Eduardo Cardozo (SP), da Mensagem ao Partido, o deputado Geraldo Magela (DF), do Movimento PT, a deputada Irini Lopes (ES), da Articulação de Esquerda, e Markus Sokol, da corrente O Trabalho.

Quem é o homem que recebeu R$8 milhões?

Alessandra Duarte
DEU EM O GLOBO

Ninguém sabe, ninguém viu dono de empresa registrada no endereço de um canil e que teve repasses da Petrobras e da prefeitura

Além de ser dono de uma empresa em cujo endereço só há um canil, de não ser conhecido nos endereços onde estão cadastradas na Receita Federal duas empresas suas, de receber R$8,2 milhões da Petrobras e outros tantos recursos do governo federal e da prefeitura para ações que vão do setor nuclear a planos de saúde, de teatro de marionetes a missas, Raphael de Almeida Brandão também fornece notas fiscais. Mas quem é Raphael de Almeida Brandão?

No noticiário há cinco dias, desde que foram denunciados os contratos com a Petrobras, Raphael e seus sócios - um irmão e a mãe - não atenderam o telefone nos supostos números deles e de suas empresas. Artistas e empresas que tiveram contratos intermediados por eles ou usaram notas fiscais de suas empresas dizem não ter qualquer contato nem saber informações sobre ele.

No mercado artístico, suas empresas - a Guanumbi Promoções e a R. A. Brandão Produções, registradas no endereço de uma casa em Jacarepaguá onde ninguém conhece Raphael, além da Sibemol Promoções, da qual é sócio com o irmão, e que tem como endereço um canil - são conhecidas por terem como atividade a intermediação e a representação de artistas na realização de serviços para projetos com o poder público. Mas as firmas de Raphael também fizeram, segundo contratos com o governo federal, que vão da delimitação de áreas marinhas à gestão do Programa Nacional de Atividades Nucleares, passando por regulação de planos de saúde.

Produtor do cantor Dudu Nobre, Demerval Coelho diz ter contratado a Sibemol para representar o cliente em evento no Terreirão, no Rio, este ano:

- É prática comum no mercado comprar uma nota para os projetos, para as empresas representarem os artistas nos projetos. A Sibemol é conhecida no mercado por representar vários artistas de grande porte. A contratamos para nos representar, exclusivamente para esse evento do Terreirão. Aliás, apresentaram todas as certidões e documentos em ordem, não sabíamos se tinha algum problema - disse Coelho, afirmando que só teve contato com Raphael por telefone.

O evento com Dudu Nobre foi um dos serviços realizados pela Guanumbi e pela Sibemol para a prefeitura do Rio. As duas empresas receberam cerca de R$1 milhão da prefeitura entre 2006 e 2009. Além disso, a Guanumbi recebeu mais R$17 mil da prefeitura de Campos para a realização de um show este ano.

Segundo o site Rio Transparente, da Controladoria Geral do Município, este ano a Guanumbi recebeu R$4.137 de serviços para a secretaria municipal de Cultura. Em 2008, ganhou R$211.032,69, da secretaria, Riotur e Fundação Planetário. Em 2007, uma quantia maior: recebeu R$493.498,99, do gabinete do prefeito, das secretarias de Educação e das Culturas, e da Riotur. Em 2006, foram R$250.573,91, do gabinete do prefeito, da Educação, das Culturas e da Riotur. A Sibemol recebeu, em 2009, R$26.798, da Riotur; em 2008, R$41.675, da Riofilme e Riotur; e em 2007, R$21.875, da Riotur.

A assessoria da prefeitura informou que "não responderá por contratos firmados e serviços realizados na gestão anterior". Quanto aos serviços deste ano, a secretaria de Cultura disse que o pagamento de R$4.137 foi relativo a serviços empenhados (reservados para gastar) e prestados em 2008, e que o processo estava normal; diante das denúncias, o processo será revisto.

A Riotur informou não ter contratado a Sibemol. A empresa "foi o agente artístico escolhido por artistas; representou Dudu Nobre, os grupos Toque de Arte e Grupo Arruda." "Os artistas indicaram a Sibemol".

Lula enquadra PT paulista, e Alckmin recorre a Kassab

José Alberto Bombig e Fernando Barros De Mello
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Presidente e governador tentam evitar rachas em seus partidos na sucessão no Estado

Lula vai discutir com petistas hipótese de Ciro ou Dr. Hélio liderarem chapa antitucanos; Alckmin ensaia aproximação com Kassab em evento hoje

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), decidiram entrar em ação para evitar possíveis rachas em seus partidos por conta da sucessão no Estado.

Lula discutirá com os pré-candidatos do PT ao governo paulista e com os líderes da sigla a hipótese de o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) ou o prefeito de Campinas, Dr. Hélio dos Santos (PDT), liderarem uma chapa antitucanos no Estado em 2010.

Como contraposição ao movimento do Planalto, Serra avisou o PSDB, dividido entre as pré-candidaturas dos secretários Geraldo Alckmin (Desenvolvimento) e Aloysio Nunes Ferreira (Casa Civil), que é preciso demonstrar união interna.

O resultado será o primeiro encontro público, sem a presença de Serra, entre Alckmin e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), principal entusiasta da pré-candidatura Aloysio. Os dois irão vistoriar hoje uma obra feita pelo Estado em parceria com o município.

Lula chegou a marcar uma reunião com os líderes do PT-SP hoje à noite em Brasília, mas, segundo um dos participantes, alegou problemas de agenda e cancelou o encontro. Uma nova data será agendada.

A Executiva estadual do PT-SP se reuniu ontem e deliberou que levará a Lula a posição do partido no Estado: candidatura própria a governador, o que significa um repúdio à alternativa Ciro Gomes, alimentada por aliados diretos do presidente.

Segundo a Folha apurou, Lula pedirá aos petistas paulistas que deixem de lado as rusgas históricas e se coloquem à disposição do Planalto para aceitar o que for melhor para a pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) a presidente em 2010.

Nesse caso, os paulistas tentarão convencer o presidente de que a ex-prefeita Marta Suplicy, o senador Aloizio Mercadante e o prefeito de Osasco, Emidio de Souza, seriam os palanques "mais sólidos", independentemente das chances de vitória nas urnas.

Fator Kassab

No PSDB, a avaliação é a de que a divisão está abrindo espaço para o PT e, sobretudo, para Ciro Gomes. Por conta disso, Alckmin busca uma aproximação com Kassab e o convidou para o evento de hoje, já que a Etec (escola técnica) que os dois vão vistoriar fica em um terreno da prefeitura.

Outro gesto do ex-governador foi feito em direção de Orestes Quércia, principal líder do PMDB-SP e outro entusiasta da pré-candidatura Aloysio.

Alckmin vem buscando um diálogo com Quércia para que ele sirva de "ponte" entre o tucano e Kassab, já que o PMDB está com o democrata na Prefeitura de São Paulo.

Democracia com entulhos

Wilson Figueiredo
DEU EM OPINIÃO & NOTICIA

No sistema presidencialista de governo, o problema ocorre quando, na sucessão de poder, a oposição quer vencer e o presidente cisma que não pode perder. Foi e continua a ser assim onde quer que a alternância do poder esteja em jogo e onde as instituições andem longe da maturidade. Os brasileiros já pressentiram que em 2010 a coincidência entre eleição e tensão política tenderá a aumentar por efeito natural de uma oposição desconjuntada e um governo que, não conseguindo um terceiro mandato, não se contenta em apenas concorrer. Não abre mão da vitória. Agarra-se à possibilidade de ir mais longe do que seja permitido para continuar, quando nada, por quantos governos estejam à vista. Já a oposição gosta de brincar de cabra cega.

(Não por acaso, desde o começo deu para perceber, por trás dos fatos, discreto temor de que o processo eleitoral, imprudentemente antecipado, pudesse tomar rumo indesejável no tortuoso projeto político brasileiro. Eleição e tensão andam juntas em todas as democracias em que, por efeito da gravidade, a cidadania se equilibra com dificuldade).

Se, como tudo indica, o governo Lula está disposto a fazer o sucessor, da maneira possível e a bom preço, terá de aumentar sua aplicação e ajustar a campanha ao estilo eleitoral mais contundente, aqui e ali apenas esboçado, mas certamente com uma carga de perigo sem antecedentes próximos. Eis a questão. Por sua vez, as pesquisas atenuam, mas não excluem, incertezas que não podem bancar com o mínimo de garantias. Com dezesseis meses pela frente, o futuro da sucessão (e o que ela já envolve) apresenta uma incógnita que não pode mais, como na Antiguidade, ser confiada aos cegos para não se ofuscarem com a visão do presente. No começo do que se esboça com sombras, identifica-se o difuso temor de que o rumo eleitoral imprudentemente antecipado é portador de temores cujo epicentro se localiza dentro do círculo de giz da democracia brasileira. Observa-se que a oposição fez mau negócio ao assumir a ética de circunstância para lutar contra os costumes que se enraizaram no Congresso e florescem no Senado, com algumas diferenças mas sem atentar para a coincidência de que está no mesmo balaio de privilégios. É a velha história do roto falando do esfarrapado. Era inevitável o pressentimento de que alguma coisa de sentido indecifrável estava faltando e não demoraria a se apresentar. Já não falta. Apenas se atrasou mais do que os 15 minutos de tolerância universal.

A oratória oposicionista no Senado perdeu o fôlego ao se aplicar restritamente a denúncias personalizadas, incapazes de gerar conseqüências morais e políticas imediatas. São os costumes, e não as pessoas, que deveriam preocupar os atores. A democracia fez com a ética, há mais tempo, uma dívida que não tem mais condições de honrar ao empenhar no Brasil, mais uma vez sem garantia, apenas de boca, seu insuficiente saldo republicano.

O temor decorre da circunstância de que o país que soube eleger, sem crise, um governo de esquerda com viés de direita, se embaraçou ao não patrocinar, pelo centro, a solução eleitoral personalizada na pessoa do presidente Lula, segundo a qual, se não pode ser ele, será quem ele indicar. Não se trata do problema que a esquerda no Século 20 deixou para o seguinte resolver, por falta de bom-senso capaz de assimilar a democracia e prestigiar a fórmula de resolvê-lo normalmente: ganhe quem tiver mais votos, aceite a derrota quem confiar na promessa de que não faltarão oportunidades graças à alternância do poder.

Não é possível que a democracia no Brasil ainda não seja capaz de garantir, no Século 21, a alternância como fonte única e confiável de renovação do poder pelo voto. E, muito menos, que o atual estágio democrático, depois do saldo de dois mandatos supostamente de esquerda, desacredite a Constituição que vem sendo decantada, mediante pequenos ajustes, pela própria experiência, desde antes da vitória do PT e de Lula (ou na ordem inversa, Lula e PT) assimilada sem maior dificuldade.

Não está ainda diagnosticado o velho conflito ético de fundo, no qual o governo disfarça uma carta na manga e a oposição se exprime com sotaque que as urnas não entendem. É apenas uma questão de tempo, pois o Brasil trabalha contra relógio, à medida que as urnas se aproximam e as pesquisas redesenham alternativamente com mais nitidez a vitória e a derrota possíveis. O primeiro abalo foi, como não podia deixar de ser, mais do que uma idéia vadia, a provocação de um terceiro mandato esquizofrênico de Lula. A confiança vai precisar se apresentar em novos termos ou, se houver preferência, como resposta eloquentemente ociosa à carta de Lula aos brasileiros em 2002, não mais referida por ninguém. Deve estar recolhida ao arquivo histórico. O que se pressente é - ainda incipiente, e não vocalizada, - a suspeita de que a trégua está amordaçada por baixo do desentendimento, atrás da qual se confrontam, em desconfiança consolidada, oposição e governo: até as CPIs já estão contaminadas aos olhos oficiais e intolerantes na maneira de lidar com a oposição residual de uma democracia cheia de entulhos.

Até quando, Catilina?

Erro sem volta

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por mais que alguns senadores tentem justificar o voto contra a indicação de Bruno Pagnoccheschi para uma diretoria da Agência Nacional de Águas (ANA), não conseguirão enobrecer seu desastrado gesto. O acontecimento caracteriza-se como o disparo de uma bala perdida pelo Senado Federal, já esperada no prolongado ambiente de caos ali instalado. Os senadores, ainda sem porta de saída da sua interminável crise, fariam injustamente uma vítima.

Pois encontraram neste engenheiro paulista de 59 anos, sólida formação na área ambiental e de recursos hídricos, com uma carreira que lhe proporcionou vasta experiência, inclusive em regulação e gestão, o alto funcionário, o especialista a ser imolado.

As reações políticas às agressões verbais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo se a Casa não estivesse em colapso ético, são legítimas e até necessárias para a busca de algum equilíbrio de forças que evite o trânsito para descaminhos institucionais. Não é excessivo lembrar ao chefe do governo que a compostura é necessária.

Com as características do que foi feito a Bruno, porém, não há precedentes. Da formação às atividades profissionais, trata-se de um especialista. Bruno é pós-graduado em Hidráulica e Saneamento, em Hidrologia e Administração de Projetos de Meio Ambiente, e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Sua experiência vai do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, o antigo DNAEE, à implantação da Secretaria do Meio Ambiente. Passou por vários cargos no Ministério do Meio Ambiente e na própria ANA, onde foi Secretário Geral, à época da presidência de Jerson Kelmann, e depois cumpriu mandato de diretor, de 2005 até agora, renovação que o governo pleiteava este ano ao Senado.

Bruno exerceu atividades para organismos internacionais, da OPAS ao PNUD, BID e BIRD. Tem livros e trabalhos publicados. Tudo isso lhe valeu, junto com uma exposição sobre política de recursos hídricos e meio ambiente, a aprovação, por unanimidade, na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, do Senado, em maio último.

Tratava-se de recondução, sem riscos, quando o nome chegasse ao plenário. Da sabatina em comissão, o especialista participara ao lado de um outro indicado para a diretoria, também aprovado na primeira instância. No plenário, contudo, os processos entraram separados, e o seu tramitou primeiro. Ficou no trajeto da bala.

Na votação feita segundos antes, um requerimento, de número 854, de 2009, feito pelo líder do governo Romero Jucá (PMDB-RO), foi aprovado por 45 votos contra apenas um e duas abstenções, num total de 48 votos no plenário. Entraria em pauta, a seguir, o processo de Bruno. Chega, então, ao plenário, a notícia que humilhou o Senado: "Os senadores são todos bons pizzaiolos". Sequer era uma novidade pois Lula já identificara, na composição do Congresso, "300 picaretas". No entanto, à época, não era Presidente da República e o Senado não estava na situação a que foi conduzido agora pelos seus dirigentes.

Sucederam-se discursos inflamados, alternando-se na tributa, principalmente, parlamentares do PSDB, com um ou outro do PDT e PTB entre eles. O presidente da sessão, Marcone Perillo (PSDB-GO), apresentou à discussão o parecer 583, de 2009, da Comissão de Meio Ambiente, sobre a mensagem 78 do Presidente da República, submetendo ao Senado a escolha de Bruno Pagnoccheschi para ser reconduzido ao cargo de diretor da ANA. Em fração de segundos Perillo pôs o assunto em discussão e, alegando que não se apresentaram oradores, abriu logo a votação. Neste momento, viu-se o sinal em código, mais tarde confirmado por senadores oposicionistas, que comanda a represália ao Presidente da República: o gesto é passar a mão, em concha, do nó ao meio da gravata, multiplicando a informação de um para outro. A ordem é recusar.

Depois de mais alguns discursos em que se revezaram na tribuna o PSDB, o PTB, o DEM, falaram dois governistas: o senador Renato Casagrande (PSB-ES), que tentou defender a aprovação do nome de Bruno por ser ambientalista e profundo conhecedor da área de recursos hídricos, e o líder Romero Jucá (PMDB-RR), que pediu a aprovação de Bruno mas, conhecedor dos códigos do plenário, solicitou ao presidente da Mesa que não colocasse em votação, a seguir, o segundo indicado para a ANA, "porque o quorum está baixo". A ex-ministra e senadora Marina Silva deu um depoimento forte em plenário, ressaltando as qualidades pessoais e profissionais do ambientalista, e lamentou que, com o processo já iniciado, não tenha sido possível retirar de pauta o nome indicado.

O placar: 20 senadores aprovaram Bruno, 30 votaram contra e houve 1 abstenção."Não quero ter a pretensão de que 30 senadores não gostam de mim, eles sequer me conhecem", diz Bruno, bem depois do susto, ao conversar, com tranquilidade, sobre os furos do sistema de indicações para as agências reguladoras.

Aliviado por estar em casa e não no plenário, tendo evitado assim o constrangimento que já viu outros passarem de corpo presente, Bruno refletiu: "A gente fica vendido, pois está sendo julgado não pelo que fez, mas por uma circunstância política de quem tem o mandato legal para indicar". Desde a aprovação por unanimidade, na Comissão do Meio Ambiente, em maio, até hoje, não aconteceu nada que justificasse a mudança. "Não fui preso, não se descobriu nenhum escândalo. É uma situação contraditória que deveria, talvez, ser examinada para aperfeiçoar o sistema".

Há uma lei das agências tramitando no Congresso e esta poderia ser uma oportunidade para rever a questão, com foco principal na condução de dirigentes. "Eu acredito no sistema de regulação, são decisões que requerem um tempo de maturação muito grande e investimentos muito pesados. Quando uma agência decide outorgar um empreendimento do setor elétrico, estamos falando de uma quantidade muito grande de recursos e outorgas por um período de 30, 35 anos. Se deixar ao sabor dos governos, a imperfeição é maior. O modelo de agências resguarda um pouco o processo".

Não se reapresenta ao Senado um nome rejeitado, independentemente da razão pela qual o foi.

A perda, portanto, é total. "O meu caso é concluído, acabado", diz um dos maiores especialistas brasileiros em recursos hídricos.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

O dia em que o PT morreu

DEU NA REVISTA CAPITAL

Nota de falecimento

Morreu na terça-feira (14), em Palmeira dos Índios, cidade situada a 130 km de Maceió, nas Alagoas, o Partido dos Trabalhadores que, em outras épocas, além da emblemática estrela vermelha, que lhe serve de símbolo, também ficou conhecido - e atraiu milhões de seguidores e simpatizantes - pela defesa de coisas como ética, representação popular, democracia participativa e organização da sociedade.

Parido em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, de São Paulo, o PT enfrentou uma infância traumática, mas ganhou corpo - e forças - durante a adolescência. Forjou o último líder de massas do país - Luíz Inácio Lula da Silva - desde os tempos de Getúlio e JK. No passar dos anos, o partido espalhou pelo país exemplos de gente que aparentava brigar pelas boas batalhas. Luiza Erundina, Eduardo Suplicy, José Genoino, Vicentinho. Isso em São Paulo. No Paraná? Pedro Tonelli, Eduardo Cheida, Jorge Samek, Angelo Vanhoni, Dr. Rosinha.

Ok. Você podia até não gostar deles. Mas, no geral, essa turma representava o que melhor havia em termos de representantes do povão. Pena que, no Brasil, o tempo ande rápido demais. Nos anos 80, uma inscrição, repetida nos muros das cidades pelo país, vaticinava: "no Brasil é assim. O governo começa no começo, apodrece no meio e continua no fim". Aconteceu a mesma coisa com o PT.

Depois de três tentativas de chegar ao Planalto - em 1989, 1994 e 1998 - o partido da estrela vermelha teve de "afinar" o discurso, na campanha de 2002, para garantir ao "mercado" que os paredões - todos eles, ideológicos, econômicos - não passariam de uma espécie de catecismo de esquerda, necessários nos palanques, mas na prática perdido em algum lugar de Sierra Maestra. Deu certo.

Pelo menos para chegar lá.

Mas a troca custou caro. Ao PT, a alma. Que foi rifada no momento em que Lula assumiu o trono no Planalto. De lá para cá, foi o que se viu. Para manter a "governabilidade", Lula e os próceres petistas jogaram no lixo o manual partidário, compraram os ex-adversários, inventaram o mensalão, as doações não contabilizadas e as cuecas recheadas de dólares.

De lá para cá, Lula se abraçou a Renan Calheiros, José Sarney e a todos os picaretas que, nos tempos de beatitude, eram execrados como o lixo da política. Daí o PT morreu. E o último prego do caixão foi pregado em Palmeira dos Ìndios, nas Alagoas, quando Lula abraçou Fernando Collor de Mello. O ex-presidente que roubou, mentiu, prevaricou. E que usou de todas as artimanhas possíveis para derrubar Lula, na campanha de 1989.

A verdade é que, quando, em nome do poder, tudo se releva, perde-se a alma. Resta o quê? Nada. Absolutamente nada.

O Senado humilhado e Chagas exumado

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Como os engenhos do escritor José Lins do Rego, encontra-se no momento em "fogo morto" a brasa soprada e reavivada por senadores oposicionistas, alguns ditos independentes e os que ousam destoar do coro dos contentes na base situacionista por obra e desgraça da sentença de Lula segundo quem os senadores são todos "pizzaiolos". Como não há notícia de que nenhum honrado pizzaiolo propriamente dito e sem aspas processará o presidente da República por confundir sua digna atividade com a atuação bem menos decente de coveiros de denúncias vivas, Sua Excelência pode dormir em paz e falar o que quiser de quem quiser, pois é improvável que algo de ruim lhe aconteça. Fica a questão: a sentença abusada caiu no vazio por terem os senadores vestido a carapuça ou por não ousarem desafiar a palavra real, ainda que esta os ofenda? É possível inferir que podem ser as duas coisas - a frase é verdadeira e o ofensor, inatingível pela ira dos ofendidos?

Ao contrário da repetição da História, em que a tragédia vira farsa, segundo Karl Marx, este é um drama sujo que retrata, de forma cruel e exata, nossa chanchada institucional. Repetindo o bordão triunfalista de Luiz Inácio Lula da Silva, "nunca antes na História deste país" o chefe do Poder Executivo interveio de forma tão descarada e desabusada nos negócios internos do Poder Legislativo sem necessidade de recorrer à força. Sempre que os militares precisaram intervir no Congresso Nacional, cercaram-no, fecharam-no ou recorreram a atos arbitrários, cassando mandatos. Noço guia não incomoda seus subordinados fardados para fazer o que resolve sem eles: primeiro, decretou que não havia crise no Senado, apesar da enxurrada de denúncias contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), e sua parentela; depois, decidiu sozinho que o próprio fica e desautorizou seu partido, cuja liderança tentara imitar o rei Salomão na forma, já que nunca reuniu condições de repeti-lo na inteligência, ao propor a saída "honrosa" de uma licença de um mês. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) não tugiu nem mugiu, permitindo que Lula deixasse claro que manda no governo, no Partido dos Trabalhadores (PT) e no Senado sem admitir contestações de nenhum deles.

O PT não ousa desafiar Lula por saber que não tem condições de manter todos os cargos que ocupa na máquina pública federal e em empresas como a Petrobrás se desafiar o presidente, que é maior em tudo do que o partido em que milita: apoio popular, capacidade de articulação e sagacidade política. Por isso, o chefe do Poder Executivo manda e provou que desmanda no próprio partido e no Senado, do qual não é nem nunca foi sequer membro. Mas isso por si só não o satisfaz. E, para deixar claro que manda quem pode e obedece quem é sabujo, Sua Excelência usou de sua habitual sem-cerimônia com a retórica para tisnar as togas dos varões do Senado com a definição jocosa com que a gíria paulistana põe no mesmo saco decentes pilotos de forno de pizzaria e maus agentes públicos que evitam julgar para não serem julgados. A reação destes mostra que Lula pode não saber o que diz, mas sabe, sim, o que faz. A reação pífia à ofensa vinda de cima mostra por que o ídolo das massas na chefia da República manda e desmanda num Poder soberano e autônomo, tratando detentores de mandato eletivo como vassalos.

Há ainda outra evidência de que, com o objetivo inconfessável de manter regalias sem ter de se explicar ao patrão - o cidadão -, os senadores se deixam humilhar publicamente pelo presidente. É a presença do sr. Paulo Duque (PMDB-RJ) na presidência do Conselho de Ética do Senado exatamente no momento crucial em que será julgado o destino do sobrenome da crise que se abate sobre a instituição: Sarney. O leitor atento haverá de perceber que o sr. acima usado não é uma abreviatura de senador, mas de senhor mesmo. Pois Duque não foi eleito para o Senado, mas é o segundo suplente do Sérgio Cabral Filho, que, diplomado governador, foi substituído pelo primeiro suplente, Régis Fichtner, que deu lugar ao ex-deputado estadual ao assumir a chefia da Casa Civil do Estado do Rio.

Mostrando não ser Duque por nobreza, mas por submissão aos caprichos reais, ele se tornou presidente do Conselho de Ética mercê dos serviços prestados na sessão em que presidiu a eleição da mesa da comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Petrobrás - e não por mérito, mas por antiguidade. Fiel vassalo, o nobre parlamentar mandou às favas a lógica elementar ao impedir que o candidato da oposição à presidência da CPI, Álvaro Dias (PSDB-PR), se apresentasse aos eleitores antes de disputar o pleito, que já sabia perdido. O perdedor que se apresentasse depois da eleição, determinou. E isso lhe valeu o patrocínio do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), que preteriu Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), candidato tido como "natural" apresentado por Mercadante (mais uma vez humilhado e de novo silenciado), para comandar o julgamento de Sarney.

No uso gozoso de sua súbita notoriedade, Duque definiu-se em poucas, mas significativas palavras, que resumem a filosofia dos donos do poder: "Sou chaguista mesmo. O meu estilo é atender ao povo. Atendo muito. Minha preocupação principal não é com grandes cargos na Petrobrás, é o feijão com arroz: cuidar da bica d?água, de internar quem precisa, de nomeação de gari. Dou valor a isso." Além de ter diagnosticado a natureza do regime do salário-família e explicado o êxito do pacto de Lula com as oligarquias de antanho, de que na oposição o PT fingia ser carrasco, ele assumiu com orgulho a herança do cabedal político de Chagas Freitas e exumou um ícone do convívio do Estado com a burla da lei para pô-lo a serviço de Lula, Renan, Sarney, Severino, Collor e outros figurões do atual (e novelho) regime.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

José Serra visita Pernambuco

Bruna Serra
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Demonstrando disposição de andar pelo Brasil procurando se fortalecer para encarar a disputa interna no PSDB – concorre com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, à indicação de presidenciável tucano para 2010 –, o governador José Serra confirmou, ontem, que virá a Pernambuco no início do próximo mês. Em entrevista à Rádio Jornal, o governador aceitou um convite do radialista Geraldo Freire para visitar o museu dedicado ao sanfoneiro Luiz Gonzaga, localizado em Exu, cidade distante 606 quilômetros do Recife. O evento cai como uma luva no propósito do tucano de ganhar musculatura no Nordeste.

“São Paulo condecorou postumamente Luiz Gonzaga com a homenagem máxima do Estado, que foi entregue à sua irmã, Chiquinha Gonzaga. Promovemos também um show de Dominguinhos, onde cantei junto com ele uma música de Luiz Gonzaga. Foi uma experiência inesquecível para mim”, disse o presidenciável, em entrevista à rádio.

O tucano deverá desembarcar no aeroporto de Juazeiro do Norte, Ceará, no dia 2 de agosto, data dos 20 anos da morte do sanfoneiro. De acordo com sua assessoria de imprensa, ainda não é possível precisar quantos dias ele ficará em Pernambuco ou se percorrerá outros municípios do Sertão do Araripe. Os detalhes da passagem de José Serra pelo Estado serão acertados no fim da semana com o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). “Nesse final de semana do dia 2, a minha agenda não estará ocupada, então está fechado, combinadíssimo. Eu irei visitar o museu”, assegurou. A passagem do presidenciável será acompanhada de perto não só pelos correligionários, mas também por peemedebistas como o deputado federal Raul Henry. “Estamos em contato sempre e assim que a agenda for fechada nós o acompanharemos”, afirmou o deputado.

A visita faz parte da série de ações que o governador paulista vem realizando para aproximar-se do Nordeste, região em que o presidente Lula tem altos índices de aprovação. Na última semana, o governo de São Paulo promoveu uma homenagem póstuma a Luiz Gonzaga seguida de shows com cantores populares e bandas nordestinos, reunindo mais de 200 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, segundo informações oficiais. A última passagem de Serra por Pernambuco foi em junho, quando participou de um arraial promovido por Sérgio Guerra.

Políticos próximos a Serra garantem que ele trabalha com atenção especial para o Nordeste. Serra já vem participando de programas de rádio na região, com o objetivo de tornar-se mais popular.

Poucas vagas

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Nesta crise tudo é diferente. Até o comportamento do emprego. Esta semana sairá a nova Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, sobre o mês de junho. A expectativa é de estabilidade, o que significa que, nos piores meses da crise, o desemprego subiu menos do que se temia. Mas há outros dados desafinando essa música: a queda das horas trabalhadas, a queda da População Economicamente Ativa (PEA).

Na PEA estão os brasileiros empregados e os que procuram emprego. Ela tem caído. Isso significa que menos gente procura emprego, ou porque acha que não vai encontrar mesmo na crise ou por outros motivos.

- Houve muita formalização nos anos recentes. Como o empregado formal quando é demitido recebe o equivalente a três ou quatro meses de salário, em aviso prévio, férias, décimo terceiro, e tem o seguro-desemprego, muitos podem estar esperando a crise melhorar para voltar a procurar emprego - diz o economista José Márcio Camargo.

Se for isso, neste segundo semestre quando normalmente a taxa de desemprego cai, ela pode não cair e até subir um pouco contrariando a tendência.

O professor de Relações do Trabalho José Pastore tem números preocupantes. Ele publicou um artigo ontem no "Estado de S. Paulo" lembrando que de janeiro a maio foram criados 180 mil empregos. No ano passado, no mesmo período, foram um milhão e 50 mil empregos. Para eliminar essa diferença, o país teria que criar 800 mil vagas até o fim do ano, o que é difícil porque dezembro é mês que normalmente elimina empregos numa faixa de 300 mil. Se a tendência se repetir, o país teria que gerar 1,1 milhão de postos de trabalho até novembro, apenas para empatar o jogo.

Voltar a 2008, quando a economia estava gerando postos, aumentando salários, formalizando trabalhadores, vai ser mais difícil. Pastore acha que nem em 2010. O banco Credit Suisse fez um relatório também prevendo que o ano que vem será fraco na recuperação do emprego.

Por tudo isso, as previsões de estabilidade da taxa de desemprego em junho não tranquilizam. Os sinais são de um mercado fraco, ainda em crise, que está muito longe de atender a necessidade de um país.

A queda das horas trabalhadas também mostra essa fraqueza do mercado. Mas indica outro fenômeno interessante, apontado por José Márcio Camargo:

- Nos últimos tempos houve alguma flexibilização do contrato de trabalho. Passou a haver banco de horas, suspensão do contrato, renegociação. Isso permitiu que agora as empresas reduzissem a jornada na prática, mantendo empregados.

Mesmo assim, o contrato ainda é muito rígido, com mais de uma centena de cláusulas que não podem ser alteradas. A pouca flexibilização que houve pode já ter funcionado em parte.

A boa notícia é que as previsões de piora foram revistas para melhor. O Credit Suisse disse que "as condições do mercado de trabalho foram mais favoráveis do que prevíamos". O banco achava que a taxa média de desemprego do ano seria de 9,7%, e agora reviu para 8,7%.

Já em 2010, mesmo com o aumento da população ocupada, a taxa de desemprego não vai cair porque deve aumentar a PEA. Mais trabalhadores, animados com uma economia em recuperação, voltarão a procurar vagas e esse aumento impedirá a queda da taxa de desemprego. Assim é a estatística. A notícia não é tão ruim este ano porque caiu o número de pessoas procurando emprego; já no ano que vem, a notícia boa da recriação de empregos será mitigada na estatística porque as pessoas estarão no mercado à cata de oportunidades.

O governo acenou com a possibilidade de desonerar a folha. Seria um bom caminho, se ele realmente quisesse ou pudesse.

- Isso reduziria o custo do trabalho, aumentaria o salário real, aumentaria a produtividade e diminuiria a informalidade. O ganho seria substancial para a economia, o problema é que pode ter sobrado pouco espaço para desoneração depois dos benefícios fiscais concedidos pelo governo - calcula Camargo.

O número de pessoas desocupadas, nas seis capitais que o IBGE pesquisa, saltou de 1,743 milhão para 2,036 milhões entre outubro de 2008 e maio de 2009, nos piores meses da crise. Uma alta de 16%. No mesmo período entre 2007 e 2008, houve redução de 9,2% no total de pessoas desocupadas.

Desigual, como tudo, o desemprego atinge mais alguns que outros: os muito jovens, as mulheres e os acima de 50 anos. O desemprego em maio foi de 8,8% no geral, mas para homens foi de 7,3%, e para mulheres, 10,7%. Para os de 18 a 24 anos foi de 18,9%.

A taxa de desemprego para pessoas com mais de 50 anos é mais baixa, mas a tendência de criar empregos nesta faixa se inverteu. Entre outubro de 2008 a maio de 2009, o número de pessoas com mais de 50 anos desempregadas cresceu 18%. No mesmo período entre 2007 e 2008, houve queda de 16%.

Entre os mais jovens, de 18 a 24 anos, os efeitos são parecidos. Nesses oito meses de crise, o número de desempregados subiu 18%. No mesmo período entre 2007 e 2008, houve queda de 8,6%.

É bom que o desemprego esteja crescendo menos do que se temia, mas há pouco a se comemorar no mercado de trabalho.

Opositores são presos em novos protestos no Irã

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dezenas de pessoas foram presas ontem por forças de segurança do Irã e milicianos basiji, segundo relatos, em novas tentativas de protestos contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad no último dia 12 de junho.

Opositores tentavam se reunir para protesto em memória de Neda Agha-Soltan, 27, cuja morte em uma manifestação no dia 20 de junho foi flagrada por um celular e tornou-se um símbolo da oposição.

A manifestação havia sido convocada pelo "Movimento Verde", ligado ao candidato derrotado Mir Hossein Mousavi. O reformista contesta a reeleição de Ahmadinejad -que teve quase o dobro da sua votação- e exige novo pleito.

A contestada eleição gerou a maior onda de protestos desde a Revolução Iraniana, em 1979, e deixou ao menos 20 mortos.

Com agências internacionais

Zelaya promete voltar amanhã a Honduras

Fabiano Maisonnave
Enviado Especial a Manágua (Nicarágua)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Presidente deposto tentará retorno por terra através da fronteira com a Nicarágua; governo golpista ameaça prendê-lo

Primeira tentativa de regresso terminou com conflitos entre forças de segurança e manifestantes, que deixaram dois mortos

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, prometeu que regressará amanhã ao seu país, indo por terra desde a Nicarágua, 24 dias depois de ter sido detido e expulso por forças militares.

Zelaya fez o anúncio ontem à noite durante entrevista coletiva em Manágua. À tarde, o presidente deposto havia dito à Folha, na Embaixada de Honduras na cidade, que programava a volta para hoje, às 10h (13h em Brasília).

Zelaya justificou-se pela mudança de planos dizendo que era preciso esperar vencer o prazo de 72 horas pedido, no domingo, pelo presidente da Costa Rica e mediador das negociações, Óscar Arias, para chegar a um acordo político entre ele e o governo golpista, do presidente Roberto Micheletti.

Até ontem à noite, porém, não estava marcada nenhuma nova reunião entre representantes de Micheletti e do presidente deposto em San José.

Segundo Zelaya, sua comitiva cruzará a fronteira em local não divulgado, por motivos de segurança. O hondurenho, que tem chamado os seus seguidores à "insurreição", disse que a rota exata ainda não estava definida, mas a Folha apurou que o roteiro mais provável será pela cidade de Choluteca, a mais populosa da região sul de Honduras, com 100 mil habitantes.O governo interino tem afirmado que Zelaya será preso caso volte ao país. A Procuradoria do país o acusa de 18 delitos, entre eles o de "traição à pátria". A maioria está relacionada com a sua tentativa de impulsionar uma Assembleia Constituinte, iniciativa considerada ilegal pela Justiça e pelo Congresso, controlados pela oposição e dissidentes.

Em 5 de julho, Zelaya tentou voltar a Tegucigalpa de avião, mas militares bloquearam a pista do aeroporto. Nesse dia, confrontos entre manifestantes pró-Zelaya e forças de segurança deixaram dois mortos, as únicas vítimas até aqui dos conflitos pós-golpe.

Embaixada venezuelana

O governo interino de Honduras ordenou ontem a expulsão dos diplomatas venezuelanos do país, sob acusação de que Caracas estaria ameaçando Tegucigalpa com "o uso da força" e desrespeitando sua "integridade".

Em carta enviada ao encarregado de negócios Ariel Vargas, a vice-chanceler interina Martha Lorena Alvarado ordenou que "todo o pessoal diplomático, administrativo, técnico e de serviço da missão diplomática venezuelana" deixasse Honduras em 72 horas.

Os diplomatas rejeitaram a ordem. "Nossa relação é com o presidente [deposto] Manuel Zelaya. Não reconhecemos o governo Micheletti. É um governo (...) apoiado por baionetas", disse Vargas. Ele responde pela embaixada desde que Caracas chamou de volta ao país o embaixador Armando Laguna.

Indagado por jornalistas se temia ser expulso à força, Vargas disse que "era só o que faltava a este governo golpista, violar todas as convenções internacionais" sobre diplomacia.A Venezuela tem sido a crítica mais feroz do golpe em Honduras, e a aliança entre o presidente Hugo Chávez e Zelaya é apontada como um dos estopins da crise hondurenha.

As patrulhas de ideias de Chávez

Janaína Figueiredo
DEU EM O GLOBO

Presidente da Venezuela aumenta controle sobre partido para anular opiniões contrárias

Depois de ter sido derrotado em distritos importantes tanto nas eleições regionais de novembro de 2008 como no referendo sobre seu projeto de reeleição indefinida, em fevereiro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, decidiu reestruturar o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), na tentativa de construir uma base política forte para os próximos anos de seu governo, hoje sustentado pelo carisma do chefe de Estado. Ontem, o líder venezuelano confirmou sua decisão de eliminar os atuais batalhões do PSUV, compostos por 300 pessoas, e criar patrulhas de 30 membros, reforçando o controle direto dos cerca de sete milhões de filiados do partido fundado e comandado por Chávez.

Segundo explicou ao GLOBO o general reformado Alberto Müller Rojas, um dos principais integrantes do birô político do PSUV, "as derrotas sofridas foram consequência das falhas de nosso partido, de uma burocracia herdada de outros tempos, do clientelismo político e também da ineficiência de governos regionais anteriores". O general, um dos principais assessores do presidente, assegurou que Chávez precisa ter um partido forte, que garanta a eficiência de seu governo.

- Precisamos de um partido eficaz, com capacidade de ação a longo prazo, e que não dependa exclusivamente da liderança carismática do presidente - disse Müller Rojas, que também revelou a intenção do governo de realizar uma reestruturação ministerial nos próximos meses. - Nossa meta neste momento é criar um verdadeiro poder popular, uma consciência social de mudança, e, nesse sentido, o PSUV precisa ajudar a resolver problemas.

Intenção é criar 200 mil patrulhas

Segundo o presidente, serão instalados 15 mil "pontos vermelhos" em todos os estados venezuelanos, que funcionarão como células do PSUV. Na verdade, Chávez espera a chegada de 200 mil patrulhas. A ideia é incentivar uma maior participação popular num momento em que a liderança de Chávez continua forte, mas o entusiasmo dos chavistas em relação ao governo diminui. O presidente assegurou na TV que as patrulhas deverão realizar um trabalho diário para "desmontar matrizes" de opinião contrárias ao "processo revolucionário".

- Não se trata somente de vencer eleições, temos de formar uma consciência social, e para isso é necessário estar em contato direto e constante com nossos militantes - argumentou Müller Rojas.

Na visão de analistas políticos críticos do governo, a reestruturação do PSUV reforçará o perfil militarista do partido e aumentará o clima de temor entre os chavistas.

- Ninguém sabe se é verdade que o PSUV tem sete milhões de militantes, mas, se esse é o número, estimamos que 80% dos militantes são chantageados políticos, pessoas que não podem dizer não, porque temem ser punidos - disse Nicolás Toledo, da Consultores XXI.

Para ele, "o PSUV funciona com base no clientelismo político e o controle rigoroso da vida de seus militantes".

Para Luis Vicente León, da Datanálisis, "a estrutura cada vez mais militarista do PSUV se deve à necessidade do governo de mobilizar gente, num clima de decepção cada vez maior".

- O partido é uma máquina eleitoral que cumpre ordens. Além de mobilizar os militantes em eleições, sua segunda função mais importante é distribuir a renda petroleira de forma eficiente - afirmou Vicente León.

Segundo analistas, com a queda do preço do petróleo, o governo tem menos recursos para destinar aos programas sociais, e não quer que falhas do PSUV prejudiquem a imagem do governo nos setores mais humildes. Nas duas votações passadas, o chavismo foi derrotado em municípios pobres de Caracas por suspeitas de corrupção das autoridades locais do PSUV.