terça-feira, 28 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Werneck Vianna

“Estes dois registros — o da Providência e o da “vontade política” — parecem oportunos quando se considera a trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT), às vésperas de comemorar seus 30 anos, no governo há quase oito, e que ora se credencia para disputar mais uma sucessão presidencial. Com efeito, o PT nasce, no início dos anos 1980, com destino declarado de ser um agente de ruptura com a herança perversa, sempre renovada em nossa história — “os quinhentos anos” perdidos —, a fim de instituir uma nova fundação para o país. O ator, ao recusar os caminhos da Providência, ele próprio se apresentava como providencial. A interpretação do país estaria feita, o que faltava era a vontade política de transformá-lo.

Oito anos incompletos de governo do PT, no entanto, a “viagem redonda” de seis séculos, de João 1º a Vargas, da metáfora de Faoro, parece retomar seu curso, como se o partido assumisse, inconscientemente, a tradição que pretendeu renegar.

Sintomático disso tanto a acomodação do seu sindicalismo às estruturas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como sua atual valorização do nacional-desenvolvimentismo, ideologia da modernização brasileira, cuja forma mais bem acabada se encontra nas formulações do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), agência de intelectuais criada, ao tempo do governo JK, como lugar de reflexão sobre os rumos a serem seguidos para os fins de desenvolver o país.”

(Luiz Werneck Vianna, no artigo A viagem (quase) redonda do PT)

Plebiscito ou eleição?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Embora tudo indicasse que a primeira campanha presidencial sem Lula depois de vinte anos fosse produzir uma miríade de candidatos, justamente como aconteceu em 1989, na primeira eleição direta para presidente depois do período militar, a cada dia fica mais clara a possibilidade de que a eleição do ano que vem seja disputada por apenas dois candidatos, Dilma Rousseff pelo governo, e o da oposição. O presidente Lula está fazendo tudo para que a eleição seja um plebiscito sobre seus oito anos de governo, e o governador paulista, José Serra, o mais provável candidato do PSDB, se vira para evitar essa conotação. Não quer disputar com o mito.

Existe a possibilidade real de ele desistir da candidatura se verificar que a estratégia de Lula deu certo e que o eleitorado o verá como o anti-Lula, e não como adversário de Dilma. É essa a lógica que o faz querer adiar ao máximo uma decisão sobre sua candidatura, mas ele corre o risco de cometer o mesmo erro de 2002, quando sua campanha tentou se equilibrar entre o continuísmo e a mudança.

Desta vez, tanto Serra quanto o governador de Minas, Aécio Neves, o outro aspirante à candidatura pela oposição, tentam passar para o eleitorado a mensagem de que não são contra Lula, muito pelo contrário. A tal ponto que Aécio cunhou a expressão "pós-Lula" para definir sua candidatura.

Apesar das demonstrações de apreço que o presidente Lula dá aos dois governadores tucanos, nada indica que a campanha para a sucessão de Lula venha a ser uma disputa entre cavalheiros e damas, e duas estratégias governistas já demonstram o contrário: o estímulo à candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo, e a difusão do "risco Serra", ambas estimuladas com entusiasmo pelo próprio Lula.

O presidente acha muita graça quando algum ministro seu chama a atenção para o temor que o mercado financeiro teria de uma vitória do governador paulista, principalmente pelas críticas à atuação do Banco Central. O Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, é o maior propagador da piada, juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que se vinga assim das críticas que recebe de Serra.

Também Ciro Gomes já dizia, em 2002, que sua missão principal na política é derrotar Serra, e a oportunidade de disputar a eleição para governador de São Paulo une o útil ao agradável na sua ótica política: estará solto no terreno de Serra, para atacar sua gestão, seja ele candidato à Presidência ou mesmo à reeleição.

E se for eleito governador, hipótese pouco provável, ganhará nova dimensão nacional que pode revigorar seu antigo plano de se candidatar a presidente.

O curioso é que corremos o risco de ver novamente, com sinal trocado, o mesmo tipo de campanha acontecida em 2002, só que desta vez, ironicamente, o papel conservador será da candidata oficial, para garantir aos agentes econômicos internos e externos que manterá a política econômica do governo Lula sem alterações, enquanto seus aliados estimularão os temores quanto a uma possível eleição de José Serra.

A oposição, por sua vez, terá a mesma postura que Lula teve em 2002, com mais credibilidade: garantir que nada mudará na política econômica, mas, caso Serra seja o candidato, não será possível - nem ele quererá - dissimular sua discordância com o que considera uma excessiva autonomia do Banco Central e uma política de juros errada, que estaria impedindo um maior crescimento da economia brasileira.

Na eleição de 2002, uma das táticas do governo tucano foi espalhar o temor de que a eleição de Lula levaria o país a se transformar em uma imensa Argentina, que àquela altura estava envolvida em uma grave crise econômica que começara três anos antes com a eleição de Fernando De La Rúa para a presidência, na sucessão de Carlos Menem.

O governo De la Rúa foi caracterizado por crise econômica permanente e movimentos populares violentos de protestos, enquanto internamente as diversas facções da coalizão que o sustentava se digladiavam por espaço político.

Acabou renunciando ao cargo, que foi assumido por Eduardo Duhalde, que fora o segundo colocado na eleição presidencial, numa decisão polêmica da Assembléia Legislativa.

Se em 2002, no governo Duhalde, o PSDB procurava atemorizar os eleitores com o caos na Argentina, hoje a oposição usa a mesma imagem para falar de supostas fragilidades políticas da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas comparando-a ao próprio De La Rúa, que não teve capacidade de conter os diversos grupos dentro de sua coalizão nem de superar a crise econômica.

Lula, por seu turno, mantém-se coerente com a posição de 2002, e vai mais além, escudado por uma popularidade espetacular no final do segundo mandato: continua controlando com mão de ferro o PT e a burocracia partidária, isolando as tendências mais à esquerda, que ou já abandonaram o partido ou hoje são francamente minoritárias, e ainda conta com a ajuda do mesmo José Dirceu que já foi seu principal escudeiro e hoje, cassado, reassume o papel de coordenador da campanha de Dilma Rousseff e volta à Executiva Nacional do PT.

Uma coligação com o PL do vice José Alencar, que foi arrancada a fórceps naquela ocasião, hoje parece brincadeira de criança diante do cheque em branco que Lula dá aos caciques do PMDB, sobretudo agora no episódio envolvendo o presidente do Senado, José Sarney.

Para Lula, cada vez mais as forças políticas organizadas em partidos só têm importância em dois momentos da campanha: no início, quando se fazem as coligações oficiais, para ganhar tempo na propaganda eleitoral, e ao final, para governar.

Durante a campanha, os eleitores se moveriam por influência da televisão e do rádio, e aos líderes políticos só caberia seguir a tendência dos eleitores. Daí a insistência no apoio do PMDB, e a aposta cega na transferência de sua popularidade.

Caminhando contra o vento

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cristovam Buarque, Vitor Buaiz e Luiza Erundina, respectivamente governadores do Distrito Federal, Espírito Santo e prefeita de São Paulo, cada um a seu modo, época e circunstâncias sentiram na pele, na carne e nos ossos a dureza de governar quando o PT era um partido tão oposicionista que fazia oposição aos governantes que ele mesmo elegia.

Chegou a virar folclore o pendor petista à autocombustão. Certamente não por acaso, nenhum dos três citados - entre vários casos semelhantes - está hoje no PT.

Sem entrar no mérito dos equívocos de parte a parte, o registro serve apenas para lembrar como o PT mudou de lá para cá. Aprendeu a ser realista, pôs os pés no chão, conquistou a Presidência da República, deixou de ser rebelde diletante e, desde então, ganhou muitas eleições, poder, projeção, dinheiro, influência.

Em compensação, foi ao outro extremo e agora se expõe ao risco de perder a identidade por excesso de obediência ao comando do presidente Luiz Inácio da Silva de quem o partido é dependente, mas para quem o PT hoje é (ou talvez tenha sido sempre) só um meio para chegar a um fim.

Partidos que estão no governo, reza a norma, em geral pagam o preço da subserviência pragmática. São os primeiros a ceder espaço aos aliados, a abrir mão da própria opinião, a fazer qualquer negócio em nome da chamada governabilidade. Tendo a Presidência da República, qualquer sacrifício é válido.

Aconteceu com o PSDB no período Fernando Henrique Cardoso. Ficou em segundo plano, enquanto todas as gentilezas eram feitas para os parceiros PFL e PMDB. Ao fim, o que era na concepção original um "partido de quadros" bem formado acabou descaracterizado como tal.

O PT estaria no mesmo caminho se já não tivesse ido além e não estivesse indo cada vez mais fundo. A aura da combatividade e da defesa da boa ética o partido perdeu há algum tempo e parece não apenas conformado, mas bastante satisfeito com sua condição de legenda igual às outras.

Daqui em diante o que ocorre com o PT e que até então não se viu acontecer com partidos que estiveram no poder é a perda gradativa dos brios. O exemplo mais recente é o episódio José Sarney.

Depois de desautorizar a bancada do partido no Senado, o presidente simplesmente destituiu o senador Aloizio Mercadante da liderança ao duvidar publicamente de que a nota pedindo o afastamento de Sarney representasse a posição dos senadores petistas. Vale-se da impossibilidade de Mercadante reagir.

O que era uma agremiação viva, com energia partidária sempre em movimento, no momento é um partido com dono, em pânico ante a possibilidade de sair do poder e disposto a se submeter qualquer humilhação para tentar não retornar à planície.

É o único projeto em debate no PT. Não se ouve a defesa de uma só ideia que não seja a aceitação dos ditames do Palácio do Planalto. Quem resumiu a situação - aparentemente em tom acrítico - foi a ex-prefeita Marta Suplicy, no encontro do diretório paulista, que aprovou a abertura oficial de conversações para apoiar uma possível candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo.

Definindo-se como "soldado de um exército que tem general", Marta afirmou que quem "assinala a estratégia" do partido é Lula. A partir de qual premissa? A do que seja supostamente mais adequado ao êxito da candidatura Dilma Rousseff à Presidência da República.

Se a aliança sair, será a primeira vez que o PT deixará de disputar o governo de São Paulo, sua base e até outro dia mais forte reduto com excesso e não carência de candidatos. Todos dizimados por escândalos, mortos em combates nem sempre altivos na defesa do poder.

Valeu a pena?

É a conta que muita gente no partido faz hoje em dia. Aceita-se o pressuposto de que a retirada de Ciro da disputa nacional possa aumentar o patrimônio de Dilma assim como Lula parte do princípio de que possa repetir com ela o que Paulo Maluf fez com Celso Pitta em São Paulo, simplesmente transferir votos. E o desempenho propriamente dito da candidata, sua empatia, ou não com eleitorado, não vale nada? Ao fim e ao cabo, é só o que vale numa eleição presidencial.

Se não der certo, se Dilma perder, se o PT aceitar entregar os melhores palanques de governos estaduais para o PMDB, o que será do partido na oposição, mesmo na hipótese de eleger grandes bancadas na Câmara e no Senado?

Terá poder para fustigar o governo federal, terá instrumentos de pressão para, ao molde atual do PMDB, continuar incrustado na máquina pública, mas não terá discurso, lideranças nem marca para fazer a política do partido.

Terá, sim, Lula a reinar como a grande figura da oposição, cujo governo será o tempo todo defendido. Em que termos as críticas serão feitas é um mistério, pois, depois de passar oito anos avalizando malfeitorias de toda sorte, o PT e Lula haverão de dar nó em pingo d?água para se sobressair no cotejo com quem quer que seja o sucessor e lhe cobrar a conduta mais correta.

É ou não é?

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Lula até tem razão quando pede cuidado com a biografia de investigados e relativiza os crimes: "Uma coisa é você matar, outra coisa é roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby", disse.

Ok. Realmente, Sarney empregar o namorado da neta no Senado não é igual a roubar e matar.

Mas...

É justo uma família tão rica fazer favores com dinheiro público? E os outros quase 40 familiares e apadrinhados (ao que se saiba) que os Sarney empregaram por aí?

É admissível uma associação dita beneficente e com o sugestivo nome de Amigos do Bom Menino das Mercês repassar recursos de patrocínio cultural para a Fundação José Sarney?

Especialmente sendo ambas ligadas à família?

É razoável que o primogênito, Fernando Sarney, seja simultaneamente secretário de Energia do Maranhão e dono de uma empresa fornecedora de postes de concreto para a mesma secretaria?

É verdade que Sarney é sócio da neta numa empresa (que tem sede na casa dele em Brasília) para comprar terras onde há indícios de gás e petróleo? O que há de causa e efeito entre a empresa, as terras e as nomeações de Sarney para o Minas e Energia e a Eletrobras?

É a serviço da oposição ou da mídia que a PF e a Receita estão fazendo essas devassas?

E o que dizer do estado de calamidade pública do Maranhão depois de meio século de domínio dos Sarney e de seus paus-mandados?

O promotor de Justiça Jorge Alberto de Oliveira Marum, de Sorocaba (SP), envia e-mail querendo entender a preocupação de Lula com umas biografias e não com outras: "Se o acusado é adversário do PT, podemos acusá-lo à vontade, como foi feito com Collor (1992), Ibsen Pinheiro, Eduardo Jorge, Yeda Crusius etc. Se ele for aliado do PT, como Collor (2009), Renan, Sarney e outros, não devemos tratá-los como pessoas comuns. É isso mesmo, senhor presidente?".

Taí. Boa pergunta.

Governo defende Sarney e desautoriza Mercadante

Gerson Camarotti, Luiza Damé e Maria Lima
DEU EM O GLOBO

Após reunião com o presidente Lula, o ministro José Múcio Monteiro afirmou que a nota divulgada pelo líder do PT, Aloizio Mercadante, semana passada, pedindo o afastamento de José Sarney da presidência do Senado não representa o pensamento da bancada do partido. No encontro, a nota foi classificada de inoportuna. O ministro reiterou o apoio do governo a Sarney, mas, para evitar desgaste do presidente Lula, a defesa pública do senador caberá agora à direção petista, que tentará enquadrar os parlamentares na orientação do Planalto. Sarney, passou o dia ontem em São Paulo, com a mulher, dona Marly, que sofreu uma cirurgia. A amigos, ele descartou a hipótese de renúncia e disse que, se cometeu crime ao contratar um parente, outros senadores também o fizeram.

Planalto x PT

O CONGRESSO MOSTRA SUAS ENTRANHAS

Para defender Sarney, ministro desautoriza nota de Mercadante que pedia afastamento do senador

OPalácio do Planalto desautorizou publicamente, ontem, o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), que na semana passada divulgara nota em que sugeria o afastamento do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), do cargo, por considerar graves os indícios concretos da participação do senador na edição de um ato secreto para nomear o namorado da neta para um cargo no Senado. Após reunião da coordenação política com o presidente Lula, ontem de manhã, o ministro José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) afirmou que a nota não representa a vontade da bancada de 12 senadores, mas apenas de um ou dois petistas. O líder do PT não se manifestou.

- O que avaliamos é que isso não é um movimento do PT. Imaginamos que seja um posicionamento de um ou dois senadores. Como o Senado está em recesso, muitos estão fora, estamos esperando que a poeira abaixe para conversarmos na próxima semana. Precisamos ver se houve um movimento da bancada inteira, visto que o presidente conversou com a bancada 15 dias antes disso tudo acontecer - disse Múcio.

O ministro disse ainda que o governo lamenta a situação vivida por Sarney, mas entende que o Senado "tem todos os pré-requisitos e todos os poderes" para resolver a crise. Sobre a hipótese de afastamento de Sarney, Múcio disse que a Casa decidirá "o que for melhor para o país". E reafirmou o apoio do governo ao senador:

- Não tenha dúvida nenhuma.

Segundo relatos, Lula ficou contrariado com a divulgação da nota em pleno recesso, classificando-a de inoportuna. Para o governo, Mercadante reavivou uma polêmica com o PMDB que estava superada. Na nota, o líder defende a apuração das conversas telefônicas de Sarney - combinando a contratação do namorado da neta - e diz que a bancada do PT "reafirma a sua posição de que o melhor caminho seria o pedido de licença da presidência da Casa por parte do senador José Sarney".

Para evitar um desgaste ainda maior de Lula, ficou acertado que o comando do PT tentaria enquadrar a bancada e assumiria a defesa de Sarney. Com o fim do recesso, dirigentes petistas devem procurar senadores do partido para mostrar que a posição da bancada pode interferir na aliança presidencial e na governabilidade.

Líder não consultou todos os petistas

Depois que o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), criticou duramente a nota de Mercadante, ontem foi a vez do líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP):

- Apoio integralmente a visão do presidente Lula, contrária ao afastamento de Sarney, que não está sendo empecilho para qualquer investigação. É preciso separar o que são as denúncias sobre as empresas da família Sarney do seu mandato de presidente do Senado. No exercício do mandato, não existe quebra de decoro.

Mercadante evitou polemizar. A interlocutores disse que a nota reflete o sentimento da maioria da bancada, mas reconheceu que não houve consulta a todos. Mas, ao contrário do que disse Múcio, a posição do líder contaria hoje com o apoio de sete dos 12 senadores da bancada.

Entre os que também apoiam publicamente o afastamento de Sarney estão Tião Viana (AC), Marina Silva (AC) e Eduardo Suplicy (SP). Internamente, também mostram desconforto com a permanência de Sarney no cargo Flávio Arns (PR), Paulo Paim (RS) e Fátima Cleide (RO). Paim não foi consultado por Mercadante, semana passada, mas não discorda do colega. Ele diz que a nota anterior, que também pedia a licença de Sarney, foi discutida pela bancada. E questões como o apoio à convocação de reunião extraordinária do Conselho de Ética são "posição individual de outros".

- Essa nota de agora não reflete o que a primeira diz. A posição da bancada continua sendo a da última reunião - disse Paim.

De folga em um sítio no interior de São Paulo, Mercadante não atendeu aos pedidos de entrevistas. Em seu twitter, as últimas postagens são sobre o casamento do filho. Diz: "Meu filho vai se casar. Não consigo pensar em mais nada."

A assessores, disse que consultou a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), e ela teria concordado. Serys Schlessarenko (PT-MT) concordou com o teor da nota. Suplicy, que ajudou a consultar os senadores, disse que todos com quem conversou concordaram:

- Se o ministro José Múcio conversar com a bancada, ele vai ver que não apenas um ou dois apoiam a nota, que ela representa sim o pensamento da bancada. Eu mesmo conversei com o senador João Pedro (AM) por telefone, na Palestina, e ele concordou com o teor.

A falta que faz o "Sacro Colégio"

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A uma semana do fim do recesso, a crise do Senado continua tão ou mais grave do que antes. E o que é pior: não há ninguém à mão com autoridade política para negociar uma saída institucional satisfatória. Para o Senado e para a opinião pública. Enfraquecido, o atual Congresso está sob suspeição para tratar de assuntos que vão afetar as próximas gerações de brasileiros. A regulamentação da exploração das reservas do pré-sal, para citar apenas um exemplo.

A crise do Senado já seria ruim em si mesma, se não houvesse suspeita pior: a de que ela também está sendo manipulada por setores do Executivo e do PT para minar a candidatura da ministra Dilma Roussseff (Casa Civil) a presidente da República. Independente do mérito das denúncias contra o senador José Sarney, é fato que misturaram-se a crise do Senado e a sucessão presidencial de 2010.

É essa urdidura que explica que no Senado oposição - na guerra para reconquistar o poder perdido em 2002 - e governistas, esquerda e direita históricos, estejam taticamente do mesmo lado. Não é à toa que a oposição cobra a demissão de Tarso Genro, pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul, do ministério que manda na Polícia Federal (Justiça).

As acusações contra Sarney ocorrem na sequência do escândalo em que envolveu o presidente anterior, Renan Calheiros, enredado numa trama de best-seller com sexo e dinheiro, política e poder. Renan, por seu turno, entrou em cartaz depois dos "Aloprados", pastelão que nem de perto alcançou o sucesso e a bilheteria do "Mensalão".

Estar no Congresso hoje virou demérito. Veja-se a frase do senador Tasso Jereissati à revista Época, edição que está nas bancas: "Às vezes, eu sinto vergonha de ser senador". O senador José Sarney sem dúvida "se apequenou", como afirma Tasso à revista. Era ele quem sempre mencionava o "Sacro Colégio de Cardeais", um grupo de parlamentares de vários partidos que, por sua experiência e responsabilidade, como contou em livro o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, teria uma visão institucional - na hora das crises, era a eles que se devia apelar. O "Sacro Colégio" não há mais.

Era gente como Paulo Brossard, Roberto Campos, Tancredo Neves, Jarbas Passarinho, Delfim Netto (quando o tremor de terra era na economia), o próprio Sarney e - indo um pouco mais atrás - Afonso Arinos, para citar apenas alguns nomes.

No Congresso todo podia-se contar uns 50 parlamentares com essa visão institucional acima dos partidos e sectarismos políticos. Sem saudosismos: o radicalismo, o jogo da sobrevivência eleitoral e o patrimonialismo são hoje a regra e contaminam as relações do atual Congresso.

O dr. Ulysses, como era chamado o deputado Ulysses Guimarães, presidente do ex-MDB e do PMDB, um dos cardeais mais influentes do "Sacro Colégio" na ditadura e na redemocratização, costumava dizer que uma Legislatura era sempre melhor que a anterior e pior que a próxima (ele falava "Congresso"). Muito bom como frase de efeito, provavelmente um exagero, mas desconcertantemente atual, quando se vê o Senado emparedado com as denúncias contra Sarney.

Os cardeais que pontificam a atual crise parecem mais preocupados com os holofotes da TV Senado, quando não estão eles próprios devendo explicação a seus eleitores sobre a extensão do envolvimento de cada um na crise.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-candidato a presidente da República, nome acima de suspeitas e educador respeitado, já conseguiu armar uma confusão que levou a uma discussão sobre o fechamento do Senado - tese, aliás, da corrente no PT do ministro que chefia a PF. Mas Cristovam Buarque também estava na lista dos favores de Agaciel Maia, o ex-todo-poderoso diretor do Senado.

O mesmo aconteceu com Artur Virgílio (AM), o líder do PSDB e o "ético" Pedro Simon (RS). Jereissati, que fez um governo premiado no Ceará, anda, também jogado na roda de moer da crise, anda enfurecido, quando poderia ser uma voz de equilíbrio.

O líder do Democratas (DEM), José Agripino, ficou repetitivo. E Eduardo Suplicy (PT-SP)? Tem razão Lula, o grande sustentáculo do presidente José Sarney: como é que ele ficou mais de 18 anos no Senado - está no 3º mandado - e não viu nada?

O comportamento errático da bancada do PT no Senado confunde mais do que explica a situação dos partidos na crise. Tendo o senador Aloizio Mercadante (SP) à frente, petistas querem o afastamento de Sarney do cargo. Nisso, estão juntinhos com o Democratas e PSDB, seus adversários na disputa de 2010. O DEM votou declaradamente em Sarney para presidente do Senado; o PSDB, contra. Assim como o PT.

Nem todos os senadores do PT defendem essa posição. Mas, pelo menos até agora, todos foram obrigados a engolir o apoio irrestrito que o presidente Lula deu a José Sarney, aliado de primeira hora de seu governo.

O apoio de Lula a Sarney é registrado nos partidos como resultado de um acordo para o apoio formal do PMDB a Dilma Rousseff nas eleições de 2010. Daí a ofensiva da oposição contra o presidente do Senado, na esperança de dividir os pemedebistas e eles fiquem sem candidato na sucessão presidencial do próximo ano.

Os ataques do PT a Sarney têm o mesmo efeito: enfraquecem a ala mais dilmista do partido (a bancada dos senadores) e também contribuem para que os pemedebistas cheguem rachados à eleição.

Sem porta de emergência, os senadores assistem passivos o esgarçamento das instituições: o Executivo é um poder de um escaninho só, apenas Lula fala; o Congresso está de joelhos, com o presidente do Senado pendurado na corda bamba do que Lula diz, e o Judiciário, quando extrapola sua função para além de interpretar a Constituição.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

A vez dos países emergentes

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O cenário que começa a emergir da crise financeira global é de uma recuperação lenta e hesitante nos Estados Unidos, Europa e Japão, com desemprego elevado por muitos anos e forte elevação das suas dívidas públicas. O comércio mundial deverá permanecer por longo período deprimido devido, principalmente, ao fim do consumismo americano, com as famílias já elevando a taxa de poupança em sete pontos percentuais em relação ao PIB, queda muito forte em bens dependentes de crédito e muitos países privilegiando os empregos e mercados domésticos. Por outro lado, os países emergentes estão apresentando recuperação mais rápida e países como a China estão retomando crescimento em níveis surpreendentes. Este quadro já refletiu na expectativa dos investidores que, em busca de elevados retornos, direcionam seus recursos para países emergentes e para as commodities que vêm também apresentando recuperação surpreendente. Como ficará o Brasil neste quadro?

A recessão nos Estados Unidos, Europa e Japão deverá ser mais profunda e durar mais do que as experiências cíclicas anteriores do período pós-guerra, afinal, foi o colapso do sistema financeiro que causou a contração da economia real, e não o contrário. A recuperação deverá ocorrer somente a partir de meados de 2010, com crescimento muito lento e hesitante posteriormente. Imensos desequilíbrios terão que ser removidos para a economia voltar a funcionar normalmente. Muitos destes estarão operando para reduzir a taxa de crescimento destes países pelo menos no médio prazo, tais como redução no endividamento, desalavancagem e aumento da taxa de poupança do setor privado e política fiscal restritiva, necessária depois dos imensos déficits fiscais em 2009 e 2010.

As economias emergentes importaram a crise. O seu sistema financeiro não entrou em colapso e foi a queda nas suas exportações, devido à queda na demanda nos países desenvolvidos, que provocou a desaceleração das suas economias. A China, por exemplo, está apresentando uma recuperação surpreendente em forma de V, ainda que ninguém espere que volte a crescer a taxas pré-crise. Os países emergentes, ao acumularem reservas, tornaram-se, em maior ou menor grau, menos dependentes do financiamento externo. E, principalmente países com grande população, como a China, Índia e o Brasil, cada um de forma específica, estão explorando o mercado doméstico para promover a recuperação.

Em princípio, o alto potencial de crescimento dos países emergentes não foi afetado pela crise financeira global. Este potencial vem do processo de "catching-up", importando bens de capital e tecnologia para construir uma estrutura produtiva moderna, competitiva e realocando trabalhadores para empregos mais produtivos e melhor remunerados. Isso vem gerando grandes e contínuos ganhos de produtividade e um mercado doméstico dinâmico. A queda drástica no crédito externo e fluxo de capitais não afetará o seu crescimento potencial, pois estes países de alto crescimento com política cambial agressiva manterão superávit em transações correntes, o que no passado lhes permitiu acumular reservas cambiais gigantescas, constituindo seguro contra a própria crise.

Duas consequências importantes decorrem deste quadro: a manutenção de elevadas taxas de retorno nos investimentos nos emergentes e rápido crescimento da demanda de commodities. Ao atrair investidores em busca de alto retorno, disputará recursos financeiros com países mais ricos e deficitários e, certamente, provocará elevação na taxa real de juros de longo prazo. Como os países emergentes já haviam se tornado os maiores consumidores de commodities, respondendo com quase 60% do consumo global de petróleo e quase 70% do consumo de metais e alimentos, deverão manter em rápido crescimento a sua demanda. Assim, além do menor fluxo de capitais, o cenário será de taxa real de juros mais elevadas e preços de commodities também elevados.

A questão central é: como o Brasil deve se posicionar neste cenário? Que ajustes na política macroeconômica devemos adotar para garantir um crescimento sustentado e estável? Tomemos a China como referência: os chineses já se posicionaram mantendo a sua taxa de câmbio fixa ao dólar, ganhando competitividade global adicional com a depreciação do dólar e, com isso, estão substituindo importações. Além disso, estão implementando um vigoroso programa fiscal anticíclico, deslocando gradualmente o dinamismo para o mercado doméstico. Como há folga fiscal, não estão comprometendo o futuro. Utilizando parte de seus US$ 2 trilhões de reservas para comprar empresas no exterior, vão continuar ampliando sua participação no comércio mundial. A característica de sua política é que a taxa real de câmbio estável e competitiva é utilizada como instrumento estratégico de longo prazo para manter elevada a sua taxa de poupança, mantendo a sua independência em relação aos recursos financeiros externos. As políticas monetária e fiscal são anticíclicas e utilizadas como instrumentos de curto prazo para garantirem a estabilidade da economia.

O cenário é favorável para o Brasil. Temos um grande potencial de crescimento do mercado doméstico, somos grande exportadores de commodities e temos uma complexa estrutura industrial já montada no país. Mas o período de bonança externa acabou com crise e deverá prevalecer o novo cenário descrito acima. O Brasil vem ampliando a participação de commodities nas suas exportações e, com regime de câmbio flutuante, o real está cada vez mais atrelado ao preço das commodities, tornado-se uma moeda com comportamento anticíclico. A crise financeira e a retirada da pauta da inflação nos trouxe uma grande oportunidade para flexibilizar a política monetária e para levarmos o patamar de juros próximo ao nível internacional. Neste caso, ainda que com flutuações cíclicas, a taxa de câmbio no longo prazo poderia equilibrar o setor externo. Infelizmente, o Copom acaba de anunciar que não é para onde vamos caminhar.

Em plena recessão e sem nenhum risco inflacionário no horizonte, o Banco Central está cedendo às pressões do mercado financeiro, anunciando que 8,75% é uma taxa adequada às circunstâncias atuais. Com isso continuamos com a taxa real de juros num patamar dos mais altos do mundo, permitindo a apreciação da taxa de câmbio, tornando esta pró-cíclica, e tornando a indústria manufatureira vulnerável não só a flutuações imprevisíveis da taxa de câmbio, mas também a acirrada competição estrangeira. No curto prazo, a demanda dos emergentes por commodities pode dar fôlego à recuperação, mas no longo prazo vamos comprometer o "catching-up", pois este envolve aprendizagem tecnológica e diversificação da indústria, possível com exportação de manufaturados. Com apreciação cambial, voltaremos também a ter crises de balanço de pagamentos. Em relação ao nosso eterno problema fiscal, estamos longe de ter equilíbrio de longo prazo para ajudar a alcançar o equilíbrio externo e podermos atuar no curto prazo de forma anticíclica.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Preço da concessão

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O maior problema do acordo com o Paraguai não é a concessão em si ao país vizinho, que pode e merece ter o apoio brasileiro para o seu desenvolvimento.

Há dificuldades técnicas concretas: hoje as distribuidoras do Sudeste são obrigadas a comprar de Itaipu. Deixarão de ser? Há também uma questão política: a concessão brasileira não encerrará a pressão paraguaia.

O governo brasileiro diz que o aumento de 213% no preço pago pelo Brasil na cessão de energia não será repassado aos consumidores do país. Ora, é preciso desconhecer o básico em economia para achar que existe um preço que ninguém paga.

Se o Paraguai vai receber mais de US$ 200 milhões a mais por ano, o dinheiro sairá de algum lugar. Se não for da tarifa, sairá do Tesouro. E o Tesouro somos todos nós contribuintes. Portanto, será pago pelos brasileiros.

É bom lembrar que a cessão de energia é apenas uma parte do que se paga ao Paraguai. A Eletrobrás paga o preço de US$ 42,5 por megawatt/hora, mas sobre isso há também royalties, encargos de administração e supervisão. A cláusula de cessão de energia é um outro acréscimo que está no anexo C do acordo.

A lei que obriga as distribuidoras brasileiras a comprar a energia gerada por Itaipu é de 1973. Fica uma dúvida: se o Paraguai pode vender parcelas crescentes de energia no mercado livre, como fica a obrigatoriedade das distribuidoras? Há outra dúvida já resolvida.

O Brasil aceitou que o Paraguai possa usar, ao vender no mercado livre, a mesma estrada que se usa atualmente: o sistema integrado de Furnas. O problema é que no mercado livre não há preço mínimo, a energia tem que ser contratada, o preço oscila, e tanto sobe quanto desce.

O próprio fato de entrar mais energia no mercado livre pode derrubar o preço.

Está entrando aí Jirau, que apostou no mercado livre para oferecer preço mais baixo na licitação. E a recessão está reduzindo o consumo. Como o Paraguai depende dessa receita para cobrir boa parte do orçamento público, é bom que isso fique muito claro, antes que haja problemas.

O Brasil também concordou que Itaipu construa para o Paraguai, com empréstimo do BNDES, a linha de transmissão de Ciudad del Este a Assunção, de 500 kv.

O Paraguai terá 13 anos para pagar. A obra é necessária e justa. Afinal, o país que tem essa quantidade de energia tem também um suprimento deficiente que provoca apagões diários no verão, e não tem insumo para atrair investimentos.

Esta é a melhor parte do projeto do governo brasileiro para a negociação. Não era justo nem sustentável essa situação. Porém, não pode ser visto pelo Paraguai como compensação por uma suposta “usurpação” brasileira. Tem que ficar claro que é uma ação de boa vontade porque interessa a todos o desenvolvimento paraguaio.

O governo Lula negocia de forma errada com os países menores da região. Parece ter uma culpa original, como se tivesse vergonha de ser grande, ou acreditasse no discurso de ocasião de que somos imperialistas. O Brasil não é. Em todo esse processo, desde a negociação do acordo, a construção da usina, a operação de forma compartilhada do empreendimento, em todos os detalhes, o Brasil não se comporta como uma potência colonialista. Pelo contrário.

O Paraguai de vez em quando ameaça ir a cortes internacionais discutir o tratado. Ora, que vá. O Brasil deveria querer que não pairem dúvidas sobre a legitimidade do acordo, porque como ficará claro que o tratado é juridicamente perfeito, o país poderá fazer suas propostas em bases mais maduras.

O presidente Lugo tem problemas. Falarei dos problemas políticos. Sua base política é pulverizada em vários pequenos partidos, de diversas tendências, algumas bem radicais. Ele precisa, para manter um mínimo de governabilidade, do apoio do adversário Lino Oviedo. O general que já tentou um golpe no passado, já morou no Brasil, e voltou para fazer política legalmente no país, virou o pêndulo. Ele aceita dar apoio ao governo — mas não quer cargos — mas estuda caso a caso esse respaldo.

Lugo tem feito um governo considerado pelos analistas como “medíocre”, não tem quadros de competência comprovada, e a máquina continua dominada pelo vetusto Partido Colorado, que está no poder desde os tempos da ditadura de Stroessner.

Lugo precisa apresentar o acordo assinado neste fim de semana como uma redenção nacional, como uma prova de ele venceu o gigante, como nunca antes na história desse Paraguai. Desta forma ele se fortalece, mas ao mesmo tempo fortalece a ideia de que o Brasil é devedor de compensações ao país. Logo, os paraguaios concluirão que isso não basta, que outras exigências podem ser feitas.

Querer o desenvolvimento do Paraguai, todos querem.

Mas não temos compensações a fazer. O Brasil ao decidir pela construção de Itaipu naquele ponto, e não em outra parte do rio, ganhou um pouco mais de potência, mas também criou para o Paraguai um ativo que ele não tinha ainda. O Brasil emprestou o dinheiro para o Paraguai integralizar a parte dele; pegou empréstimos internacionais; deu o aval do Tesouro; construiu a usina; e divide a administração da empresa de forma paritária. Não tem do que se envergonhar.

Com Alvaro Gribel

Chávez articula para governar por decreto

Janaína Figueiredo • Buenos Aires
DEU EM O GLOBO

Presidente venezuelano pede que Parlamento aprove nova Lei Habilitante

Com a firme decisão de acelerar os tempos de sua revolução bolivariana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, solicitou à Assembleia Nacional (o congresso venezuelano) a aprovação de uma nova Lei Habilitante, que permitirá ao chefe de Estado governar por decreto. O polêmico instrumento legislativo já foi utilizado quatro vezes por Chávez, a última entre fevereiro de 2007 e agosto do ano passado.

Com a nova Lei Habilitante, ontem defendida por importantes dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o governo bolivariano pretende implementar medidas em diversos setores do país, entre eles educação, trabalho e economia. Um dos projetos que integraria a lista de iniciativas chavistas seria o que prevê a criação da chamada propriedade social, que, de acordo com documentos que há várias semanas circulam em Caracas, estabelece a “utilidade pública e interesse social de bens materiais e infraestruturas que possam ser declarados propriedade social, para garantir, por meio da produção socialista, a satisfação das necessidades sociais e materiais da população”.

— Se vocês consideram que são necessários reforços, então me habilitem novamente e vamos acelerar o trabalho — declarou Chávez no fim de semana passado, no Congresso.

O presidente venezuelano pediu, ainda, que sua ampla maioria parlamentar anule todas as leis “contrarrevolucionárias” antes de 2010, ano em que seu governo deverá disputar novas eleições legislativas e poderia perder o controle da Assembleia Nacional.

— Peço que acelerem a discussão e aprovem as leis revolucionárias em todos os âmbitos da atividade nacional — afirmou Chávez.

A atitude do presidente foi questionada pela oposição, que em 2004 optou por não participar da última eleição legislativa e desde então tem uma presença simbólica no Congresso do país (apenas oito deputados). O líder do partido Podemos, Ismael Garcia, exaliado do governo chavista, acusou Chávez de buscar impor um sistema personalista e dar uma fachada democrática a seu governo.

— A farsa está chegando ao fim — disse Garcia, que lembrou a derrota sofrida pelo chavismo no referendo sobre o projeto de reforma constitucional, em 2007

Oposição teme mudanças nas eleições de 2010

O projeto do governo incluía várias iniciativas que o presidente acabou adotando por decreto ou com o apoio de sua folgada maioria parlamentar, por exemplo, a Lei de Distrito Federal. A norma criou a figura de chefe de governo do Distrito Capital, autoridade designada pelo presidente do país, que assumiu funções que antes eram exclusivas da Prefeitura Metropolitana de Caracas, hoje em mãos da oposição.

— Esta Carta Magna que é participativa, descentralizada e democrática não é mais útil para o projeto autoritário e militarista encarnado pelo presidente — enfatizou Garcia.

Para o deputado opositor, o governo pede uma nova Lei Habilitante “porque esta Constituição (aprovada em 1999, pelo governo chavista) já não lhes serve”. Garcia acredita que com uma Lei Habilitante, o presidente venezuelano avançará na aplicação de uma Lei de Educação, de Propriedade Social e, também, numa nova Lei Eleitoral: — Para continuar com seu projeto, Chávez deve recorrer a um conjunto de leis que não estão amparadas pela Constituição.

O principal temor da oposição é que uma eventual nova Lei Eleitoral favoreça os candidatos do governo nas eleições legislativas do ano que vem.

— Em 2010 teremos duas opções: ou não haverá eleições ou elas serão realizadas, mas aplicando uma norma que beneficie o chavismo, mesmo quando ele não conte com o favoritismo da sociedade — assegurou Garcia.

Já representantes da bancada chavista disseram estar preparados para votar uma nova Lei Habilitante.

— Consideramos positivo o pedido do presidente — disse o deputado Alberto Castelar.

Congresso hondurenho debate acordo

Ricardo Galhardo Enviado especial
DEU EM O GLOBO

Mas analistas duvidam que recondução de Zelaya à Presidência seja aceita

TEGUCIGALPA. O Congresso Nacional de Honduras começou a debater oficialmente, ontem, o Acordo de San José, elaborado pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias, como proposta de solução para a crise política hondurenha.

Os parlamentares decidiram criar uma comissão que terá dois dias para avaliar as propostas do ponto de vista jurídico. Na semana passada, o presidente interino, Roberto Micheletti, disse que precisava submeter o texto aos demais poderes do país antes de tomar uma decisão.

Para analistas políticos, Micheletti está apenas tentando ganhar tempo.

— A ninguém interessa mais ganhar tempo do que a Micheletti. O Congresso finge que debate para ganhar tempo. Este acordo não será firmado por uma razão simples: prevê a reintegração de Manuel Zelaya ao poder. Posso adiantar o resultado deste debate. O Congresso vai aceitar todos os pontos menos a reintegração. Não interessa a ninguém, nem ao Partido Liberal (ao qual Zelaya é filiado), a reintegração — disse ao GLOBO Gautama Fonseca, militante histórico do Partido Liberal e ex-ministro por três vezes.

A restituição de Zelaya, a criação de um governo de coalizão, o fim do projeto de convocar uma Assembleia Constituinte e a anistia a todos os envolvidos no episódio que levou a um golpe de Estado no dia 28 de junho são os principais pontos do acordo. O texto também será submetido hoje à Suprema Corte hondurenha, que acusa Zelaya de traição à pátria por desrespeitar uma cláusula pétrea da Constituição ao propor uma consulta popular com o objetivo de abrir caminho para uma reeleição.

Poucos líderes partidários se manifestaram publicamente sobre o acordo ontem de manhã.

Nelly Jerez, do Partido Nacionalista (oposição a Zelaya), classificou a anistia ao presidente deposto como uma “bofetada”.

Zelaya ameaça voltar à fronteira mas recua Entrincheirado em um hotel em Ocotal, na Nicarágua, Zelaya disse que não há hipótese de negociação com os golpistas e ameaçou mais uma vez voltar à fronteira, mas voltou atrás. A estratégia do governo interino de bloquear os acessos à fronteira e de decretar sucessivos toques de recolher tem dado resultado. A mídia local tem dado cada vez menos espaço ao presidente deposto e as manifestações se restringem a sindicalistas e a movimentos populares.

—É nosso dever lutar um dia, dois dias, um mês, seis meses, um ano, dez anos... vamos fazer — disse ele ontem.

Para piorar a situação de Zelaya, a oposição ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ameaça com processos contra a presença do hondurenho no país.

— Zelaya busca a mídia por desespero devido à falta de ações efetivas da OEA e da ONU — avaliou Fonseca.

O presidente pediu que o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) proteja os manifestantes que chegam à Nicarágua por pequenas estradas nas montanhas hondurenhas.

Ontem, os EUA insistiram na restituição de Zelaya ao poder. Mas o país, que criticou a forma como Zelaya ameaçou entrar em Honduras, não se comprometeu a ampliar sanções contra o governo interino, numa medida encarada como um sinal de mais tolerância de Washington com os golpistas