segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Lula enfraquece o Congresso"

ENTREVISTA: Itamar Franco
Leandro Loyola, de Belo Horizonte
DEU NA REVISTA ÉPOCA

O ex-presidente afirma que o Legislativo está em crise porque Lula age como um ser “absoluto


O ex-presidente Itamar Franco não dispensa uma caneta. Itamar tem o hábito de rabiscar seus raciocínios de forma esquemática enquanto fala. Durante entrevista de mais de uma hora a ÉPOCA, Itamar preencheu meia dúzia de folhas. Nelas, estavam esquemas para entender suas críticas contundentes ao comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à postura do Senado diante da crise e a atitudes do senador José Sarney (PMDB-AP). Presidente do conselho de administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, Itamar ingressou há menos de um mês no PPS, depois de três anos sem partido – mas diz não ser candidato a nada. “Eu estava na arquibancada e via o jogo um pouco de longe”, diz. “Resolvi ir para o banco de reservas, ver o jogo mais de perto.”

ÉPOCA – O que o senhor acha da situação do Senado hoje?

Itamar Franco – Eu acho que há um erro básico na questão: esse comportamento do Legislativo, particularmente do Senado, de recorrer ao presidente (da República). O Legislativo se diminui ao procurar o presidente para resolver suas questões. As questões do Legislativo têm de ser resolvidas internamente. Eu vou dar um exemplo: quando eu era presidente, houve a CPI do Orçamento (1993). Quando a crise estava no auge, alguns parlamentares – só me permita apenas não dizer os nomes; eu sei de todos aqueles que foram lá – foram ao presidente, que era eu, e pediram – veja só – que fechasse o Congresso.

ÉPOCA – O que o senhor disse a eles?

Itamar – Eu disse a eles o seguinte: “Eu sei que a crise é séria, os senhores que estão lá dentro sabem melhor que eu, mas, por favor, resolvam seus problemas lá. Não somos nós, que estamos aqui eventualmente no Executivo, que vamos cometer um ato de quebra do estado de Direito fechando o Congresso. O problema do Legislativo quem resolve é o Legislativo, não o Executivo”.

ÉPOCA – Qual era a intenção deles?

Itamar – Quando eles chegaram para falar comigo – não foi nem um, nem dois, nem três, foi um número razoável de pessoas, não eram apenas parlamentares –,entendiam que o Legislativo estava muito desagregado em seu aspecto democrático. E, como tal, ensejava que a opinião pública dissesse “Para que Legislativo? Para que Congresso?”. E aí a similitude (com a situação atual): você escuta muitas vezes aí o sujeito dizendo: “Para que o Senado? Para que nós vamos ter essa Casa?”. A opinião pública se situa, não numa maneira ordenada, mas ela é sensível a certos acontecimentos. Então, eu volto a dizer que houve esse erro (do Senado) em procurar o presidente da República. O presidente da República não tem nada a ver com os problemas do Legislativo. E o Senado se enfraqueceu com essa tentativa do presidente de dar cobertura ao Senado.

ÉPOCA – Foi o presidente do Senado, José Sarney, quem tomou a iniciativa de se escorar no presidente Lula, ao afirmar que era vítima de denúncias da oposição porque apoiava o presidente. Ele errou?

Itamar – Não é fácil para mim falar do presidente Sarney. Mas eu posso achar. Eu acho que – e eu não tenho nada contra o presidente Sarney, quero deixar claro – ele cometeu o erro de ser candidato (a presidente) do Senado e cometeu outro erro, de ir ao presidente da República. Um homem com a experiência dele, que conhece o Congresso – diferentemente do presidente da República –, nunca deveria ter procurado o presidente Lula. Acho que ele se enfraqueceu.

ÉPOCA – Por quê?

Itamar – Porque supostamente os Três Poderes são harmônicos, mas são independentes, como manda a Constituição e a tradição democrática. No momento em que este vai a este (risca um esquema no papel, para representar os Três Poderes), ele se enfraquece, se submete. E, quando o Legislativo fica submisso ao Executivo, é ruim para a democracia. O Executivo deveria ter rejeitado imediatamente essa tentativa do Senado. Mas o presidente da República não conhece a história do Legislativo. Se ele conhecesse bem a história do Legislativo brasileiro, veria que tem seus altos e seus baixos, mas teve e tem grandes parlamentares que, ao longo da história, defenderam o Legislativo em ocasiões muito difíceis. A história do Legislativo é rica. O presidente não conhece essa história. A única coisa que fica é: por que ele quer o enfraquecimento do Legislativo?

ÉPOCA – Por quê?

Itamar – Primeiro, o presidente foi um parlamentar obscuro. Como parlamentar, ele qualificou que lá havia 300 e tantos picaretas. Esquecendo que ele também estava lá... Se fossem 300, 300 mais um com ele? Como a pessoa não conhece a história democrática do país... O presidente Lula mudou muito seu comportamento de 2002 para cá. Ele não tem a mínima consideração pelo Legislativo. Quando o presidente tenta impedir uma CPI, como foi a CPI da Petrobras, é outra interferência indevida. No regime militar, em 1975, havia uma questão tão importante para o presidente (Ernesto) Geisel quanto a Petrobras hoje: era o acordo nuclear (do Brasil com a Alemanha). Numa proposta do então senador Paulo Brossard, criou-se uma CPI para examinar o acordo. E a CPI não foi impedida – apesar de ser um regime militar. E era igualzinho hoje: nós éramos três senadores da oposição e oito do governo. E mais ainda: se permitiu que um senador de oposição, coincidentemente eu, presidisse a CPI. Aqui, não. Com um erro que nem os militares fizeram: o presidente e o relator (da CPI da Petrobras) são do governo. Quando o presidente não respeita o Legislativo, ele interfere.

ÉPOCA – O que o presidente pode provocar ao interferir no Legislativo?

Itamar – O presidente Luiz Inácio quer desmoralizar o Legislativo perante a opinião pública. Os senadores de oposição não estão percebendo que é muito mais grave do que um bate-boca de criar ou não uma CPI, de ir ao presidente pedir cobertura para este ou aquele caso. Ao interferir no Congresso, o presidente traz de volta uma discussão que a gente havia muito tempo não tinha, de ouvir nas ruas: “Para que Congresso?”. A mesma coisa que eu ouvi na minha época. E sobretudo com a popularidade que está o presidente. E ele faz com um viés de certa esperteza. Interessa ao presidente enfraquecer o Congresso, interessa ao presidente desmoralizar o Congresso. Quando o presidente chama os senadores de “pizzaiolos”, isso é realmente muito grave. E os congressistas não estão reagindo à altura. O presidente ultrapassa os limites democráticos.

"O presidente Lula mudou muito seu comportamento de 2002 para cá. Ele acha que só ele fez alguma coisa pelo Brasil"

ÉPOCA – Como o presidente deveria usar sua popularidade?

Itamar – O presidente hoje é um homem popular. Mas hoje o presidente, diante dessa popularidade, se sente um ser absoluto. Ele acha que é insubstituível. Ele acha que só ele fez alguma coisa pelo Brasil, ninguém mais. O Brasil surgiu com ele – e é capaz de achar que vai acabar com ele. Às vezes, a gente fica pensando se não foi o presidente quem abriu os portos, e não Dom João VI. Mas ele tem a sua responsabilidade – e às vezes não se cobra essa responsabilidade. O presidente falou outro dia: “Teve gente que chegou a falar :‘Nós precisamos nos desfazer do último paquiderme brasileiro, a Petrobras’. Esse paquiderme é nosso”. Por que o presidente não dá nomes? Ele chega a ser de uma irresponsabilidade... E a oposição brasileira não cobra! Eu cobro: presidente, quem queria vender o paquiderme? Como ninguém cobra, ele solta as frases e fica por isso mesmo.

ÉPOCA – O presidente tem desapreço pelo Congresso?

Itamar – Eu acho que sim. Ele joga para enfraquecer o Congresso porque quer ser um ser messiânico.

ÉPOCA – O senhor apoiou o presidente Lula com veemência em 2002 e no início do governo...

Itamar – Muito! Eu acreditava nele.

ÉPOCA – Quando o senhor mudou de postura?

Itamar – Quando ele ficou mais soberbo.

ÉPOCA – A oposição é fraca?

Itamar – A oposição não tem um norte. Ela está sem discurso, ela ainda não encontrou um viés de dar combate a este governo. Há tempo, mas o tempo está se aproximando. O presidente já tem sua candidata, e a oposição ainda está discutindo quem vai ser. Se bem que eu acho que o PSDB já tem um candidato: o governador (de Minas Gerais) Aécio Neves já disse, com todas as letras, que é candidato. O governador (de São Paulo, José) Serra ainda fica “não sei, vou pensar...”. A candidata (do governo, a ministra Dilma Rousseff) já está correndo o país como candidata. Por mais que diga não, já é candidata.

ÉPOCA – A ministra nunca disputou uma eleição. Ela será competitiva?

Itamar – Ela (a ministra Dilma Rousseff) vai ter de tomar ainda muita poeira nos olhos. À medida que ela tomar poeira nos olhos, ela pode se transformar numa boa candidata. Agora, se ela limpar os olhos toda hora, fica um pouco complicado... Ela será uma candidata que vai dar trabalho. Ela conhece alguns problemas nacionais. A oposição vai ter de estudar para debater.

ÉPOCA – Por que o senhor não foi à solenidade do aniversário de 15 anos do Plano Real, no Senado, em maio?

Itamar – Eu fui aconselhado a não ir. Podia ter algum desavisado lá, que falasse alguma coisa. Eu teria de responder, ia perturbar a festa. Eu parei há muito tempo com o negócio sobre quem fez o Plano Real. Outro dia eu estava lendo sobre um jornalista americano que acompanhou desde o Apollo 1 até o 17 (projeto da Nasa que levou o homem à Lua). Há pouco tempo, ele estava passeando com dois netos. Aí ele mostrou a Lua para os meninos. Eles nem ligaram. Por quê? Porque eles são de uma geração mais avançada do que ir à Lua. O sujeito que tinha 15 anos quando o Plano Real foi lançado, hoje tem 30 anos. Ele está vendo a Guerra nas Estrelas, não a Lua. Por isso, é bobagem discutir quem fez o Real. Dentro do processo econômico, o Real sempre terá seu valor.

QUEM É

Mineiro de Juiz de Fora, engenheiro, 79 anos, divorciado, tem duas filhas

O QUE FEZ

Foi prefeito, governador de Minas Gerais, senador, embaixador e presidente da República entre 1992 e 1995

O QUE FAZ

Filiado ao PPS, é presidente do conselho de administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais

A oferta de esperança

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em artigo publicado ano passado na Itália ("Su Democrazia e Sfera Pubblica Immaginaria"), Alessandro Pizzorno discute problemas relacionados à representação política, retomando temas a que se dedica há muito. Ressaltando o fato de que, nas condições atuais de operação da democracia, os eleitores são cada vez mais destituídos de influência real sobre as políticas públicas, restrita amplamente aos grupos de pressão, Pizzorno examina o papel de lideranças, movimentos ou partidos em termos do contraste entre os bens de curto prazo e de longo prazo que os cidadãos podem esperar do processo político. Tal papel acaba descrito em termos de "oferta de esperança": em vez de um governo representativo capaz de colocar seus eleitores em condições de avaliar as vantagens ou desvantagens de uma ou outra política pública, teríamos um sistema de partidos e unidades coletivas de tipo variado (étnicas, religiosas) em que a autoridade da classe política estaria fundada na combinação da esperança que oferece quanto a fins de longo prazo - em larga medida, segundo Pizzorno, imaginários: fins nacionais, de classe, da humanidade, dos povos do mundo - e a capacidade de transformar essa esperança em consenso para as políticas de curto prazo. É a relação entre a classe política e a população, diz Pizzorno, que o Estado deve empenhar-se em tornar virtuosa; e só a presença de doutrinas em que se expressem fins de longo prazo divergentes (o aspecto de divergência é salientado) pode dar sentido a uma participação na vida política que não seja meramente "profissional" ou clientelística, características estas associadas à busca de objetivos privados pela classe política e à ideia de uma "sociedade de caroneiros" ou aproveitadores.

Avesso a recentes concepções da democracia devidas a economistas e à tendência a equiparar sua dinâmica à do mercado, Pizzorno dá ênfase especial a temas de identidade. Mas as sociedades que têm mais diretamente diante dos olhos são sobretudo sociedades de características socialdemocráticas, fruto da afirmação de identidades referidas em ampla medida a interesses materiais e à "questão social", e seus fins "imaginários" de longo prazo não deixam de incluir os relativos a classes sociais. Isso aumenta sua relevância para a política brasileira, onde, apesar da importância do problema racial, não temos tido conflitos étnicos ou religiosos significativos, enquanto se mantém a grande desigualdade socioeconômica. Inútil destacar a relevância pelo lado da ideia de uma classe política a serviço de seus próprios interesses numa sociedade de aproveitadores.

É bem claro que temos sido carentes na oferta política de esperança. Naturalmente, isso se traduz sobretudo na precariedade dos nossos partidos políticos, aos quais faltam, como sempre se aponta, os compromissos diferenciadores de longo prazo que evitassem transformar a criação de consenso no curto prazo de cada conjuntura em meras espertezas de interesses pessoais dispersos. Sem falar, além disso, de algo que Pizzorno, no texto citado, não destaca com força: a decantação que permite que objetivos divergentes de longo prazo se acomodem em identidades que, sendo estáveis, sejam também realistas e compatíveis com um jogo eleitoral sem tropelias.

O PT representa, por certo, a grande decepção recente quanto à oferta de esperança. Combinando, na imagem que projetou por muito tempo, justamente compromissos de longo prazo e de construção institucional com o trunfo de um Lula capaz de beneficiar-se com a identificação singela e pronta de um eleitorado a cujos olhos os compromissos tendiam a parecer confusos, acabamos por vê-lo agora reduzido à tensão entre os dois termos desse arranjo. Sem dúvida, o simbolismo ligado à figura de Lula ganhou força ao juntar a imagem popular de há muito a políticas sociais de sentido redistributivo - que podem, sim, contra Pizzorno, ser avaliadas em suas vantagens por vastas parcelas do eleitorado. Mas é difícil pretender que a oferta consistente de esperança e a construção institucional venham a resultar de circunstâncias em que o peso da autoridade de Lula arrasta um partido profundamente abalado a arranjos espertos em torno de uma eleição cujas feições se conectam de maneira pouco clara com objetivos defensáveis de longo prazo: é preciso cultivar o PMDB! Pelo que temos visto, em suma, não obstante o muito que há de positivo em um Lula na presidência deste país desigual (à parte, tudo somado, o bom governo inegável) e na chegada a bom termo, institucionalmente, de um governo "lulopetista" de dois mandatos, não cabe contar com Lula como o lúcido construtor de um partido melhor, capaz de ser a um tempo realisticamente democrático e consistente.

Mas tampouco cabe dizer muito, desse ponto de vista, se o foco é o PSDB, que nos propiciou, em particular com Fernando Henrique Cardoso, a outra experiência partidária (e de governo) de alcance nacional a merecer destaque positivo no período recente. Houve aí, certamente, a disposição intelectualmente mais alerta para as complicações do jogo entre a reafirmação de princípios e metas de longo prazo (a "refundação política", talvez) e o realismo que a criação de consenso no curto prazo impõe. O PSDB como instituição a resultar disso, porém, deixa muito a desejar, e suas dificuldades e embaraços na conjuntura de agora não são menores: enquanto não resolvemos sobre coisas como programa (ou socialdemocracia) e candidato, visitemos e apoiemos Sarney, é preciso cultivar o PMDB!

No panorama de curto prazo, briga de líderes pela imprensa, chumbo trocado de denúncias junto a um desmoralizado Conselho de Ética de um Senado desmoralizado, CPI da Petrobras que acontece ou que se abafa...

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Reforma do Estado e cultura política

Luiz Eduardo Soares
Fonte: Gramsci e o Brasil

A crença dominante é a seguinte: para construir um país mais justo, com governos mais eficientes, com menos corrupção e violência, é preciso punir mais e com penas mais longas, o que, por sua vez, deve ser precedido pela promulgação de leis que ampliem os mecanismos de controle sobre a sociedade e o Estado. Quanto a este último, o senso comum diz que é necessário inibir desvios de conduta, impondo regras rígidas para que seus atos se tornem mais compatíveis com o respeito ao interesse público.

Em tese, soa perfeito. Na realidade, não é o que acontece. Tomemos o caso do Estado e da extensa e meticulosa legislação a que se submete o executivo, em todas as esferas — federal, estadual e municipal. Cada nova lei que visa impedir a transgressão provoca, paradoxalmente, a qualificação dos criminosos e a valorização do crime, tornando-o mais atraente. O interesse transgressor não cede ante a nova barreira, mas é levado a sofisticar seus procedimentos e refinar o preparo técnico de seus “operadores”. O cálculo de custo e benefício acaba compensando, porque, se o aumento do risco encarece o crime, o preço cobrado a quem contrata o serviço transgressor também se eleva, tornando o negócio mais lucrativo. Em suma, na medida em que se expande a malha de controle, cresce a disposição de transgredi-la e se aprimora a capacidade de fazê-lo. O tráfico internacional de drogas e o prosaico contrabando, o teatro das licitações e as leis sobre convênios são exemplos conhecidos.

Depois de ter passado os últimos dez anos atuando nas três esferas do executivo, posso dar o testemunho de que o que parece lógico e quase indiscutível, quando se vê de fora, é irracional e destrutivo, visto de dentro. É isso, mais do que as diferenças ideológicas, que explica o choque frequente dos gestores públicos contra membros do Legislativo, sintonizados com o senso comum das ruas, mas ignorantes das armadilhas do controle normativo (e do aparato institucional que lhe dá suporte e consequência). E é por isso que quando as oposições chegam ao governo adotam as soluções que antes criticavam. Não é uma traição a princípios, mas a indispensável adaptação a uma realidade imperiosa, que castra sem piedade a criatividade e a eficiência, produzindo governos abúlicos sem que a corrupção seja sanada. Um exemplo: as diversas modalidades de terceirização. Em teoria, trata-se de um mau caminho. O melhor seria que o Estado funcionasse, valorizasse seus profissionais, garantisse condições adequadas de trabalho e gestão. Mas os governos retrocederiam ou fechariam as portas se tivessem de renunciar aos convênios que terceirizam, quando não privatizam.

Para falar francamente: governar é quase inviável. Ser eficiente, no governo, é inviável, salvo nas áreas em que a sobrevivência nacional abriu picadas para a oxigenação — a Fazenda, o Banco Central e alguns poucos setores, nas distintas esferas. O processo de democratização, gradualmente, com o propósito de prevenir o autoritarismo e de apagar a memória sombria de Leviatã, amarrou o Estado em uma camisa de força. Atire a primeira pedra quem assumir a responsabilidade de governar o país sem medidas provisórias, quem se comprometer a prover os serviços públicos sem recorrer a organizações sociais, Ocips, ONGs ou aos mediadores internacionais. Os críticos da terceirização e da privatização não conhecem a realidade — se assumirem o poder estarão condenados a repetir seus adversários.

A consequência desse argumento deve ser o fim de toda regulamentação e de todo bloqueio normativo? Deve ser a capitulação e a entrega do Estado à voragem privatista? Deve ser o triunfo do laissez-faire, justamente quando o liberalismo anárquico naufraga, tragado pela crise mundial, gerada pela desregulamentação irresponsável? Não. Nada disso. É necessário, em nome da justiça e da democracia, defender o Estado e fortalecê-lo, mas isso não se faz bradando velhos slogans e tapando o sol com a peneira. Para revigorar o Estado, impõe-se transformá-lo, profundamente, liberando-o de amarras artificiais e apostando mais na transparência, na mídia livre, na participação social e nas eleições do que no aparato controlador. Não podemos continuar nessa via: para proteger a honestidade, estamos alimentando a corrupção; para salvaguardar o Estado dos interesses privados, estamos liquidando sua capacidade administrativa.

Agora, o outro lado da moeda: é nesse contexto que devemos entender as dinâmicas em curso na sociedade. O fisco sufoca os empreendedores. O empregado negocia soluções informais com seu patrão, porque precisa trabalhar. O pequeno empresário tem de escolher: dar três empregos informais ou um, formal. As boas instituições são as que convertem vícios privados em virtudes públicas, e não as que, inutilmente, se devotam a corrigir os indivíduos. Como julgar as microdecisões dos milhões de brasileiros que, na selva dos controles normativos e ante a voracidade da exação fiscal, encarando o desafio que é sobreviver, buscam opções menos onerosas e mais econômicas, sem cometer qualquer crime? Nesse ponto, creio que todos podemos atribuir o verdadeiro significado ao ato de Celso Athayde e MV Bill: negociar, licitamente, os direitos autorais de um de seus livros com uma empresa legalmente instituída (o que ela faria em outras áreas de atuação não se tinha como saber) para que ela represente os autores no contrato com a editora, fazendo com que se tornasse possível recolher impostos como pessoa jurídica, em vez de como pessoa física.

Qual o crime?

Extraordinário o cinismo de setores da grande imprensa. A revista Veja, por exemplo, célebre por sua “isenção e objetividade” — aplicadas numa versão muito peculiar de ambas as qualidades —, abriga um colunista que se dedica ao esporte do tiro ao alvo — na semana passada praticou tiro ao negro. Faz um grande sucesso transgredindo algumas regras básicas do jornalismo civilizado.

Nada original. A grosseria sempre foi um filão fecundo para a exploração comercial e a difusão de valores antidemocráticos. Sobretudo a grosseria chique, blasé, arrogante, elitista e pseudointelectual. O clichê da direita continua vendendo: por que mudar? A ideia não é essa? Vender e desmoralizar os adversários sem direito de defesa? Pois a última rodada de linchamento, promovido pelo arguto escriba com aquele conhecido requinte de sadismo — que se compraz em apontar dedos para sentir-se puro e afirmar-se superior —, atingiu MV Bill e Celso Athayde. Simplesmente, repita-se, porque recorreram a uma empresa para representá-los em um contrato com uma editora. Essa empresa, anos depois, tornar-se-ia objeto de denúncias e investigações. Que responsabilidade poderiam ter, em qualquer eventual ilícito por ela cometido, aqueles que negociaram com ela, honestamente, licitamente?

O mais inacreditável vem agora: sabem quem tem contratos com a tal empresa? A editora Abril, que publica a revista Veja.

Ora, de duas uma: ou todos os que negociaram com a tal empresa tornaram-se automaticamente cúmplices dos ilícitos que ela porventura tenha cometido, e nesse caso a editora Abril é tão culpada quanto os cidadãos que ela acusou; ou ninguém pode ser acusado pelas possíveis faltas cometidas por terceiros, só por ter mantido alguma relação contratual, de forma lícita, com o suposto faltoso. Neste último caso, aqueles que a revista acusou merecem desculpas públicas.

Essa conclusão é tão clara que mesmo o mais parcial e astucioso dos jornalistas teria de admiti-la. E teria a obrigação moral de divulgá-la. Mas falar em moral nesse ambiente envenenado pela ideologia e a manipulação arbitrária não faz mesmo sentido. Nosso debate público anda tão pobre e sujo que mesmo o gesto mais abjeto acaba naturalizado. Ainda bem que existem os políticos para encarnar todo o mal. Se não fosse assim, teríamos de discutir ética pública a sério, sem bodes expiatórios.

Parece claro que a hipótese de Bill vir a ser candidato ao Senado, mesmo sendo fantasiosa, foi suficiente para despertar a cólera desonesta dos que mal conseguem disfarçar o racismo e o ódio — e/ou inveja — que sentem do sucesso de uma liderança popular legitimamente construída e de enorme potencial mobilizador. A doença paranoica do controle contagia. Use sua desconfiança com moderação.

Luiz Eduardo Soares é antropólogo e autor, junto com André Batista e Rodrigo Pimentel, do livro Elite da tropa (Rio de Janeiro: Objetiva, 2006).

Sarney perdeu

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


Recomenda-se prudência com a informação vazada por gente do governo de que o senador José Sarney (PMDB-AP) admite renunciar à presidência do Senado. Está abatido e preocupado com a saúde da mulher. Até pode ser. Mas entre dezembro último e janeiro, ele jurou três vezes a Lula que não seria candidato a presidente do Senado. E acabou sendo.

Quando começou a ser alvo de graves denúncias, Sarney jogou na mesa carta parecida. Ameaçou se licenciar do cargo. O governo entrou em pânico. Marconi Perillo (PSDB-GO), o vice-presidente, assumiria o lugar de Sarney enquanto durasse a licença. Lula detesta Perillo, que o alertou sobre o mensalão antes do mensalão virar escândalo – e saiu por aí dizendo que o alertara. Se Sarney renuncia, Perillo terá só 15 dias para comandar o processo de escolha do sucessor dele.

Ainda assim Lula prefere Sarney onde está, do jeito que está, a qualquer outro nome. Na semana passada, provocado por repórteres e interessado em se livrar de perguntas sobre seu apoio a Sarney, Lula disse que nada tinha a ver com a crise do Senado. Nada tinha a ver com a eleição de Sarney pelo Amapá para o Senado, muito menos para a presidência do Senado. No dia seguinte, voltou a defender Sarney. Na verdade, Lula só quer ser deixado livre para tentar salvar o aliado.

Pouco se lhe dá que Sarney esteja coberto de lama da cabeça aos pés. E que caso sobreviva passe a funcionar como um pato manco na presidência do Senado. Melhor para Lula governar com um presidente do Senado fraco e credor de sua ajuda. O PMDB de Renan Calheiros jamais esquecerá que Lula socorreu Sarney no momento mais difícil da trajetória política dele. Lula terá reafirmado sua condição de parceiro confiável. A eleição de 2010 é logo ali.

A saúde de José Alencar, o vice-presidente, talvez o impeça no próximo ano de substituir Lula em suas ausências. Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara, não poderá fazê-lo a partir de abril porque é candidato a vice de Dilma Rousseff ou à reeleição. A vez será do presidente do Senado. Ora, haverá algo que possa simbolizar mais fortemente o entendimento em curso entre PT e PMDB para a eleição de Dilma do que a figura de Sarney sentado na cadeira de Lula?

Seria um esplêndido fecho para a biografia do próprio Sarney. Ele apanhou como cão vadio de Lula e de Fernando Collor durante a eleição presidencial de 1989 — a primeira pelo voto direto depois de 21 anos de ditadura militar. Desceu a rampa do Palácio do Planalto certo de que seria vaiado — não foi. Havia legado a Collor, o presidente eleito, uma inflação mensal de 80%. Vinte anos depois estaria de volta ao Palácio e festejado por aqueles que o apedrejaram antes.

Em sua defesa, Sarney disse que a crise era do Senado, não dele. A afirmação ainda fazia algum sentido na época em que foi feita. Não faz mais. No princípio, o que se viu foi a exposição das mazelas do Senado. Há outras escondidas. Mas de algum tempo para cá o que se vê é a devassa dos negócios da família Sarney e de um modo de fazer política que se apropria do público em benefício do privado. Sarney virou a bola da vez. E por culpa dele e de mais ninguém.

Foi candidato a presidente do Senado imaginando livrar seu filho Fernando de investigações da Polícia Federal. O que fez Fernando em matéria de negócios suspeitos se voltou contra o pai. Agora é o filho que pressiona Sarney a renunciar à presidência do Senado. Uma vez fora dali, calcula Fernando, ele, a família e o próprio Sarney serão deixados em sossego. De fato, a mídia costuma esquecer os que caem. Prevalece o sentimento de que não se deve espezinhar quem caiu.

Resta saber o que pesará mais — se o orgulho de Sarney ou a conveniência da família. O orgulho empurrará Sarney para uma guerra que já perdeu — mesmo que se mantenha na presidência do Senado, o que parece improvável. A conveniência o cobrirá de vergonha.

Família já diz que Sarney deverá sair

Jailton de Carvalho, Geralda Doca e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO


Um integrante da família Sarney disse que, diante da série de denúncias, o presidente do Senado, está no limite da resistência e pode renunciar ao cargo ainda esta semana. "A situação está insustentável", afirmou. A comissão de sindicância do Senado concluiu que o ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi fraudou o sistema que gerencia a folha de pagamento da Casa.

Semana decisiva para Sarney

Família diz que presidente do Senado está no limite e deverá renunciar se pressão não diminuir

Depois de quase seis meses sob forte pressão, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), está no limite da resistência e pode deixar o cargo ainda esta semana. Sarney e seu grupo político ainda não bateram o martelo em torno da palavra renúncia, mas entendem que só terá condições de permanecer na presidência da Casa se um fato extraordinário fizer parar a crescente onda de denúncias contra ele e seus familiares. Mas nem aliados mais próximos arriscam a dizer o que poderia ser a tábua de salvação do senador.

- Esta semana as coisas se resolvem, para um lado ou para o outro - declarou ontem ao GLOBO um integrante da família Sarney.

Segundo esse parente, a pressão criada pelo conjunto de acusações contra Sarney, os filhos e até netos, muitas pessoais, ficou insuportável. E tudo que Sarney e os filhos fazem para se defender ou se explicar, avalia, se volta contra eles. Na família, há a preocupação com a resistência física do senador para, aos 79 anos, suportar a crise.

- Está insustentável, está desumano, está demais - desabafou o familiar do senador.

A fragilidade política do presidente do Senado também é considerada fato consumado no Planalto. Isso explicaria o discurso do presidente Lula em São Paulo, semana passada. Após passar boa parte da crise cobrando apoio do PT a Sarney, Lula mudou de tom e disse que não tem nada a ver com os problemas da Casa.

- O Sarney está muito abatido. Mas ainda está analisando a relação custo-benefício de ficar ou de sair - disse um interlocutor de Lula.

Mesmo entre os mais aguerridos peemedebistas do Senado a sustentação de Sarney é considerada dificílima, pela diminuição do apoio no próprio PMDB. Dos 18 senadores da bancada, ele teria o apoio irrestrito de 12. Nos partidos aliados, PT e PTB estão divididos. PDT, DEM e PSDB, ainda que com dissidentes, são contra Sarney.

O presidente do Senado retornou ontem no fim da tarde a Brasília, reuniu-se com assessores e fez consultas por telefone à família e a aliados.

- É uma aritmética muito complicada, e ele poderá ter mesmo que se desligar do cargo - admitiu ao GLOBO ontem um dos senadores peemedebistas mais próximos de Sarney.

Renúncia levaria foco de volta à CPI da Petrobras

Ainda assim, o grupo de Sarney tentará uma última cartada. Ele passou os últimos dias em articulações com a ajuda dos líderes do PMDB, Renan Calheiros (AL), e do PTB, Gim Argello (DF). A esperança é que a base governista não o abandone de vez. A renúncia levaria o foco da oposição de volta à CPI da Petrobras e ao ataque ao governo.

- A situação do Sarney está muito difícil. Mas, se ele sair da presidência do Senado, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) terá que perder o mandato - disse um integrante da cúpula do PTB, em referência ao tucano que já admitiu que tinha um funcionário na Europa.

Integrantes do PMDB apostam que a disputa entre o partido e o PSDB no Conselho de Ética vá criar um fato político que consiga dar a Sarney sobrevida no cargo. O senador Wellington Salgado (MG) confirmou que o PMDB entrará esta semana com representação contra Virgílio por quebra de decoro parlamentar:

- Tudo vai depender do que vier de lá, mas o PMDB não vai se submeter ao massacre. Se ele (Virgílio) for à tribuna, eu também vou. Não tenho vergonha de defender o presidente Sarney.

O líder tucano reagiu dizendo que "é uma honra ser anti-Sarney e anti-Renan":

- O partido está tranquilo. Já sabemos como essa tropa de choque funciona, e a intimidação é zero. Não há hipótese de conseguirem algo por aí. Não haverá erro de omissão nosso.

No momento em que Sarney perde apoio, a direção do PMDB divulgou nota que é recado claro aos senadores Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE), que desde o início se posicionaram contra Sarney: "Podem deixar a legenda o quanto antes sem risco de perder o mandato. Ganharão eles, porque deixarão de pertencer ao partido do qual falam tão mal, e ganhará o PMDB, por tornar-se ainda mais coeso e musculoso".

Além da reunião do Conselho de Ética, marcada para quarta-feira, os partidos vão se reunir ao longo da semana para discutir a situação de Sarney. Os senadores de PSDB, PTB e PT têm reuniões das bancadas marcadas para amanhã. No PT, o presidente nacional do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP), deverá estar presente. Semana passada, chamou de infantil e precipitada a nota assinada pelo líder no Senado, Aloizio Mercadante (SP), pedindo que Sarney se licencie.

Colaborou: Leila Suwwan

Serra come bode e ouve forró em Exu

Letícia Lins
DEU EM O GLOBO

Governador distribui abraços e posa para fotos, mas nega campanha e diz estar em visita cultural

EXU (PE). Quinze dias após promover uma festa nordestina no Vale do Anhangabaú, em São Paulo - na qual reuniu mais de 200 mil pessoas para lembrar os 20 anos da morte do cantor Luiz Gonzaga -, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), aproveitou o sábado para visitar a cidade de Exu, no sertão de Pernambuco, onde distribuiu abraços, posou para fotografias com populares e líderes políticos da região e ouviu muitas músicas das bandinhas de forró.

Pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, Serra negou que estivesse num ato de campanha eleitoral e insistiu que a visita tinha caráter apenas cultural: ele disse que só queria percorrer os locais onde nasceu e cresceu Gonzagão, que considera um dos artistas populares mais importantes do país.

O governador de São Paulo visitou, no centro de Exu, o Museu Luiz Gonzaga, que fica dentro do Parque Asa Branca, fazenda onde o rei do baião passou os últimos anos de sua vida. Esteve também na Fazenda Caiçara, onde Luiz Gonzaga nasceu. Logo ao chegar, Serra encontrou-se com José Praxedes dos Santos, de 76 anos, que conheceu Januário - o pai de Gonzaga - e que por cinco anos serviu como vaqueiro de Gonzagão. Depois, o tucano se emocionou ao conversar com o menino João, que disse torcer pelo Palmeiras.

- Aqui no sertão encontrar com um presente deste... - exclamou.

No aeroporto de Juazeiro do Norte, Serra foi recebido com forrozeiros. Ao chegar em Exu, encontrou políticas de cidades vizinhas. Simpático, não deixou de atender a uma só solicitação de abraços e apertos de mão, sempre sorridente.

O governador foi ciceroneado pelo senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) e pelo deputado Raul Henry (PMDB-PE). Ele disse ter sido criado em um bairro operário, o da Mooca, onde passou a infância convivendo com filhos de nordestinos. Afirmou que as músicas que aprendia na escola eram as do rei do baião, como "Asa Branca" e "Assum Preto".

Na hora do jantar, Serra experimentou de tudo: paçoca de charque com farinha, purê de macaxeira com charque, baião de dois, farofa de cuscuz, tudo que Gonzaga gostava. Comeu até bode assado e guizado, apesar de os amigos dizerem que ele não gostava. Mas Serra comeu e repetiu.

À noite foi reservada para o forró. Nem o público reduzido - de 200 pessoas - desanimou o governador, que falou sobre a grande festa nordestina que fez em São Paulo em julho. Dirigindo-se ao público, perguntou:

- Quem de vocês têm irmãos ou parentes em São Paulo?

Todo mundo levantou a mão. E Serra comentou:

- Os nordestinos ajudam não só na economia, como na cultura de São Paulo. São Paulo e o Nordeste se entrelaçam. Nenhum lugar do mundo tem essa ligação étnica e cultural.

Às 22h, o tucano voltou para São Paulo, não sem antes deixar frustrados os sanfoneiros:

- Serra, venha cantar conosco, você só quer cantar com Dominguinhos! - reclamou Joquinha Gonzaga, sobrinho do rei do baião.

Joquinha queria fazer dupla com o governador no microfone, como Serra já tinha feito com o outro famoso sanfoneiro durante uma festa junina de Sérgio Guerra e no tributo a Luiz Gonzaga, em São Paulo. Sobre política, apenas uma frase: ele confirmou que pode ir mesmo às prévias do PSDB com o mineiro Aécio Neves.

- Isso não é um problema no PSDB. Se houver consenso, terá um candidato a priori. Se não houver, terá prévia sem problema nenhum. Estamos muito unidos. Só faltava, diante de um quadro político tão complicado, não estar unido - disse Serra.

Serra ganha as atenções na festa de Gonzagão

Sheila Borges
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Presidenciável tucano passou apenas 4 horas em Exu, no Araripe, mas virou o centro das atenções e procurou ressaltar sua “identidade” com o Nordeste, sempre acompanhado por uma equipe de vídeo

EXU - O governador José Serra (PSDB-SP) permaneceu apenas quatro horas neste município do Sertão do Araripe para participar da programação, promovida pelo Parque Aza Branca, em homenagem aos 20 anos da morte de Luiz Gonzaga. O tempo foi mais do que suficiente para o tucano virar o centro das atenções e cumprir o seu principal objetivo: aproximar sua imagem à do nordestino, criando sinais que o identifiquem à cultura da região. Sábado à noite, empolgado com a festa, Serra transformou o palco montado para o show de sanfoneiros em palanque político-eleitoral.

Sem nenhuma cerimônia, o presidenciável indagou às pessoas que assistiam aos shows se tinham parentes morando em São Paulo. A resposta foi imediata, quase todos levantando as mãos. De pronto, Serra falou: “Temos uma identidade não só cultural, mas política. São Paulo e o Nordeste se entrelaçam. Temos uma unidade cultural”. E foi muito aplaudido.

Mas antes de subir ao palco, o governador – acompanhado do senador Sérgio Guerra (PSDB), deputados e prefeitos da região – encontrou uma nordestina que mora no bairro da Mooca, em São Paulo, que o deixou animado. Foi naquele bairro que o tucano cresceu e onde seus parentes ainda moram. É um local que concentra muitos nordestinos. Alegre por ter conhecido pessoalmente o governador, dona Maria Jerônimo logo cobrou o seu empenho para manter o parque e a memória de Gonzagão.

“Sou de Exu mas moro em São Paulo há muitos anos. Estou de férias, passeando. O senhor precisa vir mais vezes e lutar pelos nordestinos que vivem lá e aqui”, disse, sendo abraçada por Serra. Aos repórteres, o tucano chegou a prometer que vai trabalhar para preservar o trabalho iniciado por Gonzagão. “Podemos fazer uma parceria São Paulo-Exu. Meu Estado tem 40 milhões de habitantes, 10 milhões são nordestinos ou descendentes”.

Para mostrar ainda mais intimidade, Serra colocou, rapidamente, o chapéu de couro que ganhou de presente dos coordenadores do parque, semelhante ao que o Rei do Baião usava. A lembrança seria dada durante um jantar reservado, feito para ele e a comitiva na casa onde Gonzagão passou os últimos anos de vida, no Parque Aza Branca. Mas, a pedido do próprio Serra – que chegou a cantarolar os versos “cintura fina/cintura de pilão” –, o presente foi ofertado em cima do palco para que o gesto se tornasse “público” e fosse registrado por sua equipe de comunicação, que filmava todos os passos do governador.

Durante os shows, o nome de Serra era citado a todo momento pelos cantores. O sanfoneiro Joquinha Gonzaga, sobrinho do homenageado, reforçou o discurso de “unidade” do tucano.

“Estamos aqui para agradecer tudo o que o senhor (governador) tem feito por meu tio”, falou.

No sertão, Serra diz que SP e Nordeste se entrelaçam

Carolina Mandl, de Exu (PE)
DEU NO VALOR ECONÔMICO

"Quem aqui tem um parente que mora em São Paulo?" Embaixo do palco, a maior parte da plateia de cerca de 150 pessoas levantou a mão. "Isso mostra que São Paulo e o Nordeste se entrelaçam.", disse o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), depois de observar as respostas. "São Paulo é a cidade que mais tem nordestinos fora do Nordeste".

Em visita a Exu, cidade do sertão pernambucano onde nasceu o compositor Luiz Gonzaga, o governador paulista e pré-candidato à Presidência da República, vestiu chapéu de vaqueiro, comeu bode e cantou baião. A visita foi uma homenagem aos 20 anos da morte do compositor pernambucano.

Serra sempre gostou de Luiz Gonzaga, e Gonzagão sempre gostou de política. Apesar de nunca ter sido eleito a nenhum cargo, o músico que traduziu o sofrimento nordestino com Asa Branca sempre esteve ligado aos políticos. Apoiou candidatos da Arena durante muitas eleições e os seguiu no PDS e depois e no PFL, partido que originaria o DEM, atualmente o principal partido aliado do governador. Chegou, inclusive, a avaliar ser prefeito de Exu quando voltou a morar na cidade em 1982.

Exu é uma cidade marcada há décadas pela violência causada pelas brigas das famílias Alencar e Saraiva. Hoje é o tráfico de drogas que a motiva. Em junho, Léo Saraiva (PR), prefeito de Exu, foi preso em uma operação de combate ao tráfico de drogas e ao porte ilegal de armas. No mês passado, foi solto.

No centro dessa cidade que fica na região Polígono da Maconha pernambucano, lá pelas 21h de sábado, cerca de 150 pessoas ouviam o governador de São Paulo. Pouco antes Serra tinha acabado de receber de presente uma réplica do chapéu de couro usado por Gonzaga em dias especiais. Além de ouvir Serra, o pequeno grupo aguardava o início dos festejos de comemoração dos 20 anos da morte do compositor, marcado para as 22h.

O contingente reduzido pode ser explicado em parte pelo receio do próprio PSDB em caracterizar a visita de Serra ao Parque Asa Branca, local onde o compositor viveu e construiu um museu, como comício eleitoral. Depois de ser convidado para conhecer a terra de Gonzaga por um radialista pernambucano em um programa ao vivo, o governador vetou da comitiva nomes políticos de expressão no Estado, além das tradicionais faixas de boas-vindas. Apenas o deputado federal Raul Henry (PMDB-PE), defensor do parque, e o senador e presidente do PSDB, Sérgio Guerra, foram ao sertão. Serra também se negou a cantar no microfone. "Podem descobrir que eu sou tão bom cantor quanto governador", esquivou-se. O resultado foi um evento que pareceu mais programado para ser divulgado por jornais, rádios e televisão.

Mas nem por isso os beijos em crianças, autógrafos e fotos - tão comuns em época de eleição - ficaram fora do script. Tampouco impediu que alguns exuenses fossem ao parque para vê-lo. "Estou aqui porque ele é o meu candidato a presidente. Já votei nele na eleição de 2002 e vou dar meu voto de novo. Gosto dele porque ele já foi prefeito e governador de São Paulo e ainda foi um bom ministro da Saúde", disse Itamar Aluísio, representante de uma operadora de telefonia celular.

Dona Mundica - Raimunda de Sales, cozinheira de Gonzaga por quase 20 anos - participou do evento com Serra como convidada. Aos 59 anos, ela não conhecia muito bem o currículo do governador, mas se sentiu prestigiada com a visita. "Ele não tem nada a ver com o Nordeste, mas saiu lá do Sul para vir aqui. Isso mostra consideração". Na plateia, muitos conheciam Serra de vê-lo "na televisão" e de lembrar dele na eleição de 2002, como a vendedora de doces Iolanda Batista. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em junho, apesar de liderar a disputa pela presidência em todas as regiões do país, Serra tem sua menor votação no Nordeste, enquanto a ministra Dilma Rousseff tem o maior percentual de votos entre os nordestinos. É esse cenário que o PSDB quer reverter até o dia da votação.

Delúbio conversa com Lula sobre seu futuro político

João Domingos
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O sonho do pivô do escândalo do mensalão é disputar uma cadeira de deputado federal

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, um dos pivôs do escândalo do mensalão, em 2005 - responsável pelo maior desgaste político do primeiro governo de Lula -, teria passado o último fim de semana na Granja do Torto, em Brasília, na companhia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na visita, Delúbio teria dito a Lula que pretende concorrer a uma vaga de deputado federal por Goiás, de acordo com reportagem publicada ontem pelo jornal O Popular, de Goiânia.Como foi rejeitado pelo PT, de onde havia sido expulso e para onde tentou voltar, sem sucesso, a tendência é de Delúbio filiar-se ao PT do B, que tem dois deputados estaduais.

Delúbio chegou a sondar o PMDB, mas foi informado de que o partido não deverá aceitá-lo, visto que não se dá com o diretório municipal de Buriti Alegre (a cerca de 180 quilômetros ao sul de Goiânia), onde tem domicílio eleitoral.

Quando era do PT, Delúbio teve sérias disputas com os peemedebistas de sua cidade natal e eles anunciaram que jamais o aceitariam como companheiro.

Enquanto não encontra um partido, o ex-tesoureiro está reformulando o blog Companheiro Delúbio - cujo conteúdo era voltado exclusivamente para sua tentativa de reingressar no PT. No novo formato, a página na internet deverá abordar temas sociais.

Ele planeja, ainda, criar uma Organização Não-Governamental (ONG) e uma publicação onde faria a defesa das acusações de que foi o articulador do esquema do mensalão, juntamente com o empresário Marcos Valério.

Por causa do mensalão, o ex-tesoureiro foi expulso do PT em outubro de 2005. Tentou voltar em maio deste ano, mas desistiu ao perceber que o pedido de reintegração seria derrotado. Em reunião do Diretório Nacional, ele chegou a fazer um discurso, no qual, em tom emocionado, afirmou nunca ter realizado nada sem o consentimento da sigla.

RELAÇÃO COM LULA

Reservado, Delúbio não comentou o teor das conversas com o presidente Lula na Granja do Torto. Pessoas que o encontraram disseram que saiu do local mais empolgado com a ideia de se candidatar a deputado federal.

Lula deve visitar Goiânia e Anápolis (a cerca de 50 quilômetros da capital) no dia 13, mas não deve se encontrar com Delúbio. Ele teria dito às pessoas com as quais conversou que desistiu do encontro porque não quer causar constrangimento ao presidente.

Delúbio foi um dos articuladores da aliança PMDB-PT na disputa pela prefeitura de Goiânia que reelegeu Iris Rezende (PMDB) prefeito em 2008. O vice, Paulo Garcia (PT) é um político próximo ao ex-tesoureiro.

PMDB ataca dissidentes. Jarbas reage

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

RIO – Enfraquecido pela série de denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o PMDB reagiu ontem com ataques aos dissidentes da sigla e um “recado”: que eles deixem o partido “o quanto antes”. Em nota divulgada no portal oficial, sem citar nomes, o comando da legenda prometeu não cobrar na Justiça os mandatos dos parlamentares rebeldes, sob alegação de infidelidade partidária, se eles saírem do PMDB.

Dois dos principais críticos de Sarney são os senadores peemedebistas Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS). Ambos defendem que o presidente do Senado se afaste do cargo e consideram que a situação se agravou depois da censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo pelo desembargador Dácio Vieira, do Distrito Federal. O jornal foi proibido de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica da Polícia Federal, atendendo a pedido do filho de José Sarney, Fernando Sarney.

Assinada pelo presidente licenciado do PMDB, Michel Temer (SP), e sua substituta, a deputada Íris de Araújo (GO), a nota não faz referência à delicada situação de Sarney nem fala diretamente de Jarbas e Simon. Mas Temer e Íris são duros com os dissidentes.

“O PMDB acata com humildade o descontentamento de alguns poucos integrantes que perderam espaço político e apostaram na fama efêmera oriunda de acusações vazias. E faz isso porque acredita piamente na democracia. A estes, o recado: podem deixar a legenda o quanto antes sem risco algum de perder o mandato. Ganharão eles, porque deixarão de pertencer ao partido do qual falam tão mal, e ganhará o PMDB, por tornar-se ainda mais coeso e musculoso”, dizem os dirigentes.

Através de sua assessoria, Jarbas rebateu a nota: “A recomendação da direção do PMDB não cabe para mim. Não saio do partido. Ela deveria ser direcionada para aqueles integrantes do PMDB que enfrentam problemas na Justiça por causa de irregularidades e da malversação de dinheiro público. Esses sim deveriam sair, pois maculam o patrimônio político que o MDB – e depois o PMDB – construiu no combate à ditadura”.

Pedro Simon considerou a nota “uma afronta ao histórico do PMDB”. “Essa gente é muito petulante. Eu represento a história do PMDB. Eles que me expulsem, se quiserem. Não estou ferindo o programa partidário quando peço dignidade e honradez ao partido”, reagiu.

Maciel tentará convencer Sarney a deixar o cargo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Amigo do presidente da Casa, senador pernambucano terá a missão de explicar a Sarney o risco de constrangimento que ele sofrerá em plenário caso insista em permanecer no comando do Senado

BRASÍLIA – Na volta do recesso parlamentar, a partir de hoje, senadores vão pressionar para o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deixar o cargo até quarta-feira pela manhã, antes da reunião do Conselho de Ética que analisará onze ações contra o parlamentar. Caso Sarney resista, entrará em ação um movimento de boicote nas sessões presididas por ele em plenário. Amigo de Sarney, ex-ministro no seu governo e companheiro de Academia Brasileira de Letras (ABL), o senador Marco Maciel (DEM) será um dos integrantes do grupo escalado para convencer o presidente do Senado a abrir mão do cargo.

Maciel terá a missão de explicar a Sarney o risco de constrangimento que ele sofrerá em plenário se insistir em permanecer no comando do Senado.

Maciel confirmou as conversas com os colegas, mas evitou fazer qualquer previsão. Na avaliação dele, o dia hoje, quando a maioria dos senadores estará presente em Brasília, será decisivo para a crise no Senado. “Conversei com alguns senadores, mas tudo informalmente. Não falei com o presidente Sarney. Nada se materializou ainda. Não tenho nada a declarar, é preciso sentir o clima até terça-feira”, afirmou.

Senadores contrários a Sarney articulam um boicote nas sessões em plenário caso ele fique na presidência e, ao mesmo tempo, o Conselho de Ética arquive todas as cinco representações e seis denúncias protocoladas referentes a nepotismo, envolvimento em atos secretos e desvio de recursos da Petrobrás pela Fundação José Sarney. “Não terá como fazer votação. O presidente Sarney vai perceber isso”, disse Cristovam Buarque (PDT-DF). “Não é golpe. É um direito nosso de não ir às sessões. Um desconhecimento à autoridade do senador. Ele não tem mais condições.”

Sarney chegou ontem a Brasília, depois de passar mais de uma semana em São Paulo, onde sua mulher, dona Marly, fez uma cirurgia após uma fratura no ombro. O presidente do Senado pretende comandar hoje a primeira sessão de retorno aos trabalhos, mas deve retornar a São Paulo até amanhã para acompanhar sua mulher, que permanece em repouso na capital paulista.

Membro do PMDB, o presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (RJ), manteve o mistério sobre o futuro das representações. “Eu posso monocraticamente arquivá-las, mas não decidi o que vou fazer. Vai depender das circunstâncias”, disse.

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) é um dos parlamentares que pedem a intermediação de Marco Maciel para negociar a saída de Sarney. “Eu faço um apelo dramático para o presidente Sarney renunciar antes da reunião do Conselho de Ética”, afirmou. Simon confirmou a possibilidade de esvaziar o plenário na presença de Sarney na presidência das sessões, ainda mais se o conselho enterrar os pedidos de abertura de processo. “A reação será explosiva e o plenário vai se tornar inabitável”, disse.

Colega de partido e ex-presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) reforçou o coro pela saída de Sarney até quarta-feira. “Se o Conselho de Ética arquivar tudo e o senador continuar no cargo, as coisas serão radicalizadas e o Legislativo sofrerá um processo de paralisia, que levará a um confronto em plenário”, disse.

A esperada trégua na crise durante o recesso parlamentar ficou só na expectativa. A revelação pelo jornal O Estado de S. Paulo de diálogos que mostram Sarney e seu filho Fernando negociando a nomeação do namorado da neta do senador para uma vaga no Senado – por meio de ato secreto – só agravou a situação do peemedebista. As conversas foram gravadas pela Polícia Federal com autorização judicial e fazem parte da Operação Boi Barrica, que investiga Fernando Sarney. Na sexta-feira, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, atendeu a um pedido de Fernando e pôs o Estado sob censura, proibindo o jornal de publicar os diálogos. A iniciativa do clã Sarney de tentar censurar a imprensa só agravou a situação política do senador entre os colegas, que aumentar a pressão para que ele renuncie.

Senadores planejam boicote a Sarney para forçar renúncia

Leandro Colon
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Parlamentares voltam hoje ao trabalho e vão ampliar pressão pelo afastamento

Na volta do recesso parlamentar, a partir de hoje, senadores vão fazer pressões para que José Sarney (PMDB-AP) deixe a presidência do Senado até quarta-feira, antes da reunião do Conselho de Ética que analisará ações contra ele. Caso Sarney resista, será deflagrado um boicote às sessões presididas pelo parlamentar. O senador Marco Maciel (DEM-PE), amigo de Sarney, será um dos integrantes do grupo escalado para convencê-lo a abrir mão do cargo. Já o PMDB, partido do senador, reagiu ontem, em nota, com ataques aos dissidentes e um "recado": que eles deixem o partido "o quanto antes". Dois dos principais críticos de Sarney são os senadores peemedebistas Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS).

Crise piora e senadores ameaçam boicotar Sarney até a renúncia

Na volta do recesso parlamentar, a partir de hoje, senadores vão pressionar para que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deixe o cargo até quarta-feira pela manhã, antes da reunião do Conselho de Ética que analisará onze ações contra o parlamentar. Caso Sarney resista, entrará em cena um movimento de boicote nas sessões presididas por ele.

Amigo de Sarney, ex-ministro no seu governo e companheiro de Academia Brasileira de Letras (ABL), o senador Marco Maciel (DEM-PE) será um dos integrantes do grupo escalado para convencer o presidente do Senado a abrir mão do cargo. Maciel terá a missão de explicar a Sarney o risco de constrangimento que sofrerá em plenário se insistir em permanecer no comando do Senado.

Procurado ontem pelo Estado, Maciel confirmou as conversas com seus colegas, mas evitou qualquer previsão. Na avaliação dele, o dia decisivo para a crise será amanhã, quando a maioria dos parlamentares estará presente em Brasília.

"Conversei com alguns senadores, mas tudo informalmente", contou. "Não falei com o presidente Sarney. Nada se materializou ainda. Não tenho nada a declarar, é preciso sentir o clima até terça-feira."

Senadores contrários a Sarney articulam um boicote nas sessões em plenário caso ele fique na presidência e o Conselho de Ética arquive as cinco representações e seis denúncias protocoladas - referentes a nepotismo, envolvimento em atos secretos e desvio de recursos da Petrobrás pela Fundação José Sarney.

"Não terá como fazer votação. O presidente Sarney vai perceber isso", disse Cristovam Buarque (PDT-DF). "Não é golpe. É um direito nosso de não ir às sessões. Um desconhecimento à autoridade do senador. Ele não tem mais condições de continuar."

Sarney retornou ontem a Brasília, depois de passar mais de uma semana em São Paulo, onde sua mulher, dona Marly, fez uma cirurgia após uma fratura no ombro. Ele pretende comandar hoje a primeira sessão de retorno aos trabalhos, mas deve retornar a São Paulo até amanhã para acompanhar sua mulher, que permanece em repouso na capital paulista.

MISTÉRIO

Membro do PMDB, o presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (RJ), manteve mistério sobre o futuro das representações. "Eu posso monocraticamente arquivá-las, mas não decidi o que vou fazer. Vai depender das circunstâncias", afirmou.

O senador Pedro Simon (PMDB-RS), um dos parlamentares que pedem a intermediação de Maciel para negociar a saída de Sarney, fez ontem um apelo para que ele renuncie. Ele também confirmou a possibilidade de esvaziamento do plenário, na presença de Sarney como presidente das sessões. "O plenário vai se tornar inabitável", previu.

Colega de partido e ex-presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) reforçou o coro pela saída de Sarney até quarta-feira. "Se o Conselho de Ética arquivar tudo e o senador continuar no cargo, as coisas serão radicalizadas e o Legislativo sofrerá um processo de paralisia, que levará a um confronto em plenário", disse. "A saída seria uma iniciativa razoável para evitar esse quadro."

A esperada trégua na crise durante o recesso parlamentar ficou só na expectativa. A revelação, feita pelo Estado, de diálogos que mostram Sarney e seu filho Fernando negociando a nomeação do namorado da neta do senador para uma vaga no Senado - por meio de ato secreto - só agravou a situação do peemedebista. As conversas foram gravadas pela Polícia Federal com autorização judicial e fazem parte da Operação Boi Barrica, que investiga Fernando Sarney.

Na sexta-feira, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, atendeu a um pedido de Fernando e pôs o Estado sob censura, proibindo o jornal de publicar os diálogos gravados pela PF.

A iniciativa do clã Sarney de tentar censurar a imprensa só agravou a situação política do senador entre os colegas, que aumentaram a pressão para que renuncie.

O que fazer com o real?

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O real tem se valorizado de forma constante desde maio passado e hoje está sendo negociado abaixo de R$ 1,90. O mercado aposta que, até o fim do mandato do governo Lula, ele pode chegar a R$ 1,80. Oito anos atrás, quando nosso presidente tomou posse, eram precisos quase quatro reais para se comprar um dólar americano. Uma valorização de mais 50%, apesar de um diferencial de inflação - em relação à dos EUA - da ordem de 30% nestes oito anos.

A história do fortalecimento do real durante a chamada era Lula é um bom roteiro para se acompanhar a evolução econômica e, mesmo política, do Brasil neste período. Eleito com uma moeda extremamente desvalorizada, Lula vai entregar o governo em uma situação oposta. Esta me parece uma primeira relevante diferença entre a economia herdada por Lula em 2003 e a que espera o novo presidente.

Uma moeda forte traz grandes benefícios a uma economia emergente, mas também cria novos desafios que precisam ser entendidos. É necessário refletir sobre o que esta situação vai representar para o novo presidente. É o que pretendo fazer hoje neste espaço do Valor.

Antes de entrar propriamente no caso brasileiro, é preciso uma breve menção a uma das grandes transformações em curso na economia mundial e que se aprofundará a partir da superação da crise que vivemos. Refiro-me às mudanças estruturais que ocorrerão no sistema monetário internacional nos próximos anos. Vivemos o início da morte do sistema internacional centrado no dólar americano que prevaleceu durante várias décadas, sem que os contornos de um novo arranjo institucional estejam ainda definidos.

A origem desta transformação está, entre outros fatores, nos dólares em excesso que circulam nos mercados internacionais e que estão entesourados na forma de reservas internacionais dos países credores. Não é só a China, maior credor dos Estados Unidos, que se sente desconfortável com isto. Outros governos e investidores privados também gostariam de diversificar seus recursos e depender menos do dólar como reserva de valor. Este movimento de realocação de moeda já começou de forma muito sutil. Sempre que possível os agentes credores trocam parte de seus dólares por outras moedas, embora ainda em dimensão muito limitada, tendo em vista a ausência de alternativas.

De todo o modo, o desejo de migração está presente de forma clara e ficará mais forte ao longo do tempo. A forma como se chegará a um novo arranjo internacional ainda é obscura. As funções de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor no futuro talvez sejam cada vez mais desempenhadas por outras moedas. Discute-se também, como alternativa a esta multipolaridade monetária, a criação de uma nova moeda internacional de referência. Seja qual for o caminho, os obstáculos serão enormes, envolvendo inclusive fatores geopolíticos e cessão voluntária de soberania. Por exemplo, a existência de uma nova moeda internacional vai demandar mecanismos de correção de desequilíbrios externos que vão se chocar com interesses nacionais. Se este sistema estivesse vigente nos últimos anos, provavelmente teria sido imposta à China uma maior valorização cambial. Concordariam os chineses, ou outros países asiáticos, com esta interferência direta em seu modelo de desenvolvimento?

A duração destas negociações será medida em anos e não em meses. E neste período de incertezas os mercados viverão momentos de grande insegurança. Uma boa referência para quem quiser especular sobre a transição é o que aconteceu na criação do euro. Naqueles já longínquos anos noventa a volatilidade entre o marco alemão, o franco francês e as moedas mais fracas dos outros países envolvidos foi extremamente elevada até se chegar às paridades de conversão na nova moeda. Mesmo depois da criação do euro os mercados de câmbio viveram dias de muita especulação com as cotações da libra inglesa.

Imaginem-se quando as mudanças de paridade atingir uma cesta de muitas moedas - inclusive o real - espalhadas por todas as regiões do mundo. Arrisco aqui um palpite: os atores nacionais, especialmente os emergentes, brigarão para preservar certo nível de desvalorização estrutural. E quem não fizer isso sairá perdendo.

Esta será uma nova realidade que o novo presidente da República terá de enfrentar. O real será ator importante neste jogo internacional de grande complexidade e pode vir a sofrer um processo agressivo de valorização. O que quer dizer que a capacidade de controle da taxa de câmbio pelo Banco Central será ainda menor que a de hoje. Como reagir a isto e evitar que uma valorização cambial excessiva afete de maneira direta a dinâmica interna de nossa economia será um tema crítico a ser tratado aqui no Brasil nos próximos anos.

Não me coloco no grupo de economistas que entendem que a taxa de câmbio é apenas uma questão de mercado. Para estes, questões ligadas à competitividade do setor produtivo nacional devem ser tratadas apenas ao nível da microeconomia e pelas próprias empresas. Cabe ao governo, através de reformas institucionais, a criação de um ambiente interno que permita que possamos competir de forma eficiente com as empresas de outros países. No ambiente externo dos primeiros anos da nova década esta postura seria muito perigosa e indesejável.

Por outro lado, uma política agressiva de defesa de um câmbio menos valorizado me parece inviável se o cenário de uma reforma internacional vingar. Mesmo hoje, quando ainda não se busca construir este novo arranjo, esta política exigiria um nível de intervenção elevado e seria potencialmente conflitante com outros objetivos. Desalinhar artificialmente o real hoje em relação a outras moedas de países emergentes exportadores de commodities provocaria um grande movimento internacional de arbitragem. Apenas medidas, de caráter coercitivo, poderiam dar fôlego às intervenções do Banco Central. Mas não sei se teríamos condições objetivas para dar este passo.

Como definir uma política cambial que, ao mesmo tempo, seja realista em relação às condições de mercado e defenda parte importante de nossa indústria me parece um dos grandes desafios no próximo mandato presidencial. Lula não tocará nesta questão, pois ela não afeta seu mandato e ao governo claramente falta a capacidade de entender os verdadeiros desafios estratégicos do futuro.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

PMDB tenta enquadrar os críticos de Sarney

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Partido recomenda a saída dos que atacam o presidente do Senado

O senador José Sarney (pMDB-AP) conseguiu que o seu partido elevasse o tom contra os peemedebistas que defendem o seu afastamento da presidência do Senado. Em nota publicada no site do partido, o PMDB recomenda a saída de seus dissidentes, que apostam "na fama efêmera oriunda de acusações vazias", como diz o texto. Sarney ligou a dirigentes do partido cobrando que passassem a ajudá-lo.

Dois senadores do PMDB, Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, defendem o afastamento de Sarney por conta da onda de denúncias. Os dois atacaram a nota do partido. Simon diz que só deixará o PMDB se for expulso.

Num jantar marcado para hoje, o Palácio do Planalto, o PT e o PMDB discutem o futuro de Sarney no Senado. Pela manhã, o caso deve ser debatido em reunião com o presidente Lula.

Sarney cobra, e PMDB tenta enquadrar seus dissidentes

Em nota, sigla pede saída de peemedebistas favoráveis à renúncia de presidente do Senado

Partido tenta demonstrar coesão na volta do recesso, após Sarney exigir ação em sua defesa; Jarbas e Simon reagem e dizem que ficam

Atendendo à cobrança do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o comando do PMDB subiu o tom e exibiu, no site oficial do partido, nota em que recomenda a saída de seus "poucos" dissidentes.

Na nota, exposta no site com data de ontem, o PMDB afirma que os descontentes apostam "na fama efêmera oriunda de acusações vazias". Divulgada em resposta à penúltima edição da revista "Veja" e tirada do ar no início da noite de ontem, a manifestação sinaliza disposição de Sarney em tentar resistir à pressão para que renuncie.

Na quinta-feira, Sarney telefonou para integrantes da cúpula do partido -entre eles, o presidente da Câmara, Michel Temer (SP), e o líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN)- para cobrar uma ação partidária em sua defesa.

Segundo peemedebistas, Sarney alegou que a decisão do PSDB de apresentar representações contra ele exigiria uma atuação formal do PMDB, inclusive contra o líder tucano Arthur Virgílio (AM), acusado de pagar salário a um servidor que estava no exterior e de ter recebido empréstimo de Agaciel Maia, ex-diretor do Senado.

Mais do que uma tentativa de mostrar coesão, a nota serve ainda de instrumento político para manter o Senado sob o controle do PMDB, qualquer que seja o desfecho da crise. Embora o comando do PMDB insista em descartar a renúncia de Sarney, a intenção é assumir a negociação com o governo ainda que ele se afaste -na nota, o partido exalta o tamanho de sua bancada, a maior da Casa, com 19 dos 81 senadores.

No Senado, Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS) vêm engrossando o coro dos que cobram o afastamento de Sarney. "O PMDB acata com humildade o descontentamento de alguns poucos integrantes", diz o texto assinado por Temer e por Iris de Araújo, que exerce a presidência do PMDB.

"Podem deixar a legenda o quanto antes sem risco algum de perder o mandato. Ganharão eles, porque deixarão de pertencer ao partido do qual falam tão mal, e ganhará o PMDB, por tornar-se ainda mais coeso e musculoso."

Em resposta, Jarbas afirmou que "quem responde a processo e tem documento com corrupção declarada é que tem que sair". Simon disse só deixará o PMDB expulso. E voltou a defender a renúncia de Sarney: "Amanhã [hoje] é o dia D. Se não renunciar, eu vou pedir ao presidente Temer que converse com ele. Caso contrário, vamos cair em trevas profundas."

Ontem à noite, em Brasília, o presidente do Senado recebeu em sua casa o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Gim Argello (PTB-DF), o ministro Edson Lobão (Minas e Energia) e o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro. Segundo participantes da reunião, Sarney reafirmou sua decisão de continuar no cargo e lutar contra as acusações que lhe são feitas.

Governo, PT e PMDB discutem hoje o futuro de Sarney. Foi marcado um jantar do ministro José Múcio (Relações Institucionais) com líderes. Pela manhã, o assunto deverá ser pauta da reunião de coordenação com o presidente Lula. O objetivo é fechar posição diante da crise que cresceu nas duas semanas de recesso.

Na quarta, o Conselho de Ética se reúne pela primeira vez para discutir os 11 pedidos de investigação contra Sarney. Na quinta, ocorre a primeira reunião da CPI da Petrobras.Não é certo que José Sarney esteja em Brasília nestes dias. Segundo interlocutores, ele afirmou que vai abrir a sessão pós-recesso do Senado e deixar a capital.

Adivinhe quem vem para ganhar

Juca Kfouri
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com três vitórias seguidas, o tricolor já está a 10 pontos do líder Palmeiras e a três da Taça Libertadores da América

O FILME é velho e nem surpreende: o São Paulo está em recuperação.Tomou um certo sufoco no Barradão no primeiro tempo quando o Vitória foi melhor, embora a melhor chance de gol tenha sido de Jorge Wagner, ao bater falta na trave e tirar o goleiro Viáfara do jogo, com o dedo luxado. No segundo tempo, o São Paulo fez as substituições que deveria fazer e viu a sorte sorrir para Dagoberto novamente, como se Ricardo Gomes tivesse descoberto um jogador que Muricy Ramalho não conheceu e não deve reconhecer.Pronto! 1 a 0 e o tricolor sobe a ladeira com a segurança de quem sabe ter pulmão para empreitadas de longo curso.

No meio desta semana, o Morumbi recebe o Botafogo e, provavelmente, mais torcedores do que tem comparecido aos jogos, porque já dá para acreditar no tetra.Por falar em Muricy Ramalho, eis que o seu Palmeiras tratou de conseguir duas vitórias apertadas, contra dois times da zona do rebaixamento, Fluminense e Sport, sem jogar bem, mas sem passar sustos, bem ao estilo daquele título que o técnico ganhou no ano passado.E agora ainda mais com a boa justificativa de que está conhecendo o time, reconhecendo o terreno.

Na quinta-feira tem o Grêmio, no Palestra, parada dura.

Outro 1 a 0?

Como Mano Menezes, depois do desmanche do seu grupo campeão da Copa do Brasil.O Corinthians até que fez um bom primeiro tempo contra o Avaí, mas o jogo não tinha nem cheiro de gol.

Oportunidades foram criadas sim, pelo menos meia dúzia pelo alvinegro e outras quatro pelo alviceleste, nada que tirasse o 0 a 0.

Porque não tinha ali quem desse o toque final, porque mais que um detalhe o gol é coisa para especialistas, artigo em falta no Pacaembu.

Sim, o corintiano pode esperar que Jucilei venha a ser um Cristian, que Edu dê personalidade de novo ao time, que as coisas engrenem outra vez, mas tem razão ao se sentir fraudado por ter acreditado que havia um modelo novo de gestão implantado no Parque São Jorge.

Não há. E se vender é inevitável, o preço de liquidação é mesmo revoltante, embora nenhuma violência possa ser justificada.

Fato é que o torcedor já não foi ao estádio na tarde de ontem.

Brincalhão

Quer dizer que o presidente da República, revoltado com o desmanche de seu time do coração, quer uma lei que proíba a venda de jogadores durante o Campeonato Brasileiro, ou, ao menos, a adequação do calendário brasileiro ao calendário mundial?

Lula é mesmo o mais macunaímico de todos os presidentes que já tivemos. Um brincalhão.Ora, lei desse gênero, felizmente, é impossível, porque impeditiva do sagrado direito do trabalhador de trabalhar para quem quiser.

Estarrece que um petista a proponha, embora, na verdade, o PT não estarreça mais ninguém.

Quanto ao calendário, é óbvio. Tão óbvio que, embora tenha demorado sete anos de gestão para se dar conta, até Lula perceba, enquanto chama alguns de imbecis e embarca, desembarca e volta a embarcar na barca furada dos Sarney.

Ocorre que em todo esse tempo ele não fez nada mais que se enamorar da cartolagem de nosso futebol, dando desbragadamente tudo que lhe foi pedido e não exigindo nada como contrapartida.

Agora, que arque com as consequências. E não chateie.

Nada mesmo

César Cielo nada, nada e nada mesmo.

Como ninguém jamais nadou neste país.

À sua custa e de seus pais.

Guerra ou acordo?

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Muçulmanos descobriram que a religião pode ser um grande instrumento para o surgimento de uma nação

EM 2003 , quando os EUA decidiram fazer guerra ao Afeganistão e ao Iraque, houve um protesto contra a segunda guerra, mas o apoio das Nações Unidas para a primeira, porque o governo do Taleban abrigava abertamente os terroristas da Al Qaeda. Em um primeiro momento, com a derrubada dos nacionalistas do Taleban, pareceu que os EUA haviam ganho a guerra, mas aos poucos o grupo islâmico se reorganizou no próprio Afeganistão e no vizinho Paquistão, e agora, apesar do aumento das tropas americanas naquele país, não há vitória à vista. Pelo contrário, para muitos analistas a guerra se estenderá indefinidamente, já que se trata de uma guerra de independência nacional.

O fato novo é a pressão do Paquistão, que sempre se associou aos Estados Unidos, para que o governo americano faça um acordo com o Taleban. De acordo com o serviço de inteligência ou espionagem dos militares paquistaneses, a guerra, que hoje se trava em parte no próprio território do Paquistão, está ameaçando desestabilizar o país. Diz um relatório do serviço de inteligência paquistanês: "O levante no Paquistão reforça ainda mais a percepção de que há a ocupação estrangeira do Afeganistão. Isso resultará em maior número de mortes de civis; implicará alienação ainda maior da população local. Portanto, maior resistência às tropas externas".

Que tipo de acordo com o Taleban poderia fazer sentido para os Estados Unidos? O critério fundamental deste país nas suas relações externas é o da segurança nacional, que inclui os interesses econômicos. Se os Estados Unidos continuarem a entender sua segurança nacional como incompatível com a existência de governos islâmicos nos países muçulmanos -ou seja, de governos nacionalistas que usam o islã como instrumento de união e mobilização política-, não há acordo possível.

Mas também não há solução possível porque os povos muçulmanos descobriram algo que os países hoje ricos experimentaram desde o século 16: que a religião pode ser um grande instrumento para que um povo se transforme em nação, construa um Estado e realize sua revolução nacional e capitalista.

Se, entretanto, o critério for o de neutralizar grupos terroristas como a Al Qaeda, existe possibilidade de acordo. Em 2003 o Taleban não estava suficientemente motivado para expulsar esse grupo terrorista radical de seu território. O tempo, entretanto, passou. Os EUA e os demais grandes países mostraram que não estão dispostos a aceitar governos que apoiem grupos terroristas. Não há razão, portanto, para que os líderes do Taleban não façam um acordo de renúncia do apoio ao terrorismo e de saída do Paquistão, em troca de retirada das tropas estrangeiras do seu território.

Por enquanto não creio na possibilidade de um acordo desse tipo, não obstante a pressão do Paquistão. Os Estados Unidos têm uma visão geopolítica da segurança nacional atrasada, muito semelhante à visão dominante no final do século 19.

Não perceberam que as lutas de liberação nacional só podem ter um fim estável: a independência da nação. As nações que buscam sua autonomia podem aceitar por algum tempo que elites dependentes e corruptas associadas a interesses internacionais controlem seu Estado, mas mais cedo ou mais tarde surgirão grupos nacionalistas ou patrióticos que, para alcançarem a verdadeira independência nacional, empunharão armas e realizarão sua revolução nacional e capitalista.

Uma revolução que é fundamental para esse povo e não ameaça a segurança dos países ricos.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".