domingo, 9 de agosto de 2009

Suicídio institucional

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O arquivamento sumário das denúncias e representações contra o presidente do Senado, José Sarney, sem que nem mesmo o Conselho de Ética tenha se reunido, por decisão unilateral do senador sem votos do PMDB do Rio Paulo Duque, e o desaparecimento dos anais do Senado do trecho da fala do senador Renan Calheiros em que ele se dirige com palavrões ao senador tucano Tasso Jereissati são faces da mesma moeda, a truculência política em favor da manutenção da situação atual, a política arcaica tentando impedir a renovação dos costumes

O professor de filosofia da Unicamp Roberto Romano considera que a defesa incondicional da permanência do senador José Sarney na presidência do Senado “é suicida em termos institucionais”. O que ele considera muito grave “é essa prática de legisladores desacreditarem a lei. A lei não pode ser um ídolo imóvel, como dizia Platão, tem que ser uma coisa viva.

Mas você não pode dizer que a lei não vale, ou só vale para alguns”. Que o presidente Lula tenha dito que Sarney não é uma pessoa comum, Roberto Romano acha normal dentro das circunstâncias, “mas que uma classe inteira pense assim é preocupante”.

Especialmente, diz ele, os que não têm voto, como os suplentes de senador Wellington Salgado, que faz parte da “tropa de choque” governista, e Paulo Duque, o presidente do Conselho de Ética que arquivou todas as representações contra Sarney.

“Esses são os piores, a cicatriz do que há de mais doente no Senado”.

Uma dimensão antropológica que Romano gosta de analisar é a dos mitos, e ele adverte que, “quando você ataca um mito, como foi o caso do senador Pedro Simon, você já de antemão tem uma parcela forte da população contra você.

“Aquela demonstração explícita de falta de respeito, de violência, de truculência, de chantagem, cria um clima desfavorável a quem está atacando o mito”.

Para Roberto Romano, “eles estão afundando a legitimidade do Senado e confirmando todos os estereótipos, o que é muito preocupante”.

O ataque aos jornais é desesperado, segundo ele: “Uma hora o Mão Santa (senador do PMDB pelo Piauí) usa jornais para falar da corrupção no Piauí, e no mesmo instante o Paulo Duque arquiva as representações contra Sarney por que são baseadas em jornais. Fica claro que eles estão batendo de frente com a opinião pública por uma causa que não tem tamanha justificativa”.

Roberto Romano acha que “essa defesa intransigente do Sarney por causa do esquema de campanha da Dilma Rousseff em 2010 é estranha, porque em política não existem espaços vazios que não sejam ocupados, a qualquer momento um fato novo pode aparecer”.

Ele cita o exemplo da possível candidatura da senadora Marina Silva, que “abalou a estratégia inteira, mostrando sua fragilidade”.

O professor de filosofia da Unicamp acha que entramos em um terreno perigoso quando “já há sugestões de se acabar com o Senado”.

Isso traz em seu bojo, diz ele, a sequência lógica de que não precisamos de Congresso. “E nós temos uma longa tradição ética de extrema direita na cultura européia e na brasileira inclusive, o positivismo é uma delas, que desacredita a instituição parlamentar como inútil, que só serve para debater, e com isso vem o elogio da ditadura. E nesse momento, com Chavez no horizonte, com seus Evos Morales, os Correa, nós sabemos em que isso pode redundar”, diz Roberto Romano.

Outro aspecto que o deixa “enojado” é a prática da chantagem.

“Usa um instrumento importante como a representação no Conselho de Ética e o banaliza com a total falta de valores, com tentativa de calar e depois de retaliar”.

Para ele, esse procedimento “não tem nenhuma diferença em termos éticos do sequestro, da ameaça, você está tentando retirar ou o corpo ou a alma do indivíduo de circulação”.

O ex-ministro Marcilio Marques Moreira, na sua experiência como presidente do Conselho de Ética Pública, lembra que “os próprios códigos de ética nos Estados Unidos vêm sendo reforçados desde o primeiro, que foi do presidente Kennedy”.

No Brasil, “talvez por ser uma sociedade mais patrimonialista, que confunde, como diz o Roberto da Matta, a casa com a rua”, a evolução tem sido mais lenta, comenta.

Na experiência que teve, Marcílio diz que nos níveis superiores do governo há uma resistência maior, mas que não é homogênea. “Havia muitos ministros, presidentes de empresas, que eram muito respeitadores das normas, muito rigorosos consigo mesmo”.

Mas o respeito às normas era muito maior, ele admite, nos níveis mais baixos. “A autoridade tem que dar o exemplo.” Já o presidente da Academia Brasileira de Filosofia, João Ricardo Moderno, professor da Uerj, considera que a crise política tem também a origem em uma causa moral: “Temos que infundir valores da cidadania desde a educação de base, reformar a moralidade do país”.

Ele lembra que, desde a crise dos anões do Orçamento, “imaginávamos que esses problemas estariam sendo superados, mas depois tivemos o Collor e também pensávamos que tudo mudaria”.

A reforma da administração pública não aconteceu, e criaram-se “mecanismos mais sofisticados, até mesmo decretos secretos. Uma mentalidade predadora sem paralelos, parece que não tem fim”.

Ele considera que “o povo brasileiro é muito melhor do que sua representação política do ponto de vista moral e ético” e diz que Brasília “é como se fosse uma vida paralela”.

A megalomania, expressa nos prédios suntuosos e nas mordomias de Brasília, “é uma face da mitomania, que se tornou sistêmica”, analisa Moderno, para quem a transferência da capital para Brasília “multiplicou essa cultura no restante do país”. Do ponto de vista moral, diz ele, o que acontece no Senado e em Brasília de maneira geral “é uma fraude, não corresponde ao que é o Brasil”.

Dilma Rousseff decidiu dar um mau exemplo

Elio Gaspari
DEU EM O GLOBO

A ministra Dilma Rousseff e seu comissariado de informações ainda não desfizeram a encrenca do dado falso de seu currículo.

Há um mês o repórter Luiz Maklouf Carvalho revelou que ela não tinha mestrado pela Universidade de Campinas. O banco de dados Lattes, que armazena os currículos de todos os acadêmicos brasileiros, informava que ela obtivera o título com uma disser tação intitulada “Modelo Energético do Estado do Rio Grande do Sul”. Essa titulação estava listada também nas páginas da Casa Civil e da Petrobras, cujo Conselho de Administração ela preside. Entre seus méritos universitários havia ainda o de “doutoranda” da Unicamp em economia monetária e financeira.

Exposto o vexame, sucederam-se explicações: ela frequentara os dois cursos, mas não apresentara as devidas dissertações. Pena, porque são requisito essencial para a obtenção dos títulos. A condição de doutorando só existe enquanto a pessoa faz o curso.

Dilma Rousseff deixou de ser doutoranda em 2000, quando sua matrícula foi cancelada.

A ministra eximiu-se de responsabilidade pelo texto do Lattes, e o erro mostrado no currículo da Casa Civil chegou a ser atribuído a algum servidor desavisado.

Tudo bem, Dilma Rousseff seria a única pessoa que jamais leu o próprio currículo.

O Planalto pode botar o que quiser nas biografias dos companheiros, mas a Instrução 367 da CVM determina que as assembleias gerais das empresas de capital aberto, como a Petrobras, coletem os currículos de seus conselheiros e define como “infração de natureza gave” a prestação de “informações ou esclarecimentos falsos”. Não se pode ver no mestrado inexistente da ministra um risco para os acionistas da empresa.

Nesse aspecto, está mais para insignificância.

O relatório que a Petrobras preparou em 2007 para a Security Exchange Commission, a CVM americana, incorporou a condição de “doutoranda” da ministra. Como essa expressão não existe no vocabulário inglês, algum tradutor honesto informou que “atualmente ela está buscando um grau de doutora em economia monetária e financeira na Unicamp.” A mágica virou comédia.

Atualmente a Petrobras exibe uma nova versão do currículo. Informa que ela “foi aluna de mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp, onde concluiu os respectivos créditos”. Blá-blá-blá.

Foi aluna buscando um título que não obteve.

A ministra Rousseff é candidata à Presidência da República, pessoa de quem se esperam exemplos de conduta.

Admitindo-se que nada teve a ver com os currículos maquiados e astuciosos, resulta que desprezou o caminho mais simples: bastaria jogar detergente na titulação, esquecendo a Unicamp e dispensando acrobacias.

Ela continuaria economista diplomada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o que não é pouca coisa.

O governo governou, e a banca pagou

Quando o governo trabalha, as coisas melhoram. Há três anos começou uma negociação com a banca para que ela lhe pagasse algum dinheiro pela manipulação de folha de 26,6 milhões de benefícios do INSS. A Viúva pagava R$ 250 milhões pelo serviço.

A reação inicial dos plutocratas foi classificar a ideia como absurda.

Passou o tempo, aceitaram um acordo e pararam de cobrar. Em seguida, o governo anunciou que leiloaria a manipulação dos novos benefícios da Previdência. Alguns banqueiros ameaçaram boicotar o leilão, e o governo respondeu avisando que o Banco do Brasil e a Caixa compareceriam.
Para o bem de todos e felicidade geral da nação, realizou-se o leilão, e a banca compareceu. A simples decisão de fazer o certo resultou numa economia de R$ 250 milhões anuais e num embolso adicional de algo como R$ 35 milhões a partir de 2010.

Descarrilhamento

O governador José Serra não é um admirador da ideia da construção do trem-bala ligando o Rio a São Paulo e Campinas.

Madame Natasha

Madame Natasha adora ônibus cheio. Ela decidiu conceder uma de suas bolsas de estudo ao secretário municipal de Transportes da cidade de São Paulo, Alexandre de Moraes.

O doutor deu uma entrevista e explicou que num determinado cruzamento da cidade a “temporização semafórica” é de dois minutos.

Madame acredita que Moraes criou o congestionamento vocabular.

Novo jornalismo

Zarpou da Califórnia com destino a uma zona de calmaria ao norte do Havaí um navio com a equipe do projeto Kaisei. Eles vão em busca do “Lençol de Lixo do Pacífico” uma área do tamanho do estado do Amazonas, transformada em depósito de sujeira flutuante pelas correntes marítimas.

Na equipe viaja a repórter Lindsey Hoshaw, uma moça formada por Stanford que organizou um projeto de cobertura, colocou-o no sítio Spot.Us e pediu ajuda. Conseguiu seis mil dólares.

O “The New York Times” entrou no lance, oferecendo cerca de US$ 700 caso decida comprar fotografias. Se resolver publicar um texto, pagará mais. Também aderiram os fundadores do eBay e da CraigList, um megaportal de anúncios classificados.

O Spot.Us expõe projetos de reportagens relacionados com a área e os interesses de San Francisco. Aceita doações individuais que raramente chegam a cem dólares e devolve o dinheiro se o serviço não é entregue.

Salvo no caso de empresas jornalísticas, não recebe cheques com valor superior a 20% do custo do projeto.

Bolsa IPI

A Câmara aprovou por 206 votos a 162 a Bolsa IPI, que concede um refrigério tributário aos exportadores. Coisa de R$ 220 bilhões, segundo a Receita Federal. Há R$ 20 bilhões (dois Bolsa Família) de calotes inscritos na dívida ativa da União.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que pedirá a Nosso Guia que vete o mimo. Ele foi contrabandeado numa medida provisória que tratava do programa Minha Casa Minha Vida.

Numa perfeita maracutaia, os admiradores da Bolsa apressaramse para que a Câmara votasse antes de quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal deve começar o julgamento do pleito.

O PSDB, que tanto fala em porta de saída para o Bolsa Família do andar de baixo, deu 32 votos decisivos para a porta de entrada da Bolsa IPI do andar de cima.

Pior: a liderança tucana recomendou que se desse o presente (dez de seus deputados votaram contra). No PT, a liderança ficou contra e conseguiu 53 votos.

(Seis petistas votaram a favor.) É o velho tucanato com suas doenças crônicas: demofobia e plutofilia.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e acredita que o senador Romero Jucá, presidente da CPI da Petrobras, mostrou ao que veio. Ao dizer que a comissão não deve investigar ninharias de shows e festas juninas sobrefaturadas, acrescentou “ou uma plataforma P-51 não sei de onde”.

O idiota pensa que embaixo da P-51 só há água. Fez uma conta e concluiu que Jucá não sabe quanto custa uma festa ou sabe de algo sobre a plataforma. A P-51 custou US$ 1 bilhão, dinheiro suficiente para 50 mil noites juninas.

Na era Lula, não falta verba para UNE

Evandro Éboli
DEU EM O GLOBO

No governo Lula, o repasse de verbas à UNE, cresceu 830%, em relação ao último ano do governo FH. Em 2008, a entidade recebeu R$ 4,4 milhões.

NE recebeu R$ 4 milhões do governo em 2008

Repasse é 830% maior que o de 2002, último ano de FH; entidade tem 20 convênios com três ministérios

BRASÍLIA. A União Nacional dos Estudantes (UNE) não tem do que se queixar do governo Luiz Inácio Lula da Silva, generoso com a entidade no repasse de verbas federais. Em 2008, a UNE recebeu R$ 4,4 milhões, em 20 convênios com três ministérios, dinheiro distribuído em vários programas. O valor representa um aumento de 830% em relação ao montante repassado para a entidade em 2002. No último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a União repassou apenas R$ 536,5 mil para a UNE.

Este ano, até julho a UNE já recebeu R$ 2,9 milhões do governo federal. Neste ritmo, 2009 pode superar 2008, ano em que a instituição recebeu maior aporte financeiro em sua história.

O Ministério da Saúde foi o que repassou mais recursos à entidade ano passado: quase R$ 3 milhões para o projeto Caravana Estudantil da Saúde.

Já o Ministério da Cultura responde por 16 dos 20 convênios da UNE com órgãos do governo em 2008. Entre os programas da entidade beneficiados está o Circuito Universitário de Cultura e Arte, que realiza mostras de cinema, shows de música e oficinas para estudantes. Não há recursos do Ministério da Educação (MEC) para a entidade.

Com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a UNE obteve verba para “organizar atividades de formação e mobilização, contribuindo para incidir no debate sobre expressões do machismo”. Para o projeto foram repassados R$ 72 mil.

Em 2009, a UNE obteve o apoio e dinheiro do Ministério do Esporte, comandado pelo PCdoB, que controla a UNE há décadas. Vários ex-presidentes da entidade ocupam cargos na pasta. A UNE recebeu este ano R$ 250 mil para pagar atividades esportivas. Mas os maiores repasses foram feitos pelo Ministério da Cultura.

Cientistas políticos demonstram ceticismo

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cientistas políticos ouvidos pelo Estado defendem reformas administrativas e políticas para superar a crise do Senado, mas demonstram ceticismo em relação à possibilidade de elas serem implementadas sob o atual comando da Casa.

"O Senado precisa de novas concepções. Nas próximas eleições serão renovadas dois terços das vagas. Se tivermos novos nomes com velhas práticas, tudo se repetirá", disse Marco Antonio Teixeira, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica e da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Leôncio Martins Rodrigues, da Universidade de Campinas, vê o quadro com pessimismo. "Grande parte do eleitorado não dá importância a condutas ilegais. Alguns senadores têm um eleitorado mais exigente, mas, de modo geral, os brasileiros não punem os políticos corruptos", afirmou. Rodrigues relaciona o problema à desinformação dos eleitores, apesar de elogiar o papel de "vigia" exercidido pela imprensa.

MÉRITO

Já o pesquisador Rubens Figueiredo demonstra otimismo em relação à perspectiva de mudanças. "O Senado fatalmente vai melhorar. Atos secretos e contas secretas, agora que foram revelados, certamente deixarão de existir. O que vai persistir é o empreguismo, mas, acredito, de forma atenuada."

Figueiredo defende o estabelecimento de critérios de mérito para o preenchimento de cargos comissionados (para funcionários não concursados), muitos dos quais acabam ocupados por apadrinhados de políticos. "O ideal seria estabelecer algum tipo de pontuação por currículo, escolaridade, proficiência", afirmou.

O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (Unb), preconiza um corte radical nos cargos comissionados como forma de eliminar o empreguismo. Ele cita como exemplo a regra vigente na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, onde só os ganinetes de deputados têm comissionados. "Só isso já eliminaria cerca de 3.000 cargos."

SUBLEGENDA

Outra questão polêmica é a dos suplentes que "herdam" mandatos sem ter passado pelo crivo do eleitorado. Para Fleischer, isso poderia ser resolvido com a volta da chamada sublegenda - cada partido ou coligação poderia lançar mais de um candidato por vaga em disputa, e o segundo mais votado seria o suplente. Outra opção seria ceder a vaga eventualmente aberta por licença, perda de mandato ou morte ao segundo mais votado, independetemente de seu partido. "Assim, nenhum senador lucraria ao pedir licença do cargo", avalia Fleischer.

A regra atual, em que o titular do mandato tem um "vice", em geral desconhecido do eleitorado", é vista como "uma excrescência" por Rubens Figueiredo. "Isso deforma a representação que emerge das urnas", observa.

Fleischer lembra que o preenchimento de vagas abertas em meio ao mandato provoca polêmica até nos Estados Unidos. Lá, os governadores têm poderes para nomear senadores. No Estado de Illinois, o governador Rod Blagojevich acabou cassado por tentar vender a vaga de Barack Obama no Senado, aberta com sua eleição à Presidência.

''Discurso evidencia cultura patrimonialista''

Ricardo Brandt
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O discurso dos aliados do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em defesa dos suplentes e da falta de um padrão ético definido para o Parlamento, revela uma elite dominante que, apesar dos avanços democráticos do País, continua enclausurada em uma visão patrimonialista de fazer política.

A avaliação é do cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo. Para ele, a postura desses senadores mostra que eles agem "como se fossem os novos titulares das capitanias hereditárias" - sistema do Brasil colonial em que o rei dava terras aos seus apadrinhados e lhe concedia poder absoluto nessas áreas.

"O episódio dessa crise mostra que temos uma enorme defasagem de uma parte da elite política, que está completamente enraizada e enclausurada em uma visão patrimonialista da política, em que se aspira ao cargo e usa o cargo para benefício próprio, da família, do mesmo grupo, do mesmo partido ou do mesmo clã", afirma Moisés.

Para ele, os bate-bocas travados entre os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Pedro Simon (PMDB-RS) e entre Renan Calheiros (PMDB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) são "indicação de que a elite política não tem a menor noção de seu papel político e histórico". "Eles estão estritamente ligados a interesses pequenos e mesquinhos de seus grupos, sem perceber que o Senado tem uma função para o conjunto da nação. Eles interpretam aquilo como uma casa particular, como uma arena da qual eles são donos", avalia.

O comportamento dos senadores, segundo o especialistas, confronta princípios básicos da democracia. "O Renan e toda tropa de choque - que já foi tropa de choque do Collor e agora defende o Sarney - defendem o que o presidente do Senado disse nesta semana, que a nação não tem o direito de julgá-lo. O que está presente nessa concepção é que eles se organizaram para chegar lá e se apropriar do patrimônio público e ninguém deveria colocar em dúvida o que eles fazem. É a total contradição com a democracia."

Moisés diz que, para esses parlamentares, "a política é o acesso ao patrimônio público para fins privados". "Eu chamo isso de corrupção", diz o cientista político. "Eles são os novos titulares das capitanias hereditárias", completa.

Lula, Sarney, Collor e Renan... por Lula, Sarney, Collor e Renan

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Hoje aliados, os principais personagens da crise dos atos secretos já trocaram acusações de corrupção e incompetência

A crise dos atos secretos evidenciou o compadrio de quatro figuras públicas que, há cerca de duas décadas, trocavam acusações de corrupção, incompetência e desequilíbrio. Em diversos momentos, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor, José Sarney e Renan Calheiros se portaram mais como inimigos que como adversários. Com o tempo, conveniências políticas fizeram com que todos gravitassem para o mesmo lado.

"Gostaria de tratar o senhor José Sarney com elegância e respeito, mas não posso, porque estou falando com um irresponsável, um omisso, um desastrado, um fraco. (...) O senhor sempre foi um político de segunda classe, nunca teve uma atitude de coragem."

As frases são de Collor, no horário gratuito de TV da campanha eleitoral de 1989, quando acusava Sarney de patrocinar, a 15 dias da eleição, uma manobra para incluir o apresentador Silvio Santos entre os candidatos a presidente. "O senhor passou boa parte de seu governo apadrinhando seus amigos, seus familiares, muitos dos quais hoje estão sendo processados por atos de corrupção", disse o então representante do PRN.

Passadas duas décadas, Sarney é novamente acusado de apadrinhar amigos e parentes, mas Collor agora está entre seus principais defensores - após ter conquistado, com o apoio do novo aliado, a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado.

Segundo o hoje senador pelo PTB de Alagoas, as denúncias de envolvimento do colega peemedebista em contratações irregulares e secretas fazem parte de uma "campanha difamatória". "Sei o que é isso, porque por isso passei, só que em maior escala. Sei como essas coisas funcionam e como isso tudo é feito, tudo é forjado. Sei a quem interessa que o Senado retire daquela cadeira o presidente que todos nós elegemos", disse Collor, se referindo ao processo que o derrubou da Presidência da República, em 1992.

Em 1989, os ataques televisivos do candidato do PRN resultaram em um processo por calúnia, injúria e difamação. "Sarney quer ver Collor preso", noticiou o Estado na edição de 7 de novembro daquele ano. Sarney também ganhou um direito de resposta e, na TV, se apresentou como vítima de "vandalismo verbal e terrorismo eleitoral". "O Brasil é testemunha da brutalidade, da violência, do desatino com que fui agredido por um candidato profundamente transtornado", afirmou, a uma semana do primeiro turno.

A polarização com o presidente - cujo final de mandato foi marcado pela explosão dos índices de inflação e impopularidade - era tudo o que o grupo collorido queria. Naquela mesma noite, o candidato do PRN foi comemorar na casa de Renan Calheiros, então seu braço direito na campanha e um dos principais articuladores da estratégia de "demonização" de Sarney como forma de ganhar eleitores.

RETRIBUIÇÃO

Hoje Renan e Sarney são unha e carne. Ao liderar a tropa de choque que busca evitar a queda do presidente do Senado, o alagoano retribui a solidariedade que recebeu do colega quando seu próprio mandato esteve a perigo, em 2007, por causa das acusações de que teria contas pagas por um lobista da empreiteira Andrade Gutierrez.

Em relação a Collor e Lula, a trajetória de Renan também é oscilante. Rompeu com o primeiro em 1990, depois de disputar - e perder - as eleições para o governo de Alagoas sem a esperada ajuda da máquina federal. Chegou a ser processado pelo antigo amigo, depois de acusá-lo na CPI que deflagrou o impeachment. "O presidente da República tinha pleno conhecimento das ações do senhor PC Farias porque foi por mim advertido e informado, enquanto fui líder de seu governo na Câmara dos Deputados", disse, ao prestar depoimento à comissão parlamentar de inquérito, em 1992.

Na CPI, Renan ainda comparou o ex-aliado aos "perversos" imperadores romanos Nero e Calígula. Não era a primeira comparação entre Collor e figuras históricas com trajetórias nada louváveis. Em 1988, no governo Sarney, o ainda ativo Serviço Nacional de Informações (SNI) produziu um relatório que qualificava o então governador de Alagoas como "um Al Capone moderno e discípulo aplicado de Goebbels".

De Lula, Renan só se aproximou quando o petista chegou à Presidência, em 2002 - antes disso, ocupou cargo em uma estatal no governo Itamar Franco e foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Na eleição vencida pelo candidato do PT, apoiou o tucano José Serra, sem que isso o impedisse de se tornar um dos principais articuladores da base governista logo depois.

PRAGMATISMO

Ao tomar posse, em 2003, Lula abandonara há muito a prática de selecionar os aliados com base em afinidades políticas e ideológicas. Em 1989, no segundo turno da campanha, o então candidato chegou a recusar o apoio do derrotado Ulysses Guimarães e de outros representantes do PMDB. A partir da derrota para Collor, o pragmatismo foi adotado como regra.

Nesse contexto, a campanha petista recebeu com festa, em 2002, o reforço de Sarney e seu grupo - o mesmo Sarney que o PT qualificava como oligarca e representante do atraso e que Lula havia chamado de ladrão.

Foi em 1987. O líder petista fazia um discurso em Aracaju, marcado por críticas ao então presidente. "Nós sabemos que antigamente se dizia que o Ademar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem: Ademar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões , mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República", acusou. O ataque caiu no esquecimento até ressurgir em 2003, graças ao então deputado federal petista João Fontes (SE). Ameaçado de expulsão por ter votado contra a reforma da Previdência, Fontes queria mostrar que continuava fiel aos princípios petistas, e que Lula é que havia mudado de lado ao chegar ao poder. Expulso do partido, Fontes ajudou a criar o PSOL.

Ofendido e espezinhado pelo PT, Sarney - aliado de FHC em seus dois mandatos - só se converteu ao lulismo quando um episódio policial inviabilizou de vez a manutenção da parceria com os tucanos. Em março de 2002, durante investigação sobre desvios de recursos da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), a Polícia Federal invadiu a sede da empresa Lunus, pertencente a Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, então governadora do Maranhão. Foram apreendidos no local cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro.

Roseana, que na época ensaiava se lançar candidata a presidente pelo PFL, acusou José Serra de estar por trás da investida da PF. Em nota, o então pré-candidato tucano considerou as declarações da governadora "estapafúrdias, para não dizer malucas". O fato é que o escândalo provocado pela exibição da pilhas de cédulas apreendidas inviabilizou a candidatura de Roseana e provocou a saída do PFL do governo FHC, além de jogar Sarney nos braços de Lula.

ABORTO E RACISMO

A ampla base governista acomodou, além de Sarney, outros adversários históricos do petismo, como Paulo Maluf. Ainda assim, foi com surpresa e desagrado que parte do PT assistiu à reaproximação entre Lula e Collor.

No segundo turno de 1989, diante do esgotamento da estratégia de se apresentar como anti-Sarney - papel que Lula também desempenhava -, o candidato do PRN voltou as baterias para o adversário.

Na TV, Collor acusou Lula de defender a luta armada e a invasão de casas e apartamentos. Chamou-o de "cambalacheiro" por negar em público acordos com peemedebistas e supostamente negociar seu apoio nos bastidores.

O ápice da investida, coincidente com a ascensão de Lula nas pesquisas, se deu com a aparição de Miriam Cordeiro, ex-mulher do petista, no programa eleitoral do PRN. Em depoimento gravado, Miriam acusava Lula de ser racista e de ter oferecido dinheiro a ela para que abortasse, nos anos 70. "Apoiar o Lula seria trair a mim mesma. Eu sofri muito na mão do Lula, fui traída por ele." Dois dias depois, emocionalmente abalado, o petista participou do último e decisivo debate televisivo com Collor, a quem chamou de "caçador de maracujás".

Passadas duas décadas, Lula faz afagos públicos ao ex-inimigo, que, como presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, tem poder para acelerar ou atrapalhar a tramitação de propostas relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Apesar de ter sido um dos principais incentivadores do impeachment de Collor, o petista recebeu dele sinais de solidariedade em meio ao escândalo do mensalão, quando a oposição discutia a possibilidade de pedir sua cassação.

"Não quero para o Lula o que fizeram comigo, pois me apearam do poder sem provas", disse Collor, em 2005. Ele ainda anunciou que apoiaria a reeleição no ano seguinte. "Não faço parte do rol daqueles brasileiros que tinham o PT como ícone da ética e da moralidade. Tem uma massa do eleitorado do PT que votou no Lula achando isso, mas eu não", justificou.

Câmbio mata

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Permitir uma apreciação e a flutuação excessiva é uma escolha entre consumo imediato ou crescimento

"INFLAÇÃO ALEIJA , câmbio mata" -alerta de Mario Henrique Simonsen que continua válido para o grupo de países dependentes de condições internacionais para seu crescimento. São dependentes porque não conseguem traçar a própria trajetória; têm horizonte temporal curto, portanto não planejam a longo prazo, privilegiando sempre o consumo imediato em detrimento da poupança, ou seja, investimento com recursos próprios. Incorrem em déficits em transações correntes, endividamento externo e crises de balanço de pagamento, interrompendo repetidamente o seu crescimento. Com essa nova apreciação excessiva da taxa de câmbio, cabe alertar: por que mata o crescimento?

Parece fora de propósito falar em crise de balanço de endividamento externo e de balanço de pagamento quando o Brasil tem mais de US$ 200 bilhões de reserva cambial, a situação das contas externas é boa e o risco Brasil está num nível muito baixo. Mas o Brasil ainda não tem a característica fundamental de países que crescem persistentemente para alcançar os países desenvolvidos: horizonte temporal longo para tomada de decisões de política econômica. Não respeitamos ensinamentos básicos da teoria econômica: para crescer é preciso elevadas taxas de investimento e poupança.

Países que crescem persistentemente privilegiam os investimentos que ampliam a capacidade produtiva em vez do consumo imediato; as exportações diversificadas de manufaturados para construir uma estrutura produtiva moderna, enfrentando os próprios países desenvolvidos, e poder importar bens de capital para trazer o conhecimento e a fronteira tecnológica para o país sem se endividar. A taxa de câmbio mata esse processo porque é o preço-chave nessas economias.

A taxa real de câmbio define a escala de comparação entre os preços de todos os produtos nacionais em relação aos do resto do mundo. País que privilegia o consumo imediato prefere câmbio apreciado, pois os importados ficam mais baratos relativamente aos nacionais. Taxa de câmbio determina preços relativos macroeconômicos que definem a alocação de recursos ("tradables" x "non-tradables"), a distribuição de renda (lucro x salário, ou seja, poupança x consumo) e a demanda agregada (tirar proveito ou não da ampla e elástica demanda externa).

A taxa nominal de câmbio é preço de um ativo financeiro, a moeda nacional -assim é âncora nominal do sistema de preços e afeta a inflação tanto via custos como canal de transmissão da política monetária, e pode ser usado também para controlar as expectativas no mercado.

Assim, permitir a apreciação e a flutuação excessiva da taxa de câmbio é uma escolha entre consumo imediato ou crescimento; entre importar e transferir emprego para o exterior ou construir uma estrutura produtiva nacional competitiva e gerar emprego no país; entre flutuações na taxa de inflação ou estabilidade de preços; entre ganho imediato e único no salário real ou aumento contínuo nos salários acompanhado de aumento de produtividade; entre especulação, falso e momentâneo fortalecimento da moeda nacional (ancorado nos ciclos de fluxo de capitais) e instabilidade ou estabilidade no mercado financeiro e fortalecimento da moeda ancorado nos fundamentos (sistemáticos superávits transações correntes).

Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Surto de sinceridade

Juca Kfouri
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente da CBF e sua filha foram de uma franqueza e transparência raras e, de fato, sensacionais!

RICARDO TEIXEIRA , que vinha alardeando que não haveria dinheiro público em estádios e plantando aqui e ali, mais ali do que aqui, notinhas para se distinguir do presidente do COB, Carlos Nuzman, um habitual tomador do nosso dinheiro, teve um acesso de sinceridade e disse aquilo que os chatos de plantão já vinham dizendo desde que se anunciou a candidatura brasileira à Copa de 2014: vão enfiar a mão no nosso dinheiro.

O país agradece ao cartola da CBF por tamanha transparência e sabe que a reação do ministro do Esporte, que insiste em dizer que não se dará um tostão da Viúva para os estádios, não passa de demagogia de quem, em breve, sairá do ministério para se candidatar à Câmara dos Deputados, ora pois não.

Ele, aliás, é até capaz de dizer que o dinheiro do BNDES não é público, descoberta típica de um membro do neo-PC do B.

Ao se equiparar ao colega do COB, até porque a matriz é a mesma, crias que são de João Havelange, Teixeira tira a máscara e, diferentemente do que se fez no Pan-2007, bota a faca no peito do governo desde já, sem essa de deixar para a última hora. Melhor assim.
Por falar em Havelange, Joana Havelange, neta dele, não filha como o sobrenome pode fazer supor, porque filha do presidente da CBF e do comitê organizador da Copa, do qual é secretária, foi também de uma sinceridade comovente ao dizer que a Fifa está muito feliz por não ter nenhum membro do governo no comitê. Não é verdadeiramente sensacional, para se aplaudir em pé?

Essa gente é assim mesmo.

Muito ciosa da sua privacidade, adepta da iniciativa privada desde que com o dinheiro de todos. Porque, afinal, trabalham pelo Brasil, são empreendedores capazes de, como no caso de Teixeira, se sacrificar patrioticamente por mais de 20 anos à causa pública, embora numa entidade privada, como faz sempre questão de ressaltar.

Ora, um membro do governo, sinônimo de política, essa coisa imunda como vemos na lavagem de roupa (está escrito "de roupa", não de dinheiro) suja entre os Sarney, Simon, Collor, Calheiros, Jereissati, todos farinhas do mesmo saco -como dizia o PT antigamente e não diz mais porque está no fundo, no meio e no topo dele, o saco-, mancharia o comitê, além de poder fiscalizá-lo, imagine a pretensão do bofe.

A palavra de ordem exigida é dê e não receba, nem recibo, porque estamos acima do bem e do mal e foram vocês mesmos, do governo, que nos deram tamanha dimensão.

E tratemos de mudar a missão do BNDES, assim como a Lei da Responsabilidade Fiscal e do Endividamento, para que os Estados possam atender às necessidades da Copa do Mundo, como se sabe, prioridade número um deste imenso paraíso chamado Patropi.

Se não bastasse, com pelo menos cinco anos de atraso, assim como foi para aceitar o campeonato de pontos corridos que o Estatuto do Torcedor, sabotado pela CBF e pelo Clube dos 13 desde sempre, enfiou-lhe goela abaixo, eis que Rico Terra agora também quer adequar o calendário brasileiro ao mundial, que muitos chamam de europeu.

Algo necessário, mas não suficiente, porque não é panaceia.