segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Roberto Freire: contemporâneo do futuro

Marcílio Domingues
Pronunciamento no XVI Congresso Nacional do PPS

Ontem, quando nos reunimos para a foto da delegação presente a este XVI Congresso Nacional do PPS, ocorreu-me que o fazíamos pela última vez tendo o nosso companheiro Roberto Freire como Delegado por Pernambuco. Isto depois de posarmos para fotos ao seu lado, muitos de nós, a tantos Congressos do Partidão e a 16 (dezesseis) do PPS. Roberto parte em nova missão. Tarefa do Partido em São Paulo. É demais para Pernambuco. Que compreende, mas se emociona. Não pode deixar passar em branco. Precisa fazer o registro. E pede licença, para fazê-lo. Por oportuno, recordo que a Universidade de Brasília lançou uma coletânea, denominada Contemporâneos do Futuro, para divulgar o pensamento político brasileiro. O nosso Presidente Nacional, Roberto Freire, inaugurou a serie, e a introdução do primeiro livro editado diz que “o vigor do pensamento do Senador Roberto Freire, sua capacidade de desmontar mitos, de vislumbrar novas possibilidades de análise e de apontar soluções pode, eventualmente, assustar espíritos conservadores, mas, sem dúvida, serve de alento para as mentes dinâmicas comprometidas com os destinos do Brasil num mundo que se transforma a passos largos.

Tentamos , neste volume, divulgar, de maneira sistemática, elementos do pensamento representativo de uma vertente da esquerda, da qual o Senador Roberto Freire é a voz pública mais significativa do Brasil”. (Editora da UNB 1997)

Trajetória

Roberto Freire nasceu no Recife, em 20 de abril de 1942. Em 1966, gradou-se pela Faculdade de Direito do Recife. Despertou para a política ainda estudante.

Aproximou-se dos Comunistas, a exemplo de Jarbas de Holanda e Byron Sarinho. Líderes, naquela Faculdade, de uma esquerda atuante, que, entre outras iniciativas, editava um Jornal chamado O Paredão, impresso no parque gráfico da Folha do Povo, do Partidão, sob nossa responsabilidade e do companheiro José Marques de Melo, depois Professor da Universidade de São Paulo.

Pernambuco vivia um momento de grande efervescência política, no final da década de 50. Em 1958, com apoio dos comunistas, o empresário CID SAMPAIO (UDN) se elege Governador, e, ato contínuo, lança a campanha CID no Governo / ARRAES na Prefeitura. Eleito Prefeito do Recife, Arraes logo rompe com CID e apoia o Marechal Teixeira Lot para Presidente contra Janio Quadros (UDN). Pelópidas Silveira sucede Arraes na Prefeitura do Recife. Era a chamada Frente do Recife, articulada pelos Comunistas, entre eles Paulo Cavalcanti, Davi Capistrano, Gregório Bezerra, Hiram Pereira e outros. Com o apoio dessa frente, Arraes chega ao Governo do Estado em 1962 e promove uma verdadeira revolução no campo.

O Golpe Militar (1º Abril 64)

Cai Jango. Cai Arraes. Pelópidas cassado. A Gráfica da Folha do Povo é empastelada O Jornal Última Hora, em Recife, é invadido pelos militares.

Estavam lá os Jornalistas Milton Coelho da Graça, Múcio Borges da Fonseca, Ronildo Maia Leite, Eurico Andrade e tantos outros. Os Comunistas são presos. Perseguidos Idem as lideranças estudantis da esquerda.

O movimento estudantil se recicla, substitui lideranças. Roberto Freire participa da reorganização ao lado de Byron Sarinho, Marcílio Domingues, Aécio Matos, Fred Katz, Rui Frazão, Odijas Carvalho, Cândido Pinto e tantos outros. Foram tempos difíceis. Muitos dos nossos companheiros perseguidos, presos, assassinados, desaparecidos.

A luta pela redemocratização

Inicía-se a luta pela redemocratização do país. À frente, em Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, Fernando Lyra, Marcos Freire, Byron Sarinho, Armando Monteiro Filho, Fernando Coelho, Egídio Ferreira Lima e o nosso companheiro Roberto Freire, fundadores do MDB.

Em 1970, forma-se um Grupo de assessoramento e apoio à candidatura de Marcos Freire à Câmara Federal. Ele, que teria importante papel na luta contra a ditadura militar e pela redemocratização do País. Participam muitos. Destaque para Roberto Freire, Byron Sarinho e o também Pernambucano Cristovam Buarque. Marcos se elege Deputado Federal. Jarbas e Fernando Lyra também são eleitos Deputados. O MDB se fortalece, com grande presença dos camaradas do Partidão, o qual fizera a correta opção pela via eleitoral, rejeitando a luta armada, para atuar por dentro do MDB.

Em 1972, Roberto disputa a Prefeitura de Olinda, contra 3 (três) candidatos. Sendo o mais votado, perde por 500 votos para a soma das sub-legendas. Marcos, em 1974, chega ao Senado e apoia a eleição de Roberto, a Deputado Estadual. Na Assembleia Legislativa, protagoniza o célebre episódio de contestação à posse de Marco Maciel, como Governador biônico, e defende eleições diretas para Governador. Em 1978, é eleito Deputado Federal. Em 1979, participa da Coordenação do ARRAES TAÍ (eventos que marcaram a volta de Arraes do exílio). Segue a sua trajetória até o Senado da República, passando pela campanha de Marcos Freire a Governador em 1982. Pelo movimento das DIRETAS JÁ, em 1984. Pela candidatura a Prefeito do Recife, em 1985, e a eleição de Tancredo, no mesmo ano. A indicação para a Liderança na Câmara Federal, no Governo do Presidente Itamar Franco. A Constituinte, em 1988, quando reconhecido como um dos parlamentares mais ouvidos e atuantes do Congresso. Até a memorável candidatura à Presidência da República em 1989, pelo Partido Comunista Brasileiro, que consolidou a sua condição de respeitada liderança nacional.

Fazendo História

Essa extraordinária e marcante passagem por tantos e importantes postos e missões, sem qualquer mácula e sem fazer concessões espúrias, conferem ao nosso companheiro Roberto Freire, pela sua competência, seriedade e espírito público, a admiração, o respeito dos pernambucanos e dos brasileiros.

No momento em que se anuncia a transferência do seu domicilio eleitoral, para disputar um novo mandato de Deputado Federal, agora por São Paulo, os companheiros de Pernambuco sentem-se no dever de expressar o seu sentimento de compreensão, mas também de perda, e, por que não dizer, de tristeza, de saudade antecipada.

Daí este registro, esta despretensiosa homenagem que, com a generosa compreensão da mesa, teríamos que, e nos permitimos, prestar a Roberto. Os seus companheiros do Partido, em Pernambuco. Os que estão aqui e os que não puderam vir a este Congresso. Todos recompensados por saber, Roberto, que o Brasil continuará contando com a sua liderança. Com as suas ideias.

Com a sua seriedade. O seu comportamento ético exemplar, tão importantes para o País, nesta hora dramática da nossa vida política, porque qualidades raras e indispensáveis para sairmos do impasse institucional e político em que estamos mergulhados. Falo em nome de todos os pernambucanos, inclusive do nosso Presidente Estadual, Raul Jungmann, que ainda ontem fez registro semelhante. E é preciso, porque segundo Christopher Lee “as pessoas fazem a história, mas, raramente se dão conta do que estão fazendo”. Você, Roberto, fez, e continuará fazendo história. O Brasil e todos nós temos certeza disso.

Rio de Janeiro, 09 de agosto de 2009

*Marcilio Domingues, Bel. em Direito, é membro do Diretório Nacional do PPS.

Obra quase perfeita

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


"Pobre Mercadante: até para sair da liderança tem que pedir autorização ao Lula..." - Deputado Fernando Gabeira (PV-RJ)

Em que data o PT morreu? Não falo deste PT que abana o rabo e faz todas as vontades do seu único dono. Falo daquele que um dia se imaginou o partido mais ético e movido à indignação jamais surgido na história do País. Pois um sapo barbudo ingeriu, deglutiu e obrou o PT que se levava rigorosamente a sério. O sapo barbudo você sabe quem é.

Dá-se por certo que o PT abandonou seus valores e princípios originais depois de subir a rampa do Palácio do Planalto. Que nada! Para escalá-la, ele os abandonara um pouco antes. Mais exatamente na eleição de 1998, a terceira consecutiva perdida por Lula. Na campanha daquele ano, quase todos os escrúpulos foram mandados às favas.

Na seguinte, Lula avisou com antecedência: ou o PT adotava sem vacilação os métodos utilizados pelos outros partidos para ganhar eleições – e uma vez que as ganhasse governar – ou ele não seria mais candidato. Ali nasceu a desculpa que serviria para justificar mais adiante qualquer malfeitoria do PT: “Mas se os outros fazem...”

O apoio do PL a Lula em 2002, por exemplo, custou a bagatela de pouco mais de R$ 6 milhões. Refestelados no terraço de um apartamento de Brasília, Lula e seu futuro vice José Alencar acompanharam o arremate do negócio discutido dentro de um quarto por José Dirceu, Delúbio Soares e o presidente do PL. Não era assim que se fazia?

Mais tarde, o escândalo do pagamento de propinas para que deputados federais trocassem de partido e votassem como mandava o governo apenas escancarou o que se praticava até então às escondidas. Certa vez, um dos cérebros do mensalão, o publicitário mineiro Marcos Valério, primeiro ameaçou contar tudo, depois pediu ajuda.

Estava com os bens bloqueados. Respondia a processos. Precisava de uma grana. Um senador se ofereceu para fazer a ponte entre Valério e Lula. ‘Você procurou Okamotto?’ – perguntou Lula ao senador depois de olhar em silêncio a paisagem árida do cerrado recortada nas janelas do seu gabinete no Palácio do Planalto.

Okamotto é o atual presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Fundador do PT, amigo de Lula, cuidava da contabilidade da família Silva e pagou do próprio bolso ao partido uma dívida de Lula não reconhecida por ele. Okamotto é madeira que cupim não rói. Se ele socorreu Valério? Não sei.

Sei que a um ano e quatro meses do fim do seu governo, Lula pode bater no peito com orgulho e proclamar sem medo do ridículo: “Eu sou um sucesso”. Estão aí as pesquisas que não o deixam mentir. Lula sairá do Palácio para entrar na História como um dos três presidentes mais queridos pelos brasileiros, ao lado de Getúlio e Juscelino.

Mas que preço foi pago por isso? E quem o pagou? O PT certamente, que se transformou em uma caricatura mal desenhada do que já foi um dia. Suas estrelas mais reluzentes perderam o brilho – José Dirceu, Antonio Palocci, José Genoino, Luiz Gushiken. Outras sumiram pelo ralo. Afinal, quem dentro do PT ousa contrariar Lula?

Aquele que tentou mais recentemente foi humilhado e forçado a revogar o irrrevogável. Entre preservar a própria biografia e se arriscar a ver o partido lhe negar a chance de disputar a reeleição, Aloizio “Mercadejante” preferiu a derrota antecipada. Virou a mais recente Geni da praça. Todo mundo lhe joga pedras. Deve fazer algum sentido para ele.

As instituições também pagaram um preço alto pelo sucesso de Lula. Promovido à semideus, ele contribuiu para aumentar o descrédito dos partidos e desmoralizar o Congresso. A crise do Senado foi do Senado, depois foi do Sarney e por fim é de Lula. Em larga medida, a política deixou de estar a serviço do bem público. Foi privatizada.

Para completar sua obra, Lula só precisa eleger Dilma. Se conseguir, deixará aberto o caminho para voltar ao poder. Não acredite se ele disser: “Presidente, nunca mais”. Dilma será um intervalo entre Lula e Lula.

Crise e identificação partidária

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Crise relacionada com a presidência de José Sarney no Senado, compondo-se com as pressões trazidas pela aproximação das eleições de 2010, desemboca em novo momento negativo para o PT, com tensão, defecções e renúncias (e renúncias a renúncias...). E o foco desse momento negativo é dado por questões de ética e consistência programática de grande importância na visão convencional da política - e, obviamente e com boas razões, na visão dos próprios líderes partidários envolvidos.

Cabe indagar sobre o efeito disso junto aos eleitores, e eu mesmo tenho sido chamado a opinar a respeito. Uma ponderação inicial se refere a algo que de que já falei anteriormente: o reduzido grau de identificação partidária estável no Brasil, que as pesquisas situam no nível de 35% dos eleitores, em grande parte identificados justamente com o PT. Compare-se esse número com o que temos agora nos EUA, por exemplo: nas informações atualizadas do portal Rasmussen Reports, 36,8% dos adultos estadunidenses se consideravam democratas em julho e 33,3% se diziam republicanos. Sem embargo das oscilações nas proporções de identificados com um partido ou outro ou de "independentes", o total de identificados gira há anos em torno dos 70%.

Mas qual o significado das identificações partidárias em diferentes casos? Em particular, como se relacionarão com os temas importantes do debate programático ou de posições a serem adotadas em circunstâncias diversas?

A observação mais geral aqui é a de que essas "identificações" se ligam, naturalmente, com a redefinição em termos de identidade política de fatores envolvidos no compartilhamento de interesses, mobilizando-os e tornando-os politicamente relevantes. Mas há várias nuances de importância.

É clássica a constatação a respeito dos partidos socialistas originalmente revolucionários, em que a solução representada pelo partido para o problema da identidade pessoal de seus membros acaba por preponderar sobre os objetivos "instrumentais" da ideologia revolucionária e por dar a esta última uma feição ritualística. Torna-se então possível a convivência pragmática com o capitalismo que supostamente se tratava de superar, embora isso não permita desqualificar o importante papel cumprido pelos partidos em questão na socialdemocracia tal como veio a institucionalizar-se em formas variadas.

Mas estudos recentes sobre identificação partidária nos Estados Unidos (revisados, por exemplo, em "An Institutional Theory of Political Choice", de Paul Sniderman e Matthew Levendusky, 2007) revelam matizes na relação entre a identidade e a postura perante questões diversas, com relevância direta para a eventual "reavaliação" dos partidos pelos eleitores. Entre outras coisas, eles mostram experimentalmente que as pessoas identificadas com um partido tenderão a perceber suas próprias posições sobre um assunto como sendo expressas pelo candidato de seu partido mesmo quando ele se opõe a ela sem ambiguidades e o candidato do outro partido tem posições inequivocamente mais próximas; ou que, convidados a avaliar um candidato republicano com base em informações falsas fornecidas pelo autor do experimento, esclarecidos em seguida sobre o caráter falso das informações e convidados a reexaminar sua avaliação inicial, apenas parte dos eleitores democratas envolvidos no estudo de fato fazem tal reavaliação, enquanto a totalidade dos republicanos simplesmente reafirmam a primeira avaliação - ou seja, as simpatias ou antipatias ditadas pela identificação partidária fazem que os efeitos da informação falsa persistam mesmo depois de desvendada sua falsidade.

Mas velhos dados de pesquisas brasileiras referidos ao confronto entre MDB e Arena durante o regime autoritário de 1964 são também de interesse, mostrando com clareza, e dando até a aparência de banalidade às constatações permitidas, os limites de considerações programáticas relativas a questões diversas. Assim, nos casos em que as pessoas, de maior ou menor informação, declaravam identificar-se com um partido ou outro, a congruência ou incongruência percebida por elas entre as suas posições pessoais e as dos partidos sobre os temas supostamente "quentes" do momento era quase inteiramente irrelevante no condicionamento de sua decisão de voto. Quer atribuíssem à Arena, por exemplo, posição contrária ou a favor de eleições populares diretas para os cargos políticos, quer tal posição correspondesse ou não à sua própria, quer simplesmente desconhecessem a posição do partido a respeito, os eleitores estudados concentravam maciçamente seus votos no partido de sua preferência, fosse MDB ou Arena - e só entre os que não declaravam identificação com algum dos partidos é que temas diversos produziam dispersão no voto.

Tudo isso deixa ver a força da identificação partidária, que conforma vigorosamente - ao ponto da irracionalidade - as disposições políticas em contextos diferenciados. Mas os dados brasileiros citados sugerem algo talvez especial. Se nos outros casos se pode falar de longa efervescência ideológica em torno de partidos socialistas ou da atual "guerra cultural" nos EUA, de que os partidos têm sido atores destacados, no caso de Arena e MDB se trata da mera invenção institucional de uma ditadura. E a sugestão é de que é fácil, de certo modo, produzir a identificação partidária e seus efeitos: basta que o sistema partidário se superponha "adequadamente" (como providenciaram inadvertidamente os ditadores) ao fosso social do país e à simplicidade com que surge na consciência popular.

Quanto à elite política, que sempre define o jogo, e seus temas complicados aos olhos populares, cabe esperar que ela termine por encontrar o equilíbrio entre as muitas possibilidades de manipulação que as pesquisas mencionadas indicam e a agregação consistente de identidades e interesses importantes. Como construir um MDB socialdemocrático?

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Deixemos Obama em paz

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Essa é a melhor maneira de promover os interesses comuns que a América Latina tem com os Estados Unidos

TODAS AS semanas, se não todos os dias, leio na imprensa lamentos de que o presidente Barack Obama não está interessado na América Latina ou então apelos para que ele se interesse. São lamentos e apelos de quem espera que os EUA "ajudarão" os países latino- -americanos. Respeito essa opinião ou essa esperança, mas definitivamente não partilho dela.

O Brasil e os demais países da região não têm o menor interesse em que o grande país do Norte volte suas atenções para o Sul, porque esse país jamais os ajudou; pelo contrário, com muita frequência, interveio de forma imperialista a fim de garantir seus interesses ou os interesses de suas empresas instaladas na região. Vejo também críticas à política externa do Brasil porque estaríamos nos aliando a países "não democráticos", como Bolívia e Paraguai.

Críticas na imprensa americana que são reproduzidas e ampliadas na grande imprensa conservadora dos países latino-americanos. De repente, as elites conservadoras, que sempre se caracterizaram pela dependência em relação aos EUA, tornam-se "nacionalistas" em relação a esses países que são muito pobres. Ora, por serem pobres e pela consequente falta de uma sociedade civil organizada, de boas instituições e de um Estado capaz, esses países são muito difíceis de governar. Países nos quais a exclusão foi muito forte e existiu por muito tempo. Países cujos governos nacionalistas e de esquerda buscam agora refundar a respectiva república por meio da integração dos pobres e dos excluídos na democracia possível -na democracia que países e sociedades tão heterogêneas e Estados tão fracos podem construir.

Finalmente, sabemos como foram desastrosas as políticas neoliberais do Consenso de Washington. Não levaram ao desenvolvimento, mas a crises financeiras e ao aumento da desigualdade nos países que se submeteram a elas. Há algumas semanas vimos mais um golpe militar na América Latina, e, não obstante os protestos do governo americano, parece claro que houve ao menos a aquiescência dos EUA. Como houve sua participação ativa na tentativa de derrubar o presidente Hugo Chávez, em 2002. Agora, leio que em 1971 o Brasil conspirou com os EUA para derrubar o presidente do Chile, Salvador Allende. Uma conspiração que foi "vitoriosa" dois anos depois. É isso o que esperam os críticos da política externa brasileira? É esse tipo de aproximação que esperam aqueles que lamentam a falta de atenção de Obama pela América Latina? Que o Brasil se associe ao imperialismo americano agora, como fez no regime militar?

Que o Brasil adote as políticas neoliberais que fracassaram na América Latina e nos próprios EUA, mas continuam a ser recomendadas pelas agências internacionais controladas pelos norte- -americanos?

Ou então talvez esses lamentadores estejam querendo que o Brasil se associe aos EUA como o fez o México? Qual foi o resultado dessa associação? Taxas de crescimento muito baixas, grande aumento da criminalidade e das drogas e, agora, nesta crise, uma brutal queda do PIB. Definitivamente, o presidente Obama é sábio em deixar a América Latina de lado. Ele é uma esperança para os EUA e para o mundo. Os governos dos países pobres não ameaçam seu país. Tanto para ele, portanto, como para nós, latino-americanos, é melhor que não se interesse pela América Latina. Deixemos Barack Obama em paz. Essa é a melhor maneira de promover os interesses comuns que a região tem com os EUA.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Mudança no clima

Marina Silva
DEU NA FOLHA DE S.PAULO


NESTA SEMANA acontecem dois eventos de grande significado. O Workshop Internacional sobre Soluções para o Desmatamento e Emissões de Gases de Efeito Estufa Causadas pela Expansão da Pecuária, promovido pela ONG Amigos da Terra, e o seminário Mudanças Climáticas -Oportunidades para uma Economia de Baixo Carbono, promovido pelo Fórum Amazônia Sustentável, pelo Instituto Ethos e pela empresa Vale.

No primeiro, o desafio é esboçar, em termos tecnológicos, financeiros, de mercado e de políticas públicas, os requerimentos para viabilizar uma produção pecuária sustentável no país, sem desmatamento e sem emissão de gases de efeito estufa. No segundo, 20 entidades e empresas privadas lançam carta aberta ao Brasil, apresentando seus compromissos voluntários para a redução de emissões de gases do efeito estufa.

Dessa forma, fortalecem a visão de que a adoção de compromissos mais fortes, como metas obrigatórias de redução de emissões, ao contrário do que alguns setores apregoam, favorece a competitividade do país, criando um diferencial para produtos e empresas nacionais no mercado global.

Juntem-se essas iniciativas a outras já realizadas ou em processo e constataremos que a economia de baixo carbono não é uma teoria do gueto, como ainda se quer fazer crer. Número crescente de empresas, em vários setores, entenderam que ela é irreversível e que a melhor estratégia é iniciar a transição já, para não serem tragados pela obsolescência num ponto de não retorno.

Estamos na fronteira de uma era.

Compreendê-la e vivê-la plenamente significa ter capacidade de trânsito e habilidade para entender pontos de vista alheios, dialogando com eles. Não sem razão, as iniciativas e eventos de caráter socioambiental são aqueles que naturalmente conseguem juntar empresas de vários setores da economia, órgãos públicos, organizações não governamentais, comunidades, academia, movimentos sociais.

Os grandes atores da economia finalmente percebem que o meio ambiente é parte do business e que não se pode ignorá-lo, sob pena de todos perderem.As mudanças climáticas já chegaram ao mundo real do mercado, que certamente não perdeu a sua lógica, pautada pela realização do lucro. Está apenas reconhecendo, claramente, uma ruptura em curso na história. E, pragmática e inteligentemente, se adapta a ela. A uma velocidade maior do que a do sistema político, que ainda patina na sua cultura pesada, inviável, insustentável.

Perfil de Serra faz sucesso na internet

DEU NO ZERO HORA (RS)

Após três meses de uso, tucano demonstra desenvoltura e expõe cotidiano

De perfil reconhecidamente reservado, o governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência da República, José Serra (PSDB), tem exposto um pouco mais de sua rotina para um seleto público: as 73,7 mil pessoas que acompanham seu perfil no microblog Twitter, via internet.

Passa de 2h. Serra deixa de lado um calhamaço de notícias de jornal, liga o aparelho de som e espera o sono vir ao som dos Beatles. A cena da intimidade do governador foi registrada por ele próprio, em menos de 140 caracteres no Twitter. “Vim dormir. Ia ler o clipping da imprensa da semana, mas desisti. Preferi ouvir o Abbey Road inteiro dos Beatles e zapear na TV sem som”, escreveu Serra, na noite de 13 de julho. Pelo Twitter, é possível receber ainda outras confidências do tucano. Em 16 de agosto, o político deu vazão a um músico/cineasta frustrado: “Admiro quem sabe tocar bem um instrumento. Gostaria de ter talento para tocar piano. E para dirigir filmes.

Até pelo talento e poder de síntese que tem demonstrado ao passar mensagens em espaço reduzido, o governador paulista é hoje um dos mais populares políticos da rede de microblogs. Aos 67 anos, Serra entrou para a turma dos internautas depois dos 60 anos e para a dos “twitteiros” há pouco mais de três meses, em 19 de maio. Ele está convencido do papel da internet nas eleições do ano que vem. Por conta das restrições legais, Serra aposta que o impacto será inferior ao verificado nos Estados Unidos, onde o então candidato Barack Obama usou da rede para consolidar sua campanha.

– O grande desafio de campanhas na internet, que a de Obama venceu com louvor, é transportar o ativismo e a militância do mundo virtual para o mundo real – diz Serra.

Serra confirma que seu primeiro contato com a internet foi recente. Forçado pelas circunstâncias, o governador paulista afirma ter “aprendido na marra” a empregar a rede em uma passagem pelos Estados Unidos, depois de perder as eleições presidenciais de 2002.
– Fui obrigado a me conectar para conversar com a família, com os amigos, para me manter em dia com as notícias do Brasil e do mundo, para não ficar isolado. Primeiro, aprendi a receber e a mandar e-mail. Em seguida, a navegar pelo noticiário online. Agora, sou o governador twitteiro – afirma.

PSDB se arma para ''guerra cibernética''

Elizabeth Lopes e Carolina Freitas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Partido investe em novo site como ferramenta essencial para 2010

Antes do início da batalha nas urnas, a eleição presidencial de 2010 já movimenta um verdadeiro exército de militantes petistas e tucanos, que decidiram trocar a panfletagem nas ruas pela internet. A disseminação das redes sociais e o crescimento do número de internautas no País, hoje em torno dos 65 milhões, tornam a grande rede uma ferramenta essencial na elaboração das estratégias de campanha para as eleições. Para não perder terreno nessa batalha, o PSDB lança hoje um megaportal (www.tucano.org.br), com conteúdo em texto, áudio e vídeo, espaço para chats e links para a página do partido em redes sociais, como Orkut, Twitter e Facebook.

"Precisamos reunir o nosso exército para enfrentar este novo momento virtual e o tucano.org.br será a porta de entrada dos nossos militantes", afirma César Gontijo, secretário-geral da Executiva Estadual do PSDB de São Paulo e um dos idealizadores do novo portal. Na avaliação do Gontijo, o PT saiu na frente no que ele classifica de "guerra cibernética contra os tucanos". Ele cita, por exemplo, que se for feita uma busca no YouTube com os nomes de Dilma Rousseff (PT) e de José Serra (PSDB), pré-candidatos ao Palácio do Planalto, os primeiros resultados dos vídeos da petista são altamente positivos e favoráveis. E com Serra ocorre o inverso, com vídeos desfavoráveis e negativos. "Nossa ação não será de ataque ou revide, mas sim propositiva", informa o secretário-geral..

Gontijo diz que o novo portal não foi criado apenas com o foco nas eleições 2010. "Estamos acompanhando uma tendência natural de interatividade e queremos também melhorar um dos grandes desafios do partido, que é a comunicação." Ele reconhece, porém, a força que essa ferramenta terá na próxima eleição, ao propiciar aos militantes e simpatizantes um instrumento para a troca de ideias, e ao partido, um canal para a disseminação de sua plataforma.

O novo portal trará também a "tucanopédia", que funcionará da mesma forma que a enciclopédia virtual Wikipédia e exibirá o perfil dos filiados - são cerca de 150 mil no Estado - e a TV Tucana, que estreia no dia 31 com pronunciamentos do presidente nacional da legenda, Sérgio Guerra, e do presidente paulista, Mendes Thame.

O portal é iniciativa do PSDB paulista, mas a ideia é que seja criada uma rede nacional, com a interação dos outros diretórios da sigla. O partido não informou o custo com o portal.

Defesa de Sarney divide candidatos à presidência do PT

Da sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Nomes ligados às alas mais à esquerda admitem que defesa do senador provocou uma crise institucional no partido

Já os alinhados com o Planalto preocupam-se com desgaste em 2010 e preferem restringir problemas ao Senado

Entre os candidatos à presidência do PT, apenas os ligados às alas mais à esquerda do partido admitem que a defesa de José Sarney (PMDB-AP) provocou uma crise institucional na legenda. Já a ala mais alinhada com o Planalto, preocupada com os resultados deste desgaste na eleição de 2010, prefere restringir os problemas à bancada no Senado.Nos últimos dois dias, a Folha ouviu cinco dos seis postulantes à vaga hoje ocupada pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). As respostas refletem as divisões que tradicionalmente aparecem no partido.

Candidato apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Eduardo Dutra é o mais alinhado à atual administração. Para ele, o PT vive problemas isolados em meio a uma fase onde há praticamente consenso em torno do nome da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) para disputar o Planalto em 2010, da política de alianças e dos rumos do governo Lula.

Em linha completamente oposta está o candidato da Esquerda Marxista, Serge Goulart. Para ele, é um "erro grave" de Lula e do PT sustentar Sarney. "Toda a crise no partido é resultado da política de alianças. E é uma crise centrifugadora", disse. "O PT está sendo liquidado por uma política que não leva a nada", acrescentou.

De todos, ele foi o mais crítico à postura do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que, na sexta-feira, após sucessivas promessas em contrário, anunciou que permaneceria na liderança do partido no Senado, apesar de discordar da postura da direção do PT e do governo em relação a Sarney.

"Na medida em que ele é líder do partido, deveria conversar esta questão da liderança com o partido, e não com Lula. Ele não é líder do governo".

Markus Sokol, da corrente O Trabalho, classificou a postura do PT no Senado de "lamentável".
"[A crise] é um pedágio que estamos pagando por esta aliança descabida com o Sarney", disse. "O grave é o Planalto expor o partido a uma postura contrária a da bancada". Sokol propôs a Berzoini antecipar a reunião do diretório nacional do partido marcada para 17 de setembro para discutir estas questões, mas até sexta-feira não havia recebido resposta.

O deputado Geraldo Magela (PT-DF), do Movimento PT, também foi crítico à postura do partido. "O PT vai pagar um preço altíssimo por uma crise que é do PMDB. O que aconteceu atinge todo o partido", afirmou. Iriny Lopes (PT-ES), candidata da Articulação de Esquerda, se mostrou solidária à postura defendida por Berzoini e pelo Planalto e disse que Mercadante foi "coerente". "Ele sai fortalecido porque não negociou a liderança. Ele não abriu mão do discurso dele para ficar com o cargo", afirmou. Ela defendeu que o PT precisa ter independência em relação a quem tenha cargo eletivo, mas negou qualquer crise neste sentido. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), candidato pela Mensagem ao Partido, não respondeu às ligações da Folha.

Lula manda liberar emendas parlamentares

Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO


Objetivo é conter rebelião de aliados; reajuste de aposentadorias será discutido
BRASÍLIA. Além de enfrentar a crise no PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá que resolver essa semana três outros assuntos polêmicos: o reajuste das aposentadorias acima do salário mínimo em 2010, o fim do fator previdenciário, e a rebelião dos parlamentares pela falta de liberação dos recursos das emendas ao Orçamento da União. Avisado de que os deputados fariam uma greve branca depois de aprovar a medida provisória 462, na Câmara, o presidente Lula determinou que, amanhã, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, apresente um cronograma para a liberação das emendas.

Já no caso dos aposentados, hoje haverá uma nova rodada de negociações, no Palácio do Planalto, com representantes da centrais sindicais. Os ministros Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência, e José Pimentel, da Previdência, se reúnem com representantes das centrais, dos aposentados e com o relator do projeto que acaba com o fim do fator previdenciário, deputado Pepe Vargas (PT-RS).

O impasse nas negociações ocorre porque o governo só aceita anunciar um reajuste para benefícios acima do mínimo depois que as centrais sindicais desistirem de lutar no Congresso por quatro projetos que mexem nas regras da Previdência. O governo tem como limite um reajuste de 7% para quem ganha acima do piso previdenciário, o que daria um ganho real (acima da inflação) de 3%.

"Acreditamos num acordo com aumento real para quem ganha acima do mínimo, e iremos lutar por isso", disse o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), em nota divulgada ontem.

Na semana passada, em viagem pelo Rio Grande do Norte, Lula foi alertado pelo líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), sobre a rebelião da base aliada pela não-liberação dos recursos das emendas parlamentares. A reclamação é que a área econômica se recusa a discutir o assunto com os parlamentares. Lula, então, pediu ao Planejamento uma posição até amanhã.

- Até terça-feira (amanhã), o governo nos apresentará um cronograma de liberação de emendas parlamentares. É um direito dos parlamentares, (a área econômica) não pode ficar surda e muda - disse Alves.

Lula ainda tem prevista uma reunião com os líderes partidários para quarta-feira. O encontro seria para discutir apenas a questão dos projetos sobre o novo marco regulatório do pré-sal, que serão enviados ao Congresso depois do dia 31. A reunião vai depender da definição dos principais pontos do projeto. Caso ocorra, a conversa entre os líderes da Câmara e do Senado será a primeira depois da crise política ocorrida no Senado, com a ameaça - e depois recuo - do líder do PT, Aloizio Mercadante (PT-SP), de ficar contra o apoio do partido ao presidente do Senado, José Sarney.

Após polêmica com Lina, Dilma sai de cena

Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

Estratégia do governo e do comando da campanha à sucessão de Lula é tentar diminuir desgaste político da ministra

BRASÍLIA. Depois de um período de superexposição na mídia e em palanques políticos - o que motivou ações na Justiça por campanha fora de época - a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, submergiu e pretende mergulhar ainda mais nos próximos dias. No centro da polêmica com a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que a acusa de interferir na investigação sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a estratégia do grupo que comanda sua campanha é tirá-la de cena por um período, que pode ser de apenas uma semana ou mesmo de férias mais prolongadas.

A justificativa é que Dilma precisa reduzir a exposição para se recuperar após o tratamento do câncer linfático.

- Do ponto de vista político, ela vai continuar fazendo o que tem que fazer. A exposição dela é normal, ela é chefe da Casa Civil, organismo central do governo. A diminuição temporária da carga horária não tem nada a ver com a política. Ela vai ficar um pouco menos ativa para terminar a radioterapia e voltar 100% - diz o deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT.

Ministra já reduziu a agenda, sem aparições públicas

Mas, nos bastidores, aliados reconhecem que ela está no limite de suas forças e precisa se recuperar do desgaste imposto pelas declarações de Lina Vieira. A aliados, Dilma mantém a versão de que não se encontrou com Lina. A ministra já reduziu a agenda, sem aparições públicas e sem despachos oficiais, e só pretende reaparecer nos eventos do lançamento do marco regulatório do pré-sal, no dia 31.

Depois, ela deve se recolher. Não se sabe se ela vai se afastar oficialmente, deixando a secretária-executiva Erenice Guerra em seu lugar. O governo ficou irritado com o que chama de exploração pela oposição das declarações de Lina Vieira. O depoimento da ex-secretária na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), na última terça-feira, coincidiu com os dias de tratamento da ministra, em São Paulo.

Ontem, o chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Gilberto Carvalho, saiu em defesa da ministra. Em tom de desabafo, ele disse que quem mentiu foi Lina Vieira, ao afirmar que já esteve no gabinete de Dilma. Para Carvalho, a prova isso é que Lina não conseguiu descrever o gabinete da ministra, além de não ter apresentado provas de que o encontro ocorreu. Para ele, cometeram uma leviandade e uma injustiça contra a Dilma.

- Se fosse alguém do governo que fizesse essa declaração tão infundada e sem descrever o local, como ela não soube descrever, seria declarado um irresponsável. Mas, como é contra o governo, vale tudo. A oposição está sem causa e faz essa injustiça com a Dilma. Ela (Lina) deu a desculpa de que estava na penumbra. Que penumbra? Não tem nada de vista com penumbra - disse Gilberto Carvalho ao GLOBO, afirmando que estava fazendo um desabafo.

Para Demóstenes, episódio enfraqueceu muito Dilma

Já para a oposição, o governo lança mão de uma estratégia política ao esconder Dilma para poupá-la de um desgaste que pode repercutir na disputa eleitoral.

- Como ela não tem peso próprio, quando ela deixa de aparecer, as intenções de voto ou se estabilizam ou caem - avaliou o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (PSDB-SP).

Já o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) disse que a ministra se enfraqueceu muito com o episódio de Lina Vieira e não se sustenta mais como candidata do governo à sucessão de Lula.

- Ela mentiu muito, foi mentindo, mentindo, mentindo, e agora querem tirá-la de cena para repaginar seu currículo. Por conta dela mesma, despencou, e é irreversível. Esse remendo em pneu velho não surte efeito, tem que trocar o pneu. Se o governo não trocar de candidato, vai perder por antecipação. O brasileiro não quer um presidente mitômano - avalia.

- É para tirar a ministra do fogo. É para escondê-la - opinou o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN).

Governistas, no entanto, rejeitam a tese de que a ministra estaria sendo estrategicamente retirada de campo. A explicação para o sumiço de Dilma é sua saúde. Mas todos adotaram um discurso agressivo de defesa da ministra.

- O que a Dilma está fazendo é tirar umas pequenas férias, merecidas. Não tem nada de fugir do caso Lina, até porque qualquer pessoa desapaixonada vê que a Lina está mentindo - defende o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).

PSOL adia para outubro decisão sobre eleições

Soraya Aggege e Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO

Aclamada pelo partido, Heloísa Helena pede prazo para decidir se será candidata a presidente

SÃO PAULO. O PSOL decidiu ontem adiar para outubro a escolha do candidato para a sucessão do presidente Lula. A ex-senadora Heloísa Helena, vereadora em Maceió, foi aclamada durante os últimos três dias, no 2º Congresso Nacional do partido, em São Paulo, mas pediu que a decisão seja anunciada após a construção de um programa de governo.

Heloísa pediu o prazo para se acertar com suas bases em Alagoas, que defendem sua disputa ao Senado. Caso a ex-senadora opte pela candidatura ao Senado, o PSOL poderá lançar a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio ou apoiar alianças. Possível acordo com o PV da senadora Marina Silva também não foi decidido.

- Apesar de algumas pessoas acharem que eu deva criticar Marina, não vou fazer. Ela é uma valorosa e das mais combativas militantes de esquerda - disse Heloísa Helena.

Dentro de dois meses, o PSOL fará conferência eleitoral para decidir sobre a candidatura.

- A decisão não será pessoal, dependerá da reflexão do acúmulo e da estrutura do partido. Além disso, tem pessoas no partido que querem que eu defenda a legalização do aborto, por exemplo, e não farei isso - disse Heloísa.

Na Avenida Paulista, em São Paulo, a manifestação "Vem Marina", organizada pelo PV de São Paulo para atrair a senadora Marina Silva (ex-PT-AC), não chegou a reunir cem pessoas.

Os organizadores culparam a chuva e o frio pela ausência de manifestantes. Durante o ato, os dirigentes do PV tiveram que explicar as denúncias de que o presidente do partido, José Luiz Penna, teria usado dinheiro do PV para pagar viagens de parentes.

- O TSE não reprovou as contas do PV, apenas pediu esclarecimentos que nossa equipe jurídica já está providenciando - explicou o presidente municipal do PV, Carlos Camacho.

Procuradores e juízes veem retrocesso na reforma eleitoral

Flávio Tabak
DEU EM O GLOBO

Para eles, projeto debatido no Senado impede investigações de corrupção

Juízes e procuradores eleitorais farão movimento contra o projeto de reforma eleitoral já aprovado na Câmara e que deve ser votado esta semana no Senado. O objetivo dos juízes eleitorais é tentar impedir a aprovação de medidas que inviabilizam investigações sobre financiamento de campanha, evitam punição e liberam doações ocultas a partidos. Para a presidente do TRE do Rio, Motta Moraes, as regras que chegaram ao Senado deixam brechas para escândalos como o do mensalão. Silvana Batini, procuradora eleitoral do Rio, diz que um dos maiores erros é a fixação do prazo de 15 dias, a partir da diplomação dos eleitos, para a abertura de processo de cassação. “É um retrocesso absurdo. Não dá para investigar em 15 dias", afirma ela. Para valer nas eleições de 2010, a nova legislação precisa ser aprovada até 30 de setembro.

TREs criticam reforma eleitoral

Juízes e procuradores vão tentar impedir medidas que, para eles, inviabilizam investigações

A polêmica da vez no Senado não terá bate-bocas e troca de ofensas em plenário. A munição, agora, vem de setores do Judiciário e do Ministério Público, inconformados com brechas abertas pelo projeto de reforma eleitoral, que, para valer nas eleições de 2010, precisa ser aprovado até 30 de setembro. A discussão em torno da proposta, já aprovada pela Câmara, voltará à pauta, com a entrega dos relatórios finais na próxima quarta-feira. O colégio de presidentes de tribunais regionais eleitorais (TREs) vai discutir o texto do projeto na sexta-feira que vem, para, logo após, publicar um documento com críticas à reforma.

O clima entre juízes e procuradores já esquentou. A ideia é formar um movimento na tentativa de impedir algumas medidas do projeto, como as que, segundo o Ministério Público Eleitoral, inviabilizam investigações sobre financiamento de campanhas e liberam doações ocultas para partidos.

Um dos pontos da reforma permite que os partidos paguem dívidas de campanha de candidatos. Assim, depois da votação, as legendas ficariam livres para arrecadar mais verbas e sanar dívidas de candidatos, com o benefício de só divulgar a lista de doadores no ano seguinte ao pleito. Para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, Alberto Motta Moraes, a nova regra lembra a situação que resultou no escândalo do mensalão. O tema surgiu durante encontro na Escola Judiciária Eleitoral, semana passada, no Rio, quando foi discutido por representantes do Ministério Público Eleitoral e do TRE.

Polêmicas de primeira hora da votação da Câmara, como a regulamentação do uso da internet, ficaram em segundo plano nas críticas do Judiciário. O MP, responsável por denunciar irregularidades em campanhas, terá que resolver outros problemas antes de abrir as caixas-pretas dos comitês em 2010.

A procuradora regional eleitoral do Rio, Silvana Batini, diz que o projeto tem modificações "absurdas", que tornam inviável parte do trabalho do MP. Um dos golpes mais pesados, segundo ela, é a fixação do prazo de 15 dias, a partir da diplomação dos eleitos, para a abertura de procedimento de cassação de mandato por irregularidades na arrecadação e emprego de verbas de campanha.

Para procuradora, retrocesso é absurdo

Antes, de acordo com a procuradora, o artigo 30-A, que trata do assunto, não estabelecia prazo para o início da ação, que era regulada por meio de jurisprudências do Tribunal Superior Eleitoral. Agora, se o texto for aprovado, a denúncia tem de ser feita em apenas 15 dias.

- É um retrocesso absurdo, a mesma coisa que matar o artigo 30-A, conquista da minirreforma de 2006, que veio na esteira no mensalão. Não dá para investigar em 15 dias. A ex-vereadora Carminha Jerominho, do Rio, perdeu o mandato por causa de ação como essa. Como se não bastasse, a reforma permite que o TSE receba recursos dos candidatos sobre esse tema. Antes, os casos ficavam apenas nos TREs. O dispositivo inviabiliza a sanção por irregularidade do financiamento de campanha, origem de boa parte da corrupção no Brasil - protesta Silvana.

A procuradora também sinaliza a ausência de medidas consideradas por ela prioritárias, como uma nova regulamentação para os suplentes e a punição para o abuso do poder econômico e político, que, pela lei atual, tem como pena três anos de ilegibilidade:

- O político comete a irregularidade na campanha, e entramos com a ação, que passa por três instâncias. Quando acaba, se é que acaba, esses anos já se consumiram. O abuso do poder ficou muito mais recorrente depois da reeleição. A reforma decepciona e frustra. Vai virar um jogo de faz de conta.

Outra inquietação do judiciário é a manutenção da regra que permite a eleição de políticos processados ou que tenham contas de campanha rejeitadas. A regra permanece a mesma, e os candidatos podem concorrer sub judice. Com a reforma, estará explícita ainda a permissão para que partidos arrecadem durante o período eleitoral, fazendo o uso das chamadas doações ocultas, só publicadas no ano seguinte da votação.

O presidente do TRE-RJ considera que a Justiça teve a margem de atuação reduzida. A prestação de contas, que não precisaria mais ser aprovada, é um exemplo. Os registros seriam feitos independentemente da análise dos números. Ou seja, o candidato pode até entregar um CD em branco à Justiça, pois o caso só será julgado a longo prazo.

- O texto cria, oficialmente, o mecanismo da doação oculta. Não é uma reforma política, mas sim uma reforma partidária para políticos que me parece amoral - afirma Motta Moraes.

O presidente do TRE do Mato Grosso do Sul, Luiz Carlos Santini diz ter dificuldades para cobrar multas de partidos no estado, que criam diretórios provisórios, sem CNPJ e endereço:

- É um texto paliativo e favorável a situações pontuais que ocorreram no passado.

Entenda as principais mudanças na lei

DEU EM O GLOBO

O texto que será votado no Senado - e já passou pela Câmara - modifica a lei dos partidos e a lei eleitoral:

DOAÇÃO OCULTA: O texto explicita que os partidos poderão receber doações de campanha e repassá-las aos candidatos. Além disso, os partidos poderão assumir as dívidas de candidatos a cargos majoritários. São as chamadas doações ocultas. Atualmente, a lei permite que os partidos recebam doações, e muitos partidos repassam recursos aos candidatos. A intenção é explicitar a possibilidade de que os partidos recebam as doações e repassem aos candidatos, com o objetivo de impedir qualquer movimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de restringir este tipo de doação. Estudo feito por técnicos do TSE afirma que da forma como foi aprovado o texto abre brechas que permitirão bular as regras da lei eleitoral e dificultar a fiscalização dos gastos de campanha.

DOAÇÃO NA INTERNET: Permite a doação de pessoa física via internet, inclusive via cartão de crédito. O doador terá que ser identificado. O limite é de 10% da renda anual.

DOAÇÕES PROIBIDAS: Veda doação de entidades esportivas, mas permite doação de cooperativas privadas, desde que os cooperados não tenham vínculo com concessionários ou permissionários de serviços públicos.

FICHA SUJA: Mantém regra atual de permitir que políticos que respondam a processos ou tenham contas de campanha rejeitadas possam concorrer sub judice; apenas sentença final pode cassar a candidatura.

INTERNET: Libera o uso da internet pelos candidatos e partidos durante os três meses de campanha, que começa em julho. Os portais e sites na internet obedecerão, no caso de debates, às regras de equidade impostas à TV e rádio. Ou seja, nos debates, tanto quanto possível, até candidatos com 1% terão que ser convidados. Pelo texto, sites e provedores poderão fazer propaganda eleitoral paga.

CALÚNIA: Estabelece o direito de resposta contra calúnia, difamação e injúria na internet. Identificada a autoria, o ofendido terá direito a resposta em espaço igual. O provedor terá que tirar, 24 horas depois de notificado pela Justiça Eleitoral, propaganda irregular que estiver veiculando.

PRÉ-CAMPANHA: Regulamenta a pré-campanha, permitindo a realização de prévias partidárias, dá mais liberdade para o pré-candidato na mídia, desde que não peça votos.

CAMPANHA: Proíbe o uso de outdoor e pintura em muro, mas libera cavaletes e mecanismos móveis, desde que sejam colocados às 6h e retirados às 22h. Dá mais tempo para senadores na TV e rádio, quando for eleição de dois senadores e tira tempo de governador e estadual.

República plena, não. Democrática, menos ainda

Renato Janine Ribeiro*
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO / ALIÁS

Aos 120 anos do regime, se falta rigor com o bem comum, sobra desprezo pelos pobres

O centenário da República foi uma efeméride importante. Naquele ano de 1989, o Brasil realizou suas primeiras eleições presidenciais em quase 40 anos. A Constituição tinha sido aprovada um ano antes - a mais democrática de nossas quatro Constituições republicanas, isto se excluirmos as outorgadas em 1937 e 1969, que não podem ser consideradas nem Constituições nem republicanas, não passando de atos de força. O ano também marcava o bicentenário da Inconfidência Mineira, nossa mais lembrada rebelião contra o poder colonial, e da Revolução Francesa, que efetuou na história do mundo o corte cirúrgico, repentino, datado, maior da História (outras mudanças, inclusive a descoberta da América, só ao longo dos anos foram revelando sua radicalidade). Duas décadas depois de seu centenário, o que dizer hoje da República, agora já aos 120 anos de idade?

A rigor, os primeiros cem anos da República foram fortemente deficitários em valor... republicano. Tivemos 40 anos de governos fraudulentos e oligárquicos, a que se seguiram 15 anos de ditadura ou quase. Nosso único período democrático ocorreu entre 1945 e 1964.

Nesse último ano, porém, começou nova e longeva ditadura. Em outras palavras, nos primeiros cem anos da República tivemos liberdades democráticas no percurso que vai da queda de Vargas ao golpe militar, e desde o fim da ditadura castrense. Somando, dá 23 anos em 100. Já os últimos 20 anos foram, todos, de liberdade política. Em outras palavras, passamos de um porcentual temporal de 20% para outro de 100% de democracia. O avanço é impressionante. Se continuarmos assim, o segundo século de república vai esmagar, em qualidade, o primeiro.

Resta muito, é verdade, em termos de ética. Não se sabe se aumentou a corrupção ou se perdemos a ingenuidade e aumentou nossa percepção da corrupção, mas a sociedade passou a considerá-la inaceitável (o que acho um avanço), porque contraria frontalmente o espírito republicano, que defende a res publica contra a apropriação privada do que a todos pertence.

Contudo, a indiferença das lideranças no Congresso e em especial no Senado à opinião pública, a censura imposta ao Estado por um magistrado, fatos reiterados essa semana, são casos que fazem muitos se decepcionarem com a política e os políticos e, não fosse a falta de ambiente para um golpe militar, não sei se o regime civil se sustentaria facilmente.

Usei democracia e república, aqui, como sinônimos, embora a rigor não o sejam . Democracia é o poder do povo, e supõe que tenham poder os polloi, os muitos, em suma, os pobres.

Quase toda democracia tem, por definição, preocupação social, porque os pobres são a maioria e, assim, escolhem quem governa. O populismo pode ser um excesso, um exagero, uma forma específica, mas toda democracia tem de mostrar um empenho em melhorar a condição dos mais pobres. Já a república é um regime que se define, a rigor, não pelo modo de eleição do governante, mas por sua preocupação com a coisa pública, com o bem comum. A democracia é quente, entusiasma (e irrita), enquanto a república é fria, racional, jurídica. Aliás, por isso tudo, uma monarquia pode ser mais republicana do que um regime no qual um general se proclame presidente, sem eleições e às vezes com um mandato vitalício.

A grande pergunta, então, que se torna ainda mais pertinente depois da queda do comunismo (isso porque ele parecia ter vindo para ficar; parecia ter trazido ganhos, ainda que a alto custo; e foi-se embora como uma página que a História apaga, como um erro, como algo que se quer esquecer), é: a Proclamação da República em 1889 foi um ganho para o Brasil? ou uma perda? A pergunta é ainda mais pertinente porque, a rigor, Pedro II poderia ser dito mais empenhado na res publica do que muitos de nossos presidentes. Mas está claro que é difícil responder. Na dimensão do tempo, o que acontece não pode ser comparado com o que poderia ter acontecido. Ao se tomar um caminho, inibe-se o outro - inibe-se até mesmo saber o que seria o outro. Mas é fato que o imperador respeitou mais a liberdade de expressão do que os presidentes da República Velha, e que no Parlamento do Império - em que pese suas eleições serem manipuladas - não se chegou ao nível de fraude que envergonha as primeiras décadas republicanas. Se coroada imperatriz, d. Isabel I certamente teria mantido a tradição que seu pai iniciara, de afastar-se dos partidos. Seria plausível abolir o poder moderador, tornar eleito o Senado, em síntese, ampliar de dentro as liberdades políticas. Uma evolução à inglesa seria possível - porque em 1889 fazia apenas meio século que a rainha Vitória subira ao trono e transformara a desmoralizada e agonizante monarquia britânica numa instituição respeitada, exemplar, e ela o conseguira justamente ao se afastar das disputas políticas, que ficaram com os eleitos do povo.

Terá nossa República sido, então, um retrocesso, como afirmou desde o início Eduardo Prado? Se afirmá-lo é impossível, porque esse caminho foi inibido historicamente, é porém duvidoso negá-lo, quando comparamos as últimas décadas do Império e as primeiras do novo regime.

Mas isso, precisamente porque o ideal republicano foi o que menos existiu no governo fatiado entre as oligarquias. A autonomia das províncias, reivindicada contra o centralismo imperial, reduziu-se a uma federação de déspotas locais. Não houve mais uma figura respeitada - que, talvez por feliz acaso, coincidiu com um imperador ilustrado - capaz de atenuar a temperatura dos conflitos. Nossa história, aliás, quase toda escrita já na recentralização do poder que recomeça em 1930, costuma omitir as guerras civis internas aos Estados, que devastaram o Rio Grande do Sul e o Nordeste.

No entanto, vivemos agora o primeiro período consistentemente republicano de nossa história. Sob a vigência da Constituição de 1946, apelos a golpes e rebeliões militares foram frequentes. O presidente Vargas foi levado ao suicídio. Juscelino, cuja gestão foi mais democrática e tolerante que todas as anteriores, enfrentou uma sucessão de movimentos armados. Quando renunciou Jânio Quadros, o quarto presidente eleito de nossa história (porque não considero eleitos os da República Velha, em que prevalecia a desonestidade eleitoral), seu vice, Goulart, só tomou posse depois de ser devidamente mutilado em seus poderes pela emenda parlamentarista. Teve paz apenas nosso primeiro presidente eleito, Dutra, talvez por ser oficial general.

Já na fase ininterruptamente constitucional que vivemos desde 1985, que começou com a Nova República, o presidente Collor só foi destituído após o devido processo legal. As liberdades de expressão, de organização e de voto, apesar de enfrentarem dificuldades nos primeiros anos pós-ditatoriais, se consolidaram. Pela primeira vez em nossa história, o povo elegeu um presidente de esquerda e ele governa sem problemas que sejam enormes. O protagonismo popular aumenta. Até o que foi pouco ético - a aprovação de uma emenda constitucional instituindo a reeleição para beneficiar quem foi eleito sob regras que a proibiam - acabou tendo um resultado benéfico, com 16 anos seguidos de estabilidade sob partidos opostos.

Regimes políticos são formatados aos poucos. Quando uma Constituição é redigida, ainda não se sabe em que vai dar. Se George Washington e Thomas Jefferson não se tivessem contentado com dois mandatos presidenciais, a história dos Estados Unidos seria diferente. Se FHC ou Lula não tivessem podido se reeleger, não teríamos tido presidentes capazes de construir consensos - um diferente do outro, mas não diferente demais - que estruturaram a política brasileira. Talvez, agora, entremos na era dos gerentes. Talvez o próximo presidente não tenha esse fôlego de líder. Mas foi bom esse período, até porque, curiosamente, perfis pessoais tão diferentes - o intelectual e o metalúrgico - granjearam ambos um respeito mundial pelo presidente do Brasil.

Quinze anos atrás, sugeri que estaríamos vivendo algo parecido à 3ª República Francesa. A primeira (1793) foi turbulenta e morreu logo depois do Terror. A segunda (1848) durou meros três anos. A terceira (1875), alternando o centro-direita e o centro-esquerda, consolidou a instrução universal, a valorização dos salários dos trabalhadores, o respeito às instituições.

Hoje a Presidência se alterna no Brasil entre dois partidos, um que tende à esquerda e outro à direita, mas ambos gravitando rumo ao centro. Isso evita a polarização excessiva, pelo menos em âmbito federal, fortalece o diálogo político, permite consensos eventuais, mesmo que não sejam explícitos. É verdade que nossa educação continua uma lástima e os avanços nessa direção - a definição de instrumentos de avaliação que permitem medir o que falta e o que pode ser feito, a convergência entre PSDB e PT sobre a necessidade e mesmo os meios de melhorar a educação - não apagam o fato de que ainda não se vê luz no fim do túnel. E é certo que nossa Previdência Social e a renda dos mais pobres continuam insuficientes para cobrir as despesas básicas. Ou seja, nosso balanço institucional e político é bem melhor que o nosso saldo social. Estamos melhor em república do que em democracia, se entendermos, como disse acima, que na democracia o conteúdo social é de sua essência. Aí, sim, falta muito.

* Professor titular de Ética e Filosofia Política da USP e autor de A Ética na Política (Editora Lazuli)

Soninha lança pré-candidatura ao governo de SP pelo PPS

Anne Warth –
DEU NA AGÊNCIA ESTADO

Desde janeiro deste ano, ela comanda a Subprefeitura da Lapa e confessa que vai sentir falta do cargo


SÃO PAULO - O PPS confirmou hoje o lançamento da pré-candidatura de Soninha Francine, ex-vereadora e atual subprefeita da Lapa, ao governo do Estado de São Paulo. Em entrevista à Agência Estado, Soninha afirmou que não pretendia concorrer a mais uma eleição - nos últimos cinco anos, disputou três - mas que aceitou o convite do partido, que considerou uma "loucura", por desinteresse em disputar eleições parlamentares novamente. Soninha disse também que deixará a subprefeitura da Lapa somente em abril, e que se perder a eleição, gostaria de voltar para o cargo.

"Eu não pretendia disputar eleição nenhuma em 2010. Nos últimos cinco anos, disputei três, e isso gera um cansaço físico, emocional, é um superdesgaste", afirmou. "Adorei a experiência, mas não tenho mais interesse em ser parlamentar outra vez. Não quero mais. Depois da ousadia do ano passado, o partido me perguntou: e se disputássemos as eleições para o governo? Eu nem pensava nisso, mas respondi que poderia ser, porque é verdade que quero trabalhar no Poder Executivo daqui em diante. É uma loucura, mas vamos tentar", explicou.

Às vésperas de completar 42 anos, no dia 25 de agosto, Soninha é jornalista, separada e mãe de três filhas. Em 2004, ela foi eleita vereadora por São Paulo. Em 2006, tentou ser deputada federal, mas não teve votos suficientes. Em 2007, deixou o Partido dos Trabalhadores (PT) e se filiou ao Partido Popular Socialista (PPS). Na época, ela disse estar desiludida com o PT, e passou da base para um partido de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2008, disputou as eleições para a Prefeitura de São Paulo, obtendo 266.978 votos, 4,19% dos votos válidos, e foi a quinta candidata mais votada.

Desde janeiro deste ano, ela comanda a Subprefeitura da Lapa e confessa que vai sentir falta do cargo. "Eu não queria sair da subprefeitura, o primeiro ano de administração é superdifícil, tudo já está encaminhado e existe uma dificuldade de começar uma coisa nova. Esse ano foi infernal sob ponto de vista de recursos orçamentários, sempre cortando e congelando gastos. Agora que começa a ficar bom, com o planejamento do orçamento de 2010, não vou poder ficar porque a Lei Eleitoral não permite", lamentou.

Soninha afirmou também que os partidos manterão unidade para a eleição presidencial de 2010. "Continuamos no campo da oposição e fazendo parte da melhor aliança de oposição, com o PSDB, e muito provavelmente do atual governador José Serra. A inclinação é essa."

Ela disse que o lançamento de sua pré-candidatura não atrapalha a aliança que o PPS tem com o PSDB e o DEM, que também devem ter candidatos próprios para o governo de São Paulo. "Desde que disputei a prefeitura, essa autonomia de voo do PPS já estava estabelecida. A gente tinha representantes do PPS na administração municipal e o fato de anunciar candidatura própria não interferiu. O mais importante é saber separar trabalho na administração pública da campanha eleitoral", destacou. "Não é uma novidade nem para o prefeito Gilberto Kassab nem para o governador José Serra ter de lidar com isso. O PPS tomou pra si o direito de disputar eleições e de apresentar suas propostas."

Soninha pretende deixar a subprefeitura da Lapa apenas em abril. O lançamento oficial de sua candidatura deve ocorrer durante as convenções do partido, em junho 2010. Apesar de otimista, ela traça um plano realista para 2010. "No cargo em que estou não tenho nenhuma garantia de estabilidade. Nem posso garantir que o prefeito me mantenha no cargo até abril. Mas se ele não tiver outra ideia sairei o mais tarde possível. Se não me eleger, gostaria de voltar, não queria passar tao pouco tempo sendo subprefeita", afirmou.

Sobre como administrar uma campanha de porte estadual, Soninha é realista. "Vamos aproveitar os grandes centros e regiões metropolitanas do Estado como base. Não adianta ter a pretensão de visitar centenas de municípios, mas tenho que estar disponível em diversas regiões e aproveitar muito cidades universitárias. Provavelmente essas pessoas já tem interesse de saber o que pretendo se eleita governadora", disse.

O estilo mais informal adotado na disputa municipal no ano passado deve ser mantido. "Temos algumas prefeituras no interior, em cidades importantes, como Campos do Jordão. Temos o vice-prefeito em São Sebastião e o prefeito em Ilhabela, além de sermos parte de alianças vencedoras. Mas nossos palanques não dependem muito de prefeituras ou de prefeitos locais nos receberem. Gosto mais de debate com 50 pessoas do que discurso para 500. Se as pessoas vão a um comício já estão decididas. Prefiro conquistar os votos", opinou.

O lançamento da pré-candidatura de Soninha ocorreu na capital paulista, em solenidade com a presença do presidente nacional do partido, Roberto Freire, deputados e vereadores da legenda. "Com Soninha, o PPS não está colocando uma candidatura meramente para marcar a sigla, mas com um propósito e um objetivo de melhorar cada vez mais a política por meio das ideologias do partido", disse Freire.

Durante o evento, o jornalista José Hamilton Ribeiro também se filiou ao partido. "Fico lisonjeado que em um período de degradação do cenário político uma pessoa como o José Hamilton veja esperança e se filie agora ao partido", afirmou Freire.