sexta-feira, 11 de setembro de 2009

''Dividir em raças é ideia reacionária''

Moacir Assunção
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


ENTREVISTA: José Carlos Miranda: coordenador nacional do MNS

Coordenador nacional do Movimento Negro Socialista (MNS), a única das entidades ligadas ao movimento negro que é contrária à implementação das cotas raciais, José Carlos Miranda, vai na contramão das demais organizações. Militante do PT e ex-integrante do Diretório Estadual de São Paulo, Miranda classificou de "um enorme equívoco" a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Congresso.

Eis a entrevista:

O que significa, em sua opinião, a aprovação do estatuto?

A lei consagra as políticas racialistas que conspiram contra a união nacional, ao dividir a população em raças. É uma ideia reacionária, ao contrário do alardeado, e totalmente anticientífica.

Qual é o principal problema do projeto, para o senhor?

Se nós reclamávamos das cotas nas universidades, o que foi aprovado, com cotas nos empregos, é ainda mais danoso. Daqui a pouco, teremos sindicatos só de brancos e sindicatos só de negros, o que contraria tudo o que foi feito no Brasil para unir a população até hoje. O que ficou demonstrado, também, é que os movimentos racialistas, boa parte ONGs subornadas por verbas públicas, mantiveram a cota nas universidades em outro projeto. Haverá uma audiência pública sobre o tema, para o qual só foram convidadas as entidades favoráveis à medida.

Há algo mais a ser questionado em torno desse tema?

Também discordamos da forma como se deu a aprovação, por acordo, sem a participação dos deputados em plenário, até para que soubéssemos qual a opinião deles sobre o assunto. Toda vez que esse tema é discutido, a aprovação ocorre assim, sem transparência ou participação popular.

O que o Movimento Negro Socialista pretende fazer agora?

Nós vamos à luta no Senado, para impedir a aprovação dessa proposta. Acho que nem o próprio presidente Lula entendeu o alcance do projeto. Somos contra a ideia de raça, que trará muitos problemas ao Brasil.

Na base da chantagem

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Qualquer pesquisa de opinião atesta: as principais demandas da população brasileira são serviços de saúde de qualidade, educação ao alcance de todos e combate do Estado à segurança para o público.

Diante dessa agenda, seria de se imaginar que a "Casa do Povo", o "Poder mais transparente e acessível da República" - como gosta de se autonomear o Congresso -, optasse por exercer seu papel de representante de acordo com a pauta proposta pelos representados.

Nesse caso, os assuntos em debate no Parlamento guardariam relação com projetos de alcance futuro e visão estratégica. No lugar disso, o que vemos é um empenho quase obsessivo por questões de interesse exclusivo do Parlamento.

Nelas, se destaca a emenda constitucional que recria a maior parte das cadeiras de vereadores anuladas em 2005 pela Justiça Eleitoral - em decisão corroborada pelo Supremo Tribunal Federal -, mediante uma conta de chegar entre a população dos municípios e a quantidade de representantes com direito a uma cadeira nas Câmaras Municipais.

A questão central é: qual a utilidade de se confrontar um dado técnico da Justiça Eleitoral? É anseio da sociedade a recuperação de mais de 7.700 vagas de vereador Brasil afora? Estariam os munícipes a se sentirem subtraídos em seus direitos?

Nem uma coisa nem outra. O assunto só tem relevância para os vereadores. E por que assumem importância capital para os parlamentares com representação federal, ao ponto de conferirem ao assunto prioridade absoluta, um caráter de guerra a ser vencida desde 2005?

A resposta está no relato do deputado Chico Alencar a respeito do que vê no dia a dia do Parlamento: "Os corredores da Câmara estão alvoroçados pela presença de centenas de representantes de uma nova "categoria social", a dos suplentes de vereadores, que ameaça os que têm visão crítica" sobre o projeto de ampliação das vagas.

De acordo com o relato do deputado, a pressão se expressa numa frase dirigida aos deputados federais e senadores: "Cuidado, o ano que vem está aí."

Ameaçam os parlamentares cujos mandatos estarão em jogo em 2010 de negar-lhes os serviços de cabos eleitorais para a renovação dos respectivos mandatos.

Exercem essa pressão de maneira retumbante. Nada contra o sagrado direito dos grupos de pressão. A menos que ele se configure numa chantagem explícita, como é o caso em questão.

Junte-se a isso a dita reforma eleitoral ora em tramitação no Senado, com alterações que visam apenas a atender as conveniências imediatas dos partidos - restrição ao uso da internet, autorização às doações "ocultas" e liberação das "fichas-sujas"- e o que se tem é o que o deputado Chico Alencar chama de operação de miudezas.

Em prejuízo de questões de interesse nacional, pois não se ouvem vozes no Congresso a reverberar os desejos, as demandas, as necessidades da maioria.

Demolição

O italiano Cesare Battisti pode até se livrar da extradição para o País de origem, ao final do julgamento no Supremo Tribunal Federal. Mas, na primeira etapa de votação, quem se deu mal foi o ministro da Justiça, Tarso Genro. Em seu voto como relator, o ministro Cezar Peluso fez picadinho da argumentação do ministro da Justiça.

"Fantasioso", "impertinente", "falacioso", "desprovido de compromisso com a história" foram apenas alguns dos conceitos aplicados por Peluso ao arrazoado de Tarso Genro em defesa de sua decisão de dar a Battisti a condição de refugiado político.

Perdendo ou ganhando, a conta do enorme desgaste que o episódio rendeu, e ainda poderá render, sobrará para o ministro. Ele materializou a vontade dos que dão ao caso uma conotação pessoal de caráter ideológico em detrimento do aspecto jurídico-criminal, que é o que está de fato em jogo.

Rei de França

Na toada da ironia, o presidente Lula tentou disfarçar o constrangimento causado pelo precipitado anúncio sobre a compra dos aviões franceses.

Para fazer bonito diante de Nicolas Sarkozy, fez um feio danado diante dos outros concorrentes comerciais, da Aeronáutica e das regras que regem esse tipo de negócio.

Ademais, deixou-se capturar pela síndrome de Luís XIV - "L"État c"est moi" -, ao trocar o Brasil pelo singular majestático na frase "daqui a pouco vou receber os caça de graça".

É fantástico

Se o curso para melhorar a gestão do espaço quase exíguo de um gabinete no Senado - o da líder do governo, Ideli Salvatti - custou R$ 70 mil, a melhoria da administração da Casa como um todo custaria mais de R$ 5 milhões, levando-se em conta só os gabinetes das excelências.

Não é nada, não é nada, é mais ou menos o equivalente ao pagamento de horas extras aos funcionários no recesso.

Mudou de tom

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O presidente Lula, que é um político muito hábil e sabe para que lado o vento sopra, já começou a corrigir o rumo de sua estratégia eleitoral, admitindo implicitamente que a corrida presidencial não tem mais chance de ser travada apenas entre a candidata petista, Dilma Rousseff, e o representante tucano, provavelmente o governador de São Paulo, José Serra. Mas ele continua querendo que a eleição seja um plebiscito sobre o seu governo, e agora diz que “um candidato da base aliada” será eleito, e cita, além de Dilma, o deputado federal Ciro Gomes, que sairia pelo PSB, e a senadora Marina Silva, que disputaria pelo Partido Verde.

Além do fato de que os eventuais votos em Marina não podem ser contabilizados diretamente para o governo, agora o presidente já parece conformado com a tese do PSB de que ter mais de um candidato da base é a melhor estratégia.

Mesmo porque a ministra Dilma aparece nas pesquisas de opinião estacionada, na melhor das hipóteses, ou mesmo em queda, como na consulta do Sensus para o CNT esta semana, em que ela caiu de 23,5% para 19%.

A pesquisa nacional do Ibope divulgada pela coluna de Ancelmo Gois no GLOBO, que mostra Serra com 42%, Ciro com 14%, Dilma com 13% (caindo 5 pontos), Heloísa Helena com 7% e Marina Silva com 3%, foi encomendada pelo PMDB, e há indicações de que o partido já se mostra sensível à tese de que deveria ter um candidato próprio no primeiro turno, diante da performance nada animadora de Dilma.

Uma visão mais otimista com relação à candidatura da ministra Dilma Rousseff, como a do marqueteiro e publicitário Hayle Gadelha, vai buscar os números de março passado para mostrar que quem está em queda é o governador Serra, que naquela ocasião chegou a marcar 45,7%, enquanto Dilma tinha 16,3%.

Na pesquisa Sensus, Serra caiu para 40,4%, e Dilma subiu para 23,5%. A queda de setembro de Dilma, para 19%, a colocaria no mesmo patamar de março, dentro da margem de erro, enquanto Serra manteve-se na faixa dos 40%, caindo quase 6 pontos percentuais em relação à marca de março.

Como com as estatísticas pode-se fazer qualquer malabarismo, o melhor é se ater à tendência, que mostra uma sólida diferença a favor de Serra. A disputa parece mesmo estar dentro da base aliada do governo, onde Ciro Gomes volta a ser um plano B com mais chances de disputar o segundo turno com o candidato do PSDB.

Tudo indica que, com a candidatura da senadora Marina Silva, a possibilidade de a eleição ser decidida no primeiro turno ficou menor, embora até o momento o governador José Serra vença no primeiro turno em todas as simulações e em todos os institutos.

E há ainda a candidatura de Heloísa Helena pelo PSOL, que aparece nas pesquisas com índices que variam de 7% a 10%, e com picos próximos de 15% em alguns cenários, o dobro do que consegue a senadora Marina Silva.

Sua candidatura ainda não deve ser descartada, embora seja forte a possibilidade de que ela venha a ser candidata ao Senado.

Segundo o ex-deputado Milton Temer, dirigente do PSOL, o raciocínio de quem quer Heloísa Helena como candidata a presidente da República parte de duas preliminares: “Não aceitamos abrir mão de uma disputa polarizada entre o seis e o meia dúzia, dando à candidatura patrocinada por Lula uma falsa imagem de ‘esquerda possível’.

A esquerda estratégica, aquela que não abre mão do que sempre defendeu no combate ao neoliberalismo, não se veria representada”.

Além do mais, questiona, quem garante ser inevitável a vitória de Heloísa Helena numa eleição para o Senado em Alagoas, estado de Collor e Renan Calheiros , onde “de sapatão a prostituta, valeu tudo nas manchetes de jornal e noticiário de rádio e TV, que ambos controlam, para tentar impedir a brilhante eleição que ela conquistou como vereadora, proporcionalmente, mais votada do Brasil”.

Milton Temer admite que existe uma “baita pressão local” para mudar a representação do estado no Senado, mas diz que a parada não está decidida. Hoje há uma reunião em Maceió, mas a decisão final deve sair apenas no final do ano.

Quanto à possibilidade de uma aliança com o PV da senadora Marina Silva, amiga de Heloísa Helena, por enquanto é a alternativa mais difícil. Temer faz parte do grupo que considera a hipótese inviável e garante que Marina “não vai comover o partido para uma aliança em torno do ‘ecocapitalismo generoso’ que defende”.

“Por que entregar 54 segundos de horário de TV para uma campanha onde praticamente nada haverá de referencial em relação aos objetivos táticos e estratégicos do PSOL?”, pergunta Temer.

Já o deputado federal Chico Alencar não é tão definitivo, embora já tenha dito que o PV era legenda de aluguel.

Alencar acha difícil, no entanto, que o PV faça uma reformulação tão profunda em seus quadros que venha a permitir uma aliança política com o PSOL. De qualquer maneira, o partido tende a ter uma candidatura própria à Presidência, para marcar posição.

A versão do ex-ministro Roberto Amaral sobre os fatos narrados na coluna de ontem não difere fundamentalmente da que apresentei, mas acrescenta novos detalhes a seu favor. Ele diz que a demissão do major-brigadeiro Antonio Hugo Pereira Chaves foi pedida pelo presidente da Agência Espacial Brasileira, Carlos Ganem, logo após o incidente, “pois, antes de mim, na reunião citada, fora ele desrespeitado pelo seu hoje ex-auxiliar”.

Para Amaral, a versão publicada na coluna “é fantasiosa”.

Segundo ele, “o ex-diretor foi grosseiro com o diretor-geral da parte ucraniana, O. Serdyuk, e com o vice-diretor técnico brasileiro, João Ribeiro Jr.

Cumpri o dever de defende-los e daí resultou o incidente, muito medíocre, sem os lances rocambolescos (à maneira dos westerns italianos) que lhe descreveram”.

Turbulência

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Mais uma reviravolta no processo de seleção dos 36 novos caças que a FAB pretende adquirir, a um preço que pode chegar a 4 bilhões de euros: apesar da expectativa de que a comissão técnica não indicasse nenhum vitorioso, é exatamente isso que ela vai fazer.

Segundo o brigadeiro Dirceu Tondolo Noro, um oficial aviador com MBA em projeto pela Fundação Getulio Vargas, a comissão, que se chama Copac, vai, sim, indicar "o mais pontuado" entre os três finalistas: o Rafale, da francesa Dassault, o F-18, da americana Boeing, e o Gripen, da sueca Saab.

O que isso significa? Que, se a comissão apontar o Rafale como "mais pontuado", será um alívio geral para Jobim, Amorim, Marco Aurélio Garcia e principalmente Lula, que já deram mil indicações de que preferem o francês.

Mas, e se a comissão indicar o F-18 ou o Gripen? Vai ser uma saia justa, com Lula numa situação desconfortável: ou ele escolhe o Rafale assim mesmo e diz, com todas as letras, que a opção é política e prerrogativa dele, ou desiste do projeto original e fica com o indicado.

Daí, a confusão continua. No primeiro caso, vai piorar a indisposição dos norte-americanos, que já apresentaram cartas, notas e declarações jurando que aceitam transferir tecnologia e não entendem porque estão sendo preteridos. Vai que resolvam retaliar...

No segundo, se ganhar o F-18 ou o Gripen, já imaginou como os franceses vão ficar?

Fecharam submarinos, helicópteros, compras de aviões da Embraer, fizeram tudo direitinho e estavam convencidos -como todo mundo- que é do Rafale e ninguém tasca.

Aliás, mais um dado curioso: o Sukhoi russo foi desclassificado porque... não oferecia transferência de tecnologia. Ou seja: os três que ficaram oferecem. Então, por que o governo insiste em dizer que esse é o grande trunfo só da França?

Ainda tem muito chão, ou muito ar, para esse voo do FX-2.

Sem defesa para a omissão

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Nem na ditadura um acordo militar do porte daquele que foi assinado esta semana entre o Brasil e a França foi tão pouco debatido. O locus por excelência dessa omissão foi o Congresso Nacional. O episódio, contrariando as mais histéricas aparências, selou definitivamente, a nulidade da oposição.

Com a cumplicidade do noticiário, o Senado Federal conseguiu mobilizar durante seis meses a opinião pública em torno de seus malfeitos já esquecidos, enquanto em apenas dois dias sem holofotes, sob regime de urgência e por votação simbólica, aprovou autorização de crédito de R$ 25 bilhões para o programa do submarino nuclear e a compra de 50 helicópteros militares.

Não é preciso macaquear estrangeiros para lembrar que um aporte dessa magnitude, cujos primeiros desembolsos sequer estão previstos na proposta orçamentária de 2010, não é aprovado num país que se orgulhe de funcionar sob regras democráticas.

O Brasil de dois ditadores - Getúlio Vargas e Ernesto Geisel - abrigou uma discussão mais plural dos dois tratados que, na opinião de um dos maiores especialistas em história militar do país, o professor João Roberto Martins Filho (Ufscar), se lhe igualam: os acordos com os Estados Unidos, assinado em 1953, e aquele selado com a Alemanha em 1975.

A democracia tinha apenas sete anos quando os comunistas encamparam uma mobilização nacional contra o acordo com os americanos que, além de concessões à soberania nacional, previa o fornecimento de minérios atômicos do subsolo nacional aos Estados Unidos em plena escalada da Guerra Fria.

A campanha, embalada pelos protestos contra o envio de tropas brasileiras à Guerra da Coreia, correu o Brasil e, apesar da dura repressão do governo Vargas, chegou ao Congresso Nacional onde mobilizou os partidos de esquerda contra o PSD e a UDN, aliada ocasional de Vargas em sua fase pró-EUA.

O acordo foi aprovado mas não sem antes passar por debates radicalizados dentro e fora do Congresso. No dia seguinte, a União Nacional dos Estudantes decretou luto nacional. No Brasil de Lula, o acordo com a França foi comemorado em parada militar com a claque de estudantes bestializados pelo ´Fora Sarney´.

Em sua mensagem ao Congresso, Vargas acusara os movimentos contrários ao acordo de espraiarem o comunismo internacional disfarçados de pacifistas. Na era Lula, a omissão nem carece de disfarce.

Duas décadas depois, o acordo com os americanos seria denunciado por Geisel. O Brasil acabaria firmando um tratado nuclear com a Alemanha que permitiria ao Brasil desenvolver a tecnologia do urânio enriquecido.

A polêmica foi tamanha que a Câmara dos Deputados acabaria abrindo uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as denúncias de que o acordo não havia previsto uma destinação adequada ao lixo atômico nem dado garantias suficientes de que a energia nuclear seria exclusivamente de uso pacífico.

Em ambos os momentos, os militares, ao contrário de hoje, tinham preponderância no debate político. Desta vez, foi um ministro civil quem conduziu o acordo e, munido da estratégia de reaparelhamento das Forças Armadas, selou a supremacia da Defesa sobre as Pastas militares.

Useiro e vezeiro na subjugação do Congresso às conveniências do Executivo, passará aos anais como o primeiro civil a conduzir, sem a legitimidade do debate parlamentar, um acordo militar que redesenha o Brasil na geopolítica mundial.

Ao longo de sua brevíssima tramitação, à qual Jobim compareceu duas vezes sob raras interpelações, levantaram-se suspeitas que não são explicação suficiente para a omissão.

Acusou-se a maior empreiteira nacional, escolhida como parceira da estatal francesa que vai construir o estaleiro dos submarinos, de ter comprado o silêncio das centenas de parlamentares cuja eleição financiou.

Também se levantaram suspeitas sobre uma indústria nacional de helicópteros, em cuja fábrica de Minas serão construídos os helicópteros em parceria com os franceses, que teria zelosamente salvaguardado seus interesses junto a parlamentares da oposição e do governo.

Essa traficância de interesses, se existiu, não terá sido novidade no Congresso Nacional de Lula, Geisel ou Vargas. O que há de novo é que o Poder Legislativo galgou tamanha desimportância que os interesses contrariados pelo acordo não se deram ao trabalho de mobilizar suas bancadas no Congresso Nacional.

A menos que algum imagine que lobbies da indústria armamentista americana, alemã, russa e sueca possam ter escolhido o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) como o único portador de seus queixumes.

Parece mais crível que os interesses contrariados pelo acordo tenham atuado diretamente junto ao Executivo e às Forças Armadas, sem o filtro da Casa que pretende representar a vontade popular.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), ardoroso defensor do acordo desde o início da legislatura, estranhou a ausência de debates. "Não são parlamentares que se deixem levar por uma viagem, um jantar ou um vinho", diz, sobre a comitiva de parlamentares que foi à França a convite dos fabricantes beneficiados pelo acordo.

A segurança nacional, avocada pelos governistas, não cola como explicação para a unanimidade. Como toda política de governo, há espaço para controvérsias. A chance desse acordo vir a afirmar o Brasil para fora do eixo da hegemonia americana já seria suficiente para acirrar os ânimos que costumavam se radicalizar no Congresso entre tucanos e petistas em torno da política externa brasileira.

Perdeu-se a chance de um debate sobre as opções e o custo de uma estratégia de defesa para o Brasil. Se o acordo é tudo isso que a propaganda governista se orgulha em difundir - pela transferência de tecnologia e capacidade dissuasória do país do pré-sal - os brasileiros nunca o saberão.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Pacto pelo Rio

Octavio Amorim Neto e André Urani
DEU EM O GLOBO

A crise gerada pela disputa em torno das regras de distribuição dos benefícios do pré-sal coloca graves riscos para o Rio de Janeiro: perda de muita receita, um duro confronto com outros estados e um novo período de estranhamento com o governo federal. Apesar do apoio dado pelo presidente Lula aos pleitos dos estados produtores, está claro agora que, mesmo com a retirada do regime de urgência, quando a questão for votada no Congresso, os cidadãos fluminenses poderão sofrer uma amarga derrota.

Para evitar esse possível cenário, três requisitos são necessários: vigorosa conduta por parte do Executivo estadual, a apresentação de demandas razoáveis e a sólida união de todas as forças do Rio. Até o momento, os dois primeiros requisitos têm sido cumpridos pelo governador e seus secretários.

O almoço havido na Associação Comercial, no dia 8 de setembro, é um sinal de que a terceira condição começa a ser satisfeita.

Preocupa-nos, porém, o fato de estarmos indo a reboque dos eventos e de termos uma visão circunstancial das ações que nossos líderes têm empreendido a partir da eclosão da sequestão do pré-sal. Tal preocupação decorre da origem e da trajetória política do novo Estado do Rio de Janeiro.

Decretada pelo regime militar em 1974, a fusão da Guanabara com o antigo Rio de Janeiro foi feita de maneira tão autoritária e descuidada que, até hoje, estamos longe de ter uma autêntica identidade política estadual.

O resultado concreto disso é a falta de coesão de nossas elites políticas e econômicas, cujo emblema é a enorme animosidade entre a capital e o interior.

Somem-se os deprimentes problemas sociais e econômicos do RJ à sua capenga identidade política e à falta de coesão das suas elites e se pinta um quadro preciso do que tem vivido o estado nos seus primeiros 35 anos de vida. Embora um considerável progresso tenha sido alcançado nos últimos anos, a solução daqueles problemas só virá, a médio e longo prazos, se começarmos a agir — hoje — no sentido de reforçar a identidade e a coesão política dos fluminenses e de se conceber um estratégia de desenvolvimento que redefina as vocações do Rio.
Que melhor momento para isso do que a crise que se avulta por conta do pré-sal? Esta é a hora de o Rio dar uma virada em sua confusa trajetória política e olhar para a frente. Apesar de nossas mazelas, temos o segundo PIB da Federação e a capital do estado é a grande referência do Brasil no exterior, tendo sediado o PAN 2008 e podendo vir a sediar as Olimpíadas de 2016. Temos que defender o que temos e ir além. É a hora da união. É a hora de fazermos um pacto pelo Rio.
Um pacto não apenas pelos royalties, mas um pacto que demande e promova uma maior coesão dos fluminenses e o reconhecimento de que a maior parte dos nossos problemas decorre de erros nossos e de que a solução deles vai muito além do petróleo.

Sugerimos que o pacto comprometa todas as forças partidárias do estado e as principais lideranças do setor privado e da sociedade civil, não apenas com nossos legítimos pleitos relativos ao pré-sal, mas também a um programa mínimo de políticas que definam uma nova estratégia de desenvolvimento, gerando condições efetivas de solução dos nossos principais problemas socioeconômicos.

O programa sinalizará claramente para o país não apenas a união política do Rio, mas também que os recursos que recebemos do petróleo servem aos mais dignos propósitos.

É praticamente consensual que o Rio se depara, hoje, com enormes dificuldades em três áreas cruciais: segurança pública, ensino médio e estrutura administrativa. Cabe destacar que importantes avanços têm sido feitos nos últimos anos nesses se tores. Prova disso é que não há, hoje, oposição política a eles. Esses avanços, todavia, precisam perdurar e ampliar-se por muito tempo. Isso só será possível se, em caso de alternância no Palácio Guanabara a partir de 2011, as políticas que os sustentam sejam mantidas, tal qual Lula fez com vários programas de FHC e que tantos frutos têm gerado.

Dada a intensa competição partidária que tem caracterizado a política fluminense, a melhor maneira de garantir a continuidade das políticas modernizadoras é por meio de um pacto. Com ele, se estabelecerão não apenas condições objetivas para a solução dos nossos maiores problemas socioeconômicos, mas, por meio dele, poderemos lançar as bases de uma mudança profunda e positiva na maneira de ser e agir politicamente do estado.

Por último, um tal pacto permitirá que o Rio atravesse melhor as ressacas políticas e econômicas que certamente virão caso nossos pleitos relativos ao pré-sal sejam derrotados no Congresso. Mãos à obra.

Octavio Amorim Neto e André Urani são pesquisadores, respectivamente, da FGV-Rio e do IETS.

Aécio estuda deixar cargo para fortalecer o vice

DEU EM O GLOBO

BELO HORIZONTE. Além de se licenciar por 10 a 15 dias em novembro, para se dedicar à pré-candidatura à Presidência, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), cogita deixar o cargo antes de terminado o prazo de desincompatibilização previsto no calendário eleitoral.

Fontes ligadas ao tucano confirmam que ele admite antecipar em pelo menos um mês sua saída, cuja data limite é 31 de março. O objetivo seria pôr em evidência o vice, Antônio Augusto Anastasia (PSDB), e fortalecê-lo na disputa pelo Palácio da Liberdade.

Segundo representante do governo Aécio, o pedido de licença para viajar, que ele diz estudar, seria uma última cartada para emplacar sua candidatura, antes de ceder a uma negociação com o governador José Serra (SP), mais bem colocado nas pesquisas. Caso desista do Planalto, a opção do mineiro seria concorrer ao Senado. O Palácio da Liberdade sustenta que ele ficará no cargo até o último dia do prazo. Admite apenas a possibilidade de licença.

Votação da reforma eleitoral fica para próxima semana

Eugênia Lopes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Objetivo é que reforma entre em vigor já em 2010; crivo presidencial deve ocorrer até o próximo dia 2

BRASÍLIA - Ficou para a próxima semana, provavelmente terça-feira, a conclusão da votação, no Senado, da proposta que altera a legislação eleitoral, anunciou nesta quinta-feira, 10, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). O objetivo dos Senadores é aprovar a reforma, que precisa também do crivo da Câmara dos Deputados, até o dia 2 de outubro, de modo a entrar em vigor já em 2010.

Inicialmente, os senadores tinham previsto concluir a votação na manhã desta quinta-feira, o que não ocorreu porque o plenário do Senado já estava reservado para sessão em homenagem à Associação dos Magistrados Brasileiros. A sessão foi remarcada para a tarde, mas nenhum dos relatores da proposta - Marco Maciel (DEM-PE) e Eduardo Azeredo (PSDB-MG) - compareceram ao plenário para dar continuidade à votação.

O texto básico da reforma eleitoral foi aprovado na noite de quarta-feira, 9, juntamente com quatro emendas propostas pelo relatores da nova lei. Ainda restaram, entretanto, a análise de 14 mudanças propostas pelos parlamentares.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) responsabilizou o presidente do Senado pela suspensão da votação. Na sessão de quarta-feira, Sarney deixou o comando da sessão e subiu à tribuna do plenário para pedir a retirada da proposta que determina a obrigatoriedade de realização de uma nova eleição para os governadores e prefeitos que tiverem os mandatos cassados nos dois primeiros anos de mandato.

Em abril deste ano, a ex-senadora Roseana Sarney (PMDB), filha do presidente da Casa, assumiu o governo do Maranhão depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do governador eleito Jackson Lago (PDT). Roseana foi a segunda colocada no pleito.

Emendas polêmicas

A falta de consenso sobre pontos polêmicos da reforma foi o motivo para o novo adiamento da votação.

Todas as mudanças relativas à campanha e à cobertura jornalística do pleito na web continuam em aberto. Entre elas está uma das emendas de Azeredo e Maciel, que visa deixar claro que blogs, sites de relacionamento e outras formas de expressão na internet ficam livres para abordar a campanha política da forma que quiserem. Ou seja, qualquer pessoa poderá fazer campanha e criticar os candidatos.

Se a discussão acerca da opinião em blogs e sites pessoais parece caminhar para um desfecho, a cobertura jornalística das eleições é alvo de discórdia entre os parlamentares. Em relatório aprovado pela CCT e CCJ na semana passada, Maciel e Azeredo impunham aos sites noticiosos, de empresas de comunicação, as mesmas regras que enquadram a cobertura da TV e do Rádio.

Depois de muita polêmica em torno da questão, os parlamentares voltaram atrás, e definiram que fica proibido dar "tratamento privilegiado sem motivo jornalístico que justifique". Como não ficou específico o que é um motivo justificável para os jornais abordarem certo assunto, o receio é que juízes determinem o que pode ou não ser veiculado pela imprensa online.

Em ambos os casos será proibido se expressar na internet anonimamente e o direito de resposta está garantido, mediante decisão judicial. O cidadão que desrespeitar as regras será multado em R$ 5 mil a R$ 30 mil. O mesmo vale para qualquer candidato que seja beneficiado pela transgressão da lei, desde que fique provado que ele teve participação no ocorrido.

Uma das emendas dos relatores serviu para corrigir uma alteração que o Senado fez no texto inicial da lei, aprovado pela CCJ e CCT. A mudança feita na Casa determinava que os candidatos estavam proibidos de comparecerem a inaugurações ou lançamentos de pedra fundamental de obra públicas no seis meses que precedem a eleição. Azeredo e Maciel determinaram a diminuição do prazo em quatro meses.

Por fim, as emendas dos relatores colocaram a internet sob as mesmas regras das emissoras de rádio e televisão em relação a debates de candidatos. Eles terão que contar com a participação de no mínimo dois terços dos políticos que estiverem concorrendo ao cargo e todos os candidatos de partidos que possuírem 10 deputados federais também terão presença garantida nos debates.

Outras propostas

Restam 14 emendas de outros senadores a nova lei eleitoral. A que gerou maior polêmica foi apresentada por Tasso Jereissati (PSDB-CE). O senador propôs o fim da prática de dar posse aos segundos colocados em eleições para governador e prefeito, quando o candidato eleito é cassado.
Tasso sugere que o novo ocupante do cargo seja escolhido em uma eleição indireta realizada pelo legislativo correspondente (Câmaras municipais, estaduais e federais). A proposta será votada na semana que vem.

Já foram rejeitadas as propostas de Inácio Arruda (PC do B-CE) de proibir a propaganda paga na internet - ela está liberada para candidatos à presidência com restrições de tamanho.

Mendes rebate crítica de Genro a voto contra Battisti

Vannildo Mendes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

'Visão do ministro não é sequer uma visão unitária do Ministério da Justiça', afirma presidente do STF

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, rebateu nesta quinta-feira, 10, as críticas feitas pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao voto do ministro Cezar Peluso, do STF, contrário à concessão de refúgio político ao italiano Cezare Battisti e favorável à extradição dele para a Itália, onde está condenado à prisão perpétua sob acusação de envolvimento em quatro assassinatos.

"A visão do ministro Tarso Genro não é sequer uma visão unitária do Ministério da Justiça", declarou Mendes, referindo-se à recusa de concessão de asilo a Battisti pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão subordinado a Genro.

Na avaliação do ministro da Justiça, se a extradição de Battisti for concedida pelo STF - onde a votação está empatada em quatro votos a quatro -, a decisão poderá ser um "precedente muito perigoso" e capaz de "afetar o equilíbrio entre os três Poderes." Gilmar Mendes, porém, negou que exista risco de crise institucional e que esteja havendo "interferência indevida" de um Poder em outro.

"Nós estamos num outro patamar civilizatório no País. Há muitos anos, nós não temos esse tipo de crise, e não se vai cogitar disso agora. Nós, no Supremo, temos proferido decisões extremamente importantes", afirmou o presidente do STF.

Mendes fez as declarações na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um pouco antes de uma sessão em homenagem ao ministro do STF Carlos Alberto Menezes Direito, que morreu há duas semanas. "O próprio Conare entendeu que não estavam presentes os requisitos para a concessão do refúgio, e olhe que lá, no Conare, votou o secretário-executivo do Ministério da Justiça (Luiz Paulo Barreto Telles).

A visão do ministro Tarso Genro não é sequer uma visão unitária do Ministério da Justiça. E nós entendemos que o Conare é a ele subordinado", afirmou Mendes. O ministro da Justiça, ao conceder o status de refugiado político a Battisti, revogou a decisão do Conare.

O presidente do STF defendeu o voto de Peluso a favor da extradição do italiano: "Acho que foi um voto realmente histórico, proferido por esse juiz excelente." Como a votação no Supremo a respeito do pedido de extradição de Battisti feito pelo governo da Itália está empatada, o ministro Gilmar Mendes dever dar o voto de minerva. Ele não quis, na entrevista que deu há pouco, antecipar seu voto, mas deu a entender que a decisão original do Conare deve prevalecer, porque foi "coerente e muito bem embasada."

Serra critica 'volúpia' da União na arrecadação

DEU EM O GLOBO

E cobra inclusão de verbas da Lei Kandir no Orçamento federal
SÃO PAULO. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), acusou ontem o governo federal de estabelecer um processo centralizador que, segundo ele, prejudica o desenvolvimento do país. Para o tucano, pré-candidato à Presidência, o modelo de arrecadação da União chega a ser “inconveniente” e dá sinais de “volúpia”.

Serra tem feito duros ataques ao governo, principalmente à política econômica.

À frente de uma campanha junto à bancada tucana no Congresso para que os recursos da Lei Kandir sejam incluídos no Orçamento da União, Serra disse que, pela primeira vez, o governo tenta barrar a medida.

— Há um processo no Brasil de centralização que é inconveniente para o desenvolvimento nacional. O Congresso ainda vai ter que analisar. Estou confiante na reposição (das perdas dos Estados), até porque sem ela não se vai poder dar crédito de ICMS nas exportações — disse, espontaneamente, após inaugurar uma escola técnica.

Segundo Serra, São Paulo perde até R$ 600 milhões por ano com a Lei Kandir.

Nova Escola: após novo protesto em Laranjeiras, professores decidem manter greve

Isabela Bastos
DEU EM O GLOBO


RIO - Após quase três horas de reunião na Academia Brasileira de Imprensa, os professores da rede estadual decidiram manter a greve iniciada há três dias até a próxima terça-feira, quando está marcado um novo protesto em frente à Assembleia Legislativa (Alerj). Durante a tarde desta quinta, cerca de 500 professores, funcionários e alunos da rede estadual de ensino, segundo estimativas da Polícia Militar, fizeram passeata em protesto ao projeto do Nova Escola, que viria a ser sancionado no início da noite pelo governador Sérgio Cabral. Os professores, no entanto, insistem na inclusão dos profissionais que trabalham em regime de 40 horas no plano de carreira e na incorporação, ainda neste mandato, da gratificação do Nova Escola, prevista para ser concedida escalonadamente até 2015.

Com flores nas mãos, apitos e narizes de palhaço, os profissionais de ensino tomaram todas as faixas da Rua das Laranjeiras e se dirigiram ao Palácio Guanabara. O protesto foi acompanhado de perto por policiais militares do 2º BPM (Botafogo) e por batedores da Guarda Municipal. Não houve registro de conflitos.

Na chegada ao Palácio, os manifestantes ofereceram flores aos policiais, mas eles as negaram. Somente um tempo depois, um oficial recebeu as flores e cumprimentou os manifestantes. O ato também foi um protesto à truculência policial durante manifestação na terça-feira, quando

O Governo do Estado, em nota, disse nesta quinta-feira que "foi aprovado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) o programa de remuneração aos profissionais da Educação mais ambicioso e consistente dos últimos 30 anos. Não só com relação à valorização salarial substancial, mas no que diz respeito ao estimulo à especialização profissional com agregação remuneratória."

Em outubro, o secretário de Planejamento, Sérgio Ruy, irá receber representantes do sindicato da categoria. Ele tratará especificamente do Plano de Cargos e Salários para os professores de 40 horas semanais que somam 6.000 profissionais.

Na quarta-feira, representantes do Sindicato dos Professores se reuniram com deputados da base governista. A categoria quer a inclusão de profissionais que trabalham 40 horas por semana no plano de cargos e salários. O secretário estadual de Planejamento, Sérgio Ruy Barbosa, disse que o governo não vai voltar a negociar.

- Nós temos seis mil professores com carga horária de 40 horas, oriundos dos antigos Cieps, e eles vão receber o mesmo tratamento que estão recebendo os demais professores que estão contemplados no plano de carreira. O projeto foi aprovado por ampla maioria na Assembleia. Então não há mais razão para retomar essa negociação. O processo está esgotado - afirma o secretário.

Intimidação à imprensa argentina

Janaína Figueiredo Correspondente • BUENOS AIRES
DEU EM O GLOBO

Receita faz megainspeção no "Clarín" e oposição denuncia ataque à liberdade de expressão

O governo da presidente Cristina Kirchner ordenou ontem uma inesperada inspeção da AFIP (a Receita Federal argentina) à sede do jornal “Clarín”, aprofundando o conflito entre a Casa Rosada e os principais meios de comunicação do país. A iniciativa foi criticada pela oposição, que voltou a denunciar a intenção do governo Kirchner de atentar contra a liberdade de expressão, em meio à discussão no Congresso sobre o polêmico projeto de lei sobre serviços audiovisuais, que o Executivo pretende aprovar antes de dezembro, quando perderá a maioria em ambas as câmaras.

Pela primeira vez, em 64 anos, o jornal “Clarín” foi alvo de uma gigantesca operação de inspeção da receita argentina.

Mais de 200 fiscais da AFIP chegaram à sede principal do jornal, localizada no bairro de Constitución, por volta das 15h. Paralelamente, outros 50 inspetores foram enviados a sete empresas do grupo. Segundo empregados da empresa, alguns inspetores atuaram de forma agressiva e, em alguns casos, tentaram impedir a cobertura jornalística do incidente.

— Estamos vivendo uma etapa que parece mais ditadura do que democracia — declarou o editor-geral adjunto do jornal, Ricardo Roa.

No início da noite, integrantes do grupo informaram que fiscais também realizaram inspeções em residências de diretores do “Clarín”. Como na sede do jornal, os inspetores não deram muitas explicações e simplesmente exigiram a entrega de documentos referentes à situação tributária dos diretores que foram alvo da medida.

Jornal denunciara irregularidades

Segundo integrantes do grupo, “chamou a atenção que a inspeção tenha sido ordenada no mesmo dia em que o jornal denunciou irregularidades na entrega de um subsídio de US$ 2,5 milhões a uma empresa por um órgão estatal que depende de Ricardo Echegaray, que também é diretor da AFIP”.

— O governo está buscando ter mais poder e controlar a imprensa, com uma lei que tem como objetivo principal distribuir licenças de meios de comunicação entre grupos amigos — denunciou Roa.

O editor-adjunto do jornal afirmou que “os fiscais da AFIP não conseguiram explicar o que foram buscar”: — Este é um recado para todos os jornalistas. Publicamos uma informação contra o governo e enviaram 200 inspetores. Todos podemos ser vítimas deste tipo de atos autoritários.

Três horas após iniciada a inspeção, o editor-geral do jornal, Ricardo Kirschbaum, disse ter recebido uma ligação de Echegaray, pedindo desculpas pelo incidente. De acordo com Kirschbaum, “o diretor da AFIP negou ter ordenado a operação e comprometeu-se a enviar uma carta de desculpas”.

— Esta é uma situação insólita, o diretor da AFIP disse desconhecer esse procedimento e prometeu punir os funcionários que o autorizaram. Mas não importa quem deu a ordem. Foi uma ação que tentou intimidar nosso jornal — enfatizou o editor.

Nas últimas semanas, o grupo foi alvo de uma série de ataques e perseguições, denunciadas por associações internacionais, entre elas a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). O conflito com o governo se acentuou desde que a presidente enviou o projeto de lei sobre serviços audiovisuais ao Congresso. Se o documento for aprovado, o grupo seria um dos mais prejudicados, já que poderia perder mais de 200 licenças de rádio e TV. Segundo analistas, o principal objetivo de Néstor e Cristina Kirchner é, justamente, enfraquecer o Clarín, considerado um de seus principais inimigos.

No momento em que a sede do “Clarín” estava sendo ocupada pelos inspetores, o vice-presidente Julio Cobos estava reunido com líderes da oposição para discutir o projeto de lei.

Após o encontro, o deputado do peronismo dissidente Francisco De Narváez, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, e o senador Ernesto Sanz, da União Cívica Radical, convocaram uma entrevista coletiva para defender adiamento do debate e, sobretudo, a aprovação do projeto. Na visão da oposição, uma lei tão importante deve ser discutida e votada após a posse dos deputados e senadores eleitos em junho. Perguntados sobre a inspeção ao “Clarín”, eles redobraram suas críticas ao governo K.

— O Poder Executivo usa instrumentos que são do Estado como ferramentas do governo — disse Sanz.

Já De Narváez assegurou que “já nada do que faz este governo surpreende, existe uma clara decisão de atacar a liberdade de expressão”.

Outros deputados opositores, como a radical Silvia Giudici, presidente da Comissão de Liberdade de Expressão, acusaram a Casa Rosada de querer “mudar as regras para que seus aliados assumam o controle de meios importantes”.

— Um dos pontos do projeto que questionamos é o que permite a participação de empresas telefônicas no mercado de fornecedores de TV a cabo (controlado pelo Clarín).

Está claro que a iniciativa busca beneficiar sócios do casal K — disse a deputada.

A medida também foi criticada por líderes de associações rurais, representantes de outro dos setores atacados pelo governo. A AFIP também ordenou ontem uma inspeção no centro de exposições da Sociedade Rural Argentina, que tem entre seus proprietários o deputado De Narváez.

— Pelo visto, o governo escolheu como principais inimigos a imprensa e o campo — disse Hugo Biolcati, presidente da Sociedade Rural.

Pré-sal, pré-história

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O pré-sal não é mais urgente. Confesso que fiquei aliviado com a notícia. Os quatro projetos não tratam do meio ambiente. Independente disto, tenho mais dúvidas do que certezas sobre outros aspectos, tais como o modelo de exploração.

A lacuna do meio ambiente é escandalosa neste princípio de século, às vésperas da Conferência do Clima. Há uma referência ao tema entre os setores que vão receber dinheiro do fundo. Isto é o hábito no Brasil: faz-se um projeto complicado, prevê-se um dinheirinho para o meio ambiente e pronto.

Acontece que há inúmeros pontos a serem discutidos para algo de tão longo prazo. A primeira questão é saber se este tipo de exploração libera mais emissões de CO2 ou outros gases de efeito estufa. Em caso positivo, o que fazer com essas toneladas extras de dióxido de carbono? Taxá-las para um Fundo de Mudanças Climáticas?

Por acaso estas emissões terão influência específica nas correntes marinhas, consideradas um ponto sensível no aquecimento global e que, uma vez alterado, transforma o processo em algo perigoso?

Que modelo de monitoramento ambiental vamos utilizar? Não seria interessante dar uma olhada no que existe no mundo? Há cerca de seis semanas tento fazer uma audiência pública sobre uma nova técnica de armazenamento de dióxido de carbono. Esta técnica é chamada de armazenamento de carbono por injeção. A indústria do petróleo já se prepara para usá-la aqui. Mas só existe legislação na Austrália. Não dá para aplicar mecanicamente.

Estou evitando mencionar que o campo de Jubarte está no Parque das Baleias. Daria um pretexto mais volumoso do que a perereca para a ironia de Lula.

Se pensam que vão vender óleo a partir da devastação ambiental, estão enganados. Sem urgência, têm mais chance de se dar conta.

Padrões da recuperação econômica

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A recuperação econômica vai depender muito do consumo de americanos, de alemães, de japoneses e de ingleses

A IMPRENSA tem chamado nossa atenção para a comemoração de um ano do colapso do banco Lehman Brothers e que jogou a economia mundial no limiar de um precipício. Esse evento, devido aos seus efeitos sobre a vida de milhões de seres humanos, será certamente incorporado à nossa história. A lista de heróis e vilões de nosso passado vai ganhar os nomes de atores maiores e menores desses acontecimentos.

Na sua tarefa de informar, a imprensa internacional tem lembrado pequenos e grandes dramas vividos por pessoas comuns e que foram apanhadas no turbilhão financeiro iniciado em Wall Street. Mas esse não é o objetivo deste espaço da Folha. Para mim, o colapso do Lehman Brothers é um fato superado e hoje me preocupo com as questões voltadas para o crescimento nos próximos anos.

Vivemos um período de recuperação da atividade econômica em praticamente todas as regiões do mundo. Em relação a 2010, assistimos a uma repetição tediosa de revisões -para maior- das expectativas de crescimento. Existe um clima de quase otimismo no ar. As cassandras do colapso inevitável das principais economias de mercado balbuciam -sem o sucesso do passado- advertências contra a euforia exagerada.

A recuperação das principais economias de mercado segue três padrões bastante claros. Um primeiro grupo -do qual nosso Brasil faz parte- retoma o crescimento de forma saudável. As fontes de dinamismo são internas e pouco dependentes da demanda de países no centro da crise mundial. A Austrália me parece outro exemplo claro desse grupo. A economia desses países deve crescer perto de seu potencial já na virada do ano de 2010. Somente um novo colapso das economias mais ricas pode comprometer esse cenário no curto prazo.

Um segundo grupo -do qual a China é o exemplo mais importante- incorpora países que estão retomando o crescimento com base no dinamismo interno de seu setor privado, mas que dependem ainda de um forte estímulo de gastos do setor público. No caso chinês, são as obras de infraestrutura que, ao substituir as exportações para os países ricos como polo dinâmico da economia, preservam o nível de gastos e de demanda interna.

Finalmente, um terceiro grupo, formado pelas economias mais ricas (G7), apresenta maiores riscos associados à sustentabilidade do crescimento. Nesses países, o ajuste de gastos dos consumidores tem sido mais profundo e o corte na disponibilidade de crédito mais acentuado do que ocorreu nas economias dos grupos anteriores.

Além disso, a situação fiscal do governo e o crescimento da dívida pública nos próximos anos limita em muito a manutenção dos estímulos fiscais -hoje, parte importante da recuperação da economia- por um prazo mais longo. Os riscos de uma recaída na recuperação em curso -chamada pelo mercado de Double Dip- são razoáveis em países como os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha e a Inglaterra.

Nos próximos meses, todos os olhos do mundo financeiro estarão voltados para o nível de gastos dos consumidores nessas economias. Com a recuperação da produção em curso, se os consumidores não voltarem a gastar nos próximos meses, teremos um novo acúmulo de estoques e, em seguida, uma nova queda no ritmo de atividade. Dada a importância das economias desse grupo, um novo recuo pode comprometer a retomada do crescimento no resto do mundo.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).