quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Muitas dúvidas

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


As dúvidas sobre a real prioridade que deveria ser dada pelo governo ao reaparelhamento das Forças Armadas, e o que ele deveria objetivar caso considerado de interesse nacional, provocaram diversas mensagens de leitores que resumo na coluna de hoje aproveitando quatro delas. O dirigente do Partido Verde Alfredo Sirkis começa colocando em dúvida a adequação dos equipamentos que Lula quer comprar “ao seu livre arbítrio”.

Para Sirkis, as ameaças que pairam no horizonte do Brasil são as seguintes: 1) as consequências do aquecimento global: maiores enchentes e outros fenômenos extremos como os tornados em Santa Catarina, na região Centro-Sul; a desertificação do semiárido no Nordeste e savanização da Amazônia. “Isso poderá ter um custo em vidas, patrimônio, migração e desestabilização social numa escala que compromete a defesa nacional”.

2) Situações de instabilidade aguda, narcoterrorismo e regimes irresponsáveis em países vizinhos gerando conflitos que podem atravessar nossas fronteiras terrestres.

3) Quebra do monopólio das Forças Armadas sobre o armamento de guerra, controle territorial de favelas e modalidades pós-modernas de insurgência.

“Penso que esse é um problema de defesa nacional em curso há tempos”.

Sirkis diz que “a realidade ou plausibilidade dessas ameaças é infinitamente maior do que um hipotético ataque de alguma grande potência ao présal, que, aliás, só vai operar efetivamente daqui a uns 20 anos”.

Para ele, a questão do equipamento de nossas Forças Armadas “depende de um nova doutrina e de um remanejamento imediato para defender as florestas, evitando queimadas, que contribuem com mais de 60% para nossas emissões de CO2, reforçando a defesa de fronteiras com países de regimes problemáticos que podem provocar guerras civis ou com regiões com a presença de narcoterrorismo e uma integração mais efetiva com as polícias no combate ao narcovarejo que controla territórios no Rio e ataca militar mente a polícia (São Paulo e Salvador)”.

Outro leitor desconfiado da eficácia desse reaparelhamento, principalmente com a tão falada transferência de tecnologia, é o engenheiro químico André Lion, que participou de transferências de tecnologia, tão em voga na década de 70 do século passado.

Ele lembra que a transferência de tecnologia “só faz sentido se depois de realizada o receptor da tecnologia continuar pesquisando e desenvolvendo o assunto, pois de outra forma o conhecimento se tornará obsoleto”.

Para exemplificar, cita que, na época em que um oficial da Aeronáutica brasileira foi com a nave russoamericana em órbita, o governo brasileiro pagou a viagem “porque o Brasil deveria fornecer uma escotilha para ser instalada na nave, mas não se conseguiu desenvolver a mesma satisfatoriamente, o que tornou necessário o pagamento”.

Sobre transferência de tecnologia, o engenheiro Eduardo Siqueira Brick, coordenador adjunto do núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Nest/UFF), diz que “só absorve tecnologia quem é capaz de desenvolvê-la”.

É possível, sim, adquirir (comprar, roubar, copiar) tecnologia, desde que se tenha competência para isso, ressalva Brick.

Mas ele adverte: “Nós temos alguma capacidade para isso, mas falta incentivo para que nossos jovens estudem ciências e engenharias. Temos alguma qualidade, mas falta quantidade . Vamos e nfrentar muitas dificuldades por conta desse descaso”.

O mesmo ponto é levantado pelo leitor Felipe Albano, consultor financeiro, economista com mestrado London Business School.

Para ele, a pergunta a ser feita é por que se deve gastar esse monte de dinheiro em defesa e, em em caso positivo, como devemos nos defender? Albano garante que não é comprando submarinos.

“Você sabe o que aconteceu com os Mirage comprados no passado? Por que vai ser diferente desta vez? Não basta ter aviões, é preciso treino constante, que consome milhões”, lembra ele.

O cético Felipe Albano segue questionando as prioridades: “Se você fosse presidente e precisasse liberar recursos para treinos aéreos e não tivesse verba para educação ou saúde, como você faria? Exatamente o que os próximos presidentes farão: manteria os aviões no chão e seus pilotos destreinados. Defesa é para país rico”.

Seu ceticismo tem base na realidade. O país forma apenas mil físicos e 33 mil engenheiros por ano. “Você acha que, com mil físicos, podemos absorver alguma tecnologia, ainda mais bélica, que envolve materiais que não sabemos como produzir?”, pergunta.

A China, que tem seis vezes a nossa população, forma 300 mil engenheiros por ano. “Embora uma coisa não tenha relação direta com a outra, podemos dizer que formamos poucos engenheiros para o desenvolvimento”, comenta.

Como explica Felipe Albano, “fazer foguetes é fácil, o difícil é saber onde eles vão cair. A tecnologia de “missile guidance” é que é complicada. Vide a Coreia do Norte, que faz foguetes e não sabe onde eles cairão.

Da mesma forma, diz ele, a revista “Popular Mechanics ” publicou em 1954, mais ou menos, como se faz uma bomba atômica, e quase ninguém conseguiu fazer. “O que falta: materiais, engenharia de fabricação e combustível físsil”. E conclui: “Tecnologia não se absorve, desenvolve-se, mas é preciso ter bons engenheiros, físicos e químicos”.

Pesos pesados

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


No início do ano, quando começaram a se acumular problemas para o lado do PMDB - crises no Congresso, denúncias de avanço indevido sobre os fundos de pensão de estatais e acusações internas de corrupção e fisiologismo -, um dirigente do partido farejou as consequências: "Isso pode nos prejudicar em 2010, se perdermos a condição de noiva cortejada para virar uma companhia mal-afamada."

O que então era uma hipótese aventada por um pemedebista antenado hoje já se materializa como realidade na cabeça de petistas inquietos com os resultados das últimas pesquisas de opinião.

A conjugação do desestimulante desempenho da ministra Dilma Rousseff com o alto grau de rejeição aos meios e modos de atuação do presidente do Senado, José Sarney, e sua tropa de choque do PMDB - à qual se aliou o Palácio do Planalto - desperta em vários setores do PT a sensação de que o partido terá uma bagagem excessivamente pesada para carregar na eleição de 2010.

Essa não é uma posição preponderante no governo - cujo plano continua sendo o de eleger Dilma em aliança formal com o PMDB -, mas é uma opinião que permeia o partido e começa a ser explicitada quase abertamente.

Isso não quer dizer que haja a possibilidade de o PT vir a se rebelar contra a candidatura da ministra da Casa Civil. Essa é uma questão vencida, ao menos enquanto não houver uma segunda ordem por parte do presidente Luiz Inácio da Silva.

Significa, porém, que o que até agora era um dogma vai se tornando alvo, senão de contestação, certamente de grande contrariedade interna.

Principalmente depois que as pesquisas confirmaram o temor de que as cenas patéticas produzidas durante o processo de enquadramento do PT à tropa de choque de Sarney, Renan Calheiros e companhia, renderiam danos ao partido.

A despeito de reconhecer a utilidade da formalização da aliança com o PMDB no tocante ao tempo para a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, os contrariados acham que o partido deveria pôr esse dado na balança, mas sem desprezar o peso do dano de imagem que poderia render uma chapa em que a divisão do poder estivesse expressa na figura do vice do PMDB.

Além da ausência de Lula pela primeira vez na cédula eleitoral, os petistas teriam ainda de levar consigo uma candidata de atributos políticos reconhecidamente frágeis e um companheiro de chapa cuja conduta não inspira confiança (para dizer de forma amena) no eleitorado. Não representaria uma grande ajuda a uma agremiação também marcada por escândalos.

Por essa ótica, a negociação de apoios pontuais com o PMDB e a formação da chapa oficial com Ciro Gomes de vice seria uma solução mais confortável. Até porque afastaria o deputado da disputa presidencial e, com isso, mais uma dificuldade para Dilma seria tirada do caminho.

Leva-se ainda em consideração nessas conversas o fator Marina Silva. Com dois tipos de análises. As mais exaltadas defendem o voto na provável candidata presidencial pelo PV, sonham com um segundo turno entre ela e o tucano José Serra e com uma união do PT e adjacências na etapa final. Seus autores, claro, defendem a "desobediência civil" à orientação do Planalto.

As mais prudentes preferem aguardar para ver se na seara de quem, do governo ou da oposição, a entrada de Marina causaria mais estragos.

Casa de enforcado

Em seu discurso de celebração ao Dia da Democracia, o senador José Sarney abraçou a tese de que "a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas". Segundo ele, questão "hoje discutida no mundo inteiro".

Afora a infelicidade da declaração - na essência e na oportunidade -, Sarney incorre em outros dois equívocos.

Ponto um: só os países de regimes populistas e as ditaduras tratam os meios de comunicação como adversários.

Ponto dois: só há conflito de legitimidade da representação naqueles em que as instituições exorbitam de suas funções constitucionais, abrem mão do exercício de suas prerrogativas ou fazem delas uso distorcido de forma a subverter o princípio do sistema representativo.

Nesse desenho de substituição da defesa dos interesses dos representados pela submissão a conveniências outras é que se enquadra o Congresso ora presidido pelo senador José Sarney.

Voto camarão

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, lista aos correligionários do PMDB uma série de motivos para manter a candidatura ao governo da Bahia, no lugar de disputar o Senado como interessaria ao PT, a fim de reduzir a concorrência à reeleição de Jaques Wagner.

Entre as razões está a convicção do ministro de que, uma vez fechado o acordo, o PT faria a campanha de Wagner e deixaria o candidato a senador da aliança no ora veja, a ver acarajés.

Passaporte para o futuro

Roberto DaMatta
DEU EM O GLOBO


O velho passaporte, inventado pelos revolucionários franceses para deter e guilhotinar nobres reacionários que tentavam justamente passar pelos portos da França, faz manchete associado a uma outra ideia arcaica: a do Brasil como país do futuro. Assim tem reiterado Lula, repetido por sua candidata, a chefa da Casa civil, quando profetizam que o pré-sal é o passaporte para o futuro do Brasil.

Atingimos um esplêndido clímax modernizador — pois quinze anos de continuidade de política monetária associada a mercado, competição eleitoral liberal e imprensa livre têm produzido excelentes resultados —, mas um arcaico salvacionismo faz o governo paradoxalmente ressuscitar duas noções reacionárias de nossa tradição nacionalista. Eis, de volta, o ideal do Brasil como país do futuro e a noção do passaporte como diploma da entrada do Brasil no tal concerto das nações tidas como avançadas.

Essas ideias novas, mas são apenas retornos de uma antiquíssima ideologia portuguesa que marcou profundamente a história brasileira, deixando uma cicatriz que, não tendo sido vista e devidamente politizada, volta todas as vezes que estamos prestes a romper certas barreiras. No caso em pauta, trata-se de como lidar com a descoberta de um grande campo petrolífero cujo uso competente traria a famosa redenção (o clássico passaporte) de todos os nossos males.

No passado, quando o Brasil era uma abandonada feitoria, ponto de encontro de aventureiros e criminosos cujo objetivo era enricar e voltar para a terrinha, onde ocupariam um posto superior nas implacáveis hierarquias locais, a política lusitana tinha como alvo esconder as riquezas do Brasil de modo a não despertar a cobiça internacional.

Justo o que tem sido anunciado como grande novidade. De fato, como um reino pequeno e fraco como Portugal poderia colonizar um mundo que ia da Ásia à América meridional, passando pela África? A política de proteção das riquezas da terra largamente desconhecida era um dogma viável, dogma que certamente desenhou o nosso bem estabelecido complexo de vira-lata. A síndrome segundo a qual é melhor deixar a riqueza enterrada do que explorá-la associado a “estrangeiros” que somente querem nos espoliar foi uma política e depois passou a ser um dos elementos-chaves de um nacionalismo que privilegiava certos grupos não por sua competitividade ou competência, mas pelos seus elos pessoais com gente do governo.

Neste contexto, convém lembrar que o livro de Antonil, “Cultura e opulência do Brasil”, publicado em 1711, foi proibido exatamente com esse argumento. Mais do que um documento sobre uma obscura dialética de mercadorias e escravos, o que o trajeto da obra revela é essa dimensão de impotência e fraqueza. Essa visão hierarquizada que, além de permear as relações internas, se projeta mundo afora, escalonando países que seriam sempre e invariavelmente mais fortes, inteligentes e poderosos que nós.

Deste ângulo, seríamos também o título de um outro livro, o de Stefan Zweig: “Brasil, país do futuro”. Estigma, como sugere o prefaciador e biógrafo de Zweig, Alberto Dines, com sua precisão e brilho habituais. Marca de Caim que ao longo do tempo (o livro foi publicado em 1941), e com a devida supressão do artigo indefinido, foi transformado numa pífia racionalização para tudo: da miséria decorrente de uma estrutura social hierárquica e aristocrática; do autoritarismo civil e militar ou popular que ficaria no poder até o povo aprender a ser democrático ou gordo; a um projeto de volta a estadomania; ou de um plano milionário de compra de armas para justamente defender nossas riquezas contra o demônio estrangeiro quando, de fato, temos de defendêlas mesmo é dos nossos administradores públicos irresponsáveis, tão ou mais vorazes e destemidos do que quaisquer alienígenas. Deste modo, se havia miséria, roubalheira, mentira, nepotismo, incompetência e outros bichos, paciência. Éramos (e ainda somos) um Brasil que só tem futuro! Esse futuro que compensa pelo terrível e vergonhoso presente que vivemos.

Chegamos ao ponto. Quantos passaportes para o futuro teve o Brasil ao longo de sua história? Da cana-de-açúcar que adoçou o mundo; ao fumo; ao ouro; aos diamantes; e ao velho e saboroso café? Até a carne, o frango, a soja, o etanol, os aviões e os automóveis? E o que temos feito com todos esses passaportes que criam tanta prosperidade e riqueza senão escravizar os trabalhadores (e as pessoas comuns) e aristocratizar funcionários do Estado? A questão não é de pensar no présal apenas como passaporte para o futuro. O problema é o de, mais uma vez, usar o futuro como um modo de evitar as tarefas urgentes do presente.

O pré-sal só pode ser um passaporte para o futuro quando, por meio de uma grande revolução educacional e cívica, liquidarmos essa sociedade e esse Estado que docemente abriga as liturgias hierárquicas, porque continua idolatrando e, com a mesma força, resistindo a todas as igualdades

Roberto DaMatta é antropólogo

Fábulas paulistas

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


As decisões não serão tomadas hoje, mas se fossem, o PSDB lançaria o governador José Serra seu candidato a presidente, com base no critério de pesquisa de intenção de voto; o candidato ao governo de São Paulo seria Geraldo Alckmin, também com base em resultados de pesquisas, com vice-governador do DEM, que seria o Guilherme Afif Domingos, e total apoio de Serra e do prefeito demista Gilberto Kassab, de cuja fidelidade ao governador não há a menor dúvida até este momento; os candidatos desta coligação ao Senado seriam Orestes Quércia, do PMDB, e um nome do PSDB, sendo o mais provável Aloysio Nunes Ferreira.

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, está afinado com esta equação paulista e concorda com a escolha do candidato presidencial com base em pesquisa, mas como as decisões não serão tomadas hoje, seguirá com sua campanha para viabilizar-se e tornar-se mais conhecido, para o que der e vier. No mínimo, para estar em melhor posição quando chegar o momento das decisões. O governador mineiro cresceu muito no PSDB, ganhou aceitação, é para muitos o melhor candidato. Mas o partido quer que ele apoie Serra, por causa da resposta do eleitorado. Porém, isto pode mudar. Aécio cultiva duas características de sua personalidade: acha-se simpático e mais amplo, e sabe que a qualquer momento, se José Serra mudar suas perspectivas, se os índices de pesquisa se alterarem significamente, se conseguir fazer seu nome sair do lugar mesmo sem expor-se na TV, emergirá. E com apoio total de José Serra.

Esta é a situação real do momento que, às vezes, parece o que não é pela alta dose de conspiração que se atribui a qualquer movimento destes atores até aqui citados. Alguns mitos vêm caindo por terra e, às vezes, como esta semana, quando todos eles se reuniram em São Paulo, desabam de uma só vez.

Por exemplo: a instalação da casa de Minas Gerais na capital é um projeto que Aécio queria concretizar há tempos e não foi nada combinado. O governador mineiro deu a Serra o tratamento de convidado e aproveitaram ambos para mostrar afinação política.

Outro: ainda há um grupo ao redor de Serra, bem menor, hoje, do que já foi, que bombardeia Alckmin, mas Serra já se convenceu que Alckmin é o melhor candidato ao governo paulista para sua candidatura presidencial, pelo simples fato de que tem uma dianteira sólida nas pesquisas. Mas, garantem os espertos, Serra jamais tratou disso com seus mais próximos ou com Geraldo Alckmin.

Mais uma aparência que o encontro desta semana em São Paulo revelou equivocada é que Serra estaria sendo levado a apoiar Alckmin para ceder à força de Aécio. O fato é que Aécio e Alckmin já não são mais tão amigos como quando lutavam na mesma trincheira contra Serra. O governador de Minas afastou-se do ex-candidato do partido a presidente da República desde que este conquistou uma secretaria no governo paulista. Naquele momento seus projetos sofreram uma fissura.

A interpretação sobre a saída de Gabriel Chalita do PSDB para o PSB, em processo, é outro caso nesta relação. Tem vindo acompanhada de uma explicação sobre antiga intenção de Alckmin de também mudar de partido para concorrer ao governo de São Paulo se voltasse a se sentir boicotado por Serra. Dizem hoje tucanos paulistas que Alckmin já não tem mais ligações políticas com Chalita, que nunca foi bem aceito no PSDB. Os dois não são mais peças do mesmo projeto e a ameaça de Alckmin de sair do partido ficou para trás, convencido de que será o candidato de Serra.

Resta a fábula da rebeldia da criatura Kassab contra o criador Serra ao tentar impor-se como candidato ao governo paulista, em 2010, uma jogada para a qual teria o apoio de Quércia. De todas as fantasias, dizem os intérpretes dos movimentos políticos em São Paulo, esta é uma das maiores.

Orestes Quércia quer ser candidato a senador e ganhar a eleição. Seu trabalho político é ajudar a candidatura José Serra dentro do seu partido, o PMDB, fora de São Paulo, uma vez que o controle formal da legenda está com o grupo que apoia Lula. O que ele conseguir é lucro.

Quanto a Kassab está, sim, criando arestas com o PSDB, mas não porque pretenda candidatar-se ao governo de São Paulo. Na sucessão presidencial e estadual o prefeito está fechado com Serra. O que tem incomodado os tucanos paulistas, porém, é a ampla organização que Kassab está promovendo do Democratas em todo o Estado. A instalação do DEM pelo interior, um trabalho liderado pelo prefeito que hoje é o principal político do partido, tem avançado em espaços do PSDB e atropelado alguns caciques tucanos que reclamam da invasão demista. Um contencioso real e forte, o único que pode ser visto concretamente. Expansão, e isto não é fantasia, que tem tudo a ver com a criação de bases de uma candidatura ao governo de São Paulo, mas a partir de 2014.

Unesco

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) faz alguns esclarecimentos a respeito de dados aqui publicados a partir de avaliação de seus dirigentes sobre programas de alfabetização de adultos no Brasil e no mundo. Fica claro o objetivo da instituição de corrigir e superar a impressão que pode ter ficado nas autoridades educacionais do governo de que ali há críticas à administração federal. Segundo a assessoria da Unesco, o relatório de monitoramento de 2008 informa que, entre 2001 e 2006, segundo o IBGE, haviam sido alfabetizadas 1,4 milhão de pessoas no Brasil, sendo a meta do Plano Nacional de Educação alfabetizar 10 milhões de pessoas entre 2001 e 2010. Diz ainda a instituição que a taxa de analfabetismo adulto no Brasil está decrescendo, ainda que em ritmo que dificilmente possibilitará o alcance das metas do plano, apesar dos esforços das autoridades do governo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

De festa e perspectiva

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Festejar a perspectiva de crescimento de 1% este ano, como está fazendo agora o governo federal, é típico da mediocridade brasileira. Conformamo-nos com pouco, com muito pouco.

É óbvio que, depois de uma baita crise internacional, conseguir crescer é mesmo para festejar. Mas o festejo não dá o direito de perder a perspectiva.

Qual a perspectiva a meu ver mais adequada? É a que oferece João Paulo de Almeida Magalhães, presidente do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, em entrevista para o número de julho da revista do Ipea, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.

Há alguns anos, citei aqui Almeida Magalhães apontando 7% como o nível de crescimento desejável para o Brasil, numa época em que parecia um número grande demais. Ele não mudou de opinião e sua "rationale" parece imbatível:

"O crescimento entre 1980 e 2005 foi insuficiente, apenas 2%, 3% ao ano. Nesses últimos anos melhorou um pouco e passou a 4%.

Mas ainda é insuficiente, porque num período de 30 anos, após a Segunda Guerra Mundial, crescemos 7% na média. Os países asiáticos vêm crescendo nessa faixa há praticamente 30 anos. Assim, vamos voltar a crescer mediocremente como aconteceu nesses últimos 30 anos", disse à revista "Desafios do Desenvolvimento".

Almeida Magalhães lembra ainda um fato óbvio mas que costuma ficar meio nas sombras do noticiário: "O crescimento é uma situação normal em todo o mundo. Não há país que não cresça".

Só para lembrar: os outros três Brics (Rússia, Índia e China) desde 1966 crescem o dobro da média anual per capita brasileira (3%).

Como diria Che Guevara, se ainda vivesse e conhecesse o Brasil: "Hay que conmemorar pero sin perder la perspectiva jamás".

Um ministro que se põe acima das instituições

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Definitivamente, nosso ministro da Justiça, Tarso Genro, se acha, como dizem os jovens hoje quando se referem a alguém que tenha um ego exagerado. Ora, direis, este não é um problema meu, nem seu, nem nosso, mas apenas dele, algo que deve tratar com um psicanalista no divã. O problema é que, com todo o gás inflado nesse ego pelo chefe Luiz Inácio Lula da Silva, Sua Excelência tem ultrapassado todos os limites da sensatez, qualidade da qual a Nação não pode abrir mão quando se trata do ministro da Justiça, certo? Pois é. No caso da extradição ou asilo do homicida italiano Cesare Battisti, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), o impetuoso gaúcho, que lida com as palavras como se estivesse domando potros numa estância, concedeu-se o papel que os coronéis de antanho atribuíam ao chefe de polícia: prender, manter preso e soltar, o supra-sumo do mando, o poder em sua essência mais profunda e afrodisíaca, como definia o dr. Ulysses Guimarães.

Procurado na Itália, como Josef Mengele o fora na Alemanha pós-guerra, Ronald Biggs na Grã-Bretanha e mais recentemente Rodríguez Abadia na Colômbia e nos Estados Unidos, Cesare Battisti procurou refúgio no Brasil, a exemplo dos nostálgicos do nazismo do clássico Interlude, do mestre do suspense no cinema Alfred Hitchcock. Aqui foi encontrado, preso e mantido no presídio da Papuda, em Brasília. O governo italiano, então chefiado por Romano Prodi, pediu sua extradição. O atual, sob a chefia de Sílvio Berlusconi, tem-se empenhado em levá-lo de volta aos cárceres pátrios. Com base na obviedade ululante de que a Itália é um país amigo, democrático, dispõe de uma Justiça que não costuma cometer arbitrariedades persecutórias e é respeitado por não ter cedido à tentação totalitária para combater o crime organizado, órgão técnico do Ministério da Justiça, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), recomendou ao titular da pasta que extraditasse o prisioneiro. No fim de novembro de 2008, foi publicado esse parecer do Conare, que se recusou a atender ao pedido de refúgio feito por sua defesa. Mas Genro não o aceitou e resolveu dar asilo político ao ex-integrante das Brigadas Vermelhas, que alega inocência.

A decisão do subordinado foi avalizada pelo chefe. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiou publicamente seu subordinado, apesar das implicações que o desenlace do episódio teria inevitavelmente nas relações entre Brasil e Itália. Mas isso é o de menos, pois ninguém espera que os italianos, com uma relação de parentesco com o país que acolheu tantos imigrantes de lá egressos, rompam relações por não terem atendido pelo parceiro seu pedido de extradição de um bandoleiro qualquer. Além do mais, como ensinou o presidente da Dassault, Charles Edelstenne, no recente imbróglio da compra dos caças para a Força Aérea Brasileira, nesta sociedade materialista de nossos dias governantes não são mais estadistas, mas meros representantes comerciais, que compram e vendem produtos de e para outros países para garantir empregos e eleitores nos próprios. Mas é muita vela para defunto parco.

Battisti não é um herói da esquerda, muito menos da democracia. É apenas um assassino foragido e localizado, como Adolf Eichmann, sequestrado em Buenos Aires pelo Mossad e depois julgado em Jerusalém, caso que inspirou o clássico ensaio de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. Mas o douto ministro acredita que idiossincrasia ideológica possa ser algo relevante a ponto de não levar em consideração os fatos, as relações bilaterais e o conceito básico da civilização de que delitos contra a vida devem ser punidos. Seu empenho em manter o fugitivo no Brasil foi tal que, numa decisão inusitada, o relator do caso no STF, ministro Cezar Peluso, dedicou parte importante de seu voto pela extradição a execrar o exagerado interesse da autoridade pelo delinquente. Sua Excelência sentiu o agravo e reagiu como se a preservação de sua imagem tivesse prioridade sobre a higidez das instituições do Estado de Direito. Em vez de calar e aguardar, partiu para o revide e anunciou a iminência de uma crise institucional entre os Poderes Executivo, ao qual serve, mas que não chefia, e Judiciário, que ousou revogar seu alvará de soltura do preso in pectore (do peito).

O presidente do STF, Gilmar Mendes, negou a perspectiva de uma crise entre Poderes por conta de um morador do presídio da Papuda, em Brasília: "Nós estamos num outro patamar civilizatório no País. Há muitos anos, nós não temos esse tipo de crise, e não se vai cogitar disso agora. Nós, no Supremo, temos proferido decisões extremamente importantes." E atirou na direção do gabinete de outro ocupante da Esplanada dos Ministérios uma farpa com curare, o terrível veneno indígena, na ponta. "A visão do ministro Tarso Genro não é sequer uma visão unitária do Ministério da Justiça", comentou, lembrando o parecer contrário ao pedido de refúgio do italiano emitido pelo Conare e definido pelo jurista como tendo sido "coerente e muito bem embasado".

O desnecessário bate-boca coincidiu com o anúncio pela Polícia Federal, como o Conare subordinada ao ministro da Justiça, de um programa de computadores, o Fim da Linha, para impedir a entrada de foragidos do exterior no Brasil. Mesmo tendo sido mera coincidência, não deixa de revelar uma enorme incoerência do governo Lula.

E queira Deus que se tenham equivocado todos os jornais, inclusive este, quando informaram que o voto a favor de Battisti poderá ser decisivo na escolha do substituto do falecido ministro do STF Carlos Alberto Menezes Direito. Era o que faltava no lamentável incidente: mostrar a escolha de um juiz do Supremo pelo primeiro magistrado da Nação condicionada aos caprichos de um ministro e ao perdão a um sicário.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Reforma libera doação oculta e uso da internet nas eleições

Maria Lima e Adriana Vasconcelos BRASÍLIA
DEU EM O GLOBO

Manifestação de opinião na rede será livre; só anonimato é proibido

O Senado concluiu a votação da reforma eleitoral e derrubou restrições à cobertura jornalística na internet para as eleições de 2010. Pela proposta, aprovada em votação simbólica, a manifestação de pensamento será livre em toda a rede, de sites jornalísticos a blogs, passando por Orkut e Twitter. A Câmara analisará o texto da reforma, mas a parte sobre internet não será mais alterada, pois resultou de acordo partidário. Está liberada a doação oculta, tal como fora aprovada na Câmara: são autorizadas contribuições diretas a partidos, sem identificação do candidato. Os partidos só terão que divulgar os doadores seis meses após a eleição.

Internet liberada nas eleições

Senado retira restrições à cobertura jornalística na rede, mas mantém doação oculta a partidos

O Senado concluiu ontem a votação da reforma eleitoral e decidiu derrubar completamente a censura na cobertura da campanha eleitoral na internet, mas manteve a doação oculta a partidos e candidatos. Pelo texto, aprovado por voto simbólico e que ainda precisa passar por nova votação da Câmara até o fim do mês para vigorar nas eleições do ano que vem, é livre a manifestação de pensamento na rede mundial de computadores durante a campanha, vedado o anonimato.

O relator Eduardo Azeredo (PSDB-MG), porém, não conseguiu compatibilizar essa liberdade no artigo 46, que fora votado antes e que limita a realização de debates nas webtvs. Essa restrição, que exige convite a 2/3 dos candidatos cujos partidos tenham no mínimo 10 deputados, deve ser disciplinada pela Câmara.

No último minuto antes da votação relativa à campanha na internet, quando os senadores se preparavam para votar emenda de Álvaro Dias (PSDB-PR) e Aloizio Mercadante (PT-SP) derrubando a censura, Azeredo apresentou emenda de plenário que foi aceita por todos.

As emendas de Dias e Mercadante suprimiam todo o artigo 57-D (que tratava das restrições), deixando no lugar apenas o direito de resposta. Mas Azeredo argumentou que a omissão levaria o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a legislar sobre questionamentos em relação à matéria. Por isso, deixou claro no texto aprovado que “é livre toda a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, sendo que utilização indevida e abusos serão apreciados na forma da lei”.

— Sou contra a censura. Mas não podemos aceitar a tese de que a internet é terra de ninguém — justificou Azeredo.

Outro ponto que provocou debate acalorado no Senado foi a regulamentação da substituição de governadores e prefeitos em caso de cassação de mandatos dos titulares. Pelo acordo aprovado, em qualquer momento da vacância, mesmo que no último ano do mandato, os tribunais marcarão nova eleição direta para a escolha do substituto. Mas os senadores admitem que foi uma decisão política, pois a medida deveria ocorrer por meio de emenda constitucional e deve cair na votação na Câmara.

— Foi uma manifestação política para mostrar a insatisfação do Senado com as interpretações desencontradas que têm sido dadas pelo TSE nas cassações. O objetivo é estar em sintonia com a sociedade — afirmou Renato Casagrande (PSB-ES).

Relator da proposta de reforma eleitoral na Câmara, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) adianta que a decisão do Senado contraria o entendimento da Câmara.

— Na Câmara, o entendimento é que qualquer regulação sobre isso depende de mudança constitucional. Lá a gente tende a ser coerente com o que aprovamos — disse Flávio Dino.

PSOL já ameaça ir ao STF contra regra para debates

Mesmo ameaçando recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), não surtiu efeito o apelo do líder do PSOL, José Nery (PA), para que fosse feita emenda de redação que acabasse com as restrições à participação dos pequenos partidos nos debates eleitorais promovidos por emissoras de rádio, TV e internet.

— Seremos mais uma vez obrigados a ir ao STF para arguir a inconstitucionalidade desse dispositivo, que caracteriza uma cláusula de barreira, que impede os pequenos partidos de participar dos debates eleitorais — anunciou Nery.

Pela segunda vez, durante a votação da reforma, o presidente José Sarney (PMDB-AP), desceu ontem da Mesa para debater. Desta vez, para elogiar o acordo garantido em plenário que derrubou todas as restrições à cobertura jornalística das eleições na internet: — Este é um assunto sobre o qual desejo me manifestar. Por isso voltei ao plenário. A internet é uma tecnologia que veio para ficar e deve ser totalmente livre.

Também foi polêmico o debate sobre doação oculta. Eduardo Suplicy (PT-SP) tentou derrubar a manutenção da regra que permite a empresas doarem diretamente a partidos, no primeiro momento, de forma que os candidatos beneficiados com os recursos não sejam identificados. Sem sucesso. O argumento do PSDB é que os doadores, temendo perseguição do governo, não doariam a candidatos que não fossem aliados se identificados antes. Os doadores só precisam ser identificados seis meses após a eleição.

— Por que só seis meses depois da eleição o eleitor pode ficar sabendo que empreiteira tal deu R$ 500 milhões para um candidato e R$100 milhões para outro? Essa é a emenda mais séria que estamos votando — defendeu Pedro Simon (PMDB-RS), antes da emenda ser derrotada.

''Aécio é meu plano B; eu sou o plano B dele'', diz Serra

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Tucanos voltam a se encontrar e reforçam fala de unidade para 2010

Em mais uma demonstração de unidade, os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) reforçaram ontem a aliança para a eleição presidencial de 2010 e articularam uma agenda administrativa comum, passando por temas que vão do pré-sal a segurança e emprego. Em encontro no Palácio dos Bandeirantes, Serra deu o tom do clima entre os dois nomes do PSDB na corrida presidencial. "Aécio é o meu plano B, e eu sou o plano B do Aécio."

Os governadores encontraram-se pelo segundo dia consecutivo, desta vez em almoço no palácio.
Os dois resolveram intensificar o intercâmbio de experiências administrativas nas áreas de emprego, segurança e educação. Também buscarão ação conjunta no debate dos quatro projetos que tramitam no Congresso sobre pré-sal. Concluíram ainda que discussões sobre o sistema de partilha dos royalties devem ficar para depois de 2010.

Ao lado de Aécio, Serra criticou o governo federal por não ter colocado, na proposta orçamentária de 2010, o ressarcimento parcial dos Estados com a desoneração de ICMS para exportadores.
Disse que, dessa forma, joga-se nas costas de Estados e municípios a totalidade das perdas. Aécio endossou o paulista. "Daqui a pouco vai acontecer isso, vamos viver em um Estado unitário com os Estados cada vez mais fragilizados", afirmou Aécio.

PERDAS

Munidos de uma tabela, os dois destacaram que as perdas dos Estados, com o não-reembolso parcial por parte da União, chegam a R$ 5,2 bilhões. Ao todo, Estados e municípios deixam de receber R$ 20 bilhões com a desoneração das exportações. "Fala-se muito da recuperação da economia, mas o desempenho da arrecadação tem sido medíocre e as projeções para o ano que vem não são nada eufóricas nessa matéria", disse Serra. Os governadores articularão ação na Comissão de Orçamento para reverter a situação. "Sem dúvida nenhuma, na Comissão de Orçamento, como disse Aécio, porque não se trata de interesse de um partido, de um governador de oposição com relação a outro governador de oposição, não. É de interesse da federação, interesse de todos os Estados", afirmou Serra."E, agora, o governo simplesmente não coloca um real sequer no Orçamento para esse ressarcimento", acrescentou Aécio.

Os dois tucanos estiveram juntos anteontem na abertura do Espaço Minas Gerais, um escritório de promoção de turismo e negócios mineiros em São Paulo. Na ocasião, criticaram a "volúpia arrecadadora" e "centralizadora" da União.

UNÍSSONO

Com o objetivo de evitar os erros cometidos nas campanhas de 2002 e 2006, quando o partido não se uniu em torno do projeto nacional, Serra e Aécio têm buscado passar uma imagem de unidade em torno da proposta tucana de retomar o poder.

Ontem, os dois governadores voltaram a trocar elogios ao comentar a questão partidária.

"Sou contra o Aécio desistir. Um vai erguer o braço do outro, qualquer que seja a decisão tomada", afirmou Serra.

"Nem eu, nem Serra impomos qualquer coisa. Sabemos que candidaturas impostas não têm um desfecho feliz", declarou o governador de Minas Gerais.

Entrevista - Aécio Neves: Fila existe em ponto de ônibus e é sempre muito desagradável

Catia Seabra
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Mineiro rejeita tese de candidatura natural de Serra à Presidência e defende prévias no PSDB

Exaltando sua capacidade de agregação como trunfo, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, 49, negou ontem que tenha selado um acordo com o governador de São Paulo, José Serra, 67, para dispensa de prévia na escolha do candidato do PSDB à Presidência. Ontem, pouco antes de almoçar com Serra, em São Paulo, Aécio pregou "ao novo" na política.

FOLHA - Expressões suas como "o tempo dirá" ou "outros instrumentos [que não as prévias]" sinalizam um recuo. Existe esse recuo?

AÉCIO NEVES - Não. Continuo achando as prévias o melhor instrumento não só de escolha do candidato, mas para mobilização das bases. Quando falo em outros instrumentos, é porque essa não é uma decisão solitária. Reafirmo que seria um grande equívoco o PSDB novamente definir seu candidato a partir de um pequeno grupo.

FOLHA - E a pesquisa?

AÉCIO - É um instrumento valioso. Mas tem que levar em consideração o nível de conhecimento e de rejeição do candidato. Outros fatores, como a possibilidade de ampliação de aliança, certamente serão levados em conta se a decisão for submetida ao conjunto de tucanos do país inteiro, não apenas de alguns poucos Estados. Não seria correto desprezar uma candidatura que apresenta índices tão expressivos como a do governador Serra. Esse é um componente importante. Mas precisamos incorporar outros. Numa eleição, mais importante que a largada é a chegada.

FOLHA - O sr. aponta a capacidade de ampliação como vantagem. Acha que amplia mais do que o Serra?

AÉCIO - Não coloco como vantagem. Mas como necessidade. Não apenas para vencer, mas, principalmente, governar. Seria natural que buscássemos desde já, além do DEM e PPS, agregar alguns outros atores vitais para a governabilidade. Não cabe a mim dizer quem tem melhores condições para construir essa aliança. Mas tenho trabalhado na busca da atração de outros parceiros.

FOLHA - É um ponto positivo?

AÉCIO - Meu perfil, a construção política que fiz ao longo da vida, me permitiriam atrair alguns outros atores. Digo isso respaldado pelas manifestações públicas desses atores.

FOLHA - O sr. diz que está ultrapassado o modelo oposição x governo.

AÉCIO - O Brasil está em busca de uma nova convergência política. Esse maniqueísmo, onde a disputa pelo poder prevalece se exauriu. O retrato da política é que temos um país polarizado. De um lado o PT, com seus aliados. De outro lado o PSDB, com os seus. Aquele que perde vai para um canto do ringue, criando dificuldades para quem venceu. Devemos fugir, nas próximas eleições, do roteiro de 94, 98, 2002 e 2006.

FOLHA - A candidatura do Serra encarna mais esse antagonismo?

AÉCIO - O governador Serra, se for candidato, terá condições também de atrair algumas forças políticas. Seria leviandade dizer que atraio mais. Estou dizendo que meu perfil traz uma atração natural até pelas relações que construí.

FOLHA - Sente-se pressionado a ocupar a vice?

AÉCIO - De forma alguma, até porque o partido sabe que esse tipo de pressão comigo não funciona. Não seria desonra ser candidato a vice. Apenas repito: seria presunção do PSDB achar que, solitariamente, pode montar uma chapa, vencer as eleições e governar.

FOLHA - O sr. não seria vice?

AÉCIO - Não cogito isso. Não acho que seja produtivo, não tem o efeito eleitoral que alguns podem achar. Meu nome está colocado por setores do partido como possibilidade à Presidência. Não sendo candidato à Presidência, não preciso de compensação.

FOLHA - Avaliação que aqui se faz é que com São Paulo e Minas...

AÉCIO - "Aqui se faz". É uma avaliação que alguns setores fazem. Respeito. Da mesma forma tenho certeza que será respeitada minha posição.

FOLHA - Essa avaliação é feita em cima da performance do PSDB em Minas nas eleições de 2002 e 2006. O sr. foi bem. O PSDB levou uma surra. Dizem que o sr. amarrado ao projeto garantiria vitória em Minas.

AÉCIO - É uma avaliação equivocada e injusta. Se não tivemos o resultado que queríamos, é porque enfrentamos o presidente Lula, com altíssima popularidade. Não foi o caso específico de Minas.

FOLHA - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse mesmo que o sr. também seria responsabilizado por uma eventual derrota?

AÉCIO - Nunca houve essa conversa. Até porque o presidente FHC tem por mim o respeito que tenho por ele. Não existe essa cobrança.

FOLHA - No Rio Grande do Sul, acredita numa aliança com o PMDB?

AÉCIO - Devemos buscar com o PMDB. O caminho natural é uma grande aliança que vai disputar contra o PT. Até mesmo com a participação do prefeito Fogaça como candidato. Mas temos que permitir que a governadora Yeda [Crusius] conduza esse processo.

FOLHA - O sr. fez acordo com Serra para que não haja prévia?

AÉCIO - Nunca houve isso. Nem para a composição das chapas. Respeito os que defendem a chapa só do PSDB. Respeito os contrários às prévias. Mas tenho uma posição oposta. Não houve nenhum acordo.

FOLHA - Derrotado na prévia, vai concorrer ao Senado?

AÉCIO - Não há essa definição. Um caminho natural seria o Senado. Não quero especular. Meu nome está colocado como opção para presidente.

FOLHA - Em São Paulo, diz-se que Serra já fez sacrifícios pelo partido. Que é a vez do seu sacrifício partidário. Que em política existe fila...

AÉCIO - É uma opinião que respeito de algumas lideranças de São Paulo. Se você for conversar com políticos de Minas, a visão é outra. A nenhum, pode-se cobrar sacrifícios. Todos fizemos nossa parte. Não é isso que está em questão. Não se trata também de fila. Na verdade, onde existe fila é em ponto de ônibus e é sempre muito desagradável. Candidato é aquele que apresentar melhores condições de vitória.

FOLHA - Acha que a candidata do PT será a ministra Dilma Rousseff?

AÉCIO - É a candidata apontada pelo presidente. É uma candidata que tem inúmeras virtudes. Essa eleição não será fácil para ninguém. Aqueles que acham que, com uma canetada, um discurso, Lula elege seu candidato se decepcionarão. Aqueles que acham que os números das pesquisas que nos favorecem hoje garantem nossa eleição também podem se decepcionar. É hora de termos cautela. Trabalharmos a construção de um projeto para o país. As pessoas precisam olhar para o candidato do PSDB e identificar com clareza algo novo, algo diferente do que está aí.

Serra e Aécio repetem juras para 2010

Flávio Freire
DEU EM O GLOBO


Em cerimônia com mais de cem prefeitos, tucanos dizem que estarão juntos

SÃO PAULO. Com troca de elogios rasgados, mãos dadas e braços erguidos diante dos fotógrafos, os governadores tucanos de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, disseram ontem que estão prontos para fazer campanha um para o outro numa eventual disputa presidencial, em 2010. Após almoço no Palácio dos Bandeirantes, o governador paulista chegou a brincar com uma pergunta a Aécio sobre o que o faria desistir da ideia de concorrer à sucessão de Lula.

— Eu sou contra o Aécio desistir, começa por aí. Um vai erguer o braço do outro, seja qual for a decisão — disse ele, rindo, enquanto 103 prefeitos aguardavam para participar da cerimônia em que o governo paulista distribuiu R$ 39 milhões.

No momento em que Aécio começou a responder, destacando até a “fraterna amizade” com o colega de partido, o governador paulista intercedeu: — O Aécio é meu plano B e eu sou o plano B do Aécio. Infelizes são os que não têm plano B — disse Serra.

O próprio governador mineiro foi convidado por Serra para dar uma palavra aos prefeitos.

Já na entrevista coletiva, Aécio procurou destacar a afinidade entre os dois possíveis candidatos do PSDB.

— Não sei o que pode fazer com que eu decida. Pode ser até que o quadro daqui a alguns meses seja diferente do atual. O governador Serra e eu temos uma enorme afinidade sobre o que achamos que precisa ocorrer no Brasil, além de uma fraterna amizade. Para descontentamento e talvez até para o desapontamento de alguns que estão no outro campo político, nós vamos estar juntos. Nenhum de nós impõe qualquer coisa, até porque candidaturas impostas não têm desfecho feliz — disse ele, que emendou: — Vamos continuar conversando.

O governador Serra tem um quadro hoje nas pesquisas extremamente favorável. É um privilégio para o PSDB ter um nome em condições de disputar a Presidência com tanta viabilidade quanto o governador Serra, e é natural que o partido possa apresentar outra alternativa.

Para Aécio, o PSDB está numa situação mais confortável em relação aos demais candidatos porque, na sua opinião, tem mais quadros para disputar a Presidência: — Nós temos um problema, que eu não chamaria de problema, mas uma situação que outros partidos gostariam de estar. Temos nomes com perfis distintos, mas com os mesmos objetivos, sendo discutidos pelo partido. Nossa estratégia não depende daqueles que estão no governo hoje. Temos uma certeza apenas: nós estaremos juntos em 2010 buscando encerrar o ciclo atual.

Guerra admite que Zito poderá ser candidato

Flávio Tabak
DEU EM O GLOBO

Prefeito de Caxias marca encontro com Serra e diz que está preparado para governar o Rio

O comando nacional do PSDB admitiu ontem que o prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, pode ser candidato ao governo do estado nas eleições de 2010. O presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PSDBPE), disse que conversou com Zito há dez dias sobre a candidatura, que ganhou força depois da filiação da senadora Marina Silva (AC) ao PV, e das declarações do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) sobre o seu apoio à companheira de legenda.

— Zito conversou comigo há dez dias dizendo que cogitava o governo do estado. Estarei no Rio para uma reunião que discutirá esse assunto, mas ainda não tenho posição sobre isso — disse Guerra.

Como Gabeira está cada vez mais longe de ser lançado ao governo numa coligação entre PV, PSDB, DEM e PPS, Zito quer ensaiar uma aproximação com o governador de São Paulo, José Serra. Com três secretários, o prefeito vai a São Paulo “estudar” a gestão do colega tucano.

— Nos dias 23 e 24, faremos estudos sobre o que deu certo no governo Serra. A candidatura vai depender da população. Não estou forçando a barra, mas me sinto preparado para governar.

Fui pego de surpresa, porque achava que as coisas com o Gabeira já estavam resolvidas nacionalmente.

O povo está carente de governantes que tenham o cheiro do povo — diz Zito.

Em outra frente para o governo, a negociação entre o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), e o PDT deixou cicatrizes. Nome forte do PDT, o deputado estadual Wagner Montes reclamou: — Achei a negociação estranha porque estou bem nas pesquisas.

Vou conversar com o ministro Carlos Lupi sobre a aproximação (com Lindberg)

PS) Nota do Blog: no mês passado o Diretório Estadual do PPS aprovou o indicativo de apoio à candidatura de Fernando Gabeira ao governo do Estado do Rio de Janeiro.

Funcionários dos Correios decidem iniciar greve por tempo indeterminado

Mônica Tavares
DEU EM O GLOBO

Ministério do Planejamento vetou proposta de aumento salarial de 9%

BRASÍLIA. Os funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) decidiram ontem entrar em greve por tempo indeterminado. Os Correios contam atualmente com 109 mil empregados, dos quais 56 mil são carteiros. A empresa movimenta, diariamente, em torno de 30 milhões de objetos, que poderão ficar retidos nas agências do país por causa da paralisação.

Em plena campanha salarial e após uma reunião sem acordo com a diretoria da ECT, representantes da categoria levaram a proposta de paralisação aos 35 sindicatos que fazem parte da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect). O indicativo de greve foi, então, encaminhado a assembleias realizadas em todo o país.

Último acordo gerou custo de R$ 120 milhões por ano O Ministério do Planejamento vetou a proposta que havia sido fechada pelas duas partes — funcionários e ECT — de aumento de 9%, com validade para dois anos, 2009 e 2010, com abono linear de cem reais e reajuste de R$ 0,90 para o vale-refeição. O piso salarial está em R$ 640.

As negociações entre os funcionários e a ECT começaram no dia 1º de agosto. A primeira proposta apresentada pela direção dos Correios foi rejeitada. Seria mantido o atual Acordo Coletivo de Trabalho, a empresa daria um aumento de 4,5% de salário e R$ 0,90 de reajuste no vale-refeição.

Os trabalhadores reivindicam um aumento real linear de R$ 300, a reposição das perdas salariais , que chegam a 41,03%, e um Plano de Cargos, Carreiras e Salários. Os funcionários também pediam segurança armada e portas giratórias nas agências dos Correios que funcionam como banco postal, a defesa de um Correio Público e a redução da jornada de trabalho.

A última greve nos Correios teve início em 1º de julho do ano passado, com 21 dias de paralisação . Na época , 127.519 correspondências deixaram de ser entregues em todo o país, conforme dados da ECT. Os serviços Sedex 10, Sedex Hoje e Disque Coleta, que têm hora marcada para entrega, foram suspensos temporariamente pela ECT. O Sedex foi mantido. O acordo fechado entre a ECT e os grevistas significou um custo entre R$ 120 milhões e R$ 130 milhões por ano.

''Mídia é inimiga das instituições'', diz Sarney

Carol Pires
DEU EM O ESTDO DE S. PAULO

Para peemedebista, Legislativo é criticado por tomar decisões "à luz do dia"

"A mídia passou a ser uma inimiga do Congresso, uma inimiga das instituições representativas."
A avaliação foi feita ontem pelo presidente do Congresso Nacional, o senador José Sarney (PMDB-AP), na sessão solene em homenagem ao Dia Internacional da Democracia.

"A tecnologia levou os instrumentos de comunicação a tal nível que, hoje, a grande discussão que se trava é justamente esta: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós. E dizemos nós, representantes do povo: somos nós. É por essa contradição que existe hoje, um contra o outro, que, de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga do Congresso, uma inimiga das instituições representativas", discursou Sarney.

O senador disse ainda que, "com as transformações da informática", é possível "vislumbrar um voto virtual". Para ele, isso reduziria a intermediação da imprensa na relação entre eleitores e parlamentares e reforçaria a "democracia direta". O voto virtual, acrescentou o presidente do Senado, teria a segurança dos sites de bancos. "Com a mesma segurança com que movimentamos nossas contas bancárias, poderemos, no futuro, votar. Será um grande passo. E será apenas o prenúncio de uma nova democracia, não mais inteiramente representativa, mas feita em parte de representantes, em parte da decisão direta do cidadão."

NOVA DEMOCRACIA

O prenúncio de uma "nova democracia" foi feito no mesmo dia em que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal julgava um recurso do Estado contra a decisão do desembargador Dácio Vieira que impôs censura ao jornal, ao proibir a publicação de notícias sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investiga os negócios sob o comando de Fernando Sarney, filho do senador.

TRANSPARÊNCIA

Um dos personagens do escândalo dos atos secretos, Sarney afirmou, no discurso, que o Congresso é alvo de críticas diárias porque toma as decisões "à luz do dia". "A grande diferença entre os três Poderes é que, enquanto o Executivo e o Judiciário tomam decisões solitárias, o Legislativo o faz às claras."

O presidente do Senado foi personagem de uma série de reportagens sobre atos administrativos que, apesar de não aparecer nos boletins oficiais da Casa, serviram para contratar parentes de senadores e distribuir benefícios a servidores. As reportagens resultaram no pedido de abertura de onze processos no Conselho de Ética por quebra de decoro - todos arquivados posteriormente.

Dois meses atrás, ao criticar o Estado, Sarney chegou a dizer que o jornal adotava práticas "nazistas" ao revelar a edição de atos secretos, consolidada ao longo de três gestões no comando do Senado.

Senador cria falso embate, criticam analistas

Flávia Tavares
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Imprensa tem o papel de veicular informações e promover debates", defende Wanderley Reis

As declarações do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), sobre o suposto embate entre mídia e Congresso colocam em polos opostos instituições que não competem. Essa é a opinião de analistas políticos ouvidos pelo Estado ontem, depois do discurso do senador no plenário.

"Em termos de representação política, eleita, claro que os políticos são os representantes legais do povo. A imprensa tem o papel de veicular informações e promover debates", diz Fábio Wanderley Reis, cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais. "Há espaço para os dois tipos de atuação."

Já o professor de filosofia política do Iuperj e da Universidade Federal Fluminense, Renato Lessa, aponta o equívoco de Sarney em afirmar que a mídia reivindica a representação do povo. "Não vejo a imprensa se apresentar com essa intenção, mas com a tarefa de informar", diz. O pronunciamento, para ele, deveria ser mais autocrítico, menos "triunfalista" e avaliar como o Legislativo "caminha contra a democratização". "O discurso é uma estranha maneira de comemorar o Dia da Democracia: reclamando de imprensa excessiva."

No que se refere à declaração de Sarney sobre a transparência dos três Poderes - em que afirmou que "o Legislativo faz tudo às claras"-, o historiador Boris Fausto a classificou como uma "escorregadela". "Então, os atos secretos foram feitos à noite?", alfineta. Fausto ressalta que a revolta de Sarney vem da convicção de que ele e sua família são "intocáveis".

A cientista política da Fundação Getúlio Vargas Maria Celina D"Araújo lamenta que o Brasil esteja discutindo a liberdade de imprensa. "Parece que nós e nossos vizinhos estamos com nostalgia do tempo em que o governo dizia o que a mídia podia fazer", diz. "Alguns políticos preferem a imprensa bajuladora, que só faz mal a quem governa e ao País."

Depois do fim – Entrevista – Eric Hobsbawm

Sylvia Colombo
Editora da Ilustrada
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA (15/9)

Historiador Eric Hobsbawm diz que aniversário da queda do Muro de Berlim deveria motivar discussão sobre o Ocidente pós-crise
Quando Eric Hobsbawm estava escrevendo "A Era do Capital" -lançado em 1975-, explicou que fazia um imenso esforço para estudar algo que não lhe agradava nem um pouco.

Hoje, o historiador marxista diz ter o mesmo sentimento, "eu não gostava da burguesia vitoriana e ainda não gosto, embora apreciasse o dinamismo daquele tempo". À essa impressão, porém, vem adicionando, nos últimos anos, mais uma, a nostalgia.

"Agora, quando comparo o século 19 com o 20, sinto simpatia pelo modo como aqueles homens acreditavam no progresso. Foi um século de esperança. E essa minha nostalgia cresce à medida que o tempo passa e vejo, com pessimismo, o que vem acontecendo", diz.

Hobsbawm, 92, conversou com a Folha por telefone, de Londres, justamente sobre a reedição no Brasil de sua trilogia sobre o século 19 ("A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios"), já um clássico da historiografia sobre o período, pela editora Paz e Terra -que também relançará em 2010 outro título do historiador, "Bandidos".

Na trilogia, Hobsbawm analisou o que chamou de "longo século 19", período que vai de 1789 a 1914. Começa com as revoluções europeias que definiram a expansão do capitalismo e do liberalismo no planeta -a Francesa e a Industrial inglesa- e vai até as vésperas da Primeira Guerra Mundial.

Apesar dos ataques que sofre por ainda defender a desgastada bandeira do comunismo, os três volumes de Hobsbawm são reimpressos todos os anos na Inglaterra, tendo sua explicação sobre o tema se imposto como uma espécie de cânone.

Hobsbawm é com frequência procurado para comentar temas do presente -algo que seus críticos tampouco perdoam. Agora, às vésperas do aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim (em novembro), seu conhecimento sobre os tempos que estudou e vivenciou, assim como suas convicções políticas, são novamente trazidos ao debate.

"A queda do Muro foi o fim de uma era. Não só para a Europa do Leste, mas para o mundo inteiro. O capitalismo chegou a seu limite e a a crise econômica mundial indica claramente o fim de um ciclo."

Contudo, o historiador considera que as discussões sobre o episódio estão muito centradas em tentar entender por que a experiência comunista fracassou, quando o que deveria estar na pauta é o futuro do Ocidente. Para ele, o mundo pós-Guerra Fria ainda não fez uma necessária autocrítica.

"Washington jamais será tão influente na AL"

Para Hobsbawm, Brasil é essencial no amadurecimento político do continente

Historiador marxista volta a defender-se com relação a ataques às suas convicções ideológicas; "me recuso a dizer que perdi a esperança"


Leia trechos da entrevista que Eric Hobsbawm concedeu à Folha.

FOLHA - O que mais deveria ser discutido no aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim?

ERIC HOBSBAWM - A celebração é oportuna porque o capitalismo agora chegou a seu limite. A crise econômica mundial é o fim de um ciclo, que começou a ruir quando caiu o Muro em Berlim. No Leste Europeu, vejo dificuldade em rompimento com o legado comunista. Mas é o Ocidente quem deve refletir mais sobre o que ocorreu na Guerra Fria e o que pode ser feito para evitar um novo colapso.

FOLHA - As "Eras" são consideradas um exemplo de boa análise histórica dedicada a um amplo período. O sr. acha que falta ambição a historiadores hoje?

HOBSBAWM - Para fazer história com uma perspectiva maior, é preciso ser um intelectual maduro. Hoje, os jovens historiadores gastam muito mais tempo em suas especializações. Quando estão aptos a dar um passo maior, hesitam. A história equivocadamente se afastou da "história total" que fazia Fernand Braudel [1902-1985].

FOLHA - O sr. começa "A Era dos Impérios" contando uma história autobiográfica (a do encontro de seus pais no Egito) e então propõe uma reflexão sobre história e memória. Quão diferente foi escrever este volume, que se refere a passagens mais próximas do seu olhar no tempo, do que os anteriores?

HOBSBAWM - Neste livro tive de trabalhar com o que chamo de "zona de penumbra", onde se misturam nossas lembranças e tradições familiares com o que aprendemos depois sobre determinado período. Não é fácil, pois trata-se de um território de incertezas e em que há um elemento afetivo. Por outro lado, trata-se de uma oportunidade de estimular aquele que lê a pensar sobre como seu próprio passado está relacionado com a história.

FOLHA - Em seu novo livro ("Reappraisals"), o historiador britânico Tony Judt escreveu um ensaio sobre o senhor ("Eric Hobsbawm and the Romance of Communism"). Neste, mostra admiração por seu conhecimento, mas faz uma severa crítica: "para fazer o bem no novo século, nós devemos começar dizendo a verdade sobre o antigo. Hobsbawm se recusa a mirar o demônio na cara e chamá-lo pelo nome". Como o sr. responderia a seu colega?

HOBSBAWM - A crítica de Judt não se justifica. O que ele quer é que eu diga que estava errado. Em "A Era dos Extremos", eu encaro o problema, o critico e condeno. Não tenho problemas em dizer que a Revolução Russa causou dor e sofrimento à população russa. Porém, o esforço revolucionário foi algo heroico. Uma tentativa de melhorar a sociedade como não se viu mais na história. Me recuso a dizer que perdi a esperança.

FOLHA - O sr. havia dito, numa entrevista ao "Independent", que havia alguns clubes dos quais não iria ser sócio nunca, referindo-se aos intelectuais ex-comunistas. Ainda pensa assim?

HOBSBAWM - Não vejo problema quando um intelectual, especialmente de países do Leste Europeu, percebe que a democracia é melhor do que o sistema autoritário em que vivia. É normal a mudança de posição quando surgem fatos novos. O ex-comunista que condeno é aquele que antes militava em grupos de esquerda e que hoje tem uma bandeira única, a de ser anticomunista apenas, esquecendo-se do resto das ideias pelas quais lutava. Também me entristece ver intelectuais jovens, que não passaram pela história dessas lutas, repetindo e tentando tirar benefício desse mesmo tipo de propaganda.

FOLHA - A América Latina está às vésperas de comemorar, em vários países, os 200 anos do início das lutas de independência. Que análise faz do atual momento?

HOBSBAWM - A dependência econômica ainda é um fato, mas politicamente a América Latina é cada vez mais livre. Washington jamais voltará a exercer a influência de antes, tampouco a apoiar golpes ou ditaduras como fez no passado. O que está acontecendo em Honduras é um sinal disso. O Brasil tem papel central nesse processo, uma vez que o México se transforma cada vez mais em apêndice dos EUA.

Um esparadrapo roto na poupança

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Para evitar demagogia da oposição e pressionar BC, Lula vem com remendo ineficaz no problema do juro da poupança

O IMPOSTO sobre a poupança é um remendo, um remendo de talho político e um remendo quase ineficaz.

Grosso modo, o rendimento tabelado da poupança pode ser um empecilho para a redução da taxa de juros "básica" do país, um problema para a administração da dívida do governo e pode distorcer ainda mais a distribuição da poupança e do crédito no país. É preciso, pois, planejar uma alteração ordenada e duradoura da caderneta. Mas o governo saiu-se com um improviso provisório.

Trata-se de um remendo que lida apenas com um aspecto do problema, devido a um conflito político no governo. O Banco Central canta para Lula que não pode baixar os juros por causa do "piso" dos juros da poupança (na verdade, o BC tem mais outros motivos). O Ministério da Fazenda, então, "resolve" o problema cortando o rendimento dos aplicadores mais ricos. Quem tem cerca de R$ 75 mil, vai ficar com um rendimento 0,5 ponto percentual menor; quem tem R$ 200 mil, com 1 ponto percentual menor; quem tem R$ 1 milhão, com 1,4 ponto menor (considerado um nível de rendimento como o dos 12 meses encerrados em julho de 2009, de uns 7,8%).

Mas poupadores com esses fundos ainda conseguem rendimentos maiores em fundos DI, pelo menos nos bancos maiores. Aliás, muitos deles preferem arriscar mais o seu dinheiro a fim de ganhar mais. Deve ser por isso que não houve migração em massa para a poupança.

Os fundos que perdem dinheiro são os "populares", com taxas de administração extorsivas e exigência menor de aplicação inicial. Logo, a medida não é lá muito eficaz, na ponta do lápis da conta de rendimentos. O governo quer apenas evitar perder votos, conter a demagogia da oposição e arrumar um jeito de baixar a Selic.

O problema do juro tabelado é de curto prazo, mas não urgente. A Selic está em 8,75% ao ano. Na hipótese remota de cair mais nos próximos meses, essa Selic mais baixa não teria efeito em várias áreas do crédito, pois a taxa da poupança (6,17% ao ano mais TR) seria uma espécie de piso para os juros.

Além do mais, os fundos de investimento de renda fixa e assemelhados não teriam como concorrer com a poupança. Em tese, o dinheiro migraria dos fundos para as cadernetas. Os fundos, porém, investem o dinheiro de seus investidores em dívida do governo e de empresas. Boa parte do dinheiro da poupança financia a habitação. Haveria, pois, dinheiro demais para habitação, e menos para outras finalidades. Numa situação extrema, o BC não poderia baixar os juros, pois o governo ficaria sem financiadores para a sua dívida. Esses são os problemas mais imediatos, mas não de curtíssimo prazo. Mas são problemas sérios.

Os juros tabelados da poupança, o direcionamento do crédito (bancos têm de usar boa parte do dinheiro em financiamento imobiliário), a poupança forçada e nada rentável do FGTS etc., tudo isso deveria ser revisto. São estratégias implementadas no regime militar, algumas de 40 anos. Direcionar alguma poupança pode ser útil. Mas isso tudo tem de ser repensado com um olho nas necessidades de hoje. No entanto, como de costume, o Brasil, devagar e sempre, empurra a coisa com a barriga.

Governo quer taxar poupança em 22,5%

Patrícia Duarte, Mônica Tavares e Felipe Frisch
BRASÍLIA e RIO
DEU EM O GLOBO


O poupador vai pagar 22,5% de Imposto de Renda (IR) sobre ganhos nas cadernetas com saldo acima de R$ 50 mil a partir do ano que vem. Pela proposta que o governo vai encaminhar nos próximos dias ao Congresso, se o poupador tiver R$ 52 mil de saldo, por exemplo, o IR incidirá sobre os rendimentos referentes a R$ 2 mil.

Mordida maior na caderneta

Governo fixa IR da poupança em 22,5% e muda cálculo, ampliando vantagem dos fundos

O poupador vai pagar alíquota de 22,5% de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos da caderneta que ultrapassarem R$ 50 mil a partir do ano que vem. Com a medida, o governo deverá arrecadar entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão, segundo uma fonte da equipe econômica. As medidas, que fazem parte do pacote preparado pelo Ministério da Fazenda e que ainda têm de passar pelo crivo do Congresso, valem para todas as cadernetas já existentes e as que serão abertas no futuro.

Os detalhes do projeto foram divulgados ontem e mostram que houve mudanças importantes em relação às medidas anunciadas em maio. Entre elas, a de que o IR será descontado na fonte, ou seja, diretamente de cada poupança. Antes, o governo havia proposto que o imposto seria pago com a declaração anual de IR e as alíquotas iriam variar de 15% a 27,5%. Também saiu de cena o redutor de zero a 100% da base de cálculo que iria variar de acordo com a taxa básica de juros, a Selic, hoje de 8,75% ao ano.

O fim do redutor e o desconto único de 22,5% aumentaram significativamente a vantagem dos fundos de renda fixa e DI sobre a poupança. Isso porque a alíquota de 22,5% é o teto do IR destes fundos, percentual que só incide sobre aplicações que durem até seis meses.

Quem fica nos fundos por mais de dois anos paga 15% sobre a rentabilidade.

Com as novas medidas, o rendimento líquido da poupança pode cair de cerca 0,51% ao mês hoje para até 0,43%.

Levando em conta as elevadas taxas de administração cobradas pelos fundos, a caderneta deve voltar a render menos, por exemplo, do que as aplicações com taxas a partir de 2,5% ao ano para o investidor que ficar mais de dois anos. Mesmo para o investidor de curto prazo, a vantagem dos fundos deve permanecer caso o fundo tenha taxa inferior a 2%. Hoje, com a Selic em 8,75% ao ano, para ganhar da poupança — isenta de IR —, os fundos precisam cobrar taxas de administração inferiores a 0,5% ao ano

Oposição pedirá explicações

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, chegou a dizer ontem que as alíquotas que incidem sobre os fundos serviram de base para determinar o valor para a poupança. Mas, logo depois, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que a taxação seria fixa em 22,5%. A tributação, argumentou o secretário, tem um caráter preventivo.

Isto porque não está havendo, como o governo temia, migração dos fundos para a poupança, cujos rendimentos (Taxa Referencial mais 0,5% ao mês) passaram a ser maiores.

— Essa medida é importante, porque você pode ter um desequilíbrio potencial (dos mercados) — afirmou ele, acrescentando que o governo ainda não decidiu se as propostas serão encaminhadas por meio de medida provisória ou projeto de lei, mas já está certo que terão caráter de urgência.

Uma migração em massa para a poupança pode gerar desequilíbrio nos mercados e até prejudicar a administração da dívida pública, já que os fundos são grandes negociadores dos títulos públicos. Além disso, o governo também não quer que o grande investidor fique isento de IR ao ir para a poupança.

O governo também não quer perder o prazo para aprovar a medida no Congresso, uma vez que um novo imposto só começará a valer no ano seguinte ao da sua criação. Ou seja, tem até o fim de 2009 para garantir a nova tributação a partir de 2010. Se aprovado, a imposto começará a valer no dia 1ode janeiro do próximo ano.

Barbosa usou como exemplo uma poupança com saldo de R$ 60 mil. O IR será cobrado sobre o rendimento (referente aos juros de 0,5%) que vier dos R$ 10 mil, ou seja, R$ 50. Neste caso, o poupador teria de pagar R$ 11,25.

O governo sabe que terá de enfrentar uma guerra no Congresso para tirar as medidas do papel e já chegou a pensar em alternativas.

Como mostrou ontem o GLOBO, uma delas poderia ser a determinação de que o IR seja cobrado apenas para as novas cadernetas.

O anúncio do envio do projeto gerou surpresa no Congresso. O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), disse que pedirá hoje a Mantega informações.

— Queremos os argumentos para justificar essa medida, num assunto muito sensível — disse Alves.

— O PT se transformou no Partido dos Tributos. Se há o problema da migração, por que não baixam o IR do outro lado, dos fundos? — disse, em plenário, o vice-líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC).

— Um governo, que é tão preocupado com factóides positivos, vai entrar em ano eleitoral com factóide negativo? — disse Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

— Não vejo polêmica. A necessidade da tributação da poupança decorre da queda dos juros — afirmou, por sua vez, o vice-líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

A decisão de enviar o projeto também pegou especialistas de surpresa.

Para o matemático José Dutra Sobrinho, as medidas não resolvem o problema da TR caso a Selic caia abaixo de 8,75%: a taxa pode ficar negativa por causa de seu sofisticado cálculo, que usa um redutor sobre a taxa média dos CDBs dos maiores bancos. Isso resultaria em uma rentabilidade inferior a 0,5% ao mês para a poupança.

Colaboraram: Cristiane Jungblut e Geralda Doca