sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Livraço obrigatório para a galera do PT: “Por um Novo Reformismo”, de Giuseppe Vacca

Celso Barros, Doutor em Oxford
DEU NO BLOG Na Prática a Teoria é Outra

Esse é um livro sobre as aventuras da esquerda italiana nos últimos cem anos, e, em certo sentido, sobre a Itália. Giuseppe Vacca é o presidente do Instituto Gramsci. Por isso, esse livro nos interessa por duas razões: em primeiro lugar, porque a esquerda italiana sempre foi uma referência (suspeito que “a” referência) para o PT. E, em segundo lugar, porque ilustra alguns temas abordados na Série Gramsci. Vamos ver como se sai o Gramsci jogando em casa.

1.

A Itália se diferencia dos demais países europeus, entre outras coisas, porque seu principal partido de esquerda foi o comunista, e não a social-democracia. Na verdade, o PCI, com o tempo, foi se tornando em quase tudo um partido social-democrata, sendo responsável por importantes reformas sociais na Itália. Esse estilo de partido comunista que se integra no jogo democrático foi o que ficou conhecido como “Eurocomunismo”.

No entanto, o PCI tinha um tremendo peso morto a carregar, o vínculo com a URSS, que o alienava de setores moderados que as social-democracias conquistavam com relativa facilidade. Isso impedia que ele participasse de inúmeros debates a respeito da melhor maneira de reformar o capitalismo, inclusive no que se refere à problemática keynesiana.

Pensando em termos gramscianos (aqui sou eu, NPTO, falando), a luta pela hegemonia do PCI (e dos partidos comunistas que nela se empenharam com alguma competência) foi abortada pela sua identificação com um sistema social historicamente retrógrado (ou, em uma interpretação mais favorável, característico de regiões mais atrasadas), que não incorporava as conquistas políticas democráticas, nem as possibilidades de produção e consumo abertas pelo fordismo.

Vacca, inclusive, admite algo que raramente se admite em meios marxistas: que o comunismo soviético não chegou a constituir um modo de produção da mesma maneira que o capitalismo, que subverteu completamente as relações de tabalho, a cultura, e a forma do poder político feudais. O socialismo não está na mesma ordem de fenômenos que capitalismo, feudalismo, etc., foi antes um modo de regulação da indústria que o capitalismo produziu. Não teve o potencial transformador que o capitalismo teve, nem, portanto, seu potencial hegemônico.

Para piorar as coisas, a URSS era o inimigo das alianças internacionais da Itália; a suspeita de traição era inevitável, e mesmo eleitores que apoiavam propostas do PCI não confiariam a ele a direção do Estado.

Com o fim da URSS, o PCI rapidamente abandonou essa bagagem, e mudou de nome para PDS (partido democrático da esquerda, em italiano), reconhecendo-se como membro da tradição reformista européia ocidental. Mas essa conversão não foi tão fácil, pois, nesse exato momento, o eixo político mundial se deslocava para a direita, e os consensos que sustentavam a social-democracia entravam em crise.

Além disso, na mesma época, o sistema político italiano colapsava em consequência da operação Mãos Limpas, que quebrou a espinha do eixo democracia cristã / partido socialista. Se, por um lado, houve um ganho em termos de ética pública, por outro, perdeu-se o referencial da direita anti-fascista da Democracia Cristã. Assim, no momento em que a necessidade de aderir ao Euro levaria a Itália a uma série de reformas liberais, a direita italiana se dividia entre Berlusconi e os separatistas da Liga Nord.

Essa descrição dos problemas que a fraqueza da direita traz para a esquerda vai soar familiar para o leitor brasileiro atento:

Com o precário início da alternância [de poder, com a vitória da esquerda - NPTO], reapresentou-se um problema histórico da burguesia italiana: a ausência do seu “partido de governo” e a extrema dificuldade de criá-lo. (..) As elites do poder estão inteiramente conscientes da incoerência da atual direita, e, no conjunto, não a apóiam. Todavia, seu maior esforço cultural consiste em sustentar as velhas narrativas, as idéias dominantes na época da guerra fria. É um comportamento esquizóide, revelador de uma fragilidade “orgânica” e de uma persistente incapacidade de elaborar uma nova hegemonia. Demonstram náusea e desprezo pela direita que existe, mas até agora não parecem decididas a buscar os materiais necessários para forjar uma nova direita.

Entretanto, como notou Yascha Mounk, não se pode subestimar o papel desempenhado pela desarticulação da esquerda italiana na produção do fenômeno Berlusconi. As tentativas de unificação das várias tendências históricas do reformismo italiano levaram ao surgimento de novos partidos (o PDS, por exemplo, virou PD, partido democrático) e alianças (como a Oliveira), além, é claro, de rachas, como a Refundação Comunista, que, é claro, já rachou também (levando à formação do PCdI). Essa história é detalhadamente contada no Capítulo 10, que, sozinho, justifica a compra do livro.

Mas essa desarticulação, por sua vez, não pode ser entendida sem compreender a crise por que passa o pensamento reformista, como lembra ainda a Mounk: suas principais conquistas sociais, passado o período de euforia Tatcherita (que tem, sem dúvida, legados muito positivos: Vacca critica a esquerda por ter visto no neoliberalismo apenas reação, quando se tratava de um grande esforço de construção do capitalismo global) foram mais ou menos incorporadas pelos partidos conservadores. Líderes mais hábeis, como Zapatero, incorporaram bandeiras dos novos movimentos sociais, como o casamento gay e o ambientalismo, mas é uma questão de pouco tempo até essas medidas se tornarem mainstream (o novo chanceler alemão, por exemplo, é conservador e abertamente gay). Não parece haver algo que sirva como bandeira de longo prazo para o reformismo europeu.

Em outros termos, e adiantando o tema de um post futuro, se coloca a seguinte questão: sem a referência a uma civilização alternativa, o que é lutar pela hegemonia? Para entender o que o Vacca propõe a esse respeito, é preciso retomar outro tema clássico do Gramscismo: a Itália entre as regiões e a Europa.

2.

O problema do diferencial de desenvolvimento entre as região sul e norte da Itália é uma das questões fundantes da nacionalidade italiana. Ele reemergiu com força a partir dos anos 70, quando da crise do consenso keynesiano. O norte da Itália emergiu como região de capitalismo dinâmico e “pós-fordista”, enquanto que o sul não consguiu fazer essa transição. Em consequência, uma das forças importantes da política italiana contemporânea é o movimento separatista do norte.

A crise do consenso keynesiano, que, anos mais tarde, refletiria na crise dos partidos que o sustentaram, recolocaram a questão nacional italiana. Pois a Itália que cresceu espetacularmente no pós-guerra derivava grande parte de sua identidade do anti-fascismo, e dos vários pactos entre os partidos anti-fascistas que sustentaram a democracia cristã – que, por seu lado, resolvia(ou ao menos acomodava) outra grande questão da nacionalidade italiana: como ser uma nação em cuja capital se encontra o centro do catolicismo, como país independente.

A crise desse sistema, e a divergência econômica entre as regiões, recolocou grande parte das questões que a Itália tentou resolver de várias formas em gerações anteriores (inclusive com o fascismo). Entretanto, isso agora se colocava de outra forma: pois a própria Itália já era, ela própria, parte atuante de uma construção política cosmopolita e moderna, a União Européia.

Vacca é entusiasticamente europeísta. Acredita que a construção de uma união política européia forte no cenário internacional é uma das chaves para equilibrar o sistema mundial em favor de valores democráticos e reformistas. Cita várias vezes um negócio que eu acho brilhante, o Gramsci dizendo que a crise de 29 era consequência da convivência entre o cosmopolitismo da economia e o nacionalismo da política. Sua esperança, portanto, parece repousar em uma internacionalização da política reformista para a esfera européia, e a transformação da UE em uma força internacional a favor dos valores que o PCI aprendeu a defender na prática (uma vez que começou como partido não-democrático). Eventualmente, suponho, alguma forma de ordem mundial reformada emergiria (é aquela conspiração do OC, à qual eu sempre tento aderir e nunca consigo).

Até aí, tudo bem, mas vamos pensar um pouco sobre o que isso significa em termos de hegemonia. A proposta é, no fundo, converter-se em um dispositivo da hegemonia capitalista, levando o sistema (que é intrinsecamente globalista) além do que as direitas nacionais conseguem fazer, mas suficientemente domesticado por normas de justiça que se produzem na discussão democrática (a popular social-democracia).

Por outro lado, há uma valorização definitiva da democracia como objetivo da luta hegemônica, não como seu cenário. A democracia moderna nasce dentro da civilização do capitalismo, é certo, mas é algo surpreendentemente autônomo, e, honestamente, ainda não bem compreendido. Ninguém sabe no que ela vai dar, e isso faz parte de sua natureza. Isto é, embora o gramscismo seja indubitavelmente um marxismo, há algo nele que ao menos abre espaço para alguma outra coisa, nascida da democracia, que ainda não sabemos o que seja. Gramsci afirmava que quando a utopia comunista se realizasse, a visão marxista do mundo se tornaria obsoleta. Embora ninguém mais acredite na utopia comunista, há algo dessa liberdade, como vislumbre, mais ou menos nítido conforme a situação, dentro da democracia. Além de avançar a causa dos pobres, a esquerda deve se encarregar de proteger esses espaços, e esperar para ver no que vão dar.

Por mim está ótimo. Entretanto.

3.

Em primeiro lugar, podemos objetar que um Estado Mundial é um risco grande demais, porque, se o negócio descambar para o autoritarismo, você foge pra onde? Suponho que o Vacca responderia que o importante agora é a construção da Europa, onde o risco de autoritarismo parece nulo, e pensar no mundo quando o risco for semelhante. Beleza. E, se ele só tiver solução para os social-democratas europeus, já é muito.

Em segundo lugar, podemos reclamar que para quem lê o Vacca fora da Europa, fica uma certa frustração: a que União Européia nós deveríamos nos unir? Bem, na verdade, no caso brasileiro e terceiro-mundista, em geral, a tarefa principal é, em um certo sentido, mais simples: ainda não conquistamos a maior parte das vitórias que os reformistas europeus conseguiram no século XX. A tarefa da esquerda latino-americana é conseguir educação e saúde gratuita para todos. Quando esbarrarmos nos problemas dos social-democratas europeus, pensaremos em alguma coisa. No meio tempo, podemos evitar os excessos de burocratismo que marcaram a experiência reformista na Europa e negociar melhor com os liberais algumas soluções de mercado.

Mas o problema mesmo com a leitura do Vacca é: quem vai fazer isso aí? A social-democracia não era um negócio tucano, muito pelo contrário: era um movimento de massas, organizado como força eleitoral pelos militantes operários. Boa parte da crise atual da social-democracia européia vem da dificuldade de mobilizar a classe operária com as poucas promessas possíveis (uma vez que as grandes conquistas estão dadas) dentro do quadro do capitalismo global. E, embora os novos movimentos sociais – feministas, ambientalistas, etc. – tenham se revelado excepcionais enquanto grupos de pressão, são mais focados do que era o movimento operário. E o movimento operário era mais universalista porque era socialista.

Como mobilizar para lutas tão difíceis sem um grande projeto, que faça com que o cara arrisque perder o emprego para lutar por um melhor plano de saúde para os empregados da fábrica, ou coisa que o valha? Que grande iniciativa pública justificaria que os trabalhadores de setores tão diversos, cujos interesses imediatos são simplesmente inconciliáveis, se unam sob a mesma bandeira? A previdência pública, por exemplo, foi algo assim.

Meu palpite, que não tenho como provar: por enquanto, o horizonte é construir a social-democracia no terceiro mundo. No Brasil, na Índia, na grande revolução democrática que um dia acontecerá na China, no mundo Árabe, para derrubar as teocracias obscurantistas reacionárias (a social-democracia palestina deveria ser uma de nossas prioridades). Isso demorará décadas, porque, como vocês já podem intuir, esses problemas, como foi na Itália, são atravessados pela construção de identidades nacionais e religiosas.

Só então algo como uma federação reformista será concebível, e até que seja possível, já iria muito tempo se ainda não tivéssemos que levar em conta as inúmeras reações (que fascismos poderão ser criados no futuro?) e desvios contra o projeto (como, hoje, é o bolivarianismo). E nesse processo, quando a democracia já for uma realidade sólida no mundo pobre, voltará a cena o projeto interrompido da tradição social-democrata, a redução da jornada de trabalho.

Enfim, um livro escrito em estilo continental, ao qual não estava mais tão habituado, e citando autores de quem não ouvia falar fazia tempo (Barcelona, Teló). Talvez o leitor possa ser perdoado por pular alguns capítulos iniciais e voltar a eles quando estiver mais familiarizado com os debates dentro do PCI.

Mas, se você gosta desse tipo de discussão, faz tempo que não sai um livro tão bom para você no Brasil.

Pacto à vista

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Há indicações claras de que um novo pacto de San José, baseado nas propostas iniciais de Óscar Arias, presidente da Costa Rica, Prêmio Nobel da Paz e mediador da crise em Honduras, está para nascer, dando margem a uma saída honrosa para todas as partes envolvidas na crise, o que possibilitaria a realização de eleições em novembro para escolha de um novo presidente.

Mesmo que seja anistiado e retorne ao governo, Manuel Zelaya estará constrangido por limitações impostas pelos poderes Judiciário e Legislativo e terá uma “vitória de Pirro”, pois a tentativa de permitir a sua reeleição não se consumará.

Os deputados brasileiros que estão em Tegucigalpa tiveram a garantia do presidente da Suprema Corte de que a embaixada brasileira será inviolável, e o Congresso está instando o governo interino a rever o ultimato dado ao governo brasileiro para definir a situação de Zelaya. À noite, eles estiveram com o presidente deposto na embaixada brasileira; depois, estavam programados para um encontro com o presidente em exercício, Michelletti.

O deputado Raul Jungmann, que chefia a delegação parlamentar brasileira, acha que ambos os lados já se convenceram de que não têm força para impor suas próprias condições em termos inegociáveis, e acredita que haverá um acordo que permita a realização de eleições em novembro.

Os deputados ouviram muitas reclamações, em todos os lugares em que estiveram, sobre a atitude do presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada brasileira.

A clara atividade política que ele vem desenvolvendo, com a leniência do governo brasileiro, dificultaria as negociações.

Manuel Zelaya se comprometeu a reduzir sua atuação política dentro da embaixada, mas advertiu que, se em duas semanas não se chegar a um acordo, a eleição de novembro estará em perigo, pois “o povo” não a legitimará.

São avanços e recuos naturais num processo de negociação delicado que tem a característica de que todos os lados cometeram erros e ilegalidades, maiores ou menores de acordo com a visão ideológica que se abrace — e portanto é preciso encontrar uma saída em que todos percam alguma coisa para que a democracia hondurenha seja a única vitoriosa.

Um bom sinal é o da atuação dos dois poderes e a influência que ainda mantêm sobre o governo interino, que claramente não tem força política para assumir o controle da situação isoladamente. Como também o presidente deposto Manuel Zelaya não tem a maioria da população a seu lado, a negociação é a única saída para ambos os lados, analisa Jungmann.

A chance de o governo interino vir a se tornar uma ditadura de fato esbarra nesse poder político ainda repartido com os outros poderes, o que denota que os resquícios de democracia ainda resistem.

Óscar Arias disse ontem que a Constituição hondurenha “é uma das piores do mundo”. Pode até ser, mas, como diz o jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, “o respeito à Constituição é fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito”.

Em artigo publicado no site “Observatório da Imprensa”, do jornalista Alberto Dines, Dallari diz com todas as letras que “não há dúvida de que Zelaya estava atentando contra a normalidade jurídica e a democracia em Honduras”.

Partindo de quem parte, um insuspeito jurista defensor da democracia e ligado ao petismo tradicional, a definição clara coloca um pouco de racionalidade no debate, que independe da opinião que alguém tenha sobre as qualidades e os defeitos da Constituição em vigor, da simpatia por Michelletti ou Zelaya.

Só há uma possibilidade de chamar o que ocorreu em Honduras de “golpe”: ter-se a mesma visão chavista ou bolivariana do que seja uma “constituição burguesa”, que, por proteger os interesses das oligarquias, deve ser suplantada por uma constituição que permita a “democracia direta”, com a participação “da multidão” através da exacerbação das consultas plebiscitárias.

Mas como lembra o professor Dallari, está em vigor em Honduras uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, proibindo consultas populares 180 dias antes e depois das eleições — “e estas estão convocadas para o mês de novembro”.

Foi com base nessa proibição, ressalta, que a consulta montada por Zelaya foi declarada ilegal pelo Poder Judiciário.

Um dado que deve ser ressaltado, segundo Dallari, é que a Constituição de Honduras estabelece expressamente, no artigo 4o que a alternância no exercício da Presidência da República é obrigatória.

“Pelo artigo 237 o mandato presidencial é de quatro anos, dispondo o artigo 239 que o cidadão que tiver desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente no período imediato”.

Outro ponto de extrema relevância para Dalmo Dallari é que a Constituição hondurenha “não se limita a estabelecer a proibição de reeleição, mas vai mais longe. No mesmo artigo 239, que proíbe a reeleição, está expresso que quem contrariar essa disposição ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apoiem direta ou indiretamente, cessarão imediatamente o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de qualquer função pública”.

Dallari ressalta que “a Constituição é omissa quanto ao processo formal para esse afastamento, o que deve ter contribuído para um procedimento desastrado na hora da execução”.

Esse “procedimento desastrado”, que acabou exilando o presidente deposto à força das armas, foi atribuído por todos os envolvidos ao receio de que, em prisão domiciliar, Zelaya tentasse comandar uma guerra civil no país.

Uma ilegalidade que acabou levantando o fantasma da volta do golpismo à América Latina, que só será exorcizado através de eleições democráticas e sob supervisão internacional.

Toffoli 10, Senado 0

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Com uma explanação inicial bem ensaiada sobre o papel do Supremo Tribunal Federal, gestos de bom efeito - como levantar um exemplar da Constituição ao molde de bíblia e fartos elogios ao Congresso -, esquivando-se da essência das perguntas mais complicadas ao ponto de "esquecer" se havia ou não orientado a defesa do ex-ministro Silas Rondeau, o novo ministro do STF, José Antônio Toffoli, saiu-se a contento da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Não sofreu as prometidas contestações, não enfrentou questionário rigoroso, foi irrepreensível na observância do manual do bom candidato e absolutamente profissional no treinamento e na montagem do lobby direcionados ao resultado pretendido, alcançado com larga margem de vantagem.

Isso, a despeito de todas as restrições existentes ao nome dele, numa conjugação de fatores adversos inédita. Toffoli - do ponto de vista dele - merece, portanto, nota 10.

Já o Senado ficou no zero a zero de sempre. Desincumbiu-se da função de submeter o indicado à sabatina como quem carimba um requerimento emitido pelo presidente da República, mas não permitiu ao público saber se o novo ministro é ou não adequado para o cargo.

Tomara que brevemente venha a demonstrar que seja, pois o Senado não deu a chance ao País nem cumpriu o seu dever de esclarecer a questão antes do fato consumado. Não pôs a prova o exigido notório saber, a reputação ilibada e a independência do indicado.

À exceção dos senadores Álvaro Dias, Pedro Simon e mais um ou outro, não se fez referência às restrições que nos dias anteriores à sabatina suscitaram polêmica e justificaram o lobby, cuja organização incluiu a contratação de empresa de comunicação especializada.

Mesmo os questionamentos sobre os assuntos em pauta ocorreram como se fossem parte de um roteiro preestabelecido, para constar. Os senadores aceitaram passivamente o alegado "esquecimento" sobre o caso Rondeau, a afirmação de que as condenações na Justiça do Amapá por recebimento indevido de recursos públicos foram equivocadas, o juramento de que as ligações estreitas com o PT, Lula e José Dirceu são "páginas viradas", bem como o compromisso com a independência nos julgamentos do STF.

Palavra contra palavra, valeu a do questionado. Ao aprová-lo sem questionamento o Senado deu um voto de confiança, quando o que se esperava era que desse um voto consciente.

De preferência, evitando cenas como a do líder do PSDB, Artur Virgílio, dizendo que seu voto a favor havia sido recomendado por um advogado amigo em comum.

Um espetáculo tosco. Não por causa de Toffoli. Mas pelo conjunto da obra de subserviência e displicência do Legislativo para com as suas prerrogativas.

Por isso é um equívoco achar que o erro está no fato de o presidente da República indicar os ministros do Supremo, porque a deformação é de quem aceita as coisas sem discutir.

Algo de podre

Com todo respeito que não merece uma Justiça que fere a Constituição e censura, é altamente suspeita a decisão do Tribunal de Justiça de Brasília de levar dois meses para se declarar incompetente para julgar a liminar proibindo o Estado de divulgar informações sobre a operação da Polícia Federal que investiga Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.

Um juiz, o autor da liminar, já foi declarado impedido por suas relações de amizade com a família Sarney. O TJ-DF, bem como outros tribunais com endereço na capital da República, é um ambiente de trânsito sabidamente fácil para o senador.

O envio da questão para julgamento no Maranhão, feudo da família, não contribui para a confiabilidade do Judiciário. Ao contrário, produz desconfiança.

Apesar de todas as incongruências do processo - o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, já disse que é incompreensível a demora na decisão final -, a censura continua em vigor.

Enquanto um jornal continuar impedido de informar, não se pode dizer que o Brasil esteja em situação de normalidade democrática.

Viva Lula

O Tribunal Superior Eleitoral condenou a maior parte da "reforma" na lei eleitoral feita pelo Congresso, mas aplaudiu - com veemência - o veto do presidente Lula às restrições ao uso da internet. Retrocesso que, no entender do TSE, foi a, bom tempo, corrigido pelo presidente.

Nunca antes

O cidadão Celso Amorim tem assegurado seu direito legal de filiação partidária. O chanceler, porém, tem (ou teria) o dever de manter sua condição de servidor do Estado, que permanece, e não de governos, que se alternam.

Amorim já havia inovado quando da filiação ao PMDB. Agora, na transferência para o PT em busca de "um palanquezinho", superou-se.

Um homem insubstituível

Rubens Bueno*

"Menor que o meu sonho não posso ser" (Lindolfo Bell)



Muito se lamentou a morte de Luiz Felipe Haj Mussi. Muitas também foram as homenagens. Mas é o passar dos dias que nos revela o tremendo vácuo, a enorme falta que o dr. Mussi está fazendo. E o pior, a triste falta que dr. Mussi fará, dia após dia, a todos os que tiveram o privilégio de conviver com sua gentileza e generosidade e puderam contar com seu aconselhamento e amizade.

Tenho certeza que falo por muitos.

Dono de um saber na área do Direito como poucos já dominaram, Mussi dedicou grande parte de seu tempo a formar políticos conscientes de seu papel e da ética da qual não poderiam jamais afastar-se um milímetro que fosse. Sem nada exigir, chegou a viajar por estradas muitas vezes ruins eperigosas para dar palestras no interior no Paraná, onde quer que o PPS precisasse dele para fazer cursos de Formação Política. Simplesmente porque ele considerava importante o contato, por menor que fosse, da prática política das regiões mais afastadas com o debate dos compromissos que os representantes precisam assumir. Ele acreditava na semente.

Da mesma forma adentrou às universidades, em todo o estado, para defender o parlamentarismo em memoráveis debates com estudantes e professores, em 1993.

Mesmo sem ter pretensões políticas como costuma considerar-se hoje, dr. Mussi doou um tempo precioso de sua vida a redigir a reforma do Estatuto, o Código de Ética e o Regimento Interno do PPS. A cada congresso nacional do partido que se aproximava, coordenava uma comissão para rever e alterar itens do estatuto, para adequar o partido aos novos tempos, propostas que seriam submetidas ao plenário do congresso.

É que Luiz Felipe Haj Mussi fazia política de verdade. E acreditava nisso. Poderia dizer-se que ele trabalhava nos bastidores se essa palavra não estivesse tão desgastada, com sentido até pejorativo. Seria como, no cinema, alguém que trabalhe atrás das câmeras. Há muito que se fazer, que avaliar, discutir, aprofundar para que decisões sejam tomadas com segurança, para que sejam seguidas com consciência.

Pois o dr. Mussi, desembargador aposentado, muito ligado à família, que fazia questão de ter sempre por perto, ainda conseguia dedicar tempo a discussões partidárias, a análise de assuntos os mais variados para que o PPS sempre encontrasse um norte, o norte claro, correto, coerente, ético e transparente como sempre defendeu.

E nunca perdeu a capacidade de indignar-se. Ele, que não precisava arregaçar as mangas, passava horas e horas debruçado sobre ações, representações e o que mais achasse que precisava ser feito em função de determinado assunto. No dia mesmo em que morreu, segunda-feira 21 de setembro, dr. Mussi havia decidido entrar com representação contra a decisão do presidente Lula de indicar o advogado geral da União, José Antonio Dias Toffoli, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Estava indignado que nenhuma das entidades que representam advogados, magistrados e ministério público o tivesse feito, em função das condenações já sofridas por Toffoli, sem falar dos concursos em que foi reprovado.

Ganhou no TSE sua proposta de liberar a internet para os partidos divulgarem seus candidatos, quando ainda era vedado. Agora o Congresso Nacional amplia considerávelmente o que êle defendia: a Internet é uma conquista da Humanidade pela liberdade de informação e expressão. Preparou ação junto STF para tentar uma Súmula Vinculante que declarasse inelegíveis candidatos processados e condencados em segunda instância, dentre outros crimes, o do desvio de dinheiro público.

Dr. Mussi era assim. Incansável. Determinado a fazer deste um mundo melhor. Um mundo que, para nós que ficamos, e falo também do PPS pelas dezenas de manifestações recebidas de todo o Paraná e do Brasil e, tenho certeza, por muita gente outra, um mundo agora irremediavelmente mais pobre.

Assim como a saudade que a família vai sentindo aos poucos, aumentando sempre, sem possibilidade de ser preenchida ou sequer amenizada, também o PPS começa a perceber que, diferente do que se prega, há sim pessoas insubstituíveis. E certamente Mussi é uma delas.

Seus sonhos continuam maiores que os poucos 64 anos de sua vida!

*Rubens Bueno, ex-deputado federal, é presidente do PPS do Paraná

Troca-troca

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Termina amanhã o prazo para os políticos dançarem conforme a música, trocando de parceiros e de partidos de olho nas eleições de 3 de outubro de 2010.Nessa festança, o que menos conta é a harmonia programática e ideológica. Em geral, o sujeito vai do baião ao balé clássico num rodopio.

Não é o caso de Marina Silva, que abriu a fila, saindo do PT para o PV e para a disputa presidencial. Mas talvez seja o de todo o resto. Atrás dela, Flávio Arns recuou do PT e voltou ao PSDB, e o ex-secretário de São Paulo Gabriel Chalita trocou o PSDB pelo PSB de Ciro Gomes. O PMDB não ficaria fora da orgia.

Na cúpula, apesar da guerra e dos insultos públicos, nem José Sarney e Renan Calheiros, de um lado, nem Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos, de outro, se mexeram. Daí para baixo, todos são pé de valsa.

No Espírito Santo, a ex-candidata a vice de Serra em 2002, Rita Camata, sai do PMDB para o PSDB. Em Brasília, o ex-governador e ex-senador Joaquim Roriz desiste do PMDB e adere ao PSC, do qual você provavelmente nunca ouve falar.

Chama-se Partido Social Cristão e já pulou para 17 deputados federais. Não pela religiosidade...

Os empresários estão na dança. O "ideológico" Paulo Skaf, da Fiesp, relutou entre meia dúzia de siglas até se fixar no socialista PSB; o "esquerdista" Ivo Rosset, da Valisère, adere ao PT, dos trabalhadores. O "ambientalista" Guilherme Leal, da Natura, filia-se ao PV de Marina.

E a turma do governo também está ativa. Nunca antes neste país, ao que se lembre, o presidente do Banco Central e o chanceler, embaixador de carreira, assumem uma sigla partidária. Meirelles foi para o PMDB, e Amorim, para o PT. Tudo pode acontecer.

Só faltava o Ciro voltar ao berço e transferir o domicílio eleitoral para São Paulo, que ele xinga há tantos e tantos anos. Não falta mais. E o que ainda falta? O Serra e o Aécio procurarem as suas turmas. Tarde demais. O prazo acabou.

A sorte numa sexta-feira

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Hoje é um dia especial. Não vou percorrer labirintos em Tegucigalpa nem mergulhar nos abismos oceânicos, de onde se extrai petróleo. Hoje é sexta, e o que acontecer em Copenhague terá um efeito direto em nossas vidas.

Hoje é sexta. Vou ouvir, como sempre, as batidas do baile funk, um ou outro tiro perdido, motoristas tresloucados tomando as ruas, enfim, hoje em dia, acontece nas noites de sexta quase tudo o que era reservado ao sábado no poema de Vinicius de Moraes.

Oitenta e cinco por cento dos cariocas, dizem as pesquisas, querem a Olimpíada no Rio. Os habitantes de Tóquio querem menos a escolha de sua cidade. Apenas 56%. Em Chicago há movimento contrário, pois temem-se os gastos excessivos e a roubalheira de políticos.

As autoridades declararam feriado, há festas programadas na orla. Espero encontrar a feira livre na Nossa Senhora da Paz. É tempo de jabuticabas e surgiu uma romã imensa, cinematográfica.

Dizem que Lula falará sobra a importância da Olimpíada para a autoestima dos brasileiros.

Nem sei se isso procede, mas, autoestima pra cá, autoestima pra lá, estamos sempre vivendo o mesmo enredo.

Deveria haver uma hora para cessar a autoestima. Meia noite é pouco, reconheço. Mas, às duas da manhã, quando todos os bares já fecharam, todas as autoestimas deveriam também ser negadas. Hora em que deveríamos aceitar o nosso destino e dormir em paz, como quem mora em Tóquio, Chicago ou Madri.

Se o Rio vencer, esperam-se investimentos maciços. Tivemos um Pan que nos deixou alguns elefantes brancos e muitas dúvidas sobre a aplicação do dinheiro.

Em caso derrota, com as ruas cheias e alguma bebida, talvez seja preciso acalmar as pessoas.
Convocou-se uma festa antecipada. De qualquer forma, à noite dançamos o funk.

O pódio sonhado

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O Brasil amanhece hoje sonhando com o ouro olímpico. Se o Rio for indicado como sede das Olimpíadas, o impacto econômico será de uma dimensão que pode resgatar a cidade do seu longo processo de perda de importância econômica. E se não for escolhido? Bom, agora que o diagnóstico está feito, os projetos identificados, os cálculos realizados, por que não tocá-los?

Os economistas Sérgio Murashima, consultor da Fundação Instituto de Administração da USP, e Roberto Brito de Carvalho, da PUC de Campinas, acham que a mágica das Olimpíadas é criar o fator propulsor, a força que empurra todos os governantes e empresários na mesma direção; reorganiza as prioridades; cria uma pressão do tempo. Isso faz diferença.

Conversei com os dois ontem na Globonews para avaliar esse impacto econômico.

São autores de estudos que pegam aspectos diferentes da questão econômica das Olimpíadas. Murashima fez um estudo a pedido do Ministério dos Esportes.

Roberto Brito fez uma análise sobre o que aconteceu com o turismo nas cidades que foram sede de Jogos.

— Em todas, houve um aumento do turismo de forma permanente. Ele sobe na época dos Jogos, e durante todos aqueles dias, a cidade será exposta. Isso acaba atraindo turistas de forma permanente. Só não aconteceu em Sidney porque em 2001 houve a crise do 11 de Setembro que reduziu o turismo no mundo inteiro — diz Roberto.

Murashima diz que há impactos imediatos e de segundo grau em ser escolhido: — O primeiro é a união das instâncias governamentais.

Agora, o município, o estado e o governo federal estão juntos. Segundo, os empresários reorganizam seus projetos numa mesma direção.

No estudo que fez, Murashima diz que os investimentos feitos para os Jogos têm efeitos multiplicadores — em termos de produção, valor adicionado, massa salarial, emprego, arrecadação de impostos — tão grandes que interessam ao país todo.

— As obras feitas no Rio vão comprar produtos e serviços de outras cidades, portanto, o benefício será nacional — explicou.

Mas será que não há muito mito em torno do assunto? Afinal, no Pan foi aquela festa e depois verificou-se que a cidade estava com uma coleção de espaços vazios.

Houve desperdício de dinheiro.

Mais de R$ 80 milhões foram gastos no Maria Lenk, hoje subutilizado; R$ 14 milhões foram gastos no velódromo que ninguém sabe hoje para que serve, e o Parque Aquático Júlio De Lamare vai ser demolido.

Roberto disse que todos os casos bons que encontrou nos seus estudos sobre cidades-sede mostram que foi preciso pensar em obras multiuso com planejamento para depois dos Jogos. Há riscos de elefantes brancos, claro, mas até os erros de cidades que foram sede podem orientar um planejamento mais bem feito para a fase posterior aos Jogos.

Há quem diga que é investimento demais, afinal, das cidades que disputam hoje, o Rio foi a que propôs um volume maior de recursos: US$ 14 bilhões, ou cerca de R$ 24 bilhões. Para efeito de comparação: a refinaria Abreu e Lima, no Nordeste, está saindo quase pelo mesmo preço. O cálculo da refinaria da Petrobras com a PDVSA, inicialmente orçada em R$ 8 bilhões, pode chegar aos mesmos R$ 24 bi.

Murashima diz que pelas contas que fez, a dinâmica econômica que esses investimentos vão gerar em termos de criação de emprego, atividade econômica, retorno direto e indireto fará com que em alguns anos haja o retorno para os cofres públicos de 97% do dinheiro investido.

O Rio tem problemas tão imensos quanto sua beleza.

São grandes, mas não insolúveis.

A expectativa da escolha da cidade como sede de Olimpíadas produziu uma sensação gostosa de que é possível superar os problemas porque todos vão trabalhar juntos, porque as prioridades serão as conhecidas e elas serão atacadas.

E se perdermos? Bom, nunca houve tanta chance como agora, mas se o Rio perder ele pode fazer uma de duas coisas: desmontar a festa e chorar as mágoas achando que nunca vai se reerguer, ou juntar todos esses diagnósticos, estudos, projetos e trabalhar na direção da solução dos problemas.

A cidade que um dia foi capital, que é a porta de entrada do Brasil, que tem beleza comemorada no mundo inteiro sabe o que precisa.

Não tem vocação para pólo industrial. Isso é melhor esquecer.

O Rio é software e não hardware. É turismo, logística, cultura, informação, serviços.

Precisa de investimentos em infraestrutura de transporte que façam com que chegar ao Rio e se deslocar por ele seja uma tarefa menos penosa. Por isso, é tão sedutor olhar os projetos de um Galeão modernizado, metrôs em outros pontos da cidade, ônibus de alta capacidade em faixas exclusivas.

Precisa enfrentar o problema da violência, claro, o mais difícil dos gargalos. Tem que tirar proveito da sua zona portuária cheia de beleza e história. De Buenos Aires a Belém, todas as cidades conseguem revitalizar a área do porto, menos o Rio. E mais do que nunca o Rio precisa de resgate do meio ambiente.

Das nossas irracionalidades, a maior é estragar tanta beleza com poluição.

Uma Olimpíada é um fator indutor. Se for com ela será mais fácil. Mas não pode ser o único caminho que nos levará ao pódio com o qual sonhamos.

Sabia

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O presidente deposto de Honduras, Manoel Zelaya, jantou com o assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio Garcia (foto), em Brasília, quando aqui esteve para um encontro com o presidente Lula. Velho interlocutor da esquerda latino-americana, Garcia soube que Zelaya preparava a volta para Honduras e contava com o apoio do presidente cubano, Raúl Castro, cujos serviços secretos ajudaram na operação, e do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, que usou as velhas rotas sandinistas para infiltrar Zelaya no território hondurenho.

Chamado de ''presidente'', Serra ataca oposição

Gustavo Porto e Brás Henrique, Ribeirão Preto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Segundo ele, opositores na Assembleia ficam concentrados em atrapalhar construção de presídios, ou falando mal de concessões que não estão certas

Chamado de "futuro presidente da República" por políticos governistas e até adversários, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disparou críticas ontem aos deputados que lhe fazem oposição na Assembleia. Em sua avaliação, eles não têm discurso contra seu governo e escolheram temas como construção de presídios e concessões de rodovias para atacá-lo.

"Devo dizer que nem sempre é fácil para a oposição fazer um discurso em São Paulo, por isso ficam concentrados em atrapalhar a construção de presídios, ou falando mal das concessões que não estão certas e coisas dessa natureza, menores dentro de um debate político mais amplo", disse Serra, durante inauguração de obra em Ribeirão.

Ainda em seu discurso, ele voltou a comparar os investimentos feitos pelo governo paulista no Estado aos do governo federal. "Conseguimos manter o elevadíssimo nível de investimentos este ano, cerca de R$ 20 bilhões, que chegam perto de todo investimento federal."

Citou ainda uma série de obras estaduais para a região de Ribeirão Preto. "O Estado está bem e isso é muito bom. Pelo povo, que merece, e pela contribuição ao País, porque em São Paulo são arrecadados 45% a 50% dos tributos do Brasil", afirmou.

MÉDICOS

Possíveis adversários na disputa pelo governo de São Paulo em 2010, o deputado Antonio Palocci (PT) e o secretário estadual de Desenvolvimento, Geraldo Alckmin (PSDB), se encontraram ontem durante evento em Ribeirão. "Saudações médicas", foi a frase de Alckmin a Palocci, ao ser cumprimentado pelo deputado. Ao lado de Serra e do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), Alckmin e Palocci participaram da solenidade que marcou o início das transmissões digitas de EPTV, afiliada da Rede Globo no interior paulista.

"Eleição é no ano que vem e tudo o que é feito neste ano é esquentamento de motores, mas acho que nada se decide na verdade", disse Palocci. O deputado, no entanto, considerou "positiva" a filiação ao PSB do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. "É saudável que um empresário se filie, acho que é positivo para a democracia brasileira."

Já Alckmin ironizou a ansiedade de políticos e jornalistas a respeito das definições para 2010.

"Os dois ansiosos, políticos e jornalistas, é que ficam querendo antecipar as coisas."

PSB atende a Lula e fixa domicílio de Ciro em SP

Carolina Mandl e Murillo Camarotto, do Recife
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O PSB anunciou ontem que Ciro Gomes fará hoje a troca do seu domicílio eleitoral para São Paulo, o que abre a possibilidade de o deputado estadual disputar o governo do Estado em 2010. A troca, porém, atende mais a uma demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que ao desejo do partido de lançar Ciro na disputa estadual, segundo apurou o Valor na cúpula do PSB.

Diferentemente de Lula, que quer unir os aliados apenas em torno do nome da ministra Dilma Rousseff para a sucessão presidencial, a sigla liderada pelo governador pernambucano Eduardo Campos segue defendendo a inclusão também do nome de Ciro para o Planalto. O PSB enxerga na distribuição das candidaturas uma forma de fortalecer o campo governista, isolando a oposição em torno de um só candidato. Porém, ciente de que precisará do apoio político de Lula para manter uma candidatura própria, o partido viu na mudança de domicílio uma forma de afagar o presidente, não fechando as portas para nenhuma das duas disputas.

A confecção de alianças com outros partidos é vital para uma candidatura presidencial competitiva do PSB, sigla que vê 2010 como uma grande oportunidade para ganhar musculatura na política nacional. Lula poderia intermediar uma aliança com o PDT, do ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi. Isso daria ao PSB mais tempo de inserção na televisão com a propaganda eleitoral, por exemplo.

Ontem, ao anunciar a mudança de seu domicílio eleitoral, após reunião com o governador de Pernambuco, Ciro afirmou que o partido não trabalha hoje com seu nome para a sucessão do governador José Serra (PSDB) mas também não rechaçou que isso venha a ocorrer. Isso vai depender do desempenho do deputado nas próximas pesquisas: se ele apresentar chances de vitória, poderá partir para essa disputa.

O Palácio dos Bandeirantes não é o desejo do Ciro, que argumenta ter falta de intimidade com a rotina de São Paulo. O deputado mencionou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, recém filiado ao PSB, como um nome interessante para o governo paulista.

Por enquanto, Skaf é o preferido do PSB para a eleição em São Paulo, apesar de a direção do partido admitir a falta de identificação dele com a sigla. O nome do dirigente é visto como uma oportunidade de trazer o empresariado para o PSB, fazendo a sigla ganhar mais expressão. Porém, o desempenho de Ciro nas próximas pesquisas e a definição dos nomes do PT para o pleito é que vão definir para qual cargo o deputado vai se candidatar.

Caso concorra mesmo ao Planalto, Ciro afirmou que seu discurso será pautado no compromisso com a continuidade dos avanços obtidos na gestão Lula. "A política brasileira é tão débil que quando se troca João por Maria tudo vai por água abaixo. Por isso, nossa primeira tarefa é a institucionalização do desenvolvimento conquistado", afirmou.

Apesar do alinhamento com o governo atual, a direção do PSB acredita que, como presidente, Ciro poderia fazer mais pelo país do que Dilma. Na avaliação do PSB, o discurso será de um olhar para o passado, para o governo Lula, enquanto que o de Ciro vai mirar o futuro. Além disso, o deputado voltou a alfinetar a aliança entre PT e PMDB, colocando em xeque a sua consistência política.

Diante desse quadro, o PSB admite que eventuais trocas de rusgas entre as candidaturas de Dilma e Ciro não são uma possibilidade totalmente descartada.

O deputado também acredita que a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a quem chamou de "grande brasileira", poderá ter problemas com seu partido, o PV, em um eventual segundo turno entre Dilma e Serra. Na avaliação de Ciro, o PV poderia colocar Marina em situação delicada, caso decidisse apoiar o tucano.

Apesar do visível entusiasmo pela disputa presidencial, reforçado pelo crescimento apresentado nas últimas pesquisas de intenção de voto, Ciro foi cauteloso nas palavras. "Pesquisas feitas a tal distância das eleições devem ser vistas com precaução e humildade", disse o deputado, que desconsiderou a possibilidade de ser vice na chapa de Dilma.

Ciro comparou o estágio atual de sua candidatura ao período de treinos livres da Fórmula 1. "É nesses treinos que se revelam quais carros vão ser competitivos. Não é uma etapa irrelevante, mas há outros treinos", afirmou.

As velocidades da economia mundial

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Há os países que já saíram do atoleiro, há os que se recuperam de forma clara e há os que ainda patinam

CHEGAMOS ao último trimestre de 2009 com as principais economias do mundo funcionando a três velocidades diferentes. Países como o Brasil e a Austrália já saíram do atoleiro e devem entrar em 2010 com o motor próximo de sua potência total. Se ainda não engataram a quarta marcha, estão muito perto de fazê-lo. Já não precisam mais da força das despesas públicas e do superestímulo monetário para fazer andar o setor privado.

Em um segundo grupo -do qual a China é o melhor exemplo- a economia também se recupera de forma clara, mas com forte ajuda do setor público. Finalmente, um terceiro grupo ainda patina mesmo com a forte ajuda dos governos. Esse é o caso dos países mais avançados, como os EUA, a Inglaterra e a Europa Unida. As estatísticas econômicas divulgadas nos últimos dias reafirmam essa imagem que construí para o leitor da Folha há algumas semanas.

Os EUA e seus companheiros do G7 continuam a lutar com a perda de empregos e a queda da renda do trabalho. Os dados referentes a setembro continuam apontando para desocupação em alta e consumo fraco. A recuperação da produção industrial esperada para os próximos meses ainda está sujeita a altos e baixos pela incerteza sobre estoques e demanda final.

Com o consumidor pressionado e o nível de ocupação da estrutura produtiva ainda muito abaixo do potencial, a volta do investimento ainda é um sonho. Embora essas economias devam sair da recessão nos próximos meses, muitos analistas projetam um período de crescimento muito frágil no começo do próximo ano. Alguns temem inclusive outro período de recessão.

No caso da China, os dados recentes mostram uma recuperação mais acentuada da produção industrial e da atividade em geral. Os gastos públicos e os programas setoriais de incentivos ao consumo têm acelerado a atividade local e compensado a perda da força das exportações. O PIB chinês cresce a taxas superiores a 8% ao ano, número fantástico em um mundo sem o consumismo do americano.

Por outro lado, as economias asiáticas que vivem do dinamismo chinês estão se beneficiando da recuperação no país de Mao via maiores exportações de seus produtos. Como já disse a meus leitores, a questão nessa parte do mundo é o que acontecerá com o setor privado quando os gastos públicos voltarem ao normal -e certamente voltarão- em 2011.

Finalmente no grupo formado por economias que começam a voar em céu de brigadeiro, os governos começam a desarmar os mecanismos de estímulos monetários e fiscais estabelecidos durante a crise. Os BCs do Brasil e da Austrália já deram indicações de que vão elevar os juros nos próximos meses para evitar um superaquecimento de suas economias.

O quadro descrito trata de questões conjunturais importantes, mas que escondem um movimento de longo prazo que quero trazer ao leitor da Folha nas próximas colunas.

Estamos vivendo um tempo de extraordinárias mudanças no equilíbrio econômico do mundo. Alguns sinais desse fenômeno são ainda muito sutis e podem passar despercebidos pelo analista menos cuidadoso. Mas a divisão entre ganhadores e perdedores nesse processo vai depender de uma leitura correta dos governos nacionais sobre os novos tempos e as medidas a serem tomadas.

Seria muito bom para nós, brasileiros, que o governo Lula deixasse a euforia de lado e voltasse sua atenção para uma nova agenda estratégica para o Brasil.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Dos dois lados, sinais de disposição ao diálogo

Ricardo Galhardo Enviado especial
DEU EM O GLOBO

Micheletti baixa o tom com o Brasil e Zelaya diz estar disposto a se submeter à Justiça, embora imponha condições

TEGUCIGALPA. Dez dias depois do retorno do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras, os dois lados do conflito, que já dura mais de três meses, deram ontem sinais de disposição para dialogar. O presidente interino, Roberto Micheletti, baixou o tom com o Brasil, suspendendo o ultimato para que Brasília definisse o status de Zelaya e prometendo não tomar “medidas adicionais” contra a embaixada brasileira, onde o presidente deposto está abrigado. Mas a mudança mais forte veio de Zelaya, que disse estar disposto a se submeter à Justiça e aceitou ter seus poderes reduzidos — caso seja restituído na Presidência.

— Que me tirem o poder — disse ele, segundo o relato de um grupo de seis deputados brasileiros que chegou ontem a Honduras para avaliar a situação política do país. — Estou disposto a ir aos tribunais para responder aos processos que há contra mim, não tenho problema quanto a isso. Voltei porque sou inocente.

Zelaya, no entanto, lembrou que hoje não há diálogo com o governo interino. E condicionou suas propostas de concessão à mediação da crise pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e à assinatura do acordo de San José, que prevê sua restituição no cargo. Apenas depois disso, disse, estaria disposto a flexibilizar os termos.

De duas a quatro semanas de negociação Uma comissão da OEA chega hoje a Tegucigalpa para articular um diálogo. Zelaya entregou uma carta a John Bihel, assessor da Secretaria-Geral da OEA, indicando cinco nomes para compor uma mesa de negociação.

Micheletti faria o mesmo. Segundo Bihel, a OEA está otimista sobre um acordo.

Mas o grupo de deputados brasileiros acredita que o processo pode ser lento. Segundo Zelaya, as negociações levariam de duas a quatro semanas. Mais que isso, diz Zelaya, a população não iria aceitar.

Além da reunião com Zelaya na embaixada, os deputados estiveram no Congresso e na Suprema Corte, onde receberam a garantia de que o governo interino não invadirá a representação.

No Congresso, o presidente da Casa, Alfredo Zaafreda, ligado a Micheletti, se comprometeu a votar uma moção que prorroga o prazo de dez dias dado sábado pelo governo interino para que o Brasil defina o status diplomático de Zelaya.

Ao mesmo tempo, a chegada da comissão da OEA (a mesma que foi proibida de entrar no país domingo) prepara o caminho para a reunião de chanceleres prevista para o dia 7 e aumenta a pressão por acordo.

População volta a encher bares e restaurantes A sensação no meio político hondurenho é que a situação caminha para um pacto. O grande entrave é a falta de garantias quanto a seu cumprimento.

— O governo ainda não aceitou um acordo que passa pela restituição porque acha que Zelaya não vai cumpri-lo e vai retomar o tema da Constituinte — disse ao GLOBO o empresário Adolfo Facussé, presidente da Associação Nacional dos Industriais.

Apesar do repúdio de amplos setores da sociedade hondurenha, Micheletti continua protelando — agora por pelo menos mais um dia — a revogação do decreto que suspende os direitos civis e impede a liberdade de imprensa.

Enquanto isso, a resistência ao golpe continua impedida de se manifestar. Um protesto em frente ao Canal 36, depredado na segunda-feira pelas tropas de repressão, foi abortado em função da presença de centenas de militares no local. A saída foi mudar o lugar da manifestação para a porta da embaixada dos EUA mas, devido à forte repressão dos dois últimos dias, apenas algumas dezenas de pessoas se arriscaram a participar do ato.

Ontem magistrados da Suprema Corte, que apoiaram o golpe, se reuniram com Micheletti para avaliar o decreto. Na segundafeira, o presidente interino prometeu ao Congresso que retiraria o decreto depois de uma consulta à Suprema Corte e à Justiça eleitoral. Mas Micheletti pediu mais um dia para consultar, desta vez, o Colégio de Ministros, antes de revogar o ato.

Enquanto isso, nas ruas de Tegucigalpa, o povo hondurenho pôde desfrutar pela primeira vez desde a volta de Zelaya ao país, na segunda-feira passada, de uma noite normal, sem toque de recolher. Isso fez com que a população, em especial os jovens, lotasse bares para colocar em dia a vida social

Crise afeta comércio com Honduras

Geralda Doca
DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. As relações entre o governo brasileiro e o hondurenho azedaram também do lado comercial e não só na questão diplomática, depois da crise gerada pela deposição de Manuel Zelaya e do apoio do Brasil à sua recondução. Embora o comércio entre os dois países seja pequeno, tanto as exportações brasileiras quanto as importações vêm caindo ao longo do ano, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento.

Além disso, entre janeiro e agosto, 71 empresas brasileiras deixaram de vender seus produtos em Honduras.

Ainda há 542 exportadores registrados.

Entre janeiro e agosto, as vendas totalizaram US$ 56,6 milhões, o que representou queda de 41% frente ao mesmo período do ano passado.

As importações brasileiras caíram 42,7%, no mesmo período, chegando a US$ 2,5 milhões.

Entre os produtos mais vendidos para Honduras estão fumo, papel, pisos, sementes, alumínio, chassis com motores e algodão.

Do lado das importações, destacam-se trapos, cordéis, aparelhos elétricos, fios e cobertores

2016 é hoje

Luiz Ernesto Magalhães e Fernando Duarte Enviados especiais • Copenhague
DEU EM O GLOBO

Rio pode realizar sonho antigo

Pela primeira vez desde a década de 30, quando o Rio disputou sediar uma olimpíada, a cidade chega hoje à final da eleição para os Jogos Olímpicos de 2016.

Desde 96, o Rio tem se aproximado mais do sonho de receber atletas do mundo inteiro. Em Copenhague, às 14h de hoje, será anunciado o nome da cidade vencedora.

Na véspera da escolha, autoridades e cidadãos brasileiros, na capital da Dinamarca, vestiram a camisa do Rio, numa espécie de boca de urna. O jornal britânico “The Times” acha que é justo o Rio ganhar.

Boca de urna pelo Rio

Na véspera da eleição, brasileiros fazem lobby frenético junto a delegados do COI

Os brasileiros que estão em Copenhague defendendo a candidatura do Rio a sede dos Jogos de 2016 tiveram que mostrar ontem, véspera da eleição, fôlego olímpico para enfrentar uma verdadeira maratona em busca de votos. O esforço não é à toa: afinal, pela primeira vez desde a década de 30, quando o Brasil começou suas tentativas para sediar as Olimpíadas, o país é finalista da disputa. A partir de 1996, o Rio candidatou-se mais duas vezes, sem passar da primeira fase. Para que hoje o sonho vire realidade — o resultado será anunciado às 14h (horário de Brasília)—, valeu de tudo, em Copenhague, ontem, para cativar os integrantes do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Aproveitando que a prefeitura da cidade dinamarquesa convidara representantes de todas as delegações para circular de bicicleta pela cidade, o Brasil mostrou que não está lá a passeio: levou logo uma enorme Bandeira do país — providência básica, mas esquecida pelos Estados Unidos, pela Espanha e pelo Japão. Atletas brasileiros que inicialmente participariam da “bicicleata” foram deslocados para o Hotel Marriott, quartel-general do lobby verde e amarelo. Nos corredores, os delegados do COI eram disputados pelos candidatos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez parte do frenético lobby pelo Rio e passou boa parte do dia no hotel, onde teve encontros reservados com os eleitores. Uma das conversas ao pé de ouvido foi com o presidente do COI, Jacques Rogge. Na véspera, ele já tinha jantado com delegados do COI. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também tentou angariar votos.

No vale-tudo da reta final, o escritor Paulo Coelho, que almoçou com esposas de delegados, prometeu até mesmo plantar bananeira na Praia de Copacabana se o Rio ganhar a eleição.

— Terei 70 anos em 2016, mas disse às senhoras que, se o Rio ganhar, vou plantar uma bananeira na Praia de Copacabana. É só começar a treinar aos 68 — disse Coelho.

A boca de urna olímpica do Brasil teve até ajuda do sobrenatural. A médium Adelaide Scritori, que afirma incorporar o espírito do Cacique Cobra Coral e ser capaz de controlar o tempo, passou parte da tarde sentada discretamente a uma mesa do restaurante do hotel Skt Petrick, base da campanha da Rio 2016. A médium fez projeções espirituais sobre o tempo nas cidades-candidatas, num esforço para ajudar o Rio. Na campanha para 2012, Adelaide afirma ter ajudado Londres, que venceu a disputa com Paris.

A médium tirou fotos em frente a uma praça onde as torcidas de Rio, Madri, Tóquio e Chicago vão se concentrar amanhã. O assessor de Adelaide, Osmar Santos, disse que ela, que tem um convênio com a prefeitura do Rio para prever o tempo, viajou com recursos próprios à Dinamarca.

— Se ela acertar em Olimpíada como acerta nas previsões do tempo, vai chover votos para o Rio — disse o secretário da Rio 2016, Ruy Cezar.

Assessores dos governos se dedicaram a revisar informações técnicas.

Um grupo coordenado por Ruy Cezar passou mais de quatro horas debruçados sobre um laptop. Um dos segredos guardados a sete chaves é o vídeo produzido pelo cineasta Fernando Meirelles, que será exibido na apresentação brasileira.

— Dizem que é emocionante. Ao que eu saiba, assistiram ao vídeo apenas o presidente, o governador e o prefeito — disse o presidente da Câmara do Rio, vereador Jorge Felippe.

Apesar da intensa campanha próRio, os representantes do Brasil encontraram tempo para encontros com os adversários. Após o mal-estar entre as candidaturas do Rio e de Madri, o rei Pelé conversou com o rei espanhol Juan Carlos I, antes da abertura da assembleia do COI, evento presidido pela rainha da Dinamarca, Margrethe II, e pelo príncipe consorte Henrik. Em almoço oferecido pelos nobres, Lula posou para fotos com a a primeira-dama americana, Michelle Obama.

Uma semana nervosa para Arthur Nuzma

A votação de hoje tem sabor especial para os moradores do Rio, que torcerão pela cidade na Praia de Copacabana, a partir das 10h — onde haverá shows num palco montado em frente ao Copacabana Palace —, mas importância ainda maior para um carioca em especial: Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro desde 1995. Nada mais natural que Nuzman mostrasse sinais de nervosismo em Copenhague. Numa recepção para a imprensa brasileira, segunda-feira, ele tinha lágrimas nos olhos ao descrever suas expectativas da Rio 2016. Em tom de desabafo, celebrava as notícias de que a candidatura carioca era a favorita: — Muitos não acreditavam que o Rio poderia chegar até aqui. Provamos que temos condições de apresentar um projeto vencedor.

O Rio-2016 e a liberdade de opinião

Juca Kfouri
Comentário para o Jornal da CBN desta sexta-feira, 2 de outubro de 2009.

Para tristeza dos xiitas, dos que imaginam que os outros sejam tão sabujos como eles são, a discussão em torno da candidatura do Rio para ser sede da Olímpiada de 2016 está sendo exemplar.

Digo e provo.

Eu, por exemplo, sou contra e torço para que daqui a pouco o mundo saiba que a Olímpiada será em Madri, embora deva ser em Chicago.

Terei uma grande surpresa se der Rio, a cidade incomparavelmente mais bonita entre as quatro candidatas, mas num país que nem sequer tem uma Política Esportiva, razão pela qual não merece sediar os Jogos Olímpicos.

Para não falar em superfaturamentos e coisas do gênero.

Mas esta não é posição do Sistema Globo de Rádio ou das Organizações Globo, que apoiam o Rio-2016.

Assim como a "Folha de S. Paulo", ontem, fez editorial apoiando o Rio, mas publicou, em sua primeira página, uma chamada para minha coluna, cujo título era "Nem Rio, nem Brasil".

Se o Rio vencer, não vou ficar triste, e vou me preparar para fiscalizar e cobrar todas as promessas.

Se o Rio perder, não vou ficar feliz, e vou continuar a cobrar uma Política Esportiva que permita, um dia, que o Rio seja sede da Olímpiada.