quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sinais desencontrados

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O aumento de 0,25 ponto percentual, de 3% para 3,25%, na taxa básica da Austrália, o primeiro país do G-20 a aumentar os juros após a crise econômica, desencadeou percepções desencontradas. Se, por um lado, ajudou a reforçar o que o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz chama de “exuberância irresponsável” das bolsas em todo o mundo, na sensação do mercado de que a crise foi superada, por outro desencadeou o temor de que seja o primeiro de uma série de movimentos em algumas economias para controlar as consequências do que já está sendo classificado de “déficit excessivo”, provocado pelas medidas anticíclicas tomadas para estimular as economias globais na crise internacional.

No Brasil, já há previsões do mercado de que a taxa básica de juros subirá até o fim do próximo ano, diante dos sinais de que a economia brasileira está retomando um ritmo de crescimento que pressionará a inflação.

O problema é que no Brasil o governo central apresenta um déficit nas contas públicas equivalente a 3,52% do PIB, que é compensado pela atuação de estados e municípios.

As políticas anticíclicas brasileiras, ao contrário das da maioria dos outros países, foram baseadas em aumentos dos gastos correntes, e não em investimentos, que continuam patinando em torno de pouco mais de 1% do PIB.

Com isso, a pressão dos gastos se torna permanente, o que reaquece o mercado interno, ajudando a recuperação econômica, mas dificulta o equilíbrio das contas públicas.

Além das questões puramente econômicas, deparamos no Brasil com uma questão política delicada. Sendo o próximo ano daqueles em que estará em jogo o controle político do país, com eleições para a Presidência da República, governadores, a Câmara e dois terços do Senado, haverá capacidade política do governo federal para subir a taxa de juros se for necessário? Mais ainda: tendo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se filiado ao PMDB e estando na disputa para ser candidato a vice-presidente da República na chapa oficial ou até mesmo, no limite, candidato a presidente da República, manterá ele a vontade política que demonstrou até agora de arrostar as críticas, inclusive de setores do governo, para aumentar os juros, se necessário, ou raciocinará com suas possibilidades políticas futuras, evitando medidas impopulares? Mesmo que até abril, data limite para quem quiser se candidatar a alguma coisa, Meirelles não precise tomar qualquer atitude em relação aos juros, quem será seu sucessor? A escolha desse sucessor já demonstrará ao mercado qual a disposição do governo brasileiro no ano eleitoral.

Em qualquer situação, a melhor resposta seria a permanência de Meirelles no cargo e a prevalência da autonomia informal do Banco Central.

E, mesmo assim, o empenho do próprio presidente Lula em eleger sua sucessora poderá trazer dificuldades políticas desconhecidas até então pelo Banco Central.

Outra questão fundamental é a definição do que seja o término da crise econômica.

A situação está tão confusa ainda que várias vozes de peso, como o próprio Stiglitz e o economista Nouriel Roubini, revelam o temor de que a ilusão de que a crise foi superada leve governos a recuar das medidas de incentivo às economias antes do tempo.

Na linha oposta está um artigo do economista Luigi Zingales publicado na “National Affairs”, uma recém-lançada revista quadrimestral, de tendência conservadora.

Zingales, um respeitado professor de empreendedorismo e finanças da Escola de Negócios da Universidade de Chicago, acredita que o capitalismo americano encontrase em uma encruzilhada, e que a maneira como o governo Obama está enfrentando a crise significa que as questões de fundo não estão sendo atacadas.

O professor de Chicago acredita que a “raiva popular” deveria ser canalizada para apoiar reformas “genuinamente pró-mercado”, introduzindo limites ao poder da indústria financeira e restaurando princípios que considera fundamentais e que dão “dimensão ética” ao capitalismo: liberdade, meritocracia, uma ligação direta entre recompensa e esforço, um senso de responsabilidade que garanta que aqueles que alcancem os lucros também ficarão com os prejuízos.

A alternativa a uma política voltada “mais para o mercado do que para os negócios” seria o que o governo Obama está fazendo, na opinião de Zingales: acalmar a “raiva popular” com medidas como limitar os bônus dos executivos, mas ao mesmo tempo escorar a posição das grandes setores financeiros, fazendoos dependentes do governo.

Zingales cita um recente estudo dos professores Rafael Di Tella e Robert McCulloch que mostra que nos Estados Unidos é maior do que em qualquer outro país a percepção de que, no capitalismo, é o trabalho duro, e não a sorte, que determina o sucesso.

Enquanto nos Estados Unidos apenas 40% acreditam que a sorte tem um papel mais importante no sucesso do que o trabalho, no Brasil esse número chega a 75%, e na Alemanha chega a 54%.

Na Itália, cerca de 80% dos dirigentes empresariais consideram “importante” ou “muito importante” para o sucesso empresarial e financeiro “conhecer pessoas influentes”, e “lealdade” e “obediência” são virtudes que vêm antes de “competência” e “experiência”.

O professor Luigi Zingales considera que a ingerência do governo Obama na economia, a pretexto de salvá-la da crise econômica, está fazendo com que o capitalismo americano perca suas características mais valiosas.

“Quando a poeira baixar e o pânico for controlado, essa talvez demonstre ser a mais séria e danosa consequência da crise financeira para o capitalismo americano”, diz o professor.

Esquerdas e ruínas

Fernando de Barros e Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Professor emérito da USP radicado em Paris há vários anos, provavelmente o maior marxólogo (mas não marxista) do país, o filósofo Ruy Fausto talvez se sinta à vontade no epíteto de patinho feio da intelectualidade brasileira. Menos pela graça de seus colegas do que pela insistência com que sua voz isolada se levanta contra os "descaminhos da esquerda" local.

É esse o tema central do livro "Outro Dia" (editora Perspectiva), que o autor lança hoje em São Paulo, reunindo intervenções públicas, textos e entrevistas à imprensa nos últimos anos. Há ensaios sobre as experiências totalitárias do século 20, outros tratando de ética e universidade, um capítulo discutindo a eleição de Sarkozy na França e outro sobre o regime da ilha de Fidel.

Mas o coração do livro está nos textos sobre a política brasileira, quando o autor faz o mapa das ruínas da esquerda: de um lado, há os adeptos do "petismo vulgar", lenientes em relação à corrupção, para quem o mensalão foi invenção da mídia; de outro, o "revolucionarismo", que se desmembra em duas vertentes, aquela das viúvas do bolchevismo, e outra, niilista, para a qual o mundo não tem mais saídas.

A discussão deve parecer bizantina aos mortais que dão duro para ganhar a vida. De fato, mas a complacência com a ditadura cubana, o fascínio pelo populismo chavista ou o desapreço pelas conquistas da democracia não são temas do passado.

Se é assim, uma boa alma poderia perguntar: mas por que ainda ser de esquerda? Para Fausto, pela convicção de que é possível trilhar um caminho teórico e político em que defesa das liberdades e empenho contra as desigualdades confluam.

Social-democracia reciclada? Talvez. Tratando da crise econômica mundial, o autor diz que "o mercado capitalista, endeusado e naturalizado até ontem, aparece agora como um menino travesso e irresponsável", o que muda o foco e amplia o horizonte do debate. De acordo, desde que esteja claro que esse menino levado é filho único. E, até prova em contrário, filho eterno.

Certificado sem garantia

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Estava marcada para ontem à noite a emissão do certificado da aliança entre PT e PMDB na eleição presidencial, embora nenhuma das partes esteja em condições plenas de assegurar à outra o cumprimento do acordo de divisão da chapa apoiada pelo presidente Luiz Inácio da Silva entre Dilma Rousseff, candidata a presidente, e Michel Temer de vice.

Tenha sido sacramentado ou não o compromisso no jantar aprazado, tanto faz, porque nada haveria de perene, que resistisse à ação do tempo, além do retrato de Lula com a turma em clima de comemoração.

Empenhar a palavra é uma coisa, executar a ação tal como o combinado é que são elas.

Ao preço de hoje, o presidente da República e a cúpula do PMDB acertam a venda de terrenos na Lua, baseados nos interesses de cada um, sustentados na premissa da obtenção da maior vantagem possível sobre o parceiro.

Vejamos o que propõe o PMDB: que o PT lhe garanta a vaga de vice a fim de que tenha como companheiro de chapa influência suficiente para negociar as alianças regionais para as eleições de governador e disponha mesmo do poder de atrapalhar o plano no âmbito nacional caso o companheiro crie problemas.

Se ainda não ficou claro o suficiente, o PMDB está propondo ao PT que lhe abra espaço para azucrinar sua vida, aí incluída a possibilidade de ameaçar explodir a aliança presidencial se necessário for.

A direção do PMDB teve essa ideia quando se convenceu de que Lula não atenderia à proposta anterior de enquadrar o PT aos costumes mais convenientes aos pemedebistas nos Estados.

Ao contrário do prometido não faz dois meses, o PT vai armando seus palanques sem dar muita atenção (propositadamente?) às promessas feitas oficialmente pela direção do partido nos jornais. Em português claro: o PMDB entendeu que o PT está "enrolando".

É o termo exato usado pelos dirigentes pemedebistas - governistas e oposicionistas -, cuja convicção só manifestada em privado e sob garantia de anonimato é a de que o presidente Lula está a par e avaliza a embromação.

Pudera. Do ponto de vista do PT - o único a partir do qual o partido pode fazer análise de estratégias sem tornar-se um anexo do PMDB -, não há uma única vantagem em fechar o, digamos, negócio agora.

Em tese, garantiria os seis ou sete minutos de acréscimo no tempo de rádio e televisão. Mas teria assegurado o apoio incondicional da máquina do PMDB?

Por bem mais que uma vaga de vice, o PMDB já deixou no ora veja candidatos próprios a presidente: Ulysses Guimarães e Orestes Quércia. José Serra, candidato a presidente em 2002 na companhia oficial do partido, viu dessa missa mais que a metade.

Faltassem provas da firmeza ideológica do PMDB, o líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo, está nos jornais a fornecer uma bem substanciosa: "Se não tivermos a vice, apoiamos o Serra." Simples, assim.

Tenda dos milagres

Com o vale tudo pelo eleitoral operando a conversão religiosa da ministra Dilma Rousseff, a agenda segue cheia: já havia sido a Igreja Renascer, segunda-feira foi a Assembleia de Deus, sexta-feira será a missa na Igreja do Bonfim, na Bahia, domingo a procissão do Círio de Nazaré, no Pará.

A romaria da semana que vem inclui uma visita ao recém-nascido filho de Ivete Sangalo, em Salvador, faltando para fechar o circuito, uma escala no Gantois, para reverência a Mãe Carmen, filha e sucessora de Menininha depois da morte de Creuza, a irmã mais velha.

E, se houver receptividade, a Mãe Stela, sacerdotisa do Axé Afojá, o terreiro mais antigo e tradicionalista da Bahia.

Malvadeza durão

"Maioria" dos gaúchos é maneira de dizer. A quase totalidade dos gaúchos, 74%, desaprova o governo Yeda Crusius. O índice de aprovação fica na casa dos 20%.

Arredondando números, 80% não estariam dispostos a reconduzir a governadora ao posto em 2010. Um fenômeno respeitável, ainda mais se tomarmos como medida a palavra de especialistas segundo os quais 40% de rejeição é o máximo que suporta alguém com intenção de se eleger.

Não bastasse, o partido da governadora, PSDB, quer apoiar o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB), na eleição estadual. Natural, então, que o tucanato preferisse ver Yeda fora do páreo para a reeleição.

Mas as coisas não se passam assim. Como Fogaça não quer o apoio da governadora, o PSDB acha melhor que ela concorra. Isolada e, na percepção dos correligionários, para perder.

Redução de dano

O chanceler Celso Amorim deu um jeito de amenizar o vexame do apoio à candidatura derrotada do egípcio antissemita Farouk Hosni, para a Unesco.

Diz que graças a isso o Rio levou as Olimpíadas de 2016 com o voto dos árabes.

A maldição do PMDB

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASíLIA - Faltam menos de 12 meses para a eleição de 3 de outubro de 2010. Todos os políticos já estão em seus partidos definitivos. Agora, as conversas sobre alianças vão se concentrar sobre o mais relevante: quem terá mais tempo de TV no horário eleitoral.

Quando Lula insiste no plano de ter o PMDB apoiando Dilma Rousseff para presidente, o interesse é o tempo de televisão que os peemedebistas podem oferecer. Nada mais. Até porque Michel Temer ou Henrique Meirelles, possíveis vices de Dilma, têm pouco a contribuir em termos de votos.

Essa é a razão do preço altíssimo pago por Lula até agora para manter viável essa possibilidade inédita de aliança no plano nacional entre PT e PMDB. Os peemedebistas dobram o tempo de Dilma na TV em 2010. Como poder atrai poder, outras siglas tendem a se animar a ingressar nesse condomínio. Nas contas otimistas do comando petista, a candidatura governista ao Planalto pode ficar com algo entre 50% e 70% de todos os comerciais na campanha televisiva em 2010.

Seria um rolo compressor difícil de ser superado, sejam quais forem os concorrentes. Na ponta pessimista dessa estratégia petista está a dificuldade histórica de o PMDB conseguir se acertar nacionalmente para apoiar algum candidato ao Planalto. Aliás, é necessário lembrar, toda vez que isso aconteceu deu errado.

Os dois únicos candidatos a presidente do PMDB até hoje foram derrotados -Ulysses Guimarães, em 1989, e Orestes Quércia, em 1994. Em 1998, o partido não participou da disputa. Em 2002, apoiou José Serra e perdeu. Em 2006, novamente não entrou no páreo.

Ou seja, Lula tem dois desafios à frente. Primeiro, convencer o PMDB a bandear-se para o PT. Segundo, quebrar a maldição peemedebista de sempre colocar a sigla do lado derrotado em disputas presidenciais. Será algo inédito.

Tudo pela propaganda

José Meirelles Passos
DEU EM O GLOBO

Campanha sobre desaparecidos é criticada

O governo está gastando R$ 13 milhões para pedir à sociedade informações sobre desaparecidos. O Tortura Nunca Mais diz que é “encenação”, pois o próprio governo não abriu seus arquivos.

Campanha sobre desaparecidos é encenação, diz ONG

Dirigente do Tortura Nunca Mais cobra abertura de arquivos oficiais e cita risco de país ser punido em tribunal da OEA

O grupo Tortura Nunca Mais definiu como “mera encenação” a campanha publicitária lançada pelo governo federal no último fim de semana. Os anúncios solicitam aos brasileiros que tenham documentos ou informações sobre o período de 1964 a 1985 — a ditadura militar — que os doem ao Arquivo Nacional.

Para o Tortura Nunca Mais, a iniciativa é parte de uma estratégia para evitar que em breve o Brasil seja condenado pelo tribunal da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, em processos sobre desaparecidos políticos.

Veiculada em rádio, TV, jornais, revistas e internet, a campanha Memórias Reveladas (www.memoriasrevela-das.gov.br) diz que o governo tem uma dívida com as famílias dos desaparecidos políticos, e que elas “têm o direito sagrado de enterrar os corpos dos seus entes queridos”. Segundo o anúncio, permanecem desaparecidas 140 pessoas que “lutaram e morreram por um Brasil mais justo”. E faz um apelo: “Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça”.

A reação dos familiares dos desaparecidos foi contundente, segundo Elizabeth Silveira e Silva, tesoureira e ex-presidente do Tortura Nunca Mais do Rio, cujo irmão (Luiz Renê Silveira e Silva) lutou na Guerrilha do Araguaia e está na lista de desaparecidos: — Vemos a campanha como encenação para aliviar um pouco as denúncias que constam do processo em andamento no tribunal da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É uma maneira de o governo dizer ao tribunal: “Fizemos o que foi possível fazer”, quando, na verdade, nada está fazendo.

Ela lembrou que tempos atrás, quando o processo foi aberto na CIDH, a entidade fez sugestões ao governo para que tomasse providências no sentido de evitar que o caso chegasse ao julgamento na corte internacional.

Uma delas seria intimar para depor militares que serviram na época, para que revelassem o que sabiam a respeito da repressão contra quem resistia à ditadura militar.

— O governo deu de ombros, não aceitou a sugestão. Sequer explicou as circunstâncias das mortes. E surpreende com essa campanha. Não vemos vontade política de que esse episódio da História recente seja totalmente esclarecido.

Grupo duvida que apareçam documentos relevantes Para o Tortura Nunca Mais, o governo deverá obter pouco material através da campanha, pois as pessoas mais diretamente interessadas — parentes de desaparecidos — só possuem dados que investigaram por conta própria ou com a ajuda de entidades civis.

— Se alguém tiver um documento oficial em mãos, trata-se de material roubado do governo e, portanto, um crime. Por isso, é estranho esse pedido.

A posição do grupo, segundo Elizabeth, é clara: o governo deveria dar o primeiro passo. Antes de pedir aos brasileiros que doem documentos sobre os chamados anos de chumbo, para que sejam compilados e posteriormente divulgados pelo Arquivo Nacional, o governo deveria abrir os seus arquivos secretos daquele período.

— Essa iniciativa é fundamental para que essa nova campanha de aparência séria não passe de uma brincadeira, de uma encenação.

Marta e Ciro medem forças

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A declaração de Marta Suplicy após reunião do Diretório Estadual do PT, na segunda-feira, em São Paulo, deve ser posta em perspectiva na disputa que ali se esboça. "Há uma percepção de que a candidatura Ciro não tem a ver com São Paulo", disse a ex-prefeita e líder de um grupo do PT, referindo-se à transferência de domicílio eleitoral do deputado cearense para São Paulo com o objetivo, seguindo planos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de candidatar-se a governador do Estado.

Marta sempre poderá dizer, no momento em que for conveniente, que não falava no desconforto para o eleitor paulista em receber um forasteiro, mas que está falando, como o fizeram Ricardo Berzoini e Antonio Palocci, que a candidatura Ciro já lançada tem a ver com a Presidência da República e não com o governo estadual. Mas já se passaram 24 horas e ela ainda não renegou a interpretação de que o ataque foi intencional e direto, atingindo muito fortemente o deputado do PSB.

Como não há possibilidade de resolverem tão cedo esta disputa entre dois PTs (o de Marta e o de Ciro, que tem em Lula seu único e fortíssimo padrinho) a respeito da candidatura ao governo de São Paulo, a posição inequívoca expressada por Marta Suplicy pode ser tomada como tentativa de equilíbrio de forças que estavam, até o momento, pendendo para Ciro.

O que está em discussão é uma resposta a duas perguntas: O que é melhor para o Lula? O que é melhor para o PT? O presidente da República já deixou claro que, para seus planos, o melhor é uma eleição presidencial plebiscitária entre Dilma Rousseff e José Serra, o PT contra o PSDB, cada um com seus aliados. Sua estratégia é isolar Serra e enfraquecê-lo ao máximo, afastando tudo o que pode adensar esta candidatura e até apostar na sua desistência. "Bastaria, na campanha, compararmos os oito anos do Fernando Henrique com os nossos oito anos de governo e não teria para mais ninguém", resume um frequentador dessas reuniões preliminares a linha de campanha em preparação.

Para chegar a este cenário polarizado, uma providência preliminar era resolver os problemas dos aliados, e o principal deles o Ciro, que já foi candidato, tem uma base eleitoral e projeto pessoal. Lula recomendou que transferisse seu título para São Paulo, disputasse o governo do Estado, se ganhasse seria governador se perdesse seria ministro da Dilma. O presidente vislumbrou neste cenário não só uma solução para depurar a campanha presidencial como para fazer uma radical disputa com o PSDB, capaz de sangrar não só a candidatura tucana ao governo do Estado como a candidatura Serra à Presidência, na sua base eleitoral mais ampla.

A descrição feita por um aliado fiel que Lula tem no PT mostra o efeito esperado: "Ciro seria um bom candidato a governador, já foi candidato a presidente, na crise ele cresce muito, seria um ótimo adversário para o PSDB, não tem medo do Serra, não tem medo do Alckmin, fala as coisas, chuta acima da canela, é um candidato rompedor que estamos precisando em São Paulo". Ciro, neste raciocínio, fez sua parte: transferiu o domicílio eleitoral no fim do prazo, não dando tempo à reação do PT, fez tudo como recomendado pelo presidente e, se não der certo o plano, será candidato a presidente da República pelo PSB.

A partir da análise de que o PT não poderia deixar de ter candidato próprio em São Paulo por uma série de razões - satisfação à militância, manutenção dos 30% de votos cativos do partido, não entregar de graça seu trabalho eleitoral a mais um concorrente, entre outras - o Partido dos Trabalhadores viu consolidar-se um outro cenário com a entrada de Marina Silva na disputa. Ganhou força, dentro do PT, a tese de que "quanto mais candidato melhor", porque isto leva ao segundo turno. E, no segundo turno, os aliados se uniriam contra o PSDB. Nesta hipótese, a candidatura Ciro ao governo de São Paulo perde relevância. Ele seria mais um candidato da base à Presidência e o PT concorreria em São Paulo com um dos cinco ou seis nomes colocados à discussão sendo que, no momento, o principal é Antonio Palocci. Todos os pré-candidatos querem que o PT tenha candidato: o próprio Palocci, Emídio de Souza, Elói Pietá, Arlindo Chinaglia, Eduardo Suplicy, Marta Suplicy, cada um com seus apoiadores.

As duas concepções estão, no momento, convivendo litigiosamente, e assim continuarão provavelmente até o ano que vem. Nada será decidido agora, as posições estão colocadas e o presidente Lula entrará em campo, certamente, para fazer valer a sua vontade, compatibilizando interesses. O mais provável é que consiga o que quer mas é possível que o instinto de autopreservação leve o grupo de Marta Suplicy à disputa. Segundo um dos participantes do encontro de segunda-feira, há mais petistas do que se imagina achando que Lula está centralizando demais o PT, que ainda vê Dilma Rousseff como candidata dele e não do partido, e que mantêm acesa a irritação com os sapos que a popularidade amazônica do presidente os faz engolir todos os dias. Mas o clima é de tensão. Ao bater de frente com Ciro, Marta bateu de frente com Lula.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

RJ: Novo cenário político na Alerj

Ricardo Villa Verde, Rio de Janeiro
DEU EM O DIA


Mudaram de partido pelo menos 13 dos 70 deputados. Bancada que teve mais movimentações, o PMDB ganhou quatro novos integrantes e perdeu dois. Ex-André do PV passou a ser chamado de André Lazaroni, após virar peemedebista

Rio - A possibilidade de punição pela Justiça Eleitoral por infidelidade partidária não inibiu o troca-troca de partidos na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Até ontem, pelo menos 13 dos 70 integrantes da Casa já haviam trocado de legenda. E as articulações continuavam, apesar do prazo para filiação para os que querem disputar a eleição de 2010 ter se encerrado na sexta-feira, de acordo com a legislação eleitoral.

O PMDB, do governador Sérgio Cabral, foi a bancada que teve mais movimentações.

Os peemedebistas conquistaram quatro novos deputados e perderam dois. Entraram no partido Pedro Fernandes e Marcelino D’Almeida, que deixaram o DEM, e André Lazaroni, que abandonou o PV. “Fui perseguido no PV”, alegou André, para justificar a saída do partido, cuja sigla fazia parte de seu nome. O deputado licenciado Pedro Paulo, atual chefe da Casa Civil da Prefeitura do Rio, também foi para o PMDB, abandonando o PSDB. Por outro lado, os peemedebistas perderam Nilton Salomão, para o PT, e Fábio Silva, para o PR, do ex-governador Anthony Garotinho, que deve disputar o governo do estado com Cabral.

Além de Fábio Silva, Garotinho ganhou a adesão também de Altineu Cortes, que já foi do PMDB e do PT. “Sempre tive boa relação com Garotinho”, justificou Altineu. A bancada do PR passa agora a ter cinco parlamentares na Alerj.

O DEM, do ex-prefeito Cesar Maia, foi o que mais perdeu. Além de Marcelino e Pedro Fernandes, o partido também ficou sem Átila Nunes, que foi para o PSL. A bancada do DEM foi reduzida à metade, passando de seis para três deputados. Marcelino alegou que deixou o DEM por ter ficado sem espaço no partido, apesar de ter sido um dos homens de confiança de Maia durante as duas gestões do ex-prefeito do Rio.

O PTN, que não tinha representantes na Alerj, passou a ter dois. Jorge Babu, que havia sido expulso do PT, foi para o partido junto com Geraldo Moreira, que deixou o PMN.

O PSB ganhou o reforço de Marcelo Simão, que deixou o PHS. Já o PTdoB atraiu Marcos Abrahão, que estava sem partido, desde que deixou o PSL.

DEM e PSDB querem pedir cadeiras

O DEM e o PSDB vão recorrer à Justiça Eleitoral para tentar reaver os mandatos dos deputados que trocararam as legendas por outras. Segundo o presidente nacional do DEM, deputado federal Rodrigo Maia, a orientação é recorrer contra todos os parlamentares que deixaram o partido.

Advogados do PSDB também confirmaram que os tucanos vão recorrer, especialmente contra o deputado Pedro Paulo. Ele já vinha sofrendo processo de expulsão pelo diretório regional, por ter apoiado a candidatura do prefeito Eduardo Paes (PMDB), apesar de o PSDB ter apoiado Fernando Gabeira (PV).

O Ministério Público Eleitoral (MPE) também está de olho no troca-troca partidário. A procuradora regional eleitoral, Silvana Batini, já alertou que vai analisar “caso a caso” e deve entrar com ações contra os políticos por infidelidade partidária. Ela reconhece, porém, que os infratores podem ser beneficiados. Como falta pouco mais de um ano para o fim dos mandatos, quando as ações forem julgadas, a punição de cassação pode não ter mais efeito prático.

O novíssimo movimento estudantil

Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO


Grupo que protestou contra adiamento do Enem rejeita filiação partidária, UNE e Ubes

Nascido há seis dias em colégios particulares da Zona Sul do Rio, um novíssimo movimento estudantil deu cara às manifestações contra a fraude no Enem: Nove (Nova Organização Voluntária Estudantil). Ao saber do adiamento da prova, os estudantes combinaram — pelo Orkut e pelo MSN — o protesto no MEC. Mas a Nove rejeita o movimento estudantil tradicional, ligado a partidos e comandado por UNE e Ubes. “Somos apartidários.

A maioria dos movimentos se perde porque deve a algum governo ou partido. E deixa de representar os estudantes”, afirma Pedro Lontra, aluno do Notre Dame. Para não ser chamado de elitista, o grupo recusou a proposta de fazer a passeata em Ipanema. “Não queremos ser Zona Sul, é maior que isso”, diz Carol de Lamare, do Santo Inácio

As novas caras do movimento estudantil, sem chapa-branca

Nove, grupo que se organizou após crise do Enem, critica UNE e Ubes

No condomínio de um prédio na Gávea, Zona Sul do Rio, 12 estudantes de classe média organizam um movimento que acabou de nascer e já ganhou as ruas: a Nove, Nova Organização Voluntária Estudantil.

Mais do que protestar contra a desorganização do Enem, eles defendem a reforma do sistema educacional brasileiro.

Com metas estruturadas e uma adesão relâmpago, inflamada pelas redes sociais na internet e pela revolta com o vazamento das provas do Enem, os jovens rejeitam lideranças, fazem cara feia para políticos e são unânimes em desqualificar a UNE e a Ubes (entidades que existem para representar estudantes universitários e do ensino médio) como representantes de seus pleitos.

Reunidos ontem a pedido do GLOBO depois de seguidas passeatas nas ruas do Rio, os 12 frisaram que são apenas parte da Nove. Ao todo, os organizadores já passam de 45, representando alunos de 24 escolas (mais do que o dobro da semana passada, quando foi descoberta a fraude e a Nove foi criada).

— Somos apartidários, não queremos nos envolver com nenhum tipo de jogo político. A maioria dos movimentos se perde porque acaba devendo a algum governo ou partido e deixam de representar os estudantes — sintetiza Pedro Lontra, de 18 anos, aluno do Notre Dame, em Ipanema.

Estudante do Pedro II do Centro do Rio, Julia Bustamante, de 17 anos, ironiza a presença de representantes da Ubes em sua escola: — Eles aparecem de dois em dois anos.

Sensação parecida com a de Bruno Glatt, de 17 anos, estudante do colégio PH de Ipanema, e de Kenzo Soares, estudante da UFRJ que participa das reuniões, mas não integra o movimento: — Muita gente não sabe como encontrá-los (os representantes da Ubes). A gente não vê esse movimento estudantil nas escolas — diz Bruno.

— As entidades que deveriam representar os estudantes não conseguem mais se articular com a gente. A nossa articulação se dá por esses espaços de base, com reuniões nas escolas — completa Kenzo, que participa das reuniões para ter chances de “construir pontes” entre quem está nas escolas e quem formula as políticas públicas de educação.

Nascida há exatamente seis dias, no berço da classe média fluminense, a Nove rechaça o preconceito dos que tacham o movimento de elitista: — Podem falar que eu sou patricinha.

Mas ninguém é uma coisa só. O que não quero é que daqui a alguns anos eu tenha um filho e ele não tenha a educação que tive. Quero que ele possa ter acesso a isso, independentemente da classe social em que esteja — diz Julia Almeida, de 17 anos, aluna do Teresiano, ressaltando que consegue dividir a militância com o salão de beleza para cuidar das unhas e do cabelo impecável.

— Não é um movimento de classe média.

Tivemos adesão de escolas públicas, como os colégios de aplicação e o Pedro II. Teve um embrião aí, mas não é o perfil do movimento — rejeita Paulo Di Celio, de 17 anos, estudante da Escola Parque.

Para dar ênfase à preocupação de democratizar o protesto, Carol de Lamare, do Colégio Santo Inácio, conta que o grupo descartou ideia proposta por colegas, na comunidade do movimento no Orkut, de que a primeira passeata em protesto contra a desorganização do Enem fosse em Ipanema. O ato reuniu cerca de 200 estudantes no Centro do Rio.

— Ipanema é mais perto da minha casa (em Copacabana).

Eu iria de bicicleta.

Mas disse: não é isso que a gente quer. Não queremos ser Zona Sul. É muito maior do que isso. Pedimos também que viessem de camisa branca, para não diferenciar as escolas.

O engajamento dos estudantes tem seu grau de pragmatismo. Mesmo conscientes de que o acesso à educação qualificada garante a eles segurança no futuro, os jovens avaliam que o resultado do investimento público no setor vai mudar a vida de todos — o que ajuda no desenvolvimento do país: — Não é que a gente seja santo. No futuro será vantajoso para todo mundo.

Com mais educação se tem um país que produz mais, menos violento, mais seguro. Educação é a base.

Isso é falado nas redações que a gente faz para o vestibular.

Se a gente conseguir isso, é a solução maior. Leva país para frente — diz Paulo Di Celio.

O “neomovimento estudantil”, nas palavras dos estudantes, prevê o exercício demorado da democracia: o primeiro encontro do grupo durou quatro horas. A lentidão das decisões, no entanto, tem como contraponto a agilidade da internet. Grande parte dos jovens, caso de Giovanna Bevilacqua, do Legrand, foi convocada por mensagens de celular e por redes sociais.

Herdeiros de uma geração que lutou contra a ditadura militar, os jovens relatam a angústia com um vazio por novas bandeiras. A maioria acabou de despertar para a possibilidade de mudar a sociedade.

— Nunca tive ideais revolucionários.

Mas fazer algo em relação à educação sempre esteve nos meus planos. E foi isso que me fez aderir à Nove — conta Bruno Glatt.

— O movimento valeu para suprir um vazio. Não é pelo fato de não ter mais ditadura militar que a gente não tem mecanismos repressivos na sociedade. A gente tem muitos problemas no Brasil por que lutar — diz Paulo Di Celio.

— Para mim, é uma oportunidade de acabar com o comodismo — faz coro Ana Elisa Bekken, com vaga já garantida na universidade, depois de passar para relações internacionais na PUC. — Meu objetivo maior agora é reformar o sistema educacional no Brasil.

Serra classifica vazamento do Enem como um “fracasso”

DEU NO JORNAL DO BRASIL
SÃO PAULO - O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), avaliou terça-feira o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como um “fracasso” que prejudica muito o Brasil. Serra fez questão de chamar para o seu secretário de Educação, Paulo Renato Souza, os créditos pela criação do sistema de avaliação.

– Paulo Renato foi quem criou o Enem no Brasil, portanto estamos disponíveis a colaborar com o governo federal para a realização das provas, independentemente da coloração partidária – ofereceu o governador.

Serra também alfinetou a organização do Enem no estado, coordenada pelo Ministério da Educação:

– No Enem que não aconteceu, a gente estava colaborando na segurança e na localização dos locais de prova, que eram um pouco precários em São Paulo – disse. (Com agências)

Cai pela metade migração partidária em relação a 2005

Cristiane Agostine, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A migração partidária na Câmara caiu pela metade no prazo final de filiação na comparação com as mudanças registradas em 2005. A possibilidade de perda de mandato por infidelidade partidária coibiu mudanças, mas os partidos continuam atraindo parlamentares para reforçar suas bases eleitorais nos Estados. Ainda são poucos os recursos junto ao Tribunal Superior Eleitoral para reaver mandatos e, até agora, só o DEM investiu em ações contra deputados que saíram da legenda nos últimos meses.

Não são apenas conflitos enfrentados pelos deputados e senadores dentro das legendas que justificam as mudanças. A migração favorece a organização dos partidos regionalmente e é estimulada pelas siglas, analisou a pesquisadora do Cebrap, Andréa Marcondes de Freitas. Os partidos miram em parlamentares e oferecem a eles cargos nos diretórios estaduais, participação na articulação de alianças nos Estados e auxílio financeiro na disputa eleitoral para que os parlamentares mudem - ainda que sob a possibilidade de cassação do mandato pelo TSE. "Em troca, os parlamentares reforçam o potencial eleitoral dos partidos nos locais onde eles têm dificuldades", explicou Andréa. "É estratégico."

A disputa nacional pouco influenciou as trocas partidárias nas últimas duas décadas, segundo a pesquisadora. Na análise das migrações partidárias na Câmara, entre 1995 a 2005 - período que abrangeu os governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva -, Andréa concluiu que "não há nenhuma relação direta" entre a troca de presidente e o troca-troca no Congresso. "O que está em jogo é a organização interna dos partidos. Cada partido tem sua estratégia para aumentar os filiados. O PT, por exemplo, mesmo com Lula, não atraiu parlamentares."

Essa é uma das explicações encontradas pela pesquisadora para explicar o alto número de migrações. Em 1997, entre setembro e outubro, foram registradas 46 mudanças partidárias. Em 2001, último ano possível para mudança durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foram 42 trocas. Em 2005, ano marcado pelo mensalão no Congresso, foram 56. Este ano caiu o número pela metade.

Na análise de especialistas em partidos políticos e no Legislativo, as mudanças registradas no Congresso pouco estão associadas à disputa nacional. O diretor Executivo do Iuperj, Jairo Nicolau, supreendeu-se com a quantidade de trocas partidárias registradas nos últimos dias, mas analisa que as disputas internas nos partidos e a perspectiva por um novo mandato em 2010 ainda pesam na decisão dos parlamentares. "Durante o governo, as mudanças estão muito associadas à perspectiva de ajudar aquele que está no poder. Mas as trocas no fim do mandato estão associadas ao cálculo político nos Estados", explicou Nicolau. "Não faz muita diferença quem está no governo. O mais importante é com quem eles vão se alinhar em suas bases eleitorais", completou.

De acordo com a secretaria-geral da Câmara e pelas lideranças partidárias, 28 deputados trocaram de partido desde o fim de agosto. O prazo de filiação terminou no dia 3. Outros dois deputados haviam mudado de sigla em maio. No Senado, foram quatro senadores. Os números podem ainda podem ser alterados já que as informações têm de ser enviadas pelos partidos e o TSE ainda não consolidou os dados.

Micheletti proporá volta de Zelaya após pleito

Ana Flor
Enviada Especial a Tegucigalpa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Deposto reassumiria em 2 de dezembro, três dias depois de eleição de sucessor, como maneira de travar tentativa de continuísmo

Proposta é aceita pelas alas mais radicais de apoio ao golpe, que anteriormente não aceitavam restituição sob nenhuma hipótese


O governo golpista de Honduras apresentará hoje, no início das negociações com chanceleres da OEA (Organização dos Estados Americanos) para dar fim à crise política, uma proposta em que oferece ao presidente deposto Manuel Zelaya um retorno ao cargo no dia 2 de dezembro -três dias após as eleições presidenciais para eleger o seu sucessor.

A proposta é aceita pelas alas mais radicais de apoio a Roberto Micheletti -que antes não aceitavam a volta de Zelaya- e recebeu o aval, segundo fontes do governo, da Igreja Católica, de empresários e de políticos.

A oferta do governo golpista, que inclui um pacote de outras medidas como a definição de um gabinete predefinido para Zelaya, demonstra que o grupo de Micheletti reconhece a necessidade de uma saída negociada para a crise e aceita a volta do líder deposto ao poder.

Conselheiros políticos de Micheletti não acreditam que as negociações se encerrem nesta semana, na presença de chanceleres da OEA. Eles estimam em pelo menos mais duas semanas para a costura de um acordo -e defendem a permanência de Zelaya na embaixada brasileira até dezembro.

A presença da OEA no país, entretanto, não é considerada vã. Ela serviria para definir quem serão os negociadores de cada lado e criar comissões que iriam detalhar as bases de um acordo amplo.

Segundo um conselheiro de Micheletti, Zelaya perdeu a confiança de políticos, empresários e da sociedade em geral ao insistir na realização de uma consulta popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, considerada ilegal pela Justiça e pelo Congresso e estopim para a sua deposição. Uma volta à Presidência com os mesmos poderes de antes do golpe abriria espaço para ele tentar levar adiante uma reforma constitucional e até adiar as eleições.

"Sabemos que se Mel [apelido de Zelaya] voltar ao poder e decidir continuar com políticas inconstitucionais, os outros países não vão enviar tropas. Dirão que esse é um problema de Honduras", diz outro assessor de Micheletti, justificando por que ele não aceita a pressão internacional para que entregue imediatamente o cargo.

Uma volta ao poder já com um sucessor democraticamente eleito esvaziaria, no ponto de vista do atual governo, a autoridade de Zelaya.

Para garantir que as eleições ocorram normalmente e sejam internacionalmente aceitas -a OEA vem sinalizando até aqui que só consideraria legítimas as eleições caso elas se dessem sob Zelaya-, Micheletti estaria disposto a abrir espaço para observadores de todas as organizações que desejem acompanhar o processo eleitoral.

Entre as demais propostas do governo golpista está a definição, nas negociações, de um pacote amplo de ajuda externa a Honduras.

Outro ponto que está sobre a mesa de negociações é uma anistia para ambos os lados. Para os partidários de Micheletti, qualquer definição acordada terá de ser ratificada pela Corte Suprema.

Como recompensa por deixar o poder, há vozes que defendem que Micheletti seja liberado do status de ex-presidente uma vez que Zelaya reassuma o posto -assim, poderia concorrer ao cargo em eleições futuras. Esse ponto, entretanto, não entraria no acordo agora. Seria analisado pela Justiça nos próximos meses.

As negociações mediadas por chanceleres da OEA se iniciam hoje e têm previsão de término para amanhã.

Brasil aceita negociar tudo, menos retorno

Sérgio Dávila, Washington
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O Brasil aceita negociar todos os pontos do Acordo de San José, menos um: a volta de Manuel Zelaya à Presidência. O acordo tem como pontos principais, além da volta de Zelaya, a anistia para todas as partes e a garantia de que o presidente deposto não tentará promover uma Assembleia Constituinte.

Quem diz isso é Ruy Casaes, embaixador do Brasil na Organização dos Estados Americanos, que falou à Folha enquanto arrumava as malas para embarcar com a missão que começa hoje novas negociações em Tegucigalpa:


FOLHA - A presença do Brasil na missão não pode complicar o trato com os golpistas?

RUY CASAES - Não, é uma percepção equívoca. Como já se disse, o Brasil não teve nenhuma participação no regresso dele. O fato de ele estar na embaixada pode ser visto por dois ângulos. Ficamos com o positivo. Estava-se entrando num cenário de acomodação, e o retorno dele no fundo acabou produzindo isso que vai acontecer nos próximos dias.

FOLHA - O sr. terá objeção de falar com Roberto Micheletti?

CASAES - Não vejo nenhuma dificuldade. Isso não significa o reconhecimento da legitimidade do regime atual. Independentemente da nossa vontade, ele existe e não deixa de ser um ator, legítimo ou não. Então, temos de conversar com ele.

FOLHA - O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, disse que o Acordo de San José é a base, mas que tudo é negociável. O Brasil concorda?

CASAES - Há uma cláusula que não é absolutamente negociável: o retorno do presidente Zelaya às funções para as quais foi eleito pelo povo hondurenho.

FOLHA - As condições dessa volta podem ser negociadas?

CASAES - Aí já estamos saindo um pouco do terreno onde se justifica a presença da comunidade internacional e os próprios hondurenhos passam a integrar esse espaço de maneira bem mais clara. No fundo, são eles que têm de buscar a solução.

FOLHA - Uma das hipóteses levantadas por Zelaya é uma compensação pelos cem dias em que ficou fora do poder. O Brasil fecha com isso?

CASAES - Acho muito complicado, porque envolveria até uma reforma da Constituição. Embora possa ser um desejo dele, é um desejo difícil de ser alcançado.

FOLHA - O sr. disse há nove dias que a OEA caminhava para absoluto estado de irrelevância. Ainda acha isso?

CASAES - Meu discurso continha uma mensagem: de que a OEA não poderia ficar sem reagir a uma situação cada vez mais complexa. Quem tem o mandato no sistema interamericano para tutelar a democracia é a OEA. Então, é necessário que ela ao menos tente. Se fracassar, fracassou, é parte da vida.

OEA transige com golpistas, acusa deposto

Fabiano Maisonnave
Enviado Especial a Tegucigalpa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A um dia da chegada da comitiva de alto nível da OEA (Organização dos Estados Americanos), o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, acusou a entidade interamericana e "subalternos" de Barack Obama de serem "complacentes" com o governo interino por supostamente aceitarem prolongar as negociações para seu retorno ao poder.

"Alertamos a comunidade internacional, os chanceleres, que não continuem sendo levados pelas manobras cada vez mais evidentes de prolongar a ditadura estabelecida em Honduras por mais de cem dias", disse, demonstrando muito mais irritação do que nos últimos dias. "É uma armadilha a mais para prolongar a agonia e o sofrimento do povo hondurenho."

A avaliação de Zelaya é a de que o seu retorno à Presidência já é irreversível, mas que o governo interino tentará adiá-lo ao máximo. Por isso, a exigência de que o Acordo de San José, proposta que prevê a sua volta condicionada ao poder, seja assinado antes das negociações em si.

"Acredito que a OEA deve esclarecer a sua posição", disse Zelaya, para quem a entidade interamericana age com muita "suavidade, muita complacência com o regime".

Questionado a esclarecer a "complacência", Zelaya disse que "a OEA, cuja sede é em Washington, tem a presença de todos os países da América, mas também dos EUA. Estou muito feliz com as declarações do presidente Obama, da secretária Clinton, mas considero que os seus subalternos estão fazendo mais a política dos velhos republicanos do que a democracia que o presidente quer impulsionar".

Segundo Zelaya, os "subalternos" estão fazendo um jogo duplo: "Dão espaços, tréguas, para iniciar outra vez um processo de diálogo que havíamos concluído em San José. Iniciar um processo de diálogo após tudo que se havia avançado me parece um retrocesso criminoso".

Refugiado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa há 17 dias, Zelaya está impedido de se reunir com seus delegados para as negociações intermediadas pela OEA. O governo interino não autoriza que eles entrem na representação.

Os problemas de coordenação de Zelaya com seus representantes são visíveis. À tarde, ele divulgou uma lista que inclui dois candidatos a presidente anti-Micheletti.

Momentos após o anúncio, porém, o candidato Carlos H. Reyes disse à Folha, por telefone, que não sabia da sua indicação e que não aceita ser delegado nas reuniões de hoje.

Sem acesso aos seus colaboradores, Zelaya recebeu a visita ontem de quatro eurodeputados, que não participam das negociações da OEA.

Hillary: EUA trabalham para possibilitar pleito

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Questionada sobre a crise em Honduras em entrevista à TV CNN, Hillary Clinton disse que "é importante que os EUA façam tudo o que podem para impedir o sequestro da democracia por pessoas que são eleitas uma vez e decidem que nunca deve haver uma eleição real de novo ou a volta aos golpes militares, onde as pessoas são eleitas, e mesmo que você discorde delas, elas devem concluir seu mandato".

Favorito em pleito evita tomar partido em crise hondurenha

Ana Flor
Enviada aTegucigalpa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Maioria dos candidatos defende que eleições aconteçam de qualquer maneira

Pesquisa encomendada por Partido Nacional mostra que sociedade está dividida entre Zelaya e golpistas, mas deseja ir às urnas


Em meio à polarização política do país, os principais candidatos às eleições presidenciais de Honduras são unânimes em defender que as eleições marcadas para 29 de novembro não sejam adiadas.

A posição é defendida nas reuniões que têm mantido nos últimos dias com mediadores internos e externos da crise. Apesar disso, com a exceção dos dois representantes da resistência ao golpe, os outros quatro candidatos tentam se manter longe das perdas políticas de se declararem pró-governo golpista ou pró-Zelaya.

"Não vou tomar partido por [Roberto] Micheletti nem por [Manuel] Zelaya, mesmo que me massacrem", diz Porfirio Lobo, do Partido Nacional, que perdeu para Zelaya em 2005 e hoje aparece como favorito. Pepe Lobo, como é conhecido, diz enfrentar diariamente pressões de evangélicos, católicos, empresários e políticos para que se posicione.

Seu principal adversário, Elvin Santos, do Partido Liberal (o mesmo de Zelaya e Micheletti), oficialmente se diz neutro, mas em conversas privadas tem posição pró-golpe. Santos foi vice-presidente até 2008, quando brigou com Zelaya. Ele defende que o presidente deposto seja julgado pelos supostos crimes cometidos durante seu mandato.

Também participam das negociações o ex-dirigente sindical Felícito Avila, candidato pelo Partido da Democracia Cristã, e Bernard Martínez, da sigla Pinu.

Os dois se manifestaram na segunda-feira publicamente contra um adiamento do processo eleitoral, proposto por Zelaya. "Não cabe ao governo definir a data das eleições", disse Avila.

"O processo eleitoral é responsabilidade de um tribunal independente, e isso não está na mesa de negociações", afirma Pepe Lobo.

Os dois candidatos da chamada resistência, que luta pela volta de Zelaya, Carlos Reyes, sem partido, e César Ham, deputado pela esquerdista Unificação Democrática, dizem não aceitar eleições enquanto o governo golpista estiver no poder. Reyes, candidato escolhido de Zelaya, reiterou ontem que poderá não participar do pleito, caso a democracia não seja restabelecida.

Pesquisa

Uma pesquisa do Partido Nacional realizada no dia 4 de outubro retrata a divisão do país. Segundo os dados, 80% da população se diz favorável às eleições, enquanto 12% dizem que elas não são necessárias.

O percentual da população que veria Zelaya negativamente é de apenas 3%, contra 34% de Micheletti. Mas 54% dos hondurenhos têm uma imagem negativa do presidente venezuelano, Hugo Chávez, aliado de Zelaya. O partido não divulgou a margem de erro.

Ainda segundo a pesquisa, 55% dos hondurenhos são contra uma mudança na lei que permita a Zelaya se reeleger. Outros 28% seriam a favor. A retirada do presidente deposto do país após o golpe, erro reconhecido ontem por Micheletti, é condenada por 53% dos entrevistados.

O item que mostra a maior divisão interna é o retorno de Zelaya à Presidência: 44% acham que ele não deve voltar ao cargo, enquanto 50% são favoráveis. O percentual restante se refere a indecisos ou àqueles que não quiseram opinar.

Sobre as intenções de voto, Pepe Lobo estaria hoje, conforme a pesquisa de seu partido, com 42%, contra 15% de Elvin Santos (PL). Reyes somaria 7,25% e os demais ficam em torno de 1%. Não há segundo turno em Honduras -o candidato mais votado vence.