quarta-feira, 14 de outubro de 2009

‘Em defesa da política’

Entrevista: Marco Aurélio Nogueira
Sociólogo, professor da Unesp
por Vitor Vogas
A GAZETA (ES)
Publicado em 12/10/2009


Você liga a TV e vê a notícia sobre o novo rombo nos cofres públicos. Abre o jornal e se informa sobre a CPI recém-instalada. Pelo rádio, fica sabendo da "última de Brasília". Os sintomas não deixam a menor dúvida: as instituições políticas brasileiras vivem uma grave crise ética, catalisada, é claro, pelos sucessivos escândalos do Congresso.

Como reflexo, as pessoas vêm perdendo a fé na política e deixando de ver nela o terreno por meio do qual é possível promover transformações positivas em suas vidas. Dessa descrença decorre outro fenômeno ainda mais grave do que a desmobilização: os cidadãos não só se recusam a participar da vida política, como vêm adquirindo um sentimento de repulsa por tudo o que esteja relacionado a ela, a tal ponto que esse desprezo teria virado questão de afirmação social. Contrariamente, as pessoas que ainda enxergam a política como meio de transformações sociais vão ficando isoladas.

Remando contra tudo isso, o sociólogo paulista Marco Aurélio Nogueira sai literalmente "em defesa da política", título de uma de suas obras, publicada em 2001. No livro e nesta entrevista, o professor da Unesp, citado com frequência nos discursos do governador Paulo Hartung, afirma que, por mais desacreditada que esteja a política, é preciso que cada cidadão a pratique cotidianamante e busque aprimorá-la naquilo que está a seu alcance. Até porque, diz o autor, do contrário estaremos caminhando para o caos e a barbárie, num mundo sem respeito às regras, em que o individualismo prevaleceria sobre a coletividade.

Como o senhor define a ideia de política hoje?

A ideia tem uma bifurcação: de um lado, a conquista, a conservação e o uso do poder; do outro, a construção de laços de convivência entre as pessoas. Esses dois sentidos têm convivido ao longo do tempo. No mundo moderno, prevalece o conceito de política associado ao poder. Mas ganhamos mais ao entender que nenhuma comunidade pode se estruturar no mundo atual se não praticar as boas normas da política como construção de espaços coletivos.

Num momento em que atividade política está tão desacreditada, por que ainda defendê-la?

Se quisermos trabalhar com esse conceito mais ampliado, defender a política é defender as próprias condições de sobrevivência da sociedade brasileira. Se, por um passe de mágica, eliminarmos a política da nossa existência, não ficaremos apenas livres do Congresso, dos partidos e dos políticos, mas também de tudo o que nos dá condições para interagirmos de maneira organizada. Vale a pena defendê-la porque, quando falamos em Política com P, estamos falando também de honestidade e lisura. Defender a política contra eventuais atos de corrupção é defender a recuperação dessa dimensão da idoneidade, que permanece extremamente importante.

Apesar de todo o otimismo, o senhor mesmo reconhece que "o quadro geral é de descrença e de desilusão". No caso concreto brasileiro, quais são as consequências imediatas que o senhor observa a partir da crise, em termos de interesse e participação popular?

A principal consequência é o aumento da desilusão. Os maus exemplos dos políticos funcionam como uma dose adicional de jato frio nos cidadãos que já não estão muito empenhados na atividade política. No Brasil e no mundo, vemos um retrocesso das pessoas em termos de engajamento político. O cidadão típico do século XXI não é mais o cidadão disposto a sacrificar uma parte de seu tempo para defender causas de interesse comum. Os jovens, por exemplo, estão muito afastados da política prática, não só em termos de engajamento como de interesse pelos fatos políticos, ainda que possam ter preocupações sociais.

À medida que não depositam mais as expectativas nas instituições políticas, as pessoas se voltam para outras formas de organização, como igrejas, organizações não-governamentais, ou, no caso dos jovens, a internet?

Sim, e isso pode ser traduzido de duas maneiras: tomando particularmente os jovens, porque são a maioria da população brasileira, pode ser uma espécie de fuga para nichos de convivência que de certo modo escapam dos nichos da vida real; por outro lado, há um refluxo em direção à defesa de causas cada vez mais específicas, sintoma de um mundo em que o individualismo prevalece fortemente. As pessoas passam a colocar as suas causas como mais importantes do que as causas dos outros.

O senhor afirma que o mundo atual fez da política "uma espécie de grife", e que "ser contra os políticos é hoje um esporte mundial". Por quê?

Por onde andamos no Brasil, ouvimos as pessoas falarem mal da política e dos políticos. Ser contra os políticos virou indicador de modernidade, como se todos eles fossem sinônimos de atraso e a própria política fosse inconveniente para a modernização da sociedade. Na verdade, vislumbramos um processo de muita afirmação da economia de mercado e do trabalho produtivo contra a política.

Por essa generalização, "não haveria políticos que prestassem". O que há de verdadeiro na afirmação e até que ponto ela não ocultaria um pretexto para o comodismo?

Não há nada de verdadeiro. É uma ideia tosca que aparece como desdobramento desse refluxo a que me referi. As pessoas se desvinculam das questões mais gerais, se aprisionam às questões particulares, e a melhor maneira de justificar isso é atribuir ao conjunto dos políticos uma amoralidade que, por definição, faria com que a política se tornasse algo prejudicial ou até desnecessário para a sociedade.

O fatalismo e a resignação que o senhor observa não seriam um "prato cheio" para a ascensão de populistas?

Sim, é um trampolim para a emergência de lideranças que se apresentam à população como salvadoras da pátria. Isso tem a cara do mundo em que estamos vivendo, onde vários políticos fazem um discurso desse tipo. É como se dissessem: "Não liguem para a má qualidade dos partidos e instituições políticas. Basta que confiem em mim."

Esse conjunto de fatores estaria levando as pessoas ao fenômeno do "esquecimento da política". Mas e quanto aos políticos? Também eles não teriam abandonado a política, em seu sentido original?

Sem dúvida. Não só os políticos, como os partidos e o sistema eleitoral que dá o palco para a sua atuação. Individualmente, eles não podem ser inocentados, o que não quer dizer que não existam bons exemplos de atuação. Mas algo tem que ser feito para que os políticos recuperem um protagonismo eticamente qualificado para ajudar a sociedade a se reencontrar com a política.

"Políticos ruins existirão sempre. Pode acontecer que uma dada classe política se desqualifique por inteiro em determinados momentos e demore para se recuperar." Mesmo não sendo esta sua referência original, o senhor acredita que esse trecho se aplica aos congressistas hoje?

Com certeza, podemos usar isso no mínimo de maneira cautelar. Se essa desqualificação persistir, podemos assistir daqui a alguns anos a uma completa derrocada da classe política. Ela vai se converter em algo que não serve para nada, o que, no limite, pode levar ao suicídio da vida social.

Ao contrário de liquidar a ação política, esse momento de crise pode ter o efeito de renová-la? Se assim for, a crise pode ser considerada positiva?

Estamos hoje, sobretudo com a crise no Senado, assistindo à expansão de uma crise que contém nela mesma uma saída para o país. É perfeitamente razoável pensarmos a crise de um modo mais positivo. Quando um sistema entra em crise, ele precisa optar em algum momento pela vida ou pela morte. E, com a crise mais recente, o sistema político brasileiro se aproximou muito de um ponto de saturação.

Como um pai pode ser um exemplo ético ao filho quando os representantes do povo não o são? Essa decadência ética tende a se refletir no comportamento social?

Esses maus exemplos acabam de algum modo por repercutir no interior das casas. Mas, quando um cidadão comum assiste a todos esses escândalos, do mesmo modo que assiste a guerras e crimes bárbaros, ele pode, em vez de copiar aquilo que vê, fazer o movimento inverso. Ele próprio pode se transformar num bom exemplo para os outros, tanto dentro como fora de casa. Essa situação de descalabro em que a política se encontra pode tanto produzir um mal-estar geral na sociedade (e produz mesmo) como criar um impulso para que cada cidadão se preocupe mais com o que mostrará aos outros.

Um exercício de imaginação: como seria a sociedade se não houvesse mais a política?

Seria o que Thomas Hobbes (filósofo inglês do século XVII) chamou de "Estado de natureza". Uma sociedade sem regras e padrões de vida civilizada, na qual prevaleceria a lei do mais forte, de cada um por si e de ninguém por ninguém.

Quem é Marco Aurélio Nogueira

Formação. Sociólogo desde 1972 e doutor em Ciência Política pela USP, tem pós-doutorado na Universidade de Roma. Atualmente é professor titular na Unesp e leciona no campus de Araraquara.

Obra. Estão entre seus principais livros publicados: "Gramsci e a América Latina" (Paz e Terra, 1987, como organizador junto com Carlos N. Coutinho); "Joaquim Nabuco. Um aristocrata entre os escravos" (Brasiliense, 1987); "As possibilidades da política. Idéias para a reforma democrática do Estado" (Paz e Terra, 1998); "Um Estado para a sociedade civil. Temas éticos e políticos da gestão democrática" (Cortez, 2004); "Potência, limites e seduções do poder" (Editora Unesp).

Blogueiro. Tal como os jovens que menciona na entrevista, o professor mantém um blog, que alimenta regularmente. Só este ano já deixou 32 posts. Os artigos geralmente versam sobre política, mas há desde um tributo a Mercedes Sosa até uma compilação de frases folclóricas atribuídas a jogadores de futebol, esporte de que se diz amante e que também considera política. (marcoanogueira.blogspot.com)

Serviço "Em defesa da política" (2ª edição, São Paulo, Editora Senac, 2001. Sexto título da série Livre Pensar)

Onde comprar: Livraria da Edufes, no campus de Goiabeiras da Ufes (4009-2370)

Degradação programada

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Terminado o prazo de filiação partidária para os candidatos às eleições de 2010, no balanço notam-se perdas e nenhum ganho. Houve, sim, uma involução da espécie. Um recuo acentuado em relação a tudo o que tem sido dito e ouvido nos últimos anos sobre a necessidade de reformar os meios e os modos da política, a começar pelo fortalecimento dos partidos.

Na prática, o que se teve foi a negação desse discurso. Cresceram as legendas de aluguel, filiaram-se celebridades a mancheias atrás de volume de votos para aumentar o valor da cota dos recursos (públicos) do fundo partidário e celebrou-se o acordo tácito segundo o qual é golpe baixo reclamar na Justiça o cumprimento do preceito constitucional que dá posse dos mandatos aos partidos.

Instituiu-se a fidalguia da ilegalidade. Dela, decorreram fenômenos visíveis a olho nu: quem sai de um partido sem justa causa - a justeza estabelecida na lei, bem entendido - é uma pobre vítima, se o partido de origem reclama seus direitos. Outro: é sinal de habilidade política manter o bico fechado a fim de evitar represálias na mesma moeda.

Mais um: os perdedores ficam quietos na esperança de que, amanhã ou depois, a legenda que abrigou os trânsfugas venha a ser uma aliada. Com isso, tem-se o Supremo Tribunal Federal feito de bobo e a Constituição de letra morta.

Note-se o absurdo traduzido em percentuais. No Congresso, os partidos que mais cresceram com o troca-troca de última hora foram o PSC e o PR. O primeiro deu um salto de quase 90% e o segundo cresceu mais de 70%. É normal, isso?

Pela ótica do presidente do PSC, normalíssimo. E lucrativo. "Não tem problema nenhum. Aceitamos todo mundo. Se tiver recursos, melhor. Gostou do partido, da proposta, em recursos lícitos, vai ser candidato", diz Vitor Nóisses, já notório na área por sua atuação em outros carnavais.

A "proposta" em questão é "o ser humano em primeiro lugar" e os recursos aludidos partem do patamar de R$ 1 milhão. Não seria aluguel explícito?

"Quem não é alugado que atire a primeira pedra. Esses partidos são de certa forma alugados com vários cargos." Bem feito para os partidos que poderiam dormir sem essa, caso não emprestassem suas siglas para a degenerescência geral.

Aí incluídas as filiações de cantores, costureiros, jogadores de futebol, dirigentes de clubes, gente sem a menor intimidade com a política que, uma vez eleita, desaparece sob as engrenagens do sistema profissional e, na verdade, corre atrás de mais notoriedade. Na versão amena dos fatos.

E os partidos ganham o quê? Milhares, quando não milhões, de votos para eleger outros tantos sem-voto e engordar os cofres com as verbas do fundo partidário, pago proporcionalmente à representação parlamentar. Votos esses completamente desprovidos do sentido da representação político-partidária. Na realidade, uma legítima representação da despolitização do processo.

De um modo geral, as justificativas para as trocas de partido podem ser resumidas numa só: a oportunidade de eleição mais fácil. Um diz que se "sente melhor" no novo partido, o outro alega que a nova legenda proporcionou "mais facilidades para composições" e há os que, meigos, choramingam reclamando de maus tratos na moradia anterior.

Uma situação em tudo e por tudo bem pior que o cenário já ruim de 2002, quando o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do STF, Nelson Jobim, dizia que aproveitaria a oportunidade daquela eleição presidencial para fazer um levantamento minucioso mostrando, Estado por Estado, o grau de distanciamento entre o eleitorado, os eleitos e os partidos.

Dizia Jobim que, sem novas regras, o próprio caráter representativo do Parlamento seria desmoralizado. Defendia como normas indispensáveis a obrigatoriedade de as alianças regionais acompanharem os acordos partidários nacionais, a eleição proporcional em lista fechada, a fidelidade partidária, cláusula de desempenho para acesso a vagas no Legislativo, financiamento público, fim da prática da soma dos tempos de televisão das legendas coligadas.

Jobim argumentava que os grandes partidos seriam os primeiros interessados numa reforma desse tipo, pois sairiam delas fortalecidos.

Ledíssimo engano. Se o tal levantamento foi feito e entregue aos partidos, ninguém deu a menor bola. Todos os avanços feitos pelo Judiciário foram derrubados - na lei ou na marra - pelos partidos e, o que dependeu de decisão do Congresso, não foi feito. As poucas modificações tiveram o condão de piorar as coisas, a exemplo da permissão para doações ocultas.

Nesse meio tempo Nelson Jobim deixou o Judiciário, virou ministro da Defesa e nunca mais falou do assunto em público nem se tem notícia de empenho junto ao seu partido, o PMDB, para levar adiante as questões que, segundo ele, ou eram resolvidas ou acabariam provocando a falência do sistema político-eleitoral no Brasil.

Sete anos depois, é exatamente para onde caminhamos.

O V da questão

Luiz Fernando Vianna
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO -
Na última quinta-feira, após a paralisação dos trens na Central do Brasil e o disparo de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha pela polícia contra os passageiros, o governador do Rio, Sérgio Cabral, disse que era preciso "verificar" os problemas da Supervia, concessionária do serviço, e prender os "vagabundos" responsáveis pelos supostos atos de "vandalismo" que interromperam a circulação de composições.

Político que cresceu no cenário fluminense graças mais a ações de gabinete, como as tomadas nos oito anos à frente da Assembleia Legislativa, do que a movimentos de rua, Cabral não é um grande orador, e produziu, involuntariamente, uma aliteração significativa.

Para o governo estadual, como deixou expresso o secretário de Transportes, Júlio Lopes, a Supervia é "parceira". Tão parceira que, nos 11 anos em que gere a malha ferroviária, recebeu do erário R$ 285 milhões em investimentos na frota e deve receber mais R$ 500 milhões até 2016 -afora um financiamento do Banco Mundial obtido pela gestão Cabral.

O Estado alega que investe por ser o dono do patrimônio. Mas em nome de quem? Da população, supõe-se. Mas, em pelo menos dois terços dos 159 trens, a população sacode em máquinas envelhecidas, sem ar condicionado, ainda fica sem esclarecimentos quando uma pane acontece e não recebe logo o dinheiro da passagem de volta pela viagem não completada.

Cabral, usuário dos ventos do Leblon e de uma mansão de veraneio na litorânea Mangaratiba, verbaliza sua vã filosofia ao povo: se não há serviço bom, não convém vandalizar o que, ao menos, sobrevive. Pois no último sábado, no Galeão lotado, viajantes de avião quebraram dois monitores.
Não houve viva voz que vociferasse contra os "vândalos". Questão de vício.

O nosso Edison

Fernando de Barros e Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Lobão, o ministro de Lula, também se chama Edison, com "i", como o genial Thomas Edison (1847-1931), o inventor da lâmpada elétrica. Terminam aí as afinidades do nosso Edison com o setor energético, do qual nada conhece. São outras, velhas e sabidas, as razões e relações que fizeram dele titular da cobiçada pasta do pré-sal.

Bacharel e político de carreira, Lobão é agregado de longa data do clã Sarney. Nem lhe falta, por ironia (e talvez hábito), a estampa de mordomo: esguio, rosto afilado, ar grave, sorumbático. Como bom criado, parece altivo, sendo submisso.

"Ninguém tutela o ministro", disse, ao tomar posse, em janeiro de 2008, diante das alegações de que a ministra Dilma Rousseff iria mandar e desmandar no seu quintal.

Gravações da PF publicadas pela Folha mostram que as palavras de Lobão valem pouco. O que sugerem os grampos? Primeiro, a subordinação canina do ministro à família Sarney; segundo, a promiscuidade intolerável entre o Estado e os interesses privados que gravitam em torno do feudo maranhense.

Fernando Sarney e o ex-ministro Silas Rondeau -ambos investigados por supostas fraudes no próprio setor elétrico- aparecem ditando compromissos para Lobão e suas secretárias, marcando reuniões para o ministro sem consultá-lo, pautando o que dizer a empresários, discutindo contratos.

Apesar das evidências escandalosas, no que depender do governo e da oposição, nada acontecerá ao ministro. A ninguém interessa molestar o mordomo, fiel a Sarney, sim, mas também um anfíbio do patrimonialismo que Lula reciclou.

Ainda senador pelo Democratas (antigo PFL), em julho de 2007, Lobão alertava para o risco de apagão no país e atacava: "Ninguém se entende em matéria de energia dentro do governo". Seis meses depois, já no PMDB, o Lobão neogovernista defendia: "Não haverá apagão. As autoridades do ministério estão tomando todas as providências".

Nosso Edison ilumina como poucos a política nacional. Ele é a prova incandescente do apagão da ética.

Todos em campanha

Rosângela Bittar
DEU NA VALOR ECONÔMICO


Havia uma lenda muito difundida desde o primeiro ano do primeiro mandato que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia passar os seus dias viajando, dedicar-se integralmente à diplomacia presidencial, em sucessivas viagens ao exterior, e a alimentar seus eleitores Brasil afora por anos e anos, quando no país, para manter acesa a chama de sua eleição e reeleição, sem nunca precisar descer do palanque. Tomadas as decisões básicas, o governo andaria sozinho, e os índices de popularidade não cairiam, como não cairam.

O presidente só precisaria aparecer para associar sua marca ao fato do dia. Os programas de assistência social ampliados e com prioridade, a economia sob controle, o resto surgiria por magia. No início, o Ministério da Fazenda, com Antonio Palocci, e o Banco Central, com Henrique Meirelles, garantiriam a execução da política econômica austera, à prova de pressões dos dilapidadores; a Casa Civil da Presidência, com José Dirceu, garantiria a política, as alianças e apoios necessários à fidelidade de uma maioria necessária no Congresso.

Esta perspectiva não mudou após a queda de alguns desses personagens colhidos em escândalos e irregularidades. No fim do primeiro e já no segundo mandato, foram trocados os nomes mas o esboço geral sobreviveu e, segundo a lenda, com até mais conforto para o presidente Lula. No caso da Casa Civil, viria a assumir uma gerente de programas para fazer a coordenação do governo e dar ao presidente resultados concretos, Dilma Rousseff. Lula poderia continuar em campanha, como continuou, e gostou tanto do seu desempenho que a designou candidata a sucedê-lo. A coordenação política ficou com ele próprio, o presidente, que a amalgamou aos seus afazeres eleitorais.

Os mega-programas, mais explorados em campanha generalizada na segunda metade da segunda gestão, todos coordenados pela ministra já em processo de credenciamento para ser opção de candidata a presidente, prescindiram das decisões de Lula. A aceleração do crescimento, com o PAC, uma reunião na sigla de obras que vinham sendo realizadas em governos anteriores e neste, o programa de expansão do financiamento habitacional popular marcado como Minha Casa Minha Vida, as descobertas do Pré-Sal, os reajustes e expansão do Bolsa Família, a ampliação do crédito, o envolvimento dos bancos oficiais nos projetos populares do governo, tudo o que se convencionou reunir o guarda-chuva "realizações do governo Lula", compuseram o arsenal do palanque presidencial.

Com a popularidade amazônica que lhe concederam a sorte e o carisma, alimentada por este menu de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se permitiu seguir com a perfomance. Os insucessos, porém, começaram a aparecer, de uma forma, inclusive, que podem afetar o efeito eleitoral de algumas bandeiras. E eles coincidem com o momento em que não só o presidente, mas todo o governo, a começar pela até agora chefe da gestão, se lança à campanha.

Os ministros também, precocemente, e sem vacilar, mostram-se em estado de campanha. Slogans foram se reproduzindo. Surgiram o Pac-Educação, o Pac-Saúde, o Pac-Saneamento, de cujos resultados não se tem notícia. Os balanços do Pac-Obras, o original, são de uma timidez visível de resultados. Estes tão coitados que levam o governo a procurar culpados, especialmente onde considera que precisa intervir na ação de adversários: aqueles que, no TCU, no Ibama, em órgãos reguladores, em comissões de licitação, prestam atenção aos desvios e ao descontrole.

Depois de atravessar a crise dos hospitais, a crise da dengue, a crise do sangue, a crise dos escândalos, o Ministério da Saúde chegou à crise da gripe suína apontando sempre a mesma solução: nada a fazer a não ser recriar o imposto do cheque, a CPMF. E a saúde vai ficando um problema crônico. Dia 6 de outubro último, José Alencar, presidente em exercício, editou medida provisoria liberando R$ 1 bilhão em crédito extraordinário para a prevenção e combate à influenza A, a suína. Mas de acordo com boletim do próprio ministério, de 16 de setembro, o número de casos graves já havia caído muito e o pior havia passado. Ainda ontem, porém, o ministro José Gomes Temporão, sem o menor constrangimento, voltava a pedir mais imposto.

Numa guinada na política fiscal, o ministério da Fazenda se viu diante de um buraco nas contas para pagar os benefícios que concedeu e os gastos que fez sem a correspondente receita. A saída foi garfar a classe média sustando a devolução do imposto cobrado a mais, na fonte, medida cinicamente confirmada pelo ministro Guido Mantega como uma poupança forçada, pois a devolução viria corrigida pela Selic.

O Ministério da Educação, contra opiniões de instituições universitárias e especialistas, impôs a implantação do Enem reformulado, o exame geral de avaliação do ensino médio que permite acesso ao ensino superior, com pressa, sem tempo de maturação e preparação. O vazamento da prova, a fraude, fizeram o tempo político desatrelar-se do sucesso educacional. O governo perdeu terreno e a Educação, assim como a Saúde, vêm justificando a liderança na desaprovação do eleitorado. Bem como a Segurança, questões que pesquisas de opinião pública e sondagens eleitorais apontam ainda estarem no topo das preocupações do cidadão.

O presidente quer conter quem lhe restringe a corrida sem limites a bordo das obras, mas parece ter jogado a toalha quanto à Educação, à Saúde e à Segurança. À falta de atenção a estas áreas atribui-se o Brasil ter apenas se mantido na escala de IDH, sem progressos. O pré-sal é intangível, slogan em estado puro.

Com a Saúde exigindo novo imposto, a retenção do dinheiro do contribuinte no Ministério da Fazenda, a Educação em vertigem, a Segurança ausente do rol de iniciativas, as obras em processo de reprovação, vai ficando claro que a campanha eleitoral do governo pode ficar desestabilizada, ceder ao nervosismo, e novos problemas serem produzidos. Nota-se que as concessões à política começam a sujar o palanque antes da hora. O presidente Lula não parece, porém, preocupado pois, como sempre, sua imensa popularidade permanece intacta.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

O mundo rural brasileiro

Zander Navarro
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

É surrealista a manutenção de caríssimas estruturas governamentais destinadas ao programa nacional de reforma agrária

O LANÇAMENTO do Censo Agropecuário 2006 gerou monótona repercussão impressionista e nenhuma análise. Comparados com o censo anterior, algumas facetas foram meramente descritas, como a expansão dos estabelecimentos com eletricidade, o vigoroso crescimento da soja ou a forte redução no pessoal ocupado, entre outras transformações que são de imensa relevância.

O principal dado divulgado, porém, reitera a assimétrica distribuição da propriedade da terra, pois os índices de Gini que aferem essa concentração estão entre os mais altos do planeta.

O outro foco repetido, incensado sob espantosa ingenuidade, refere-se à agricultura familiar, agrupamento que seria oposto a um indefinido agronegócio. Resultado de uma sociologia indigente e de um primário marxismo caiopradista, a noção é igualmente um delírio ideológico, pois seria segmentação que, assim se diz, estimularia a luta de classes no campo.Mas não vivemos em Bizâncio, e mais rigor é preciso.

O censo certamente incentivará estudos reveladores de significativas mudanças no mundo rural brasileiro, sobretudo nas últimas duas décadas.

Ressalto como mais relevantes três aspectos, talvez os principais.

O fato mais decisivo se refere à inédita monetarização que hoje determina a vida social rural, deixando para o passado o paroquialismo comunitário, a busca do autoconsumo e o padrão produtivo movido só por aumento da área plantada, marcas antes tão entranhadas na história rural.

O censo é enfático, acentuando que 55% do total dos estabelecimentos responderam por 81% do valor da produção, também sinalizando a crescente especialização e profissionalização dos produtores e a dominação, agora, de um princípio férreo de produtividade. Goste-se ou não, é a consagração definitiva de uma sociabilidade capitalista que passou a comandar o cotidiano rural.

O segundo tema nos remete à agricultura familiar. Esta é uma expressão meramente descritiva, mas não um conceito. Não está associada a nenhuma teoria do desenvolvimento rural nem embute comportamentos sociais virtuosos, como certos grupos parecem acreditar.

Surgiu nos anos 90 exclusivamente para democratizar o acesso ao crédito rural e, dessa forma, enraizar ainda mais aquela sociabilidade. Ante tal objetivo, a oposição citada se torna ainda mais ilusória, pois todos os produtores se integram ao agronegócio (ou seja, aos circuitos mercantis), embora sob formas distintas.

Que grupos de esquerda julguem que um arbitrário corte empírico, ainda que definido em lei, possa separá-los entre "puros e progressistas", de um lado, e "diabólicos capitalistas reacionários", do outro, é parte do bestialógico autenticamente nacional. Surpreende, assim, a decisão de preparar um censo específico para os familiares, um indicativo, novamente, de nossas insuficiências analíticas.

Finalmente, sobre a estrutura agrária brasileira, ainda insistimos na denúncia de fantasmagóricos latifúndios improdutivos, seguindo uma leitura míope que ecoa os anos 50. Não se trata de brigar com números, pois é indesmentível a concentração da propriedade.

Mas duas ressalvas são cruciais.

Primeiro, a propriedade rural não é mais a causa fundante das desigualdades sociais e políticas, que hoje são processos sobretudo urbanos. Os produtores rurais, de fato, são atualmente elo subordinado das cadeias produtivas, sendo marginal na economia brasileira a fração dos grandes proprietários fundiários e sua riqueza.

Segundo, ainda que uma mágica propusesse uma radical transformação agrária, não haveria cidadãos interessados em retornar ao campo, pela mesma razão da urbanização.

Ou seja, é surrealista a manutenção de caríssimas estruturas governamentais destinadas ao programa nacional de reforma agrária, inexistindo demanda socialmente significativa.

O futuro é inescapável: manteremos no campo uma conformação heterogênea e dual, sem ser dualista, com propriedades em grande escala convivendo com propriedades de menor porte. Houvesse racionalidade, a principal diretriz governamental deveria inspirar-se na ciência e na difusão de seus produtos tecnológicos para todos os produtores, fiscalizando particularmente os marcos impositivos das leis trabalhistas e ambientais.

Sob interpretações tão desencontradas acerca do mundo rural, a eficácia governamental acaba sendo gravemente afetada. Leituras tão distintas, quando transformadas em ação, atiçam o teatro da política, mas limitam o desenvolvimento rural.

Que os futuros candidatos presidenciais e seus programas corrijam esse rumo, que não serve ao Brasil.

ZANDER NAVARRO , 58, sociólogo, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra). Atualmente integra a Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Os emergentes e o tsunami de liquidez global

Luiz Gonzaga Beluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A marca registrada das crises capitaneadas pela finança é o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas dos possuidores de riqueza capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco/rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro. A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto. Em tais circunstâncias, a tentativa de redução do endividamento e dos gastos de empresas e famílias em busca da liquidez e do reequilíbrio patrimonial é uma decisão "racional" do ponto de vista microeconômico, mas danosa para o conjunto da economia, pois leva necessariamente à deterioração dos balanços. É o paradoxo da "desalavancagem".

A riqueza concentra-se, agora, na posse do dinheiro em si (ou substitutos próximos, os títulos da dívida pública). Essa corrida privada para as formas imaginárias, mas socialmente incontornáveis do valor e da riqueza vai afetar negativamente a valorização e a reprodução da verdadeira riqueza social, ou seja, a demanda de ativos reprodutivos e de trabalhadores. Diante da busca coletiva pela liquidez, os preços inflados dos direitos sobre a riqueza real - ações e dívidas privadas - despencam e, não raro, arrastam os preços de bens e serviços.

Depois do colapso financeiro deflagrado pela quebra do Lehman Brothers, os preços dos ativos privados foram atropelados pelos mercados em pânico, na busca impossível da desalavancagem coletiva. Vendedores em fúria e compradores em fuga fizeram evaporar a liquidez dos mercados e prometiam uma deflação de ativos digna da Grande Depressão dos anos trinta. As intervenções dos bancos centrais e dos Tesouros, sobretudo nos Estados Unidos, conseguiram, aos trancos, barrancos e trombadas legais, estancar a rápida deterioração das expectativas. Contrariando os augúrios mais pessimistas, a ação das autoridades foi capaz de afetar positivamente as taxas do interbancário e restabelecer as condições mínimas de funcionamentos dos mercados monetários.

A reação das autoridades dos países desenvolvidos, no entanto, foi menos eficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. Empresas e consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de desaceleração da economia e de queda do emprego.

A economia real nos Estados Unidos e na Europa segue em compasso de espera. Como bem observou o economista Willem Buiter, os otimistas vacilam na matemática ao confundir a primeira derivada - negativa - com a segunda, positiva. Isso significa que o produto e o emprego seguem em declínio, mas a uma velocidade menor.

Seja como for, as injeções de liquidez, os programas de compra de ativos podres, as garantias oferecidas pelas autoridades e a capitalização das instituições financeiras não fizeram pouco. Além de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções de provimento de liquidez suscitaram, diriam os keynesianos, um movimento global no interior da circulação financeira. O inchaço da circulação financeira teve efeitos mesquinhos sobre a circulação industrial, ou seja, sobre a movimentação do crédito e da moeda destinada a impulsionar a produção e o emprego.

Observa-se, no entanto, um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos "especulativos" por parte dos investidores que sobreviveram ao colapso da liquidez. Agarrados aos salva-vidas lançados com generosidade pelo gestor em última instância do dinheiro - esse bem público objeto da cobiça privada - os senhores da finança tratam de restaurar as práticas e operações de "normalização dos mercados", isto é, aquelas que levaram à crise.

Nas circunstâncias atuais, a realocação de carteiras favorece as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, enquanto o dólar segue uma trajetória de declínio, depois da valorização observada nos primeiros meses de crise. Diante do frenesi que ora turbina as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise e preconizam uma recuperação rápida da economia global, liderada pelos emergentes. Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma recuperação rápida e brilhante, mas indicam que os mercados não temem a formação de novas bolhas de ativos nos mercados emergentes.

Buiter rejeita as dúvidas dos colegas sobre a possibilidade dos países desenvolvidos - sobretudo os Estados Unidos - de reequilibrarem os respectivos balanços de pagamentos. Sarcástico, ele dispara contra a afirmação de que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos com déficits externos crônicos não podem corrigir seus desequilíbrios externos porque nada têm a exportar. Segundo Buiter, essa constatação é incorreta. Eles podem, sim, exportar crédito, explosão de preços de ativos e bolhas com a melhor tecnologia que possuem.

No rol de vencedores da batalha contra a depressão global, figuram em posição de respeito a China, a Índia e o Brasil, cada qual com suas forças e fragilidades. Entre as fragilidades, sobressaem a pressão para valorização das moedas nacionais e as ações de esterilização dos governos, com efeitos indesejáveis sobre a dinâmica da dívida pública dos países receptores da "chuva de dinheiro externo". Tais inconvenientes são particularmente danosos nos países com taxas de juros reais desalinhadas e métodos de intervenção inadequados nos mercados cambiais. Seja como for, a crise demonstrou que, na ausência de um emprestador de última instância internacional, a acumulação de reservas e a defesa da taxa de câmbio, a despeito dos custos, é uma forma racional de proteção para cada país individualmente.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Este mês, excepcionalmente, na quarta-feira.

Aécio cobra uma decisão do PSDB

Patrícia Aranha
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Governador mineiro diz que chegou a hora de definir a realização das prévias para escolher o candidato tucano ao Planalto

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, cobrou do PSDB uma definição sobre a realização das prévias que escolherão o candidato do partido à Presidência da República no ano que vem. A direção partidária não cumpriu resolução da Executiva Nacional, de 1º de julho, que previa setembro como prazo para que fosse estabelecida a data das prévias, que deverão ocorrer entre dezembro deste ano e fevereiro de 2010. Nos bastidores, comenta-se que o governador de São Paulo, José Serra, já teria conseguido a garantia de adiamento da decisão até março e trabalharia para que a escolha não fosse feita por meio de prévias. Aécio vai conversar com Serra e a cúpula tucana durante encontro da legenda, sábado, em Goiânia. “Está no momento de o partido dar alguns sinais mais claros do que irá fazer”, disse, ontem, durante visita às obras da Cidade Administrativa, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte.

O PSDB não cumpriu também o prazo para a conclusão do recadastramento do 1,1 milhão de filiados, que terminou em 30 de setembro. Só depois do recadastramento é que a direção partidária vai dizer quem terá direito a votar na consulta. Mesmo sem essa definição, uma segunda resolução da Executiva Nacional, aprovada em 11 de agosto, abriu o prazo de inscrições para quem quer participar das prévias, entre 12 de agosto e 30 de novembro. Questionado se o PSDB faria ou não a consulta, Aécio respondeu que mantém a expectativa. “O partido, quando tomou a decisão pelas prévias, falava sério”, disse, argumentando que não tem o poder de decidir pelo partido. “No que depender de mim, nós teremos uma consulta ampla às bases do partido”, acrescentou.

Pressão

Aliados do PSDB, como o DEM e o PPS, que já cobravam uma antecipação da escolha do candidato tucano, voltaram a pressionar, depois que o PMDB intensificou as conversas com o PT para indicar o candidato a vice-presidente na chapa da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT). O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), tem dito a aliados que também prefere colocar a campanha na rua, já neste ano, diante da antecipação da campanha de Dilma. Apesar disso, Aécio garantiu não ter pressa. “Nós, do PSDB, não estamos com essa pressa toda de nos definirmos. Adotamos isso como uma estratégia para, no momento da definição, termos um vigor muito grande da caminhada que se dará a partir dali”, afirmou. O PSDB, segundo ele, apesar de ter dois pré-candidatos, está unido. “As oposições têm apresentado, até agora, dois nomes, com características distintas, mas com uma grande convergência, e que vão estar juntos”, garantiu.

Já em relação ao PMDB, Aécio aposta que a legenda não estará unida em torno de uma candidatura presidencial, mesmo que a cúpula feche acordo com o PT, argumentando que em muitos estados os peemedebistas estariam mais próximos dos tucanos. “Continuo acreditando que a tendência do PMDB é valorizar as situações regionais”, disse. Para o governador, o PMDB vai manter a tradição de privilegiar as alianças estaduais, o que lhe garantiria manter bancadas fortes na Câmara e no Senado.

"Está no momento de o partido (PSDB) dar alguns sinais mais claros do que irá fazer”
Aécio Neves, governador de Minas Gerais

Governo de facto e zelaystas dizem ter obtido avanço de 90% em diálogo

Roberto Simon, Tegucigalpa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Mas ponto de maior divergência, sobre restituição do poder a Zelaya, segue indefinido e pode emperrar acordo

Após passarem a manhã e tarde reunidos à mesa de negociação, representantes do presidente deposto Manuel Zelaya e do governo de facto de Roberto Micheletti anunciaram um avanço "em 90%" nos oito temas fundamentais previstos pelo Pacto de San José. A referência quantitativa, porém, é enganosa. Entre os "10%" que restam está o ponto nevrálgico do diálogo: a volta de Zelaya à presidência hondurenha.

Vilma Morales, principal negociadora do campo golpista, disse que a restituição foi abordada nos debates de ontem e continuará a ser discutida hoje. "Seguiremos negociando", disse. Sexta-feira é a data-limite imposta pelo presidente deposto para qualquer acordo.

Otimista, o representante de Zelaya Victor Mesa disse esperar para hoje "muitas possibilidades êxito no restante do texto" do acordo. Formulado pelo presidente costa-riquenho, Oscar Arias, o Pacto de San José tem 12 pontos, dos quais 8 são fundamentais e 4 são de ordem regimental.

Também ontem, a possibilidade de uma consulta popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte nos próximos meses foi definitivamente descartada. Isso porque representantes de Zelaya concordaram em se submeter ao quinto ponto do texto proposto por Arias, segundo o qual o presidente deposto não poderá abrir caminho para uma constituinte caso retorne ao poder.

Até agora, os opositores hondurenhos entraram em acordo publicamente sobre cinco temas principais. Ambos os lados aceitam um governo de união nacional e a submissão do Exército ao Tribunal Eleitoral na época de votação. As facções também recusam uma anistia geral, a antecipação das eleições e a consulta popular.

Além da restituição, zelaystas exigem que o governo de facto levante o estado de sítio. As leis de exceção foram impostas após Zelaya retornar a Honduras e, embora Micheletti tenha prometido sua revogação, elas ainda estão em vigência. Questionada pelo Estado, Vilma, a negociadora de Micheletti, disse que "não cabe a nós, da comissão de diálogo, discutir isso (o fim do estado de emergência)".

CONSTITUINTE

O presidente deposto afastou definitivamente de seu time de negociadores Juan Barahona, líder da ala mais radical de sua base de apoio, a Frente Nacional de Resistência (FNR). Barahona disse ter saído porque se recusava a abrir mão da consulta popular. Em comunicado, a FNR declarou que a substituição de seu líder pelo advogado Rodil Rivera, do Partido Liberal (PL), foi uma exigência da delegação do governo de facto.

Barahona afirmou que "respeita" a decisão de Zelaya de abrir mão da consulta popular. Mas o líder garantiu que seu grupo voltará às ruas para protestar pelo processo constituinte "um dia depois de Mel (apelido do presidente deposto) regressar ao poder".

O hotel onde estão ocorrendo as negociações amanheceu ontem cercado por policiais do batalhão de choque. Ao redor de 300 manifestantes - bem menos do que nos protestos que ocorriam antes do estado de sítio - aglomeraram-se na esquina, sob os gritos de "Viva Alba", em referência à Aliança Bolivariana para as Américas, liderada pelo venezuelano, Hugo Chávez. Contudo, não houve violência.

Colaborou Wilson Pedrosa

NEGOCIAÇÃO

Principal divergência: restituição de Zelaya

Zelaystas reivindicam restituição imediata do líder deposto

Golpistas propõem retorno só depois das eleições de 29 de novembro

Há consenso em cinco pontos

Criação de um governo de unidade nacional

Rejeição à anistia para os dois lados

Não realização de Constituinte durante período em que Zelaya estiver no poder

Não antecipação das eleições

Exército fica submetido ao Tribunal Eleitoral 30 dias antes da eleição presidencial

Cauteloso, Zelaya exige ''restituição imediata''

Wilson Pedrosa e Roberto Simon
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com o avanço nas negociações, o clima tenso que costuma prevalecer na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde o presidente deposto Manuel Zelaya está abrigado, deu lugar a um otimismo cauteloso. Questionado pelo Estado sobre quanto tempo levará para retornar à cadeira de presidente caso haja um acordo hoje, Zelaya optou pela prudência. "Primeiro é preciso saber mesmo se haverá um acordo. Esta é a grande questão e será decidida amanhã (hoje)", afirmou com um tom sereno.

Zelaya voltou a elogiar a atuação da diplomacia brasileira diante da crise em Honduras, distribuindo afagos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao chanceler Celso Amorim e ao assessor para assuntos internacionais da presidência, Marco Aurélio Garcia. "O Brasil demonstrou ser uma enorme democracia. Suas declarações contra a ilegalidade do golpe foram muito contundentes", disse Zelaya.

O presidente deposto desmentiu rumores de que teria concordado em retornar ao poder apenas após as eleições de novembro. A restituição, argumentou, deverá ser imediata.

Na embaixada, corria ontem à noite o boato de que o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, estaria a caminho de Tegucigalpa. A informação não foi confirmada. Mas ela dá mostra do ar de otimismo, raro e comedido, na missão brasileira.

Pesquisa constata favelização de assentamentos

Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Números mostram que 37% nada produzem e 75% não tiveram acesso a crédito rural; ministro contesta dados

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Em meio a uma nova operação da oposição para viabilizar a instalação de uma CPI para investigar os repasses de recursos públicos a entidades vinculadas ao Movimento dos Sem Terra (MST), a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) divulgou ontem dados de uma pesquisa do Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que constata a “favelização” dos assentamentos rurais do Incra. A enquete — realizada com mil trabalhadores rurais distribuídos em nove assentamentos que, em tese, já teriam sido emancipados — indica que 83% deles nunca fizeram qualquer curso de qualificação, 37% nada produzem em suas propriedades e 75% não tiveram acesso a crédito rural.

Só 27% dos assentados admitiram produzir o suficiente para o consumo de suas famílias e algum excedente para venda. Os outros 73% não geram qualquer renda e 40% admitem ter renda de apenas um salário mínimo — Estamos criando verdadeiras favelas rurais, distantes de todas as políticas públicas, já que tudo no campo custa mais caro — disse Kátia, presidente da CNA, frisando que pelo menos 55% dos entrevistados declararam não ser os donos originais das propriedades: — Só 39% são donos originais. A maioria dos lotes já foi vendida.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, pôs em dúvida os dados apresentados pelo CNA: — Não há surpresa em a CNA atacar a reforma agrária. Não conheço essa pesquisa. Mas acima de qualquer pesquisa da CNA ou do MST, há um estudo oficial que saiu há pouco mais de 30 dias, o censo agropecuário, que comprova que a agricultura familiar é mais produtiva do que a tradicional e em grande escala.

MST faz protesto por escolas no Rio Grande do Sul Para evitar uma nova operação da base governista com a intenção de barrar a instalação de outra CPI que investigue o MST, a exemplo do que aconteceu no início deste mês, a oposição só pretende protocolar o novo requerimento após um compromisso público do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de marcar uma sessão do Congresso para sua leitura. Essa foi a estratégia encontrada pelos autores do requerimento, Kátia Abreu e o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), para evitar que os 177 deputados e 35 senadores que assinaram o documento não sejam pressionados a retirar suas assinaturas.

No Rio Grande do Sul, o MST protestou ontem contra o fechamento das escolas em seus acampamentos, as chamadas escolas itinerantes. Em Porto Alegre, 400 crianças assentadas se concentram na Praça da Matriz, onde tiveram aulas

Cassel e Caiado divergem

DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. O ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Guilherme Cassel, negou ontem que o governo tenha repassado, entre 2004 e 2008, R$ 115 milhões para entidades ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST), como denunciou semana passada o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO). Segundo o ministro, o deputado teria usado levantamento feito pela pasta, sem citar que pelo menos 56% dos recursos foram para a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) nos estados. Outros 26,9 milhões teriam sido encaminhados a duas entidades que promovem assentamentos rurais, por exigência do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

E o restante teria ido para as Federações de Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso, Bahia e São Paulo.

— O governo não tem nenhum convênio ou contrato com o MST— afirmou Cassel, durante audiência pública na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado.

Caiado disse que o MST não tem registro como pessoa jurídica e, portanto, não pode receber dinheiro diretamente do governo. Por isso, segundo ele, os sem-terra se valem de entidades laranjas. O deputado acusou o ministro de não saber explicar como os recursos do MDA foram gastos