segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso

“Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o país, devagarzinho, quase sem que se perceba, a se moldar a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos.”


(Fernando Henrique Cardoso, no artigo, Para onde vamos?, publicado em 1/11/2009)

Fábio Wanderley Reis:: Acerca do Estado-"amálgama"

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A intensificação, eleitoralmente motivada, da discussão sobre os feitos e malfeitos do governo Luiz Inácio Lula da Silva traz de novo à tona o embate de velhas concepções sobre a conformação e o papel do Estado numa sociedade capitalista, cujo reexame pode valer a pena.

Há três perspectivas básicas a destacar. Uma, a perspectiva liberal, salienta no Estado sobretudo um sujeito ou foco autônomo de poder a ser contido. Outra, a crítica marxista, vê no Estado um instrumento de relações de dominação produzidas na esfera "social" ou privada e apropriado pelos detentores do poder correspondente, que o usam na promoção dos seus interesses próprios. A terceira perspectiva (aliás presente também como contraface da própria crítica marxista do Estado capitalista, apesar da fantasia utópica da obtenção da harmonia na sociedade sem Estado) enxerga o Estado como possível instrumento de neutralização de relações "sociais" ou privadas de poder, ou como instrumento potencial de todos - o que implica, naturalmente, a ideia de um Estado que age e intervém em nome de objetivos solidários e em alguma medida igualitários. Tais objetivos podem reduzir-se inicialmente, de um ponto de vista liberal mais estrito, à garantia dos direitos civis ou da autonomia dos cidadãos perante o Estado (da "igualdade perante a lei"); mas não há como escapar, na dinâmica sociopolítica cotidiana, da pergunta sobre como conter as ameaças tanto "estatais" quanto sociais e privadas à autonomia, e o tema clássico das "condições sociais da democracia política (liberal)" acaba por articular-se de modo complicado com o das "condições políticas da democracia social" - e na verdade também das "condições políticas da democracia política"... Em todo caso, em vez de mera "contenção", as exigências quanto ao Estado se tornam contraditórias, e o desafio é de construção institucional laboriosa: ele tem de ser capaz de autolimitar-se, mas também de constituir-se em arena aberta à manifestação de interesses diversos, por um lado, e em agente capaz de atuar com eficiência na agregação desses interesses e na promoção do resultado democraticamente aceitável da agregação, por outro. Não admira que as confusões se multipliquem no mero plano intelectual - sem falar do choque de diferentes posições políticas e valorativas.

Assim, se tomamos o tema específico do corporativismo (sobre o qual já andei escrevendo aqui) como ponto focal de algumas das manifestações recentes, são bem claras as razões da feição negativa que essas manifestações ressaltaram. Afinal, "corporativismo" (quando não reduzido à identificação com os interesses estreitos de uma categoria ou outra) remete ao fascismo ou a Estados que controlam autoritariamente grupos ou setores economicamente relevantes. No entanto, a ciência política internacional acordou há algum tempo para o fato de que a dinâmica da democracia nos países avançados levava por si mesma a pactos corporativos em que, sob o patrocínio do Estado democrático, sindicatos trabalhistas e associações empresariais foram trazidos a participar de importantes decisões de política econômica e social. Apesar de questionamentos, e dos reajustes exigidos pela onda "neoliberal" imposta pela globalização, a reviravolta levou mesmo, de maneira não muito consistente, à busca de nomes novos em que a contribuição democrática do "neocorporativismo" pudesse ser separada do autoritarismo que se supunha inerente ao corporativismo como tal.

O tema geral das políticas sociais e dos mecanismos de "welfare" são outro ponto correlato de confusão. Além da concepção em que o próprio Estado de bem-estar surge internacionalmente como atendendo a uma necessidade funcional do capitalismo e, no limite, como manipulação destinada a legitimá-lo, nossa própria experiência com a previdência social já foi ligada com a face mais feia do corporativismo: ela mostraria uma "cidadania regulada", como a chamou Wanderley G. dos Santos, equivalente à definição autoritária da cidadania por referência a parâmetros corporativos em que se destacam a regulamentação das profissões, a carteira profissional e o sindicato público. Mas, além de que a "regulação" da cidadania redunda em algo imperioso na perspectiva da "juridificação" das relações sociais que nem a simples visão liberal do Estado pode dispensar, a inconsistência da caracterização acaba surgindo com clareza em que na verdade se cobra mais regulação, e não menos, na denúncia de um processo de proteção social que, favorecendo o seguro social e a contribuição paga pelo segurado, consagra diferenças que vêm do mercado... A tensão e a confusão entre uma visão de "autoritarismo" do Estado e outra de "paternalismo" por parte dele é bem clara na literatura que Santos exemplifica - como se não bastasse o que ocorre quanto à ideia de paternalismo, já de si objeto frequente de denúncias desatentas para o fato de que o Estado democrático não pode ser apenas aquele que responda à capacidade de pressão dos interesses de força desigual.

Num nível de filosofia política abstrata, é possível contrapor, como se faz há tempos, uma posição "utilitarista", em que o Estado surge como o agente imparcial do todo, à posição "contratualista" em que agentes autônomos deliberam sobre a conformação (a "constituição") a ser dada à ordem social. Contudo, o problema "constitucional" decorre justamente da diversidade e do frequente antagonismo dos interesses autônomos. Se se quiser evitar ou superar a violência em formas diversas, a meta não pode deixar de ser um Estado capaz de aderir ao ponto de vista do todo. E de construir "amálgamas" em que a distribuição tão igualitária e democrática quanto possível de poder não impeça a produção de poder e a eficiência do ponto de vista de objetivos passíveis de serem tomados como objetivos coletivos.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Ricardo Noblat:: Apagou geral

DEU EM O GLOBO

- "Olha aqui, minha filha..." (Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, irritada com a pergunta de uma repórter sobre o apagão)

Apagão de bom senso: foi um microincidente, segundo o ministro Tarso Genro, da Justiça. Não, não foi. Em extensão, foi o maior apagão da história do País. Afetou 18 Estados e 88 milhões de pessoas. Sobrou para sete milhões de paraguaios. Durou cinco horas e 47 minutos. Pela primeira vez, pararam todas as turbinas da hidrelétrica de Itaipu.

Apagão de gestão: não é aceitável que um ou três raios no interior de São Paulo desliguem Itaipu e apaguem o País. Falhou o sistema de “ilhamento” capaz de confinar o problema a uma só região.
Apagão de responsabilidade: no instante em que se fez o breu, Lula sumiu. Dilma Rousseff, a ex-ministra de Minas e Energia que desenhou o novo modelo do setor, também sumiu. Edison Lobão, o atual ministro, foi escalado para ser “a cara do apagão”.

Apagão de comunicação: o falatório desconexo das autoridades e dos técnicos adensou a escuridão. As explicações desencontradas comprovaram que o governo não tinha a mínima ideia sobre o que dizer à população no primeiro momento – nem no segundo. Foi então que Lula, assustado com o estrago que o episódio pode causar na imagem do governo, concluiu que o melhor seria todo mundo se calar. Mas antes... Bem, antes...

Apagão de compostura: quando parecia insustentável o sumiço da mãe de tudo o que o governo faz de bom, Dilma finalmente falou. Antes não o tivesse feito. Olha aqui, minha filha: em vez de explicações, Dilma foi grosseira com os jornalistas. Só faltou jogar nas costas da mídia a culpa pelo apagão. Lembrou o destemperado Ciro Gomes (PSB-CE) de 2002, que conseguiu perder a eleição presidencial para ele mesmo.

Apagão de respeito ao cidadão: em toda a algaravia produzida pelo governo havia apenas uma preocupação comum: bater forte na tecla de que o apagão da dupla Lula/Dilma não era tão grave quanto o apagão de Fernando Henrique Cardoso. A preocupação eleitoral ganhou linguagem marqueteira: FHC teve apagão, Lula/Dilma, somente um blecaute. Como se o escuro do apagão fosse diferente do escuro do blecaute.

Apagão de autoridade: empenhado em tentar esquecer o assunto, o governo atravessou a fronteira que separa o legítimo exercício do mando do deplorável exercício do autoritarismo. Sem mais nem menos, Dilma e Lobão deram o episódio por encerrado, como se fato ele pudesse estar, como se os cidadãos não tivessem o direito de cobrar uma investigação rigorosa sobre as causas do apagão.

Apagão de gerência: um setor técnico e estratégico como o de energia foi loteado entre os dois maiores partidos da base do governo: PT e PMDB. Agentes político-sindicais petistas comandam a área de geração – Itaipu, Petrobras – enquanto agentes das várias etnias do PMDB comandam a área de transmissão e distribuição – Furnas, Br Distribuidora. A Eletrobrás, que está nas duas pontas, é feudo do senador José Sarney (PMDB-AP).

Apagão de regulação: criadas no governo FHC para regular os principais setores estratégicos com base em critérios técnicos e a salvo de ingerências políticas, as agências foram desidratadas de recursos e aparelhadas politicamente. O poder de regulação escapou das mãos dos técnicos e foi devolvido às mãos dos ministros, esses políticos por excelência e, como tal, sujeitos às pressões dos partidos.

Apagão de hierarquia: para evitar guerra interna e sabotagens entre aliados que dividem o comando do setor de energia, Lula deu todo o poder a Dilma para comandar os comandantes.
Resultado: ministros e presidentes de grandes estatais têm os cargos e as verbas, mas não têm o poder de fato. Em condições normais, governantes tendem a fazer o jogo de fugir às suas responsabilidades. O governo Lula acentuou tal característica.

É sempre assim: na hora de faturar acertos proliferam seus verdadeiros e falsos pais, mães e avós. Na hora de encarar problemas, some toda a família e a lambança fica órfã. O povo? Ora, fica no escuro.

Aécio no Nordeste

DEU NO ESTADO DE MINAS

Numa solenidade presidida pelo governador de Alagoas, Teotonio Vilela Filho (PSDB), o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), foi condecorado ontem à noite em Maceió (AL) com a medalha do mérito da República Deodoro da Fonseca. A honraria foi concedida a Aécio em 2008, mas, como ele não pôde comparecer à cerimônia realizada no ano passado, recebeu a medalha com os agraciados deste ano.

Hoje, Aécio Neves toma café da manhã com lideranças do PSDB de Alagoas. Em seguida, no mesmo local, dá entrevista coletiva à imprensa. Dentro da maratona de viagens pelo país, o governador irá, na semana que vem, ao Piauí, onde participará de encontro do PSDB para debater temas relacionados à infraestrutura e mudança social. Dos estados do Nordeste, faltará ao governador mineiro percorrer apenas o Maranhão.

Além do governador mineiro, outras 10 personalidades foram contempladas com medalhas.

Entre os agraciados, estão o cantor e compositor Djavan, o cineasta Cacá Diegues, o compositor, arranjador e instrumentista Hermeto Pascoal e o jornalista, poeta e escritor Ledo Ivo, imortal da Academia Brasileira de Letras. Todos são alagoanos. "São pessoas que se destacaram no cenário nacional pelo talento e personalidades de outros estados, que contribuíram com Alagoas e com o Brasil por suas atitudes exemplares", justificou o governador Teotônio Vilela Filho. Para ele, todos os homenageados contribuíram, cada um à sua maneira, para o processo de consolidação da democracia social no país.

Fernando Rodrigues:: Um vício ainda presente

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Os 20 anos passados de 1989 até hoje foram úteis para fortalecer a democracia representativa no Brasil. Mas persistem muitos vícios políticos e eleitorais da primeira eleição presidencial direta pós-ditadura militar.

O melhor aspecto da evolução institucional nas últimas duas décadas foi o afastamento do risco de retrocesso autoritário. Quando Fernando Collor foi eleito, as discussões políticas sempre incluíam obrigatoriamente uma análise do "clima entre os militares". Uma anomalia.

José Sarney, então presidente, visitou todos os comandos das Forças Armadas em 1989.

Precisava convencer os quartéis da necessidade de uma transição definitiva e pacífica para a democracia.

Ao recusar a proposta bolivariana de uma segunda reeleição, Lula sepultou de vez a hipótese de o Brasil sair do rumo da estabilidade democrática. Começar e terminar seus mandatos, no prazo estabelecido, é a maior contribuição do petista para o amadurecimento do país.

O problema é quase nada ter sido realizado, de 1989 até hoje, no plano da organização política e partidária.

Fernando Collor viabilizou-se escorado em legendas de aluguel. Em 1994, FHC agrupou ao seu lado parte da escória agora cooptada alegremente por Lula. Essa turba desprovida de ideologia vive atracada ao poder.

De tempos em tempos o Congresso regurgita a reforma política, com seu jargão cifrado para a maioria dos normais. Voto em lista, eleição no sistema distrital ou fim das coligações proporcionais.

Algumas ideias têm mérito, mas nenhuma trata da perigosa consolidação do império do baixo clero, com suas quase duas dezenas de legendas de aluguel e mais de 300 deputados e senadores. Em 1989, ajudaram Collor. Em 2010, serão protagonistas novamente. Sem aparecer. Gostam das sombras. Influem.

Ganham dinheiro e são sempre convenientes aos poderosos.

Ex-premiê defende extradição de Battisti

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Líder esquerdista italiano Massimo D"Alema declarou sua posição após reunião de quase uma hora com Lula em Roma

De acordo com D"Alema, presidente brasileiro disse a ele que a questão está nas mãos do STF, que retoma julgamento na quarta-feira

Luciana Coelho
Enviada especial a Roma
Flávio Ferreira
Da reportagem local

O líder esquerdista e ex-premiê da Itália Massimo D"Alema se disse a favor da extradição de Cesare Battisti, minutos após deixar uma reunião de quase uma hora com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é amigo, em Roma.

Indagado por jornalistas se o tema foi tratado entre os dois, D"Alema (1998-2000) afirmou que o presidente apenas lhe explicou sua posição. "Ele disse que a questão está nas mãos dos juízes [do Supremo Tribunal Federal], são eles que decidem. Mas não falamos mais, falamos de outras coisas."

Na véspera, Lula havia dito em Paris que era preciso esperar a decisão do STF, na próxima quarta, para ver se haveria algo que lhe coubesse fazer.

Lula está em Roma para participar da cúpula da FAO (braço da ONU para alimentação).

Ontem, reuniu-se com líderes africanos para discutir a coooperação tecnológica. Hoje, o presidente discursa em plenário sobre a segurança alimentar.

D"Alema afirmou que o Partido Democrático, ao qual pertence -e que hoje é a principal força de esquerda daquele país-, é a favor da extradição porque Battisti é "uma pessoa condenada" na Itália.

Battisti foi integrante da organização de extrema esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e foi condenado à prisão perpétua sob a acusação de participação em quatro homicídios. Ele chegou ao Brasil em 2004 e está preso desde 2007 no presídio da Papuda, em Brasília.

"É justo que ele cumpra a pena aqui, é normal", afirmou D"Alema. "Ele foi condenado por um crime comum, não por um crime político."

Hoje, Lula almoça com o premiê italiano, Silvio Berlusconi, que também deve abordar o assunto, embora a agenda seja "cooperação bilateral".

Até agora, o placar da votação dos ministros do STF no caso Battisti é de 4 a 4, mas o presidente da corte máxima do país, ministro Gilmar Mendes, deve proferir voto de desempate a favor do governo da Itália.

Ante esse cenário no Supremo, os advogados do ex-militante de extrema esquerda e setores do governo federal defendem a tese de que, em casos de extradição, a palavra final sobre o envio do estrangeiro ao país requerente cabe ao presidente da República.

De acordo com esse entendimento, a decisão do STF nesse tipo de caso é apenas autorizativa, isto é, permite ao chefe do Executivo realizar a extradição caso ele considere a medida adequada e conveniente do ponto de vista político.

Já a defesa do governo italiano diz que o presidente é obrigado a seguir a orientação do STF no caso de Battisti, em virtude das regras do tratado de extradição assinado pelo Brasil e pela Itália em 1989.

Esse tema deve gerar debate na próxima sessão do julgamento do Supremo. O relator do caso, ministro Cezar Peluso, já declarou em seu voto posição favorável ao entendimento da Itália na questão.

Para Peluso, se forem preenchidos todos os requisitos para a concessão da extradição, "não se reconhece discricionariedade legítima ao presidente da República para deixar de efetivar a entrega do extraditando".

Segundo o ministro do STF, o presidente da República só poderia intervir no caso para adiar a entrega de Battisti à Itália, uma vez que o italiano ainda é réu na Justiça Federal do Rio de Janeiro pela suposta falsificação de um passaporte.

Em seu voto, Peluso afirma que o Estatuto do Estrangeiro e o tratado Brasil-Itália de 1989 conferem ao chefe do Executivo a prerrogativa de só entregar extraditandos após a conclusão dos processos criminais nos quais eles são réus no Brasil.

Se for extraditado, porém, Battisti não cumprirá a pena de prisão perpétua. Peluso já deixou claro em seu voto que, nesse tipo de caso, o país que pede a extradição não pode aplicar uma condenação mais grave que a punição máxima estabelecida nas leis do Brasil, que é de 30 anos de prisão.

Uerj na luta por mais recursos do estado

DEU EM O DIA

Verba para graduação e compra de novos equipamentos em 2010 foi reduzida a 23% do previsto

Por Thiago Prado, Rio de Janeiro

Rio - A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) se prepara para uma batalha por mais recursos na Assembleia Legislativa (Alerj) este mês. O reitor e sindicalistas reclamam que o orçamento 2010 elaborado pelo governo corta drasticamente recursos destinados a custeio e novos investimentos na instituição.

Verbas para o reequipamento da universidade e desenvolvimento da graduação, por exemplo, terão apenas 23% do valor reservado para este ano — R$ 600 mil contra R$ 2,5 milhões em 2009. A redução é ainda maior se comparada com 2008. Naquele ano, foram executados investimentos no valor de R$ 9,1 milhões. O secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso, admite contar com as emendas de deputados estaduais para aumentar o caixa.

Atualmente, a Uerj se sustenta financeiramente por um tripé: prestação de serviços como o vestibular e convênios, Sistema Único de Saúde (SUS) para o Hospital Pedro Ernesto e dinheiro do Tesouro do estado. Foi esta fonte que sofreu cortes. Este ano, a instituição teve R$ 452 milhões injetados pela administração direta. Em 2010, terá R$ 445 milhões.

Além disso, a Uerj acaba de assumir duas novas despesas.

“Agora pagamos os médicos residentes e houve expansão nas bolsas dos estudantes cotistas, que eram de um ano e passaram para cinco. Houve redução no nosso custeio e na capacidade de investimento”, afirmou o reitor Ricardo Vieiralves, em audiência na Alerj.

Na rubrica ‘manutenção’, o valor de R$ 27 milhões em 2009 permanecerá inalterado. Em 2008, foram executados R$ 42,8 milhões, 55% a mais. “Nossos laboratórios têm computadores velhos e os banheiros estão muito ruins. Alguns até sem porta”, reclama a estudante de jornalismo Rafaela Carvalho, 21 anos, que lista outras reclamações de alunos: há salas de aula com cadeiras e portas quebradas, paredes sujas e quadras de esportes mal conservadas para estudantes de Educação Física.

O diretor do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais no Estado do Rio (Sintuperj), José Arnaldo Gama, afirma que o governo deveria cumprir a Constituição fluminense e repassar à Uerj 6% da receita do estado. Em 2008, liminar do Supremo Tribunal Federal anulou a norma: “Teríamos R$ 1 bilhão por ano. Por isso, todo ano tem desabamento de teto ou incêndios”. O sindicato convocou paralisação para dia 26, por melhores salários.

"Vai chegar a um ponto em que o ensino superior público vai ficar igual à educação básica”, lamenta o deputado Comte Bittencourt, presidente da Comissão de Educação da Alerj.

Divergências entre governo e sindicato

Apesar de concordar que é necessário um esforço para aumentar os recursos, Cardoso afirma que o governo tem olhado com carinho para a Uerj: “Vamos fazer as reparações necessárias. Mas gostaria de lembrar que aumentamos a verba da Faperj (que fomenta pesquisa e formação científica e tecnológica) em 90% e implementamos planos de cargos e salários. A Uerj vive hoje a melhor época da sua vida".

O Sintuperj reconhece o aumento dos recursos na Faperj, mas mostra que não houve crescimento tão significativo nos recursos repassados exclusivamente à Uerj. Foram empenhados R$ 15,2 milhões este ano contra R$ 14,8 milhões em 2008. “Os valores são abaixo dos de 2006, quando recebemos R$ 20 milhões”, afirma José Arnaldo.

Petistas reforçam discurso de esquerda

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PT afia discurso de guinada para a esquerda

Executiva retoma ""projeto democrático e popular"", defendendo a ampliação do papel do Estado

Com a pré-campanha eleitoral na rua, o PT afia, em discursos e documentos, uma linguagem que estava aposentada e não encaixava no figurino de um governo cada vez mais politicamente centrista. Com inflexão esquerdista, os petistas ressuscitaram o velho Consenso de Washington e até a ideia de um "projeto democrático, popular, nacionalista e internacionalista, de inclusão e participação popular". A ampliação do papel do Estado virou lugar comum nas declarações dos ministros.

Na semana passada, essa guinada deu o tom no debate em torno do apagão de energia, ocorrido na última terça-feira, quando foi feita comparação com a crise do setor durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. "Aves de rapina não se aguentam de alegria pelo blecaute de ontem. Confundem o incidente com a falta de energia que parou o Brasil em 2001", rebateu o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), no dia 11 em seu twitter, classificando como "incidente" a falta de luz que atingiu 18 Estados.

Antes desse problema, a comparação sobre os modelos de governo Lula e FHC já vinha sendo promovida pelos petistas em outras áreas. Considerado como um dos pontos centrais da campanha presidencial de 2010, o tema pré-sal é tratado como assunto de máximo interesse estratégico. Por conta disso, tornou-se simbólico para exemplificar a nova visão de fortalecimento do Estado pregada por governistas e pelo presidente Lula.

PRÉ-SAL

Em resolução aprovada por uma comissão da Executiva Nacional do PT, no dia 3 de setembro, o partido faz a defesa dessa linha de ação e provoca nova comparação com os rivais de campanha. "O lançamento do marco regulatório do pré-sal repõe o debate essencial: as opções estratégicas colocadas para o Brasil e o papel do Estado", diz o texto. "Decorridos quase sete anos de governo Lula, depois dos 12 anos de neoliberalismo, o confronto entre projetos tem contornos compreensíveis para largas parcelas do povo brasileiro."

Segundo a resolução, "a própria descoberta das reservas do pré-sal - e muitas outras de petróleo e gás de menor profundidade - só foi possível a partir da retomada dos investimentos e apoio decidido do governo Lula à estatal".

NEOLIBERAIS

O documento emenda: "É pedagógica, nesse sentido, a reação dos setores conservadores ao discurso feito pelo presidente Lula no ato de lançamento do marco regulatório (do pré-sal). Alguns editoriais, comentários e análises trazem de volta o discurso neoliberal que levou o mundo à crise financeira e econômica. É papel do PT tratar a questão não apenas como a tramitação legislativa de um projeto técnico, mas como vetor simbólico do embate entre o projeto democrático, popular, nacionalista e internacionalista, de inclusão e participação popular, contra o projeto do Consenso de Washington, que vigorou no Brasil até 2002".

"DOIS BRASIS"

Pré-candidata do PT à sucessão de Lula, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já incorporou o bordão "nós contra eles" nos eventos. "O que se jogará no ano que vem é o confronto entre dois Brasis. O que terminou em 2002 e o de 2009 e 2010", afirmou a ministra durante o encontro de prefeitos petistas, em Guarulhos, ocorrido no dia 7.

Segundo os petistas, foi bem sucedida a estratégia adotada na campanha presidencial de 2006, entre Lula e Geraldo Alckmin (PSDB), justamente em torno da defesa do papel do Estado. Naquela eleição, os tucanos foram acusados de serem defensores de ampla privatização das companhias estatais.

Na campanha, vendas de companhias como a Vale do Rio Doce foram criticadas e os petistas passaram a insinuar que os adversários negociariam outras empresas, como Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica, caso voltassem ao poder. Os tucanos não conseguiram ganhar esse debate junto à opinião pública.

Na medida que a disputa presidencial avança para provável polarização entre PT e PSDB, a ideia dos governistas é usar essa guinada para marcar uma espécie de modelo petista durante a campanha eleitoral.

Aliados do presidente fazem comparações entre a gestão Lula, iniciada em 2003, e a de Fernando Henrique Cardoso, exercida entre 1995 e 2002, apresentando Dilma como representante de um modelo em que o Estado terá participação cada vez maior. O discurso fica mais à esquerda do adotado pelo governo nos primeiros anos de mandato de Lula e durante sua campanha eleitoral. Após perder três eleições consecutivas, o petista só conseguiu vencer ao fazer movimento contrário do atual, buscando simpatia de setores liberais e conservadores.

Presidente debate caso Battisti com italianos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Andrei Netto

Antes de participar de reunião prévia da Cúpula Mundial contra a Fome, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve audiência com o ex-presidente do Conselho Italiano Massimo D"Alema, com quem falou sobre o futuro do ativista Cesare Battisti.

Hoje o caso Battisti também deve ser tratado na reunião bilateral entre Lula e o presidente do Conselho, Silvio Berlusconi.

Ex-líder comunista e, hoje, deputado do Partido Democrático (PD), D"Alema discutiu com Lula os rumos da esquerda no mundo. Questionado pela imprensa, o italiano contou que a situação do ativista Cesare Battisti também foi debatida.

O PD, principal partido de centro-esquerda da Itália, é favorável à extradição, pedido que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

"O presidente me explicou que a questão está nas mãos dos magistrados. Caberá à magistratura decidir nos próximos dias", relatou D"Alema.

No sábado, ainda em Paris, Lula disse aos jornalistas que "pouco pode fazer quando o processo está nas mãos da instância superior" da Justiça brasileira. "Tenho de esperar a decisão da suprema corte para saber se sobra alguma coisa para o presidente da República fazer."

SAVANA

Ontem, Lula participou de reunião com líderes políticos sobre o desenvolvimento da agricultura na savana africana. Primeiro compromisso oficial de Lula em Roma, o encontro antecedeu a conferência de segurança alimentar, que será aberta hoje.

Candidatura própria volta a ser discutida no PMDB

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raymundo Costa, de Brasília

Perto de ultrapassar a marca simbólica dos 20% nas pesquisas de intenção de voto, a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) a presidente atravessa uma área de turbulência no PT e no PMDB. Em seu partido, as duas maiores dificuldades dizem respeito aos palanques estaduais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, o segundo e o terceiro maiores colégios eleitorais do país, respectivamente. Já com o PMDB os problemas são a volta da candidatura própria à agenda do partido e a ofensiva desencadeada pelo PT para responsabilizar o grupo do senador José Sarney no setor elétrico pelo apagão da semana passada.

A ofensiva petista provocou a imediata reação dos homens de Sarney no setor elétrico: se é verdade que "a cabeça" do sistema é pemedebista, os cargos subsequentes foram inteiramente aparelhados pelo PT. Até um irmão do ministro Antonio Palocci foi assimilado pelo esquema (além de Sarney, o deputado Jader Barbalho, do PMDB do Pará, também tem influência no setor elétrico, sobretudo na Eletronorte). Mas o governo agiu rápido e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou de acalmar os ânimos: Sarney é peça vital para os interesses do governo no Senado e para assegurar o apoio do PMDB à candidatura de Dilma.

Um teste para o pré-compromisso firmado pela cúpula do PMDB com o PT será a reunião que o governador do Paraná, Roberto Requião, convocou para o dia 21, em Curitiba. O encontro é para discutir uma proposta do neopemedebista Mangabeira Unger de candidatura própria do PMDB em 2010. Proposta capaz de esquentar a temperatura de qualquer convenção pemedebista, mas que deve dar em nada até pela "falta de um candidato", de acordo com o diagnóstico preciso do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia.

Por enquanto, a seção mais engajada na proposta da candidatura própria é a do Rio Grande do Sul. Mas os gaúchos também devem - na falta de um candidato - refluir e apoiar provavelmente a candidatura do PSDB a presidente da República.

Por mais que o presidente do PMDB, Michel Temer, e auxiliares de Dilma contabilizem a grande maioria do PMDB em favor da ministra, no fundo o PT guarda cautelas em relação à confiança que a cúpula pemedebista exibe quando fala do apoio do partido à ministra. Em 2006, cerca de 15 mil pemedebistas chegaram a se mobilizar numa prévia que elegeu como candidato a presidente o ex-governador do Rio Anthony Garotinho. O tempo de televisão do partido acabou dividido entre as siglas porque o PMDB ficou sem candidato.

Uma conversa entre Temer e Quércia, na semana passada, foi recebida como um mau sinal no PT. Temer disse que fora firmada uma trégua em São Paulo, o que não mudaria o quadro pelo qual ele chegaria à convenção de junho com 15 dos 25 delegados paulistas. Isso em comum acordo com o ex-governador. Quércia disse ao Valor que não há trégua porque não há briga, e que ele realmente indicará Temer como delegado à convenção, "e talvez mais um ou dois deputados".

Recentemente, Quércia levou 62 dos 65 prefeitos paulistas do PMDB para uma reunião com José Serra, governador do Estado. Nas contas do pemedebista e do PSDB não havia nenhum "temista" entre eles.

Em favor de Dilma existe o fato de que a eleição de 2010 não será verticalizada, como a de 2006, o que permitirá ao PMDB se coligar nacionalmente com Dilma sem vestir uma camisa de força para compor suas alianças estaduais. Mas os conflitos com o PT têm sido a marca das discussões, até agora, além do fato de o próprio PT estar em processo interno de mudança de comando, o que em nada ajuda as negociações da ministra da Casa Civil.

O PT elegerá um novo presidente no dia 22. Será o ex-senador e ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra, um aliado político do governador de Sergipe, Marcelo Déda. O primeiro nordestino a comandar a sigla. Mas sua posse está prevista para fevereiro, e o atual presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), comanda as articulações estaduais e integra o restrito grupo que se reúne semanalmente para analisar a conjuntura política e programar a agenda de candidata da ministra Dilma.

Dutra acredita que o lugar é do PT, segundo confidenciou a amigos petistas. Mas nem Berzoini parece disposto a deixar o grupo nem interlocutores de Dilma apostam na mudança. Favorece Dutra o PT de São Paulo querer a substituição, pois a integração do sergipano daria um caráter institucional ao grupo, o que não ocorre no momento - Berzoini, para todos os efeitos, participa como deputado federal. Dutra não tem mandato legislativo.

Nos últimos dias voltou à pauta do PT a antecipação da posse do presidente a ser eleito no dia 22. Berzoini quer manter o calendário original, que prevê posse em 20 de fevereiro de 2010, mas pode ser forçado a mudar de ideia: está em curso uma articulação para que os presidentes dos diretórios regionais renunciem a seus cargos para permitir que os novos dirigentes sejam logo empossados. O movimento seria comandado por Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, e contaria com o apoio da seção paulista do PT.

Berzoini também perdeu apoio no PT por decisões equivocadas, como tomar partido em disputas regionais. Em Minas, por exemplo, ficou ao lado do ministro Patrus Ananias contra o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. Os dois disputam a hegemonia do partido no Estado e é dado como certo que a eleição dos novos dirigentes não encerra o embate - Ananias, se perder o Processo de Eleição Direta (PED) deve pedir prévia para a escolha do candidato do PT ao governo.

Minas é um dos Estados que a direção do PMDB considera prioritários para assegurar a aliança com o PT. Se a decisão fosse tomada hoje, é certo que o PT teria um candidato próprio ao governo estadual, provavelmente Pimentel. E o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), o campeão das pesquisas para o governo estadual, só teria chances numa composição para o Senado. No Rio o PED pode abrir ou fechar a porta da candidatura Lindberg Farias contra Sérgio Cabral (PMDB).

Luiz Carlos Bresser-Pereira:: O matuto e o "momento mágico"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Será que os brasileiros sabem dos prejuízos e dos perigos que correm em meio a tanto elogio? Será que Lula percebe?

O BRASIL "vive um momento mágico", o Brasil é "um ganhador", "chegou a hora do Brasil" -são essas as frases que hoje lemos na imprensa estrangeira, é dessa forma que nos veem os investidores estrangeiros. E o presidente Lula é visto como o grande herói dessa saga moderna -como o líder político que, sem se desvincular de seus compromissos com os pobres, dizem amavelmente os estrangeiros, revelou-se plenamente confiável para os ricos dentro e fora do país. Uma entrevista de página inteira de Lula no "Financial Times" e 14 páginas na "Economist" celebram esse clima favorável ao Brasil.

Qual será a atitude do presidente diante de tudo isso? Faço essa pergunta porque Lula, dotado de notável inteligência, tem a argúcia do matuto e por isso deve ficar desconfiado com tanto elogio.

Afinal, por que seria o Brasil "o melhor dos Brics", como não se cansam de afirmar os investidores estrangeiros não obstante nossa taxa de crescimento seja menor, e nossa economia, mais instável do que a dos outros três países? É verdade que ninguém é de ferro diante de elogios. E que um clima de euforia pode ajudá-lo a eleger seu sucessor. Mas Lula deve saber muito bem como é perigoso ouvir os bajuladores.

Mas serão bajuladores os países ricos, suas empresas multinacionais, seus políticos, seus jornalistas? Faz sentido pensar em tal palavra para caracterizar gente tão distinta?

Provavelmente não. Talvez seja implicância minha. Entretanto, um fato é concreto: o Brasil trata os investimentos estrangeiros de uma maneira muito diferente da usada pela China, ou pela Índia, ou pela Rússia. Não exigimos reciprocidade, somos, como eles nos dizem, "os mais acolhedores". Tão mais acolhedores que isso parece compensar para eles o fato de que nossa economia cresce muito menos do que a dos outros Brics.

Essa história dos Brics foi uma invenção engenhosa de um analista da Goldman Sachs, mas serviu para "lançar" o Brasil na arena internacional. Na verdade, são os dois Brics mais frágeis -o Brasil e a Rússia- que estão se aproveitando para se valorizar no plano internacional. Foi, aliás, a Rússia que hospedou a primeira reunião dos quatro países, na cidade de Yekaterinburg, em junho deste ano. Ao se identificar com o novo "título", a competente diplomacia brasileira logrou transferir para o Brasil uma qualidade que é dos outros três países. Assim, além de sermos um país grande em termos de território e de população e de termos uma renda média, passamos a ser vistos também como um país que cresce extraordinariamente.

Tomara isso fosse verdade. Mas não é. Como os três outros Brics, já saímos da crise, mas nosso crescimento continua menor. O mais grave, porém, é que não é um crescimento com estabilidade. A atual taxa de câmbio ajuda a combater a inflação, mas, além de prejudicar o crescimento, endivida o país e o torna sujeito a novas crises. O ministro Guido Mantega sabe disso e se preocupa; há cerca de um mês chegou a protestar contra tanto elogio. Percebe os riscos do ufanismo. Será que Lula também percebe? E -o que é mais importante- será que os brasileiros também estão se dando conta dos prejuízos que sofrem com acolhida tão boa aos interesses estrangeiros -inclusive por aceitarem essa taxa de câmbio? Será que sabem dos prejuízos e dos perigos que correm em meio a tanto elogio? Não estou seguro, mas penso que estão ficando cada vez mais desconfiados.

Afinal, nem sempre os brasileiros se deixam enganar. São também matutos e olham com o rabo dos olhos os "momentos mágicos".

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Gaudêncio Torquato:: O apagão e as oposições

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (15/11/2009)

"Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso." O apagão da última terça-feira, que deixou às escuras 18 Estados, cerca de 60 milhões de pessoas, e até o Paraguai, pode ser a tocha que tucanos e aliados, os democratas, aguardavam para reacender uma velha fogueira que já aqueceu embates eleitorais e se fez presente no pleito de 2002. Naquela época, Luiz Inácio, usando o apagão de 1999 e o racionamento de energia de 2001 como fuso para enrolar o fio do governo Fernando Henrique, vituperou contra a má qualidade da gestão energética. Atiçou o fogo. O custo do racionamento, de R$ 45,2 bilhões, acabou caindo no bolso dos contribuintes na forma de aumento das tarifas de energia. Agora, a ministra Dilma Rousseff, cuja estrela começou a brilhar a partir do momento em que, no primeiro governo Lula, comandou a área energética, poderá ver questionado o cerne de sua identidade, a capacidade gerencial. O "raio de Bauru" que caiu sobre a imagem do governo FHC ganhou, dessa forma, um correspondente na tempestade que teria desabado sobre o linhão de Itaipu, a alertar que fatalidade não escolhe parceiros e a confirmar que nosso sistema elétrico continua inseguro. Pouco adianta Lula dizer que o problema recente não se deveu à falta de geração de energia, como no passado.

Os episódios de ontem e de hoje denotam que fatores imponderáveis podem ocorrer a qualquer momento, mudando previsões. Antes, porém, de qualquer ilação sobre o futuro, uma observação emerge: as oposições também vivem um apagão. Falta-lhes discurso. Estão sem biruta. Não sabem por onde caminhar. O que pensam sobre os projetos do pré-sal em discussão? Mudarão os projetos do PAC, considerado um dos carros-chefe do governo Lula? O programa Bolsa-Família, que tanta polêmica provocou, será alterado? Que correções serão feitas? Afinal de contas, os eixos da política econômica - câmbio e juros -, responsáveis pelo controle da inflação, serão passíveis de mudança? O governador José Serra, o pré-candidato mais forte das oposições, manifesta-se contrário a essas duas vigas do governo Lula, não chegando a detalhar seu ponto de vista, até para evitar antecipação de polêmica. Se o discurso governista mobiliza as massas há um bom tempo e a mãe do PAC, ministra Dilma, passa a assumir a atitude de candidata, demonstrando espírito de luta, a inferência é inevitável: as oposições, silentes e perdidas, estão na última fila da retaguarda, posição desastrada para começar uma guerra.

O lulismo, é bom anotar, está na dianteira em tudo: ações, discurso, articulação e mobilização das massas. Onipresente, aqui e alhures, Luiz Inácio perambula por palcos sofisticados e canteiros de obras. Aprendeu a arte de jogar o tempo todo com a bola nos pés. Entra em campo, dribla o adversário, sabendo que a falta não será apitada pelo juiz, penetra na grande área, chuta e faz gols. Todos os dias. Com tempo de sobra, treina a jogadora Dilma, cujo domínio de jogo se aperfeiçoa, a ponto de substituir o atacante em jogo decisivo, como este da Copa Copenhague, em dezembro, quando as nações desenvolvidas participarão da discussão sobre o futuro climático da humanidade. A candidata se esforça para dominar todas as matérias, a partir da questão da sustentabilidade, a figurar na agenda eleitoral de 2010, até porque uma das estrelas da constelação será Marina Silva, militante da área. Da parte das oposições, os dois pré-candidatos tucanos - José Serra e Aécio Neves - têm sido débeis na construção de um escopo forte. Temem ser alvos de indignação das massas, diante da expressão que conote desejo de alterar o assistencialismo, ou não dispõem de um programa para o País.

Aécio defende a contenção das despesas públicas, sob pena de diminuir o fluxo de investimentos, ao que o lulismo retruca com o fato de que os governos mundiais aumentam gastos para retomar o nível de emprego e crescimento. De Serra, que até avançou na seara ambiental ao sancionar lei sobre mudanças climáticas, sabe-se pouco sobre um projeto estratégico para o País. Afinal, por onde trilharão as oposições? É inconcebível a falta de ideário. Até o mensalão tem nova versão:
Lula diz que se tratou de tentativa de golpe da oposição. Fernando Henrique tem ajudado a fazer a crítica. Mas os atores mais interessados não o acompanham. E assim o ciclo lulista vai abrindo seu guarda-chuva conservador. O Estado, que passou a ser fim, abriga interesses políticos e materiais. A retórica mudancista, que permeou a história do PT, é amaciada pelo cobertor assistencialista. A linguagem revolucionária está arquivada. A militância torna-se um exército de profissionais. Meios de cooptação, combatidos no passado, dão o tom da sigla. Até correntes refratárias ao conservadorismo passam a frequentar o Olimpo da nova elite.

Em matéria de sindicalismo, o País continua a desfraldar bolorentas bandeiras do peleguismo.
Basta anotar a posição do PT e das centrais sindicais a respeito da contribuição sindical obrigatória, extravagância que outrora combatiam. Quem se lembra de que a PEC 252, de maio de 2000, apresentada pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), propunha o fim desse instrumento? As relações de trabalho estão engessadas. O Estado paquidérmico esbalda-se de tanta gordura. Mas essa imagem negativa é escondida por programas que tapam todos os buracos da pirâmide social. Esse é o dilema das oposições. Se partirem para a desconstrução dos anéis que Lula usa para atrair as classes sociais, darão com os burros n"água. As ações, algumas de caráter populista, são eficientes. O cara é um craque. E, se organizarem uma expressão racional, com foco no aparelhamento do Estado, baterão na cabeça de núcleos muito restritos, que já têm opinião formada. Quanto mais demora na arrumação de um discurso convincente, mais o oposicionismo restringe suas chances.

Sua esperança é de que o apagão do governo Lula - e essa marca poderá causar dano, a depender de seus efeitos - acenda uma luz, livrando-o de seu próprio apagão, a pobreza de ideias.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

Celso Lafer:: Sobre a queda do Muro de Berlim

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (15/11/2009)

Há 20 anos, neste espaço, analisando a queda do Muro de Berlim, escrevi um artigo intitulado ... e o mundo mudou! O artigo estava voltado para realçar que o Muro era um símbolo da guerra fria e que esta caracterizou a dinâmica da vida internacional no pós-2ª Guerra Mundial e impactou globalmente as concepções sobre os modos de organizar as sociedades. Por isso a sua queda antecipava uma mudança do paradigma de funcionamento do sistema internacional.

O artigo apontava que, subjacente à constituição formal da ordem internacional, da qual o grande texto era e é a Carta da ONU, existia uma constituição material. O Muro de Berlim, que separava a Europa Ocidental da Oriental, era um dos grandes símbolos dessa constituição material, vale dizer, da efetividade das forças configuradoras da operação do sistema internacional.

A constituição material da guerra fria é explicável pelas relações de conflito e cooperação entre duas superpotências, os EUA e a União Soviética (URSS). Estas, na era nuclear, passaram a ter um papel decisivo na definição, em escala planetária, das possibilidades de paz e dos riscos da guerra - a situação-limite da vida internacional. A razão estratégica desse período era comandada pelo equilíbrio do terror da dissuasão nuclear.

Neste contexto vicejou, na interação Leste-Oeste, o empenho competitivo na obtenção da primazia, por meios distintos, de uma abrangente ação militar, pois esta poria em risco, em função do poder destrutivo das armas nucleares, a própria sobrevivência da humanidade. Daí a batalha ideológica, alianças militares como a OTAN e o Pacto de Varsóvia, guerras regionalmente localizadas, como a da Coreia e a do Vietnã, e a dinâmica que permeou o processo de descolonização da África e da Ásia.

Nesse cenário, a relativa estabilidade do equilíbrio do terror foi consolidando interdependências econômicas, abriu caminho para uma renovada presença da Alemanha Ocidental e do Japão no mundo (os derrotados da 2ª Guerra Mundial) e permitiu a inovadora criação do Mercado Comum Europeu.

A relativa estabilidade da guerra fria e sua dinâmica ensejaram a inclusão, na constituição material, da polaridade Norte-Sul, que se agregou à polaridade Leste-Oeste. A polaridade Norte-Sul, fruto das desigualdades da estratificação internacional, foi-se afirmando, como um ativo terceiro diplomático, nas brechas da polaridade Leste-Oeste. O terceiro-mundismo levou, nos ano 50, ao Movimento dos Não-Alinhados e, nos anos 60, no campo econômico, ao Grupo dos 77, direcionados para uma afirmação de um papel próprio para os países subdesenvolvidos na vida internacional.

A queda do Muro de Berlim foi uma indicação de que estavam mudando os padrões de funcionamento da vida mundial. Tinha, por isso, a natureza de um histórico evento inaugural. Sinalizava não só a desagregação como os desastres da utopia política, que a Revolução Russa emblematizou. Permitiu a reunificação da Alemanha, mas deixou pendente a divisão da Coreia.

Antecipou a decomposição da URSS e do edifício interestatal do Leste Europeu através do qual se articulava o poderio político e econômico do grande polo do "socialismo real". Prenunciou o fim do comunismo como movimento global. Abriu espaço para a primazia política e econômica dos EUA, que deixou de ter a instigação para mudanças sociais do capitalismo que a presença da URSS no mundo propiciava.

A Rio-92, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, explicitou diplomaticamente o fim da lógica das polaridades definidas. Nela prevaleceu um horizonte de cooperação no trato de um tema global que, sem desconhecer a existência dos conflitos de interesses e de posições, não se caracterizou pelo confronto de concepções sobre a ordem mundial na linha da prévia constituição material da guerra fria. A Rio-92 emblematizou as expectativas da década de 90 sobre as possibilidades da construção de uma ordem mundial mais pacífica, menos tensa e mais apta a dirimir controvérsias por meio da diplomacia e do Direito. Essas expectativas não se materializaram no século 21, como assinalaram a ação terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os EUA e seus desdobramentos na vida internacional.

O cenário contemporâneo, 20 anos após a queda do Muro, explicita uma nova geografia diplomática, inequivocamente distinta da guerra fria. Abriu espaço para uma maior multipolaridade, da qual o G-20, com a sua geometria variável, é uma expressão. Consagrou a China como um novo ator global. Criou novas oportunidades para a atuação da Índia e do Brasil e vem levando a uma redefinição do papel internacional da Rússia.

É, no entanto, um cenário de tensões difusas e sem o foco de uma clara constituição material, pois o mundo vem operando pela ação simultânea e contraditória das forças centrípetas da globalização e pelas forças centrífugas da lógica da fragmentação. Por isso não há unidade no trato da complexidade da agenda internacional. Esta hoje passa 1) pela intensidade das políticas de reconhecimento e identidade; 2) pelas ambições normativas presentes na sociedade internacional, de que a pauta dos direitos humanos é um exemplo; 3) pela violência transnacional e pelos conflitos bélicos interestatais, que não transitam por uma visão compartilhada de segurança coletiva; 4) pelos desafios da governança de uma economia globalizada num mundo caracterizado pela desigualdade e pelos riscos; 5) pelo alcance planetário do desafio ecológico; e 6) pelas especificidades próprias das regiões (por exemplo, Ásia, Oriente Médio, América Latina) e, consequentemente, do papel do regionalismo na arquitetura da ordem política global. É neste contexto hobbesiano de tensões de hegemonia e de equilíbrio que se move a política externa brasileira. Nela não cabe a entusiasmada subjetividade da ilusão triunfalista.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

ENTREVISTA: Fernando H. Cardoso Ex presidente de Brasil

DEU NO JORNAL EL PAIS /ESPANHA

"La economía ya está globalizada. Ahora hay que globalizar la política"

José Manuel Calvo 15/11/2009

Quién es Fernando Henrique Cardoso? "El hombre que puso a funcionar a Brasil". Así define Enrique Iglesias, secretario general iberoamericano, a este líder global, pieza clave en el despegue político y económico de su país. El milagro Cardoso fue domar la hiperinflación con el Plan Real cuando era ministro de Hacienda. El éxito del plan llevó -por accidente, según él mismo- al sociólogo e intelectual a la presidencia del país, entre 1995 y 2003.

"Habrá cambios en el sistema, pero cuando venga otro ciclo de expansión, ocurrirán cosas muy parecidas"

"Me preocupa no saber quién es el Obama europeo. Es necesaria gente como Tony Blair, como Felipe González..."

"El peso de la justicia tenía que haber caído con más fuerza sobre los ejecutivos de los bancos de EE UU que fallaron"


Aunque Cardoso (Río de Janeiro, 1931) acaba de estar en la Conferencia Anual del Club de Madrid, del que es miembro, esta conversación tuvo lugar el 14 de septiembre en São Paulo, en el instituto que lleva su nombre.

Pregunta. Se cumple un año de la quiebra de Lehman Brothers, del desplome de más de 500 puntos en el Dow Jones. Parecía que todo se venía abajo, pero un año después...

Respuesta. ... un año después parece que ya no.

P. ¿Por qué? Qué pasó?

R. Lo que pasó fue una acción muy eficaz de los bancos centrales, lo contrario de lo que ocurrió en el 29. Los bancos pusieron más plata en circulación, intervinieron, y aunque al principio la gente se asustó, porque era un platal, la verdad es que funcionó, frenó la sensación de colapso, porque el problema no era de falta de recursos, sino de falta de confianza en que se iba a salir a flote. Y salimos a flote. Ha habido y habrá costes, porque las deudas son brutales, pero se salió.

P. Se cometieron errores en los que ya se había caído antes...

R. Siempre es así. La gente quiere ganar más, está en la naturaleza humana y en el sistema capitalista.

P. Eso es lo que ha dicho Greenspan.

R. Claro, porque es verdad, y también para disculparse...

P. ¿El sistema es ahora más flexible?

R. Quizá sí, porque la globalización evita lo que pasó en el 29, el proteccionismo. Ahora es más difícil, a pesar de las tentaciones, caer en el proteccionismo. Y lo que decía: la coordinación entre bancos centrales. Y coordinación política.

P. ¿Estuvieron a la altura los líderes?

R. No han estado mal. No todos, pero algunos estuvieron bien. Gordon Brown lo hizo bien, a pesar de las críticas que recibió. Estados Unidos ha sido muy indulgente con los bancos que fallaron. El peso de la justicia tenía que haber caído con más fuerza sobre los ejecutivos. Si eso no ocurre, es malo, porque la gente se desmoraliza.

P. ¿De qué nos habíamos olvidado?

R. Nos olvidamos continuamente de que el sistema es cíclico. El mecanismo es siempre igual y nos olvidamos de cómo funciona. Lo nuevo ha sido la globalización, los flujos financieros globales. Hubo quien dijo que la crisis iba a revolucionar el sistema. Yo no lo creo. Habrá cambios, ojalá los haya; más prudencia, más responsabilidad, instituciones que regulen... Pero cuando venga otro ciclo de expansión, ocurrirán cosas muy parecidas.

P. Entonces, ¿qué debemos recordar?

R. Que no hay seguridad en el sistema financiero. Hay riesgo, y eso lleva a veces al desastre. Pero tampoco se pueden poner reglas que frenen demasiado la dinámica del sistema. De alguna manera, la especulación es parte intrínseca; la gente dice: ahí hay plata, eso rinde... Esto no quiere decir que no haga falta más prudencia, más instituciones... El papel de los bancos centrales es ése. Lo que pasa es que todavía no hay un banco central de bancos centrales. Y el mundo está globalizado, los flujos afectan a todos los países.

P. ¿No se trata, entonces, de cambiar el sistema?

R. Es difícil poner en pie un nuevo sistema. Se trata de tener nuevas reglas y de una nueva distribución de poder global.

El café acaba de llegar. Cardoso lo necesita, acaba de venir de un largo viaje por Asia. Resuenan las campanadas de las seis de la tarde en su amplio despacho desde el que se ven árboles espléndidos y tristes edificios. "Éste es el centro antiguo de São Paulo, un poco venido a menos, un poco deteriorado. Levi Strauss dijo una vez algo cruel, pero verdadero: que las ciudades en las Américas entran en decadencia sin haber llegado jamás al auge".

P. ¿Dónde están los pensadores que tienen que reflexionar en épocas de crisis?

R. En casa. Y hacen falta intelectuales con brío, gente que piense en grande y dialogue con la sociedad. Los que hay son negativistas, tienen el faro puesto hacia atrás. Hay que mirar hacia delante, aceptar que la globalización está ahí, que Internet está ahí, que hay nuevas formas de producción, de comunicación. No podemos caer en utopías regresivas: "queremos volver al precapitalismo". ¡No! Es indudable también -la crisis lo demostró- que el mercado, si no hay reglas, se descontrola. Y no le corresponde al mercado resolver los problemas de la gente. El mercado resuelve los problemas de la producción. La gente quiere Gobiernos, acción pública. El problema es que hace falta una visión humanista que no sea incompatible con la globalización. Y hay un gran vacío. Los ultraliberales piensan que no hace falta nada, que el mercado se encarga de todo, y los que se dicen de izquierdas piensan que hay que cambiar la globalización, buscar otro modo de producción... No, hay que democratizar las instituciones globales y preocuparse por la condición de vida de las personas.

P. Las grandes crisis, dice el cliché, crean oportunidades para el cambio.

R. Quizá esta crisis produzca una aceleración de la conciencia de que hay que hacer algo. Pero eso depende del liderazgo, del liderazgo con visión. Ha habido cambios positivos, como la elección de Obama. Sería necesaria una visión americana a lo Roosevelt por parte de Obama. La visión de Roosevelt fue muy amplia, a veces ingenua, pero es bueno que un líder tenga una visión amplia y generosa como la que él tuvo en EE UU antes de la guerra, y luego para Europa durante la guerra. Hace falta también que China asuma sus responsabilidades; tiene una visión muy hacia dentro, hace falta que la cambie. Y es necesario que Europa asuma una posición protagonista; hay un enorme déficit de presencia europea.

P. ¿Y dónde hablan todos ellos? ¿Sirve Naciones Unidas para coordinar?

R. La ONU se organizó para los países que salieron victoriosos de la guerra. Ahora... si funcionara, no haría falta el G-20. Cumple misiones importantes, se ha renovado, tiene conciencia ecológica, ha creado los indicadores de desarrollo social... Como agencia transformadora, hace un gran trabajo. Pero sus mecanismos no le permiten tener agilidad para ser un directorio mundial. El G-20 es más ágil, pero para tener influencia debería institucionalizarse. Si no, se hace una foto y aprueba recomendaciones que no se cumplen. En el fondo, lo nuevo es que hay 20 países con capacidad de jugar el juego global. La economía ya está globalizada; la política, no. Y hay que globalizarla. Lo cual no significa crear un gobierno universal, una moneda única... no, hay que coordinar. Hay que crear mecanismos de coordinación.

P. Otra reflexión global que propone es legalizar ciertas drogas para acabar con el narcotráfico. ¿Cree que avanza este debate que otros líderes también apoyan?

R. Relativamente. Hay iniciativas en Argentina, México, aquí en Brasil... En Portugal, en Inglaterra se discute también... No es sólo sensato tratar al usuario como a un enfermo, no como un criminal; se trata de combatir el tráfico, de concertar los recursos de la policía para luchar contra el delito, no el uso. Hay que tener una política más sutil y concertar mejor los recursos contra el narcotráfico, el crimen y la corrupción que conlleva. Lo preocupante para mí es la droga dura y el crimen a su alrededor, que se ha globalizado. Ya no hay mafia tradicional, con su boss y sus lealtades. Ahora es Al Qaeda, las células en red que usan Internet, que tienen submarinos... algo que requiere jurisdicción universal y, sobre todo, que requiere pensar globalmente. O pensamos así, globalmente, o no pensamos. Los problemas son de todos, de la humanidad. Los Estados son nacionales; alguien tiene que ocuparse de la humanidad, y hace falta articular eso globalmente.

P. Acaba de mencionar a Obama. ¿Qué es lo que hay que pedirle?

R. Lo que se le pide a cualquier líder: hacer realidad lo prometido. Él está muy empeñado en sacar adelante la reforma sanitaria. Si lo logra, chapeau. Obama ha traído un estilo nuevo; lo que hace no es improvisado y usa los métodos modernos -de imagen y comunicación- para extender su mensaje. Pero habrá un momento en el que tendrá que cumplir, porque la opinión pública no es paciente, aunque él no haya creado la crisis económica, ni Irak ni Afganistán...

P. ¿Y qué hay de otros liderazgos?

R. Me preocupa no saber quién es el Obama europeo... Mire Tony Blair: a pesar de su error en Irak, si fuera presidente de la UE, Europa tendría más peso. Hace falta alguien como él, alguien como Felipe González... Como en el horizonte no hay guerras globales, parece que eso disminuye la estatura del liderazgo. No hay grandes desafíos militares, los retos son económicos y sociales. La historia agranda al líder cuando lo coloca frente al desafío. Ahora los retos son de otra naturaleza, son más de proceso que de acto. No sé si es más difícil, pero es distinto, menos visible.

P. ¿Y en Latinoamérica? ¿Cómo ve la brecha política entre países andinos y el resto, aunque sea mucho generalizar? ¿La diferencia entre populistas y socialdemócratas o liberales?

R. Los populistas históricos, como Perón en Argentina o Vargas en Brasil... Perón era un demagogo, Vargas era un aristócrata, siempre con su corbata, su puro, su sombrero; pero ambos tenían en común el objetivo de una inclusión social fuerte de los trabajadores. Los dos vivieron momentos de expansión con empleo, lo que les dio su base de popularidad, y con leyes sociales.

Ése era el populismo. Hoy se le llama populista a Chávez. En cierto sentido, sí, es un líder que tiene fuerza carismática, que habla... Pero Chávez, ¿qué hace? ¿Está realmente expandiendo el sistema de empleo? Tengo mis dudas. ¿Está haciendo inclusión o hace otra cosa? Lo que hace es una transferencia de rentas del petróleo que pasan del Gobierno a la gente, una especie de asistencialismo. Y defiende una ideología antiglobalizadora y estatista. El otro modelo, el socialdemócrata a la americana, es el de Chile, Uruguay, Brasil... ¿qué diferencia hay entre mi Gobierno y el de Lula en el modelo económico? Muy poca: es básicamente socialdemócrata, es decir, respeto al mercado, sabiendo que el mercado no es todo, y políticas sociales eficaces. Todos hemos aprendido a hacer políticas sociales, Chile aprendió, México aprendió, Brasil aprendió, Uruguay ya las tenía... Eso mejoró la situación. La socialdemocracia no es antiglobalizadora; el populismo de ahora, sí. La socialdemocracia tiene políticas sociales; en los países andinos hay políticas de asistencia directa.

P. Usted tuvo buenas relaciones con Hugo Chávez, aunque ahora le preocupe...

R. Yo creo que Chávez tiene una audacia que jamás tuvo ningún líder latinoamericano. Ni siquiera Fidel.

P. ¿En qué la basa?

R. Punto uno: en que el mundo ya no está dividido en dos lados y nadie le hace mucho caso, ni los norteamericanos. Punto dos: tiene plata, por el petróleo; y punto tres, en él mismo, que tiene una base de gente que le apoya y cree en sus posiciones.

P. ¿Cómo acabará ese cóctel si se agita?

R. Puede acabar mal. No creo que llegue al punto de la violencia, pero... vamos a ver qué pasa con los precios del petróleo. Ahora bien, Chávez existe porque la clase dirigente venezolana fracasó. Por la corrupción, por no mirar a las masas... Chávez sí miró, y ése es su mérito, retóricas aparte, y descubrió un sentido de dignidad que nadie debe despreciar, el mismo que ha descubierto Morales con los indígenas... Es una visión de una utopía regresiva, pero hay que matizar las críticas. Hay gente que me dice que no critico a Chávez porque me llevo bien personalmente con él, y es verdad, cuando fuimos presidentes al mismo tiempo, aunque no era este Chávez. Y yo tenía más capacidad de conversar con él y de tranquilizarle. Pero no es sólo por razones personales, es que hay que entender el proceso venezolano, el fracaso de la élite; y la oposición a Chávez fue muy mala, intentó un golpe de Estado y ya no se repuso... Ahora él está yendo muy lejos en su represión a los medios, en la universidad... y eso le saca del tapiz: no tiene excusas para este tipo de cosas. ¿Y por qué armarse tanto? No tiene sentido. Esta carrera de armas es una provocación.

P. Michael Reid dice en su libro El continente olvidado que es cautamente optimista sobre Latinoamérica, que el progreso empieza a tomar ventaja...

R. Yo lo comparto. Mire a Brasil, a Chile, a Colombia, a Argentina, a México.... Yo también soy un cauto optimista. De una manera o de otra, la deuda externa ya no es un problema, la inflación ya no es un problema. Hemos aprendido a desarrollar políticas sociales. La democracia es un valor; hay a veces abusos, presiones, clientelismo... pero hay un avance general.

P. En esta Latinoamérica, y en Brasil en concreto, ¿cómo se ve a España?

R. Como un socio importante. España tiene presencia, está al frente de las inversiones europeas en Brasil y tiene posiciones estratégicas en telecomunicaciones, en banca. El único banco extranjero fuerte aquí es el Santander. Estados Unidos tiene más presencia cuantitativa, pero el crecimiento del papel de España es enorme. Ahora no sé si tendrá gas para entrar en nuevos campos de actividad, con esa crisis doméstica tan fuerte y esa salida lenta de la crisis que se pronostica...

Fernando Henrique Cardoso recibe una llamada telefónica en el móvil. Es su hijo mayor, Paulo Henrique (tiene además dos hijas; enviudó el año pasado), que quiere saber cómo está después de su viaje a Asia - "bien, estoy tranquilo"- y qué hace -"aquí, dando una entrevista a EL PAÍS"-.
Corta rápido, con promesa implícita de reanudar enseguida la conversación -"muy bien, después me das los detalles, hasta luego".

El café se ha quedado frío; fuera ya está oscuro. Llega el turno de la política brasileña, de la presidencia de Lula -al que derrotó dos veces, en 1994 y en 1998-, de las elecciones del próximo año... Cardoso prefiere el off the record para hablar de lo que le complica a veces a Lula las conexiones de su partido con Chávez; de la necesidad de que Brasil asuma el liderazgo regional y global que le corresponde "aunque haya que tomar decisiones antipáticas"; de las posibilidades que tiene en las elecciones de octubre de 2010 el candidato de su partido, José Serra -"si se celebraran hoy, ganaría sin duda"-, y de las dificultades de la candidata de Lula, Dilma Rousseff, para tener la misma capacidad de mediación que tiene Lula entre las distintas corrientes del partido.

Por lo pronto, añade, le está costando mucho despegar en los sondeos: "Lleva ya tiempo en campaña, pero no tiene gas, y le complica la candidatura de Marina Silva, que es una mujer ecologista interesante".

A Cardoso, siempre en clave de política brasileña, le preocupa que se ralentice el proceso de reformas de los últimos años y cree que es especialmente importante -y difícil, por el corporativismo sindical- la reforma laboral. "La economía va bien; las instituciones, no tanto".

En todo caso, asegura que no se va a implicar en el día a día de la larga campaña que desembocará en las presidenciales de octubre de 2010. "Fui presidente, no soy candidato a nada.
Mi papel es otro; trato de buscar convergencias".