quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Reflexão do dia – Caetano Veloso

“Eu não me incomodo, por exemplo, que esteja todo mundo me xingando porque eu disse que Lula fala como um analfabeto, como se fosse uma novidade. Não me incomodo que um monte de gente esteja me xingando, porque eu não quero a aprovação de todo mundo. Eu acho que querer a aprovação de todo mundo é péssimo. Isso é um problema. Eu acho ruim, no Brasil hoje, ninguém poder dizer nenhuma palavra que pareça ser antipática, crítica ou hostil a Lula. Por que não pode? É muito ruim, isso. Isso é um projeto que aconteceu na União Soviética, com Stálin, na China, com Mao Tsé-Tung, acontece ainda em Cuba, com Fidel. Não se pode dizer, só se pode adular o líder. Isso para mim é o que há de pior.”


(Caetano Veloso, em entrevista, hoje, em O Globo)

Merval Pereira:: Ganância divisionista

DEU EM O GLOBO

O que está se vendo na Câmara é consequência da ganância estimulada pelo governo sobre a exploração do petróleo no pré-sal, operação que pode gerar potencialmente uma riqueza futura que já está sendo disputada no presente, criando uma desavença federativa. A centralização da operação e de seus dividendos nas mãos do governo federal, com a mudança do sistema de concessão para o de partilha, fez com que os estados produtores perdessem arrecadação com o fim das participações especiais e a redução dos royalties.

Da mesma maneira, a tentativa de mudar a regra do jogo comandada pela bancada nordestina na Câmara, recolocando em discussão a distribuição dos royalties dos cerca de 30% do pré-sal que já foram licitados pelo sistema anterior cria, além de uma insegurança jurídica, um problema concreto para os estados produtores, que já têm a previsão de gastos dessa arrecadação.

O pagamento de royalties foi incluído na Constituição de 1988 como maneira de compensar estados e municípios impactados pela produção de petróleo, para que esse dinheiro possa ajudá-los a prepararem seu futuro, quando o petróleo acabar.

Houve também uma razão adicional: não foi possível cobrar o ICMS do petróleo na origem, como era a proposta da comissão presidida pelo atual governador de São Paulo, José Serra, e da qual fazia parte o hoje senador pelo Rio Francisco Dornelles, porque a maioria dos estados, importadores de petróleo e derivados e de energia elétrica, perderia, por ter de pagar o ICMS que não pagava antes.

O secretário do governo do Rio Julio Bueno tem um estudo, que foi mostrado na primeira reunião sobre o pré-sal no Palácio da Alvorada, que demonstra que o Rio de Janeiro perde anualmente R$8,6 bilhões porque o Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS) é cobrado no local de consumo, prejudicando os estados produtores de petróleo.

A desavença federativa sobre a divisão dos dividendos do petróleo nas novas áreas do pré-sal ressuscitou até mesmo uma discussão que parecia encerrada, sobre os critérios utilizados para definir que estados têm direito aos royalties e participações especiais.

Logo no início desse processo, quando as primeiras notícias sobre o descobrimento da camada do pré-sal mostravam que o potencial era suficiente para transformar o Brasil em exportador de petróleo, houve quem defendesse a mudança dos critérios utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para definir a participação de cada estado na divisão.

Esses critérios já haviam sido confirmados até mesmo no Supremo Tribunal Federal, mas na discussão atual o tema ressurgiu, com deputados defendendo até mesmo a tese de que o Estado do Rio de Janeiro não produz petróleo, que está no alto-mar e portanto em águas federais, a mais de cem quilômetros da costa, o mesmo acontecendo nas áreas da camada do pré-sal.

Por esse critério, o resultado dessa exploração deveria ficar integralmente com o governo federal, que deveria distribuir os lucros igualmente por todos os estados, sem privilegiar os "estados produtores".

A mudança para o sistema de partilha já concentrou os lucros da exploração do petróleo do pré-sal no governo federal, que reterá 80%. O que está em jogo não é pouca coisa para os estados produtores, especialmente o Rio de Janeiro, que produz 85% do petróleo brasileiro e fica com 45% do total das participações governamentais, que envolvem os royalties e as participações especiais.

Pelos dados oficiais da Agência Nacional do Petróleo (ANP), essa participação do Rio é de 80%, mas trata-se de uma visão contábil da questão, pois a participação do governo federal de 39% fica de fora nessa conta.

Os municípios fluminenses podem ficar com até 75% do total destinado a todos os municípios. Para se ter uma ideia da importância econômica dos royalties para o Estado do Rio, apenas 11 prefeituras ficam com 60,5% do total distribuído aos municípios.

Esta receita pode simplesmente dobrar apenas com a entrada em produção do novo campo de Tupi, se ele confirmar seu potencial. Mudar as regras já acordadas é evidentemente uma violência que não terá apoio institucional no Congresso, e o próprio presidente da República já sinalizou que não permitirá esse tipo de alteração.

Mas seria boa oportunidade esta para abrir uma outra discussão, a do uso do dinheiro dos royalties e participações especiais. Há estudos que demonstram que estados e municípios não investem em alternativas econômicas que substituam a riqueza da exploração de recursos que não são eternos.

Temos nos estados produtores exemplos da "maldição do petróleo", que prejudica os países produtores, como os do Oriente Médio, que não se preocupam em usar os lucros do petróleo, que são finitos no tempo, para melhorar as condições de vida da população.

O clientelismo que marca a política no Estado do Rio faz com que os recursos dos royalties não sejam investidos num futuro melhor para os municípios beneficiados, mas desperdiçados pelas prefeituras.

Pesquisa da Universidade Candido Mendes e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos, já citada aqui na coluna, mostra que, em vez de obras de infraestrutura ou de preservação do meio ambiente, ou ainda em saúde e educação, a grande maioria das prefeituras destina os recursos da exploração do pré-sal ao custeio da máquina pública.

Mesmo agora, um dos argumentos contra a quebra de contrato é que a verba dos campos do pré-sal já licitadas estão comprometidas com o pagamento do funcionalismo.

Seria a hora de amarrar melhor esses recursos, destinando-os para gastos preferencialmente com saúde e educação.

Dora Kramer:: Em total sintonia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O resultado da eleição da direção nacional do PT era o ponto final que faltava no desmentido de uma tese tão difundida quanto inconsistente: o distanciamento crescente entre o presidente Luiz Inácio da Silva e seu partido.

No auge do sucesso de tal crença chegou-se a especular a respeito da saída de Lula do PT, algo totalmente sem sentido em se tratando de organismos interdependentes.

Lula é a alavanca do PT, mas o PT é o instrumento de Lula para fazer política, pelo menos enquanto a atividade for exercida por meio de partidos.

Estão juntos até quando parecem estar separados.

O PT só pode se dar a luxo de seguir a vida depois do escandaloso abalo de 2005 sem passar por um processo qualquer, mesmo leve, de troca de pessoas e procedimentos porque é o partido do presidente da República que a ele conferiu sustentação moral e política pela força do cargo e da popularidade.

Em contrapartida, prestou-lhe e continua prestando total obediência. Do ponto de vista exclusivamente pragmático, sem entrar em considerações de natureza ética, um "case" de excepcional competência em matéria de disciplina e resultados.

Não há nada igual entre os partidos brasileiros. O PT é a única agremiação a promover eleições diretas para a direção nacional e as seções regionais; é o partido com maior identificação popular, desde antes de chegar ao poder; exibe vida partidária rica, menos do que quando era oposição, mas muito mais que qualquer um dos outros; convive com divergências internas sem implodir seus projetos nacionais e, ainda assim, tem comando e objetivos nítidos.

Já foi mudar o Brasil e hoje é continuar mandando no Brasil. Goste-se ou não, trata-se de um partido com nitidez e transparência de propósitos, não obstante a obscuridade dos métodos. Reprovados por uns, aceitos pela maioria, nem por isso aceitáveis por unanimidade.

A eleição em primeiro turno do ex-senador e ex-presidente da Petrobrás José Eduardo Dutra para a presidência do partido mostra quem manda, como de resto já ficara sobejamente demonstrado na unção de Dilma Rousseff na condição de testa de ferro do chefe na primeira eleição sem o nome de Lula na cédula ou na tela da urna eletrônica.

A volta risonha e franca dos mensaleiros, a retomada de José Dirceu na linha de frente, tudo isso só acontece porque é Lula o fiador. Um avalista que, quando quer e lhe é conveniente, sabe reconhecer os seus limites.

Por exemplo, deixando prosperar em estratos médios do partido a tese do terceiro mandato até o momento de se render às evidências e ordenar o recolhimento geral das bandeiras e sua substituição pela causa oposta.

A proposta chegou ao Congresso por intermédio de um deputado da base aliada e foi morta na Comissão de Constituição e Justiça por um relatório de afirmação democrática da autoria do petista José Genoino.

Outro exemplo: a candidatura de Antonio Palocci ao governo de São Paulo. Lula queria, mas as pesquisas qualitativas mostravam que não passaria pelo controle de qualidade do paulista. Mudou os planos radicalmente e foi buscar Ciro Gomes no Ceará. O partido abomina a ideia, mas aceitará se assim tiver de ser feito para a felicidade da nação petista, cuja fonte de energia é Lula quem alimenta.

Mesmo quando ameaça enquadrar o partido nos Estados e pedir que seus correligionários abram mão de seus palanques, Lula faz que vai, mas não vai.

Prova é que agora mesmo o presidente anunciou que prefere a negociação à imposição. O PMDB percebeu há tempos que aquela promessa de fazer o PT desistir de concorrer onde fosse importante o palanque exclusivo para o aliado era só uma componente no jogo da sedução.

O presidente jamais investiria no esvaziamento de seu partido, se esse fosse o preço da aliança. Por isso o PMDB se apressou e apresentou em outubro a outra fatura para assegurar a vaga de vice na chapa presidencial, entendendo que em primeiro lugar estará sempre o PT.

Esquisito é o governo patrocinar a tese oposta.

Francamente

O governador Aécio Neves escreve para explicar sua posição diante de pesquisas que medem a aceitação de chapa presidencial em composição com o governador José Serra.

"Minha sincera irritação com a pesquisa atribuída ao PSDB se deu unicamente pela divulgação parcial da mesma. A pesquisa de ontem (segunda-feira), ao contrário, considerou diversos cenários, todos eles tornados públicos. A meu ver, a visão do conjunto nos fornece informações importantes para a compreensão do atual quadro político."

Mineiramente, Aécio fala em pesquisa "atribuída" ao PSDB, evita adiantar se esse tipo de consulta tem ou terá influência sobre sua posição e não detalha os citados "diversos cenários", mas certamente se refere aos 31% de aceitação a uma chapa Aécio-Serra. A formação Serra-Aécio recebeu quase o mesmo, 35%.

Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O resultado da última pesquisa CNT-Sensus, divulgada na segunda-feira, reflete em números uma realidade que já estava presente há pelo menos dois meses nas análises e nos debates internos dos partidos de oposição. Essas análises justificaram as pressões de parcelas do PSDB, do DEM e do PPS sobre o candidato tucano com mais votos nas pesquisas, José Serra, para que ele decida até o final do ano se será o candidato a presidente da República pela coligação. As informações de dentro do bloco oposicionista já apontavam a tendência registrada na pesquisa CNT-Sensus trazida a público essa semana, cujos dados foram coletados entre 16 e 20 de novembro.

Moveram as pressões sobre Serra: o fato de os índices de intenção de voto em Dilma Rousseff, a candidata do presidente Lula e do PT, estarem subindo devagar, mas sustentadamente; a lenta e constante queda de Serra nas pesquisas de intenção de voto; a constatação de que a candidatura de Ciro Gomes (PSB) produziu, sim, estrago nas intenções de voto à oposição, em especial se o candidato for o governador de São Paulo; a percepção de que Dilma saiu de uma posição de fragilidade, logo após um traumático tratamento de saúde - durante o qual manteve pouca exposição pública e índices quase declinantes de intenções de voto - para outro, em que assumiu a sua posição de candidata e se manteve ao lado de Lula, caracterizando-se como aquela a quem os simpatizantes do presidente devem transferir o voto.

Uma ala do PSDB menos ligada a Serra e o DEM estão contrariados, mas de qualquer forma interessados em que a candidatura de oposição se resolva logo, equacione seus problemas originais e consiga retomar o Palácio do Planalto com a sustentação da mesma aliança que deu a vitória ao presidente Fernando Henrique Cardoso em duas eleições. Mas os dois grupos se ressentem de que a ausência, no cenário político, de uma candidatura efetiva da oposição tem dificultado até as tentativas regionais de articulação para subtrair apoios do PMDB, que será o principal aliado do PT nas eleições do ano que vem. O PMDB, como é tradição em todas as eleições, tem potencial de ir rachado para o palanque de Dilma. Se rachar muito, o apoio a Dilma pode ser derrubado na convenção e ela não terá o tempo de propaganda eleitoral gratuita do PMDB. Se rachar pouco, isso pode, ainda assim, subtrair votos da candidata governista. A ausência de um nome em favor do qual a negociação de traição possa acontecer, todavia, dificulta bem as coisas. O PT e seus aliados, pelo fato de terem uma candidata já definida e um grau reduzido de divisão, anteciparam-se também na articulação de alianças. Têm alguns palmos de vantagem em relação à oposição nesse particular.

Outros dados devem ser agregados a esses que mobilizam as pressões de Serra pelos seus aliados. A postulação de dois candidatos do PSDB e a concentração da decisão em apenas um deles pode produzir as mesmas fissuras das eleições passadas. Em 2006, a decisão de candidatura do PSDB ficou concentrada em Fernando Henrique, José Serra, Tasso Jereissatti e Aécio Neves. José Serra foi o escolhido, não quis correr riscos, abriu espaço para a postulação de Geraldo Alckmin e as principais lideranças praticamente abandonaram o candidato no meio do processo eleitoral. Não foi uma solução de unidade. Agora, com dois candidatos - Aécio Neves e José Serra -, a decisão se afunilou mais ainda: está nas mãos de Serra. Uma única pessoa deve decidir o rumo que grande parte da oposição vai tomar, com chances de não querer correr nenhum risco e decidir abrir espaço para Aécio Neves, mas entregar o partido rachado para seu adversário interno. Na hipótese de resolver ser candidato, Serra também pode não levar os votos dados a Aécio no segundo colégio eleitoral do país, Minas Gerais. Nenhuma das opções, pelo fato de a decisão se afunilar novamente, garante a unidade partidária - embora os demais partidos de oposição não tenham outra opção a não ser a de apoiar qualquer um dos dois pré-candidatos tucanos.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Eliane Cantanhêde:: Vai mal a coisa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

As relações do Brasil com o Irã vão de vento em popa, mas não se pode dizer o mesmo das relações do Brasil com os EUA.

Depois de o chanceler Amorim dizer à Folha que há "uma frustração" com os EUA e cobrar "maior franqueza" do governo Barack Obama, agora é o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, quem manifesta "decepção".

No meio disso, a carta de Obama para Lula soa como inventário dos pontos de discórdia. Alguns são antigos, como o fracasso da Rodada de Doha, a derradeira sacada brasileira na área de comércio, depois do enterro da Alca e do aborto de acordos bilaterais com os EUA.

Outros são bem mais recentes, como a saída para a crise de Honduras. O Brasil lidera o movimento para rejeitar o presidente eleito no próximo domingo, sem que Manuel Zelaya seja reconduzido antes. Já os EUA têm apoio de velhos aliados incondicionais, como a Colômbia, para acatar o resultado das urnas e ponto final.

Vai mal a coisa, e cedo. Obama acaba de ser empossado, tem enormes dificuldades internas, nem sequer obteve a aprovação de todos os assessores no Congresso (nem o embaixador no Brasil, aliás) e não consegue avançar no Oriente Médio, no Afeganistão, na aproximação com a América Latina. E o mais curioso é o desequilíbrio do comércio bilateral: superavit de US$ 4 bi para os EUA, um aumento de 284%. Perguntar não ofende: então o Brasil é comprador, em vez de vendedor para o maior e mais disputado mercado do planeta?

Segundo o embaixador Mauro Vieira (que assume em janeiro a embaixada em Washington), isso é sinal da importância que produtores e exportadores norte-americanos dão ao Brasil mesmo na crise. Ok, mas não seria melhor que os produtores e exportadores brasileiros é que se dessem bem? O próximo round será em Copenhague, com EUA e China de um lado, França e Brasil do outro.

Serra faz maratona em programas populares de rádio e televisão

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Cristiane Agostine, de Brasília

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), investe na participação em programas populares de televisão neste momento de sua campanha como pré-candidato a presidente pelo PSDB. Serra pretende deixar para o próximo ano o lançamento oficial de sua eventual candidatura à Presidência, apesar da pressão de dirigentes do PSDB, DEM e PPS para antecipar a decisão. Mas não está parado. Em entrevista ao vivo ao programa do Ratinho, do SBT, na terça-feira, Serra defendeu um dos programas mais conhecidos do governo federal. "Não vou tirar o Bolsa Família.
De jeito nenhum. Vou mantê-lo e reforçá-lo", declarou o governador paulista e pré-candidato do PSDB à Presidência, "Nós vamos vincular com o emprego. Nós vamos reforçar o Bolsa Família", disse.

Na sequência, continuou: "O Lula pegou os programas que já existiam, o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação - que eu criei quando era ministro da Saúde - o Vale Gás etc. Juntou no Bolsa Família. Expandiu. Fez bem, correto. Ele pegou o negócio, melhorou. É o que eu vou fazer. Se eu for presidente, eu pego isso e melhoro. Solidifico." Serra explicou, de forma didática, ao apresentador Ratinho, como é governar : "A gente tem que ir pegando as coisas que deram certo e ir inovando. O que está errado a gente vai refazendo."

As declarações, ao vivo, ocuparam quase 15 minutos do programa popular que foi ao ar na terça-feira. O provável candidato do PSDB à Presidência apresentou também propostas que poderão compor um eventual programa de governo: a ampliação de mutirões de saúde, a construção de ambulatórios de especialidades médicas e a expansão do metrô em cidades com mais de 500 mil habitantes. Serra colocou em xeque a continuidade do projeto do trem-bala, que ligará Rio de Janeiro e São Paulo. "Acho um projeto ainda verde. Não está maduro. Pelos preços levantados até agora será uma fortuna, algo superior a R$ 40 bilhões, que poderiam ser investidos na Transnordestina, na Norte-Sul, no metrô do Rio, de Belo Horizonte, de São Paulo", comentou.

Questionado por Ratinho se é candidato a presidente, Serra respondeu: "Eu posso vir a ser", disse, depois de sorrir com a pergunta. O governador de São Paulo citou ao apresentador sua agenda do dia anterior: lançamento de obra de expansão do metrô até Cidade Tiradentes, na periferia da capital paulista, aula inaugural em um curso técnico de enfermagem e participação em um evento de ampliação de escolas técnicas. "Tudo isso faço como governador. Não vou parar de fazer isso para lançar a campanha, tão antecipadamente", disse. O comentário gerou uma salva de palmas da plateia. "No ano que vem, quando faltarem seis meses para a eleição, a gente vai ver." O programa de Ratinho é assistido, em média, por 330 mil telespectadores, segundo a assessoria do SBT.

Antes da entrevista com Ratinho, o governador havia concedido uma longa entrevista para a rádio Jovem Pan no mesmo dia. Só nos últimos 40 dias, Serra participou de uma série de entrevistas em programas populares, como o do apresentador Datena, da TV Bandeirantes, de Silvio Santos, do SBT, de Ronnie Von, da TV Gazeta, e do programa Manhã Maior, da Rede TV. Um dos temas mais recorrentes abordados por Serra é a atuação do governo paulista na área de transportes, onde estão as principais vitrines do tucano: a expansão do metrô e o Rodoanel.

No programa da Rede TV, que foi ao ar na semana passada, Serra destacou o Rodoanel. Em nenhum momento foi constrangido por perguntas sobre o desabamento, uma semana antes, de parte da obra do Rodoanel, que feriu três pessoas. Na entrevista, falou longamente sobre seu gosto por rock, pelos Beatles e seu vício pelo Twitter, uma espécie de microblog.

O próprio governador divulga sua participação nos programas populares de televisão. No twitter, ele indica esses programas aos seus seguidores, além de artigos que publica em jornais. Da entrevista ao apresentador Ratinho, um dos destaques de Serra foi a declaração de manutenção do Bolsa Família, sua possível cadndiatura à Presidência e sua atuação no governo paulista. Mais de 143 mil pessoas seguem o Twitter de Serra.

Serra investe também na divulgação de ideias que se contrapõem ao governo federal em um blog, cujo endereço eletrônico está em sua página no Twitter. No blog, o tucano divulgou um artigo em que critica a recepção do presidente Lula ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. O governador paulista defendeu uma posição diferente em relação à política externa do governo e disse que é "desconfortável recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e repressivo". O artigo foi publicado nesta semana no jornal "Folha de S.Paulo".

FH é estrela de filme sobre o Cebrap

DEU EM O GLOBO

Ex-presidente vai à exibição em SP

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi a estrela do documentário "Retrato de grupo", de Henri Arraes Gervaiseau, sobre a geração de intelectuais que criou o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O documentário não chegará aos cinemas. Anteontem, foi exibido para uma plateia de intelectuais, em São Paulo, numa noite que o ex-presidente chamou de "muito emotiva".

O evento marcou os 40 anos do Cebrap, criado no governo militar e que serviu como espaço de debates durante a ditadura. O evento teve início com um discurso do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que integrou o Cebrap quando voltou do exílio, em 1978.

Após a exibição do filme, FH e o sociólogo Chico de Oliveira falaram. Contrariaram quem esperava um embate entre o tucano e o ex-petista, crítico tanto do governo de Fernando Henrique quanto do de Lula. No filme, Chico disse que o tucano representou uma "virada à direita", e Lula, uma "regressão". FH é responsável, afirma, pela implementação do programa neoliberal e privatista, e Lula bloqueou a contestação, fazendo dos trabalhadores "sócios do êxito desse capitalismo". No palco, FH e Chico lembraram o regime militar. Bem-humorado, o ex-presidente disse que, por causa do AI-5, que cassou sua cátedra, deu mais aulas fora que no Brasil:

- Por incrível que possa parecer, sempre fui muito ligado ao Brasil - disse, arrancado gargalhadas da plateia.

Dilma como "futura presidente" causa vaia e aplauso de artistas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Italo Nogueira
Da Sucursal Do Rio

Uma menção à ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT, como "futura presidente" provocou vaias e aplausos durante entrega da Ordem do Mérito Cultural, principal homenagem da União para a área, em solenidade no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro.

Em seu discurso representando os 48 homenageados, o diretor de teatro Aderbal Freire-Filho apontou para Dilma, que estava presente, e a chamou de "futura presidente". Parte dos convidados que estavam no teatro -com capacidade para 900 pessoas- vaiou, parte aplaudiu.

"Falava em nome de todos, mas não pretendia dizer isso. Falei algo sincero. O discurso era político no sentido geral, mas não político-partidário. Esse detalhezinho não teria escrito, mas saiu pela emoção de ver o time de futebol completo que você gosta", justificou o diretor após a solenidade.

A entrega da medalha foi feita pelo ministro Paulo Vanucchi (Direitos Humanos). O presidente Lula, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), e o ministro Juca Ferreira (Cultura) também estavam no evento.

A possível candidatura da petista também foi mencionada pelo cantor de soul Gerson King Combo, que improvisou verso para Dilma: "Saber que a nossa ministra vai chegar lá...".

Presente à plateia, a cantora Sandra de Sá evitou polemizar sobre a manifestação de Aderbal Freire-Filho. "Não aplaudi nem vaiei. Tem muita coisa para acontecer. Cada qual com seu cada qual.". A atriz Fernanda Montenegro, que dividiu a apresentação com Mamberti, não comentou, mas o ator Walmor Chagas apoiou o diretor de teatro. "Lula é o Getulio Vargas do século 21. Sou a favor do Lula. O nome da candidata dele é secundário. Terá meu apoio."

Apesar de Juca Ferreira ter dito que cederia seu tempo para discurso de Lula, o presidente saiu sem se manifestar.

Entre os homenageados estavam Patativa do Assaré, Arthur Bispo do Rosário, mestre Vitalino, Raul Seixas e Burle Marx, estes in memoriam, além do diretor Carlos Manga, do cantor Noca da Portela, do humorista Chico Anysio.

Dilma diz que só será pré-candidata em fevereiro

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Sérgio Bueno, de Porto Alegre

Acostumada a desconversar quando o assunto é a candidatura à Presidência da República em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse ontem que só será pré-candidata "em fevereiro", quando o congresso nacional do PT vai homologar a política de alianças do partido e o nome de quem vai concorrer à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista à rádio Gaúcha, de Porto Alegre, ela disse que a disputa do ano que vem "ainda não ocupa parte significativa" da sua agenda".

Segundo Dilma, há movimentação na base aliada para assegurar a sucessão de Lula, incluindo contatos da direção do PT com outros partidos. Mas ela afirmou que nesse momento está se dedicando "de forma bastante intensa a fazer a coordenação dos programas de governo".

Para Dilma, a pesquisa CNT/Sensus divulgada nesta semana, que indica uma diferença de apenas dez pontos percentuais a favor do possível candidato do PSDB à presidência, José Serra, não deixa ninguém "nem muito triste nem muito alegre". "Pesquisa é uma coisa muito volátil, é uma indicação, mas não vejo grandes vantagens nem desvantagens", comentou.

Questionada sobre os possíveis efeitos do último apagão sobre a popularidade do presidente da República e do candidato do governo em 2010, a ministra rebateu com uma comparação com o blecaute de 2001, durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. "A diferença com 2001 é que o nosso apagão levou seis horas e o outro levou seis horas e onze meses".

Miriam Leitão:: Sinal verde

DEU EM O GLOBO

O aviso da Casa Branca de que os Estados Unidos anunciarão metas de redução de gases de efeito estufa é histórico. Já se esperava, vinha se delineando nos últimos dias, e a Câmara já tinha aprovado os 17% de corte, mas pela primeira vez a maior economia do mundo assume metas. A ida do presidente Barack Obama à reunião da Dinamarca é o fim do flerte com a ideia de adiar o acordo.

Isso significa que a reunião de Copenhague chegará a um novo acordo? Não necessariamente. Significa, no entanto, que o fracasso fica mais caro para quem bloquear o avanço. Os Estados Unidos estão dez anos atrasados nesta conversa frente a outros países como os europeus, que desde que ratificaram o Tratado de Kioto passaram a adotar políticas nacionais de redução das emissões. A Europa tem metas de redução de 20% tendo 1990 como base. Os Estados Unidos cortarão em relação a 2005. O Brasil tem como base um cenário para 2020.

É preciso ver as diferenças de números, já que cada grupo de países está cortando de uma base diferente. Se a proposta americana fosse em relação a 1990, pelos cálculos do professor José Goldemberg, da USP, significaria um corte de 7%. Mesmo assim, ele lembra que pelo menos é uma estimativa concreta, diferente do que fez o governo brasileiro, que projetou cortes em relação a emissões futuras, que ainda ninguém sabe quais serão.

- O governo brasileiro prometeu cortar as emissões em relação a 2020. Mas ninguém sabe quanto emitiremos em 2020. Então, a proposta americana, nesse sentido, é melhor que a brasileira porque mostra um número concreto - explicou.

O cientista Carlos Nobre, do Inpe, calcula que a proposta dos Estados Unidos significa um corte de apenas 3,5% do que o país emitia em 1990:

- Em termos práticos, os EUA em 2020 voltarão a emitir como em 1990. Então é uma proposta pouco ousada porque a recomendação era de corte de 20% a 40% dos países industrializados em relação a 1990. Mas há pouco que Obama possa fazer sem a aprovação de uma proposta melhor pelo Congresso.

O governo Bill Clinton assinou o protocolo de Kioto, mas na era Bush o acordo nunca foi ratificado e até a existência do problema foi negada. Sem o maior emissor histórico, Kioto fez pouco. Hoje, o balanço mostra que as emissões mundiais continuaram aumentando durante a vigência do acordo com data marcada para acabar em 2012.

Goldemberg diz que o anúncio americano significa uma mudança da água para o vinho no posicionamento do país em relação às mudanças climáticas:

- A presença de Obama em Copenhague vai forçar os líderes a emitirem um documento final, ou seja, teremos um comprometimento político. Isso ainda não é o ideal, mas é um avanço. O sucesso mesmo seria os países assinarem um documento formalizando a redução obrigatória das emissões. Mas isso é praticamente impossível sem que o Congresso americano aprove a proposta do país de redução. Por enquanto, temos uma proposta do Executivo, mas sabemos que o Congresso dos EUA tem muito força.

Carlos Nobre também acha que a decisão é positiva mas não é favor nenhum:

- O anúncio americano foi positivo, mas Obama não fez mais do que sua obrigação como líder. Ele exerceu a liderança que o mundo e o próprio EUA esperavam dele com sua eleição. De qualquer forma, sua presença em Copenhague garante que teremos um grande momento, que o mundo não vê há décadas, porque todos os principais líderes mundiais estarão presentes na reunião. Espero que Copenhague acabe com um acordo formal pela redução das emissões.

O Brasil acertou o passo com o futuro também na undécima hora e depois de uma grande briga interna, que deixou suas marcas nas contradições das políticas e na fragilidade dos números. O impulso maior veio do calendário eleitoral e do eco do discurso da pré-candidata do Partido Verde. A senadora Marina Silva, que entende dos processos de avanço numa sociedade democrática, credita a mudança do governo a toda a pressão que a sociedade tem feito através das ONGs, cientistas, empresários, setores do Congresso.

O governo parecia surdo a tudo isso até outro dia mesmo. Ainda hoje, quando aprova o aumento da energia suja em nossa matriz energética e quando aceita fazer concessões à parte atrasada do ruralismo, mostra que não entendeu a natureza do século XXI. Mas pelo menos a biruta do governo já sabe a direção do vento.

O Ministério da Ciência e Tecnologia tem sido muito criticado, aqui mesmo nesta coluna, por não ter divulgado o inventário de emissões presentes do Brasil. O ministro Sérgio Rezende foi convidado a prestar esclarecimentos na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Ele me mandou um e-mail reclamando das críticas e me encaminhou os números divulgados esta semana sobre a evolução das emissões dos gases de efeito estufa até 2005. O último inventário era de 1994, os dados do ministério, apresentados como preliminares, trazem a evolução de 1990 a 2005. Antes disso, o ministro Carlos Minc comandou um esforço para ter alguma estimativa, mas os dados, dizem todos os especialistas no tema, são ainda frágeis, por não haver inventário definitivo e por não se conhecerem as projeções feitas pelo governo.

De olho no Natal, governo faz nova redução de IPI, agora para móveis

DEU EM O GLOBO

Alíquotas menores para materiais de construção são prorrogadas até junho

Martha Beck e Aguinaldo Novo

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, estendeu ao setor moveleiro a isenção do Imposto de Produtos Industrializados (IPI). As alíquotas de sete categorias de produtos, que atualmente variam entre 5% e 10%, serão zeradas até 31 de março de 2010. O governo anunciou ainda a prorrogação, até 30 de junho do ano que vem, da desoneração de uma lista de 38 itens de materiais de construção civil, que acabaria no fim do ano. O objetivo, segundo o ministro, é estimular o consumo no Natal. E, por isso, ele quer ver o benefício repassado aos preços finais.

Em menos de 24 horas, Mantega anunciou incentivos fiscais de R$2,203 bilhões para três setores como parte da política de recuperação da economia após a crise global - a despeito de a retomada já estar consolidada. Anteontem, ele havia prorrogado as alíquotas reduzidas do IPI para automóveis pouco poluentes, com impacto de R$1,3 bilhão. No caso dos móveis, os incentivos somarão R$217 milhões, e no da construção civil, R$686 milhões. Mantega, no entanto, justificou as desonerações afirmando que elas atraem investimentos.

- Para não perder o costume, vou fazer alguns anúncios de desoneração tributária. Serão os últimos desta semana - brincou ontem o ministro.

Desonerações já consumiram R$25 bilhões este ano

Na lista de desonerações que foram concedidas pelo governo este ano e que ainda podem ser prorrogadas estão agora 70 máquinas e equipamentos, cujo IPI reduzido termina em dezembro. E o governo já decidiu prorrogar o PIS/Cofins zerado de microcomputadores e componentes (instituído em 2005 por quatro anos). As desonerações deste ano, cuja previsão era de R$18 bilhões no início do ano, já consumiram R$25 bilhões.

Os fabricantes de móveis brasileiros sofreram com a crise mundial porque boa parte de sua produção é voltada para o mercado internacional, que ainda não se recuperou totalmente.

- Achamos que deveríamos dar um impulso para que o consumidor se anime com o décimo terceiro para ir às lojas, não só comprar TV, geladeira, mas para dar uma melhorada nos móveis da casa - disse Mantega, ao lado de representantes do setor e da área de construção civil.

O ministro também anunciou a prorrogação do IPI reduzido para materiais de construção até junho. Ele justificou a medida lembrando que obras e reformas são demoradas. Além disso, o programa Minha Casa, Minha Vida - voltado para a baixa renda - está em pleno funcionamento e será beneficiado pela medida.

Mantega ressaltou que espera ver a redução do IPI repassada para os preços.

- Espero que os setores aproveitem isso para fazer promoções - disse ele.

A presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul (Movergs), Maristela Longhi, disse que o setor poderá promover uma redução em torno de 20% nos preços. Ela previu que as vendas de móveis podem subir entre 18% e 22% com a medida.

O vice-presidente-executivo do Grupo Pão de Açúcar, Ramatis Rodrigues, estimou em até 30% o aumento das vendas de móveis no fim de ano, com a redução do IPI. A empresa anunciou que as lojas de Ponto Frio, Extra e Extra Eletro abrem hoje as portas com descontos de até 25%.

O presidente da Associação da Indústria de Material de Construção (Abramat), Melvyn Fox, aplaudiu a medida, mas ressaltou que o governo deveria ter prorrogado o IPI até o fim de 2010.

- O prazo tem que melhorar.

Mantega afirmou ainda que não desistiu de desonerar a folha de pagamento das empresas, mas falta espaço fiscal:

- A desoneração custa muito caro. Cada ponto percentual custa R$4 bilhões. Se eu desonerar cinco pontos, vai ser uma renúncia de R$20 bilhões. No ano que vem, se houver recomposição da arrecadação, ainda tenho esse projeto. Neste momento, não temos condições.
Colaborou Aguinaldo Novo

Vinicius Torres Freire: Degenerou

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Política de cortar impostos a fim de mitigar a crise de 2008 agora é apenas política, sem efeito econômico maior

O governo Lula não dá ponto sem nó nas suas costuras com as empresas. Difícil se lembrar de um governo em que houve tantas parcerias público-privadas, digamos. Cada setor, para não dizer cada grande empresa, teve sua política especial de impostos, subsídios, empréstimos de bancos públicos, apoio de fundos paraestatais e outras tantas políticas públicas e por vezes nada públicas, mas estatais, como no caso do socorro a empresas falidas em aventuras financeiras.

Pelo jeito, faltava amarrar alguns nozinhos. É o que se depreende da prorrogação de descontos de impostos e a instituição de outras isenções. Ontem, soube-se que móveis vão ter IPI zero até 31 de março de 2010 e que a isenção para material de construção continua até junho do próximo ano. Anteontem, o Ministério da Fazenda anunciara medidas parecidas para automóveis ditos "verdes", os flex, e caminhões.

O sentido mais imediato da redução de impostos é auxiliar setores empresariais mais avariados pela crise. Nos últimos 12 meses, contados até setembro, a produção da indústria da madeira caiu 20%, segundo o IBGE (na média, a queda na indústria de transformação foi de 10%). Na indústria de móveis, a queda foi de 11,6% (inferior, porém, à queda dos fabricantes de calçados, de 14,6%). Houve casos piores. A de "material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações" caiu 31%, a de veículos, a de máquinas e equipamentos e a de metalurgia básica todas caíram na casa de 21%. As metalúrgicas não tiveram apoio direto, assim como a de eletrônicos, a maioria delas múltis que montam aparelhos na Zona Franca de Manaus, muitos para exportação, prejudicadas pelo colapso do comércio mundial.

Mas está em estudo a redução de impostos sobre os computadores.

No caso de madeira e móveis, a situação ficou apenas pior na crise. Em setembro de 2008, a produção da indústria de madeira em 12 meses já havia caído 7,7%, um dos raros setores industriais que estavam então encolhendo (além de fumo, perfumaria e limpeza, e calçados).

Madeiras, móveis e calçados são as indústrias que mais têm encolhido no país, em parte por causa do real forte, parte devido a dumping chinês, parte devido a atraso tecnológico e parte devido à falta de escala.

Apesar dos evidentes estragos nas indústrias de madeiras, móveis e calçados, da importância da indústria de carros e do incentivo à construção de casas, as isenções de impostos e outros auxílios recentes parecem cada vez mais arbitrários. Incentivos oficiais sempre o são.

Nas emergências das crises, tais arbítrios podem ser mais aceitáveis. Agora, quando a economia já voltou a crescer e as presentes isenções têm efeitos marginais no consumo global, as medidas começam a parecer mais arbitragem de favores. Ou de nós em pontos políticos ainda desatados na comunidade empresarial.

O sentido menos imediato dessas medidas todas é político. Dizer que são "eleitoreiras" já é um tanto exagerado. O eleitor não vai reparar em tais detalhes; de resto, há eleições no Brasil a cada dois anos. Metade dos anos, são, pois, "eleitorais". Porém, o governo torra mais um pouco do dinheiro -que já não tem- a fim de reforçar a grande coalizão luliana.

Reação à carta causa incômodo em Washington

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Sérgio Dávila
De Washington

Causou desconforto na diplomacia americana o tom duro usado pelo assessor de assuntos internacionais da Presidência brasileira, Marco Aurélio Garcia, ao comentar em público o conteúdo da carta enviada no domingo por Barack Obama a Luiz Inácio Lula da Silva.

Até a conclusão desta edição, o Conselho de Segurança Nacional (NSC), ligado à Casa Branca, ainda discutia se tornaria a carta pública. Segundo quem leu a correspondência, o tom de Obama no texto foi amigável, reflexivo e profundo, adequado à comunicação entre líderes de países parceiros.

Ao falar à imprensa anteontem, Garcia havia dito que há um "sabor de decepção" do Brasil com posições do governo Obama e que a posição dos EUA em relação ao golpe em Honduras era "equivocada".

Segundo os que tiveram acesso à carta, o americano diz esperar que o Brasil encoraje o Irã a voltar a ganhar a confiança da comunidade internacional ao cumprir todas as suas obrigações internacionais.

De acordo com os relatos, pede ainda que o brasileiro faça saber das preocupações do governo americano sobre políticas de Teerã, incluindo a busca pela capacidade de produzir armas nucleares, o apoio a grupos extremistas e as ações contra os direitos humanos.Indagado sobre a correspondência ontem, Ian Kelly, porta-voz do Departamento de Estado, disse que não comentaria o teor, mas confirmou que Lula foi o único presidente da região para quem Obama escreveu.

Segundo Kelly os EUA não têm "a mesma percepção" em relação à viagem do presidente iraniano ao Brasil que têm em relação à Venezuela, já que o país mantém relações diferentes com países distintos.

Ainda assim, disse, Washington espera de todos os países que mantenham algum contato com o Irã que "enfatizem as preocupações da comunidade internacional". "Mas, é claro, a Venezuela é um país soberano", concluiu o porta-voz.

Ontem, a representante (deputada federal) republicana ultraconservadora Ileana Ros-Lehtinen (Flórida) criticou Lula por ter recebido Amadinejad. Para ela, a viagem foi "um tapa na cara de todos os que defendem democracia e liberdade".

Chávez e Ahmadinejad 'juntos até o final'

DEU EM O GLOBO

Sob protestos de manifestantes, presidente venezuelano defende o amigo iraniano e faz ameaças a Israel

MAHMOUD AHMADINEJAD ergue a mão do presidente venezuelano, Hugo Chávez, durante um discurso em Caracas: aliança entre líderes e ameaças a Israel

Estudantes protestam contra visita de Ahmadinejad

CARACAS

Na última etapa de sua visita à América do Sul, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, afirmou que ele e o venezuelano Hugo Chávez ficarão "juntos até o final" na luta contra o imperialismo. A presença de Ahmadinejad em Caracas motivou manifestações de rechaço de grupos de judeus, feministas e de defesa de direitos humanos.

O iraniano foi recebido ontem no Palácio Miraflores, sede do governo da Venezuela, por Chávez, que chegou a chamar Ahmadinejad de "gladiador nas lutas anti-imperialistas".

- Hoje, os povos venezuelano e iraniano, dois irmãos e amigos na trincheira da luta contra o imperialismo, estão resistindo - disse Ahmadinejad, que pegou as mãos de Chávez antes de declarar: - O papel de Hugo Chávez neste segundo despertar dos povos latino-americanos é admirável. É um grande homem revolucionário. Eu sou seu irmão e seu amigo, e para mim é uma honra. Vamos ficar juntos até o final.

Por sua vez, Chávez afirmou que ele e Ahmadinejad são perseguidos pela imprensa internacional e que sofrem com políticas belicistas dos Estados Unidos e de Israel - no caso venezuelano, a ameaça seria a Colômbia. O presidente venezuelano chegou a afirmar que Israel poderá sofrer consequências, depois de dizer que se sentiu ameaçado devido a declarações do presidente do país, Shimon Peres.

- O que disse o presidente de Israel entendemos, assim, como uma ameaça. E atuaremos em consequência (desta ameaça) - disse Chávez. - Sabemos o que significa Israel. Um braço assassino do império ianque. Eles o acusam (Ahmadinejad) de ser belicista. Eles é que são agressores.

As palavras de Peres, ditas semana passada na Argentina, foram tiradas de contexto por Chávez. O presidente israelense, perguntado sobre o que pensa sobre a aliança entre Ahmadinejad e Chávez, disse que eles "estão destinados a cair, não porque qualquer um de nós vá matá-los, mas porque seus próprios povos estão ficando cansados deles, e não levará muito tempo para que eles desapareçam".

Visita surpresa de sete horas a Cuba

Chávez anunciou também que fez uma visita de sete horas, terça-feira, a Fidel e Raúl Castro, em Cuba.

O governo da Venezuela disse que foram assinados acordos comerciais, mas não foram fornecidos detalhes. Analistas dizem que a importância da visita - a quarta de Ahmadinejad a Caracas - é basicamente política.

Diante do hotel em que Ahmadinejad ficou hospedado, dezenas de manifestantes protestaram durante o dia, carregando cartazes com dizeres como "milhões de judeus mortos te dizem: fora", numa referência ao fato de o líder iraniano negar o Holocausto.

A visita de Ahmadinejad ao Brasil e à Bolívia - escalas anteriores do presidente iraniano na América do Sul - mereceu um comentário do porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ian Kelly:

- Esperamos que os países que tenham qualquer tipo de contato bilateral com o Irã enfatizem as preocupações da comunidade internacional.

Kelly, porém, disse que não sabia que Ahmadinejad estava na Venezuela hoje, e que só se referia a Brasil e Bolívia.

Micheletti anuncia saída para viabilizar eleição

DEU EM O GLOBO

Brasil protesta, mas já aceita votações em Honduras sem restituição de Zelaya, dizem diplomatas

Seguidores de Micheletti protestam contra posição do Brasil na crise

Flávio Freire* e Gilberto Scofield**

TEGUCIGALPA e WASHINGTON. O presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, prometeu que se afastaria temporariamente do cargo até meia-noite de ontem (4h, em Brasília) para a realização das eleições presidenciais marcadas para domingo. O governo de Honduras, segundo um acordo aceito por Micheletti para viabilizar um processo eleitoral pacífico, ficaria a cargo de um conselho de ministros até o dia 2 de dezembro.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem que a realização das eleições sem a restituição do presidente deposto, Manuel Zelaya, não é a melhor solução para a crise política no país.

- Todos os países da América Latina e do Caribe já declararam que não reconhecerão o novo governo. Eu não sei, no futuro, o que vai acontecer com os outros países, mas o Brasil continuará firme nessa posição - ressaltou.

Apesar de considerar um "fato consumado" que as eleições irão ocorrer sem a restituição de Zelaya, o Itamaraty mantém a postura de não reconhecer a legitimidade das eleições realizadas sob o comando do governo Micheletti por princípio e cautela. O país pode rever seu apoio se os resultados forem positivos, mas não poderá recuar se as eleições fracassarem.

Amorim confirmou também que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu uma carta do presidente dos EUA, Barack Obama, manifestando um ponto de vista diferente em relação a crise hondurenha. Mas disse que o documento não pode ser considerado uma prova de que o relacionamento entre Brasil e EUA esteja vivendo momentos de tensão. Ou que eles tenham se agravado após Lula ter recebido a visita oficial do presidente Irã, Mahmoud Ahmadinejad

- O presidente Lula deverá responder a carta da forma adequada mostrando seu ponto de vista - disse Amorim.

Na carta, Obama pediu a cooperação do Brasil para o impasse institucional em Honduras explicando que nunca foi intenção dos americanos usar as eleições como uma espécie de justificativa para que se esqueça de que houve um golpe de Estado no país. E frisou - como também ficou claro no discurso do secretário-adjunto de Estado para o Continente Americano, Arturo Valenzuela, na segunda-feira - que a volta de Honduras à OEA está condicionada ao cumprimento do acordo de Tegucigalpa-San José.

Micheletti diz que seria alvo de atentado no domingo

Segundo diplomatas americanos e brasileiros, a carta enviada no domingo, somada ao discurso de Valenzuela na OEA na segunda-feira, convenceram o governo brasileiro a aceitar a realização das eleições em Honduras sem a volta de Zelaya.

Dentro do Departamento de Estado dos EUA, há uma noção de que o acordo Tegucigalpa-San José é um caminho do meio para a normalidade democrática em Honduras num debate polarizado: de um lado, o bloco de países que acham que somente a volta imediata de Zelaya ao poder pode ajudar a legitimar as eleições (Brasil incluído), do outro, o governo interino e seus apoiadores republicanos no Congresso dos EUA, para quem as eleições têm o poder de redimir o golpe.

Numa mostra da tensão no país, Micheletti anunciou ontem ter sido informado pela polícia de que armas apreendidas na véspera por agentes seriam usadas num atentado contra ele no domingo. Dois nicaraguenses e dois hondurenhos foram presos por ocultar o arsenal: fuzis de mira telescópica, munição para AK-47 e rádios. De madrugada, uma bomba foi lançada contra o prédio do Corte de Justiça. E o canal 36, ligado à resistência, estava fora do ar desde a manhã.

Ontem, representantes da Camacol, que reúne câmaras de comércio de 21 países latino-americanos, expressaram apoio à realização das eleições.

Colaboraram Leila Suwwan, de Brasília, e Luiz Ernesto Magalhães