terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Presidencialismo congressual :: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Anunciada como prioridade do próximo governo, bandeira para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobreviver ao inverno na planície, é provável que a reforma política seja empurrada para o segundo semestre de 2011. Pelo menos não é prevista nenhuma iniciativa de Dilma Rousseff, na forma de projetos de lei, para antes deste prazo.

Há uma certa agitação no Congresso, especialmente entre os maiores partidos, em torno de alguns pontos do interesse de cada um deles. Entre esses pontos, o fim da coligação nas eleições proporcionais. Já não é de hoje que as grandes legendas reclamam por ter de carregar legendas menores às costas. Mas uma conta feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos números das últimas eleições, revelou o tamanho do prejuízo das siglas maiores.

Se não tivessem feito coligação com siglas menores, PMDB e PT teriam eleito 30 e 20 deputados a mais, respectivamente, nas eleições de 3 de outubro. Em vez de 79 deputados, no dia 1º de fevereiro tomariam posse, pelo PMDB, 109 deputados. No PT, em vez de 88, seriam 108.

Só reforma política muda condições de governabilidade

Pelos cálculos do Diap, perderiam as siglas menores como o PCdoB (de 15 para 10 deputados) e as médias como o PSB (de 34 para 30 deputados) e o DEM (de 43 para 39). O PSDB, que elegeu uma bancada de 53 deputados, ganharia mais 12 cadeiras, totalizando 65, se os tucanos não tivessem feito coligações com siglas menores.

Além do fim da coligação nas eleições proporcionais, a reforma "pronta" para ser votada no Congresso tem ainda o financiamento público de campanha e a lista fechada (o eleitor vota numa lista previamente elaborada pelos partidos).

O financiamento público é visto como uma providência-chave para melhorar um sistema cujas mazelas podem ser observadas a olho nu agora, no momento em que Dilma compõe sua equipe de governo. A lista fechada é vista com desconfiança pelos políticos do baixo clero, que temem fortalecer o poder das cúpulas.

PT, PMDB, DEM e PSDB já se manifestaram favoráveis a essas mudanças, que só não foram adiante, na atual legislatura, por um recuo de última hora dos tucanos.

Mudanças feitas recentemente pelo Congresso na legislação político-eleitoral se revelaram positivas. Este é o caso, por exemplo, da fidelidade partidária. À esta altura, em 2002 e 2006, após eleições vencidas pelo PT, já era intenso o movimento para o troca-troca partidário. Este ano, mesmo com as malas prontas para ir para o PMDB, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, procura um pretexto capaz de justificar sua desfiliação do Democratas, de modo que nem ele nem os deputados que seguirem com ele para uma nova agremiação tenham que devolver os mandatos ao DEM.

Além de começar sob o signo do casuísmo, nada indica que a reforma que o Congresso se dispõe a votar seja suficiente para alterar as atuais condições de governabilidade, que estão na raiz das dificuldades enfrentadas por Dilma Rousseff para compor a cota partidária da nova equipe de governo.

A composição, até agora, do governo Dilma é um exemplo. Dos 17 ministros já anunciados, oito são do PT, sete do PMDB e dois não são filiados a partidos políticos. No entanto, são amplas as queixas, especialmente no PT, segundo as quais o partido não está devidamente representado no futuro governo. As bases, aparentemente, não se reconhecem na cúpula.

Qualificado de inexpressivo, o ministério Dilma Rousseff, na realidade, é o ministério necessário à governabilidade e a expressão mais que perfeita do presidencialismo congressual que vige no país desde a promulgação da Constituição de 1988. Diz-se que é um ministério com prazo de validade de um ano, se tanto. Esquece-se que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também fizeram ajustes na equipe, mais ou menos neste mesmo prazo, e - consequentemente - na sintonia fina com o Congresso.

FHC começou o governo com seu aliado eleitoral, o então PFL, hoje Democratas, e o que chamava de "ala ética" do PMDB, com os gaúchos Nelson Jobim e Odacir Klein, o primeiro no Ministério da Justiça e o segundo, nos Transportes. Éticos, sem dúvida, mas sem nenhuma influência sobre os votos do partido.

A chave de braço do PMDB em Fernando Henrique Cardoso se deu quando a reforma da Previdência rateou na Câmara, e os deputados derrubaram o relatório do deputado Euler Ribeiro (PMDB-AM) ao mesmo tempo em que o Senado reunia as assinaturas necessárias para criar a CPI dos Bancos.

Bastaram três semanas de impasse e negociação para o PMDB "com voto" entrar no governo tucano, com direito a assento no Palácio do Planalto, aprovar o relatório de reforma da Previdência, redigido pelo deputado Michel Temer (PMDB-SP), e enterrar de vez a CPI dos Bancos no Senado.

Com Lula não foi muito diferente. Na transição de governo do PSDB para o PT, José Dirceu chegou a negociar a participação do PMDB na equipe de Lula. Houve pemedebista, naquele fim de ano de 2002, que dormiu ministro. No início de 2004, Lula fez o ajuste para integrar os pemedebistas e resolver problemas de sua base de sustentação política.

Nas eleições de 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso foi eleito em primeiro turno, por ampla maioria. Nem por isso pode renunciar à negociação parlamentar diuturna, sobretudo no primeiro mandato, quando precisou reunir maioria constitucional para assegurar desde a quebra de monopólios até a emenda da reeleição. Graças ao sistema híbrido que resultou da Carta de 1988

Como se recorda, até quase o final dos seus trabalhos, a tendência da Assembleia Constituinte era pela adoção do sistema parlamentarista de governo. Já ao final dos trabalhos, o contra-ataque do Palácio do Planalto e de seus aliados se sobrepôs à tendência congressual. Desde então o Brasil convive com um presidencialismo forte, mas que não prescinde das condições de governabilidade que só uma maioria de coalizão tem sido capaz de lhe assegurar.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras.

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