sexta-feira, 5 de março de 2010

Reflexão do dia – Ulysses Guimarães

"A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes. "

(Ulysses Guimarães, em discurso na Câmara dos Deputados)

*Governador José Serra discursa em homenagem ao centenário de Tancredo Neves

Senhor presidente José Sarney, a quem agradeço a oportunidade de voltar a esta tribuna depois dos anos que passei aqui no Senado, a quem cumprimento pelo discurso hoje feito, um verdadeiro documento histórico, e a quem cumprimento também pelo papel que teve no processo de transição do Brasil à democracia. Se Vossa Excelência me permite, o seu grande momento na vida pública. Queria cumprimentar também o deputado Michel Temer, presidente da Câmara de Deputados, nosso companheiro há muitas décadas; o meu queridíssimo amigo e governador Aécio Neves, que eu tive a oportunidade de conhecer precisamente quando Aécio era secretário particular do presidente Tancredo Neves, há algumas décadas, e de quem ele veio a se tornar o grande herdeiro político, não só dos ensinamentos, como de toda a experiência daquele seu avô. Queria também saudar os senadores Francisco Dornelles, a quem eu conheci pessoalmente durante o período em que assumi a coordenação do programa de Governo do presidente Tancredo Neves, e com quem posteriormente trabalhei de maneira tão próxima, amiga e competente durante a Assembléia Nacional Constituinte; cumprimentar meu querido amigo, senador Heráclito Fortes, o senador Eduardo Azeredo, e o deputado Rafael Guerra, que nos possibilitaram através de sua iniciativa esta sessão de homenagem.

No seu discurso de posse na Presidência, que foi proferido pelo vice-presidente José Sarney, e que nos foi legado como precioso documento, Tancredo Neves concluía suas palavras fazendo uma conclamação histórica: "Começamos a viver hoje a Nova República. Deixemos para trás tudo o que nos separa e trabalhemos sem descanso para recuperar os anos perdidos na ilusão e no confronto estéril. Estou certo de que não nos faltará a benevolência de Deus. Entendamos a força sagrada deste momento, em que o povo retoma, solenemente, seu próprio destino".

Pois essa Nova República completa 25 anos precisamente neste mês de março, precisamente quando Tancredo se tornaria Presidente, no dia 15 de março. Eu tenho afirmado que se trata da fase da história do Brasil com o maior número de conquistas de indiscutível qualidade política e humana. Em primeiro lugar, o País nunca havia conhecido um quarto de século ininterrupto de democracia de massas. É nítido o contraste com a oligárquica República Velha, de eleições a bico de pena, sacudida por intervenções nos Estados, revoluções e instabilidade.

O período da Nova República supera igualmente a fase democrática da Constituição de 1946, que foi desfeita em menos de 20 anos pelo golpe que derrubou João Goulart. A Nova República foi muito além, no tempo e na expansão sem precedentes da cidadania, das liberdades civis e políticas e na eliminação das restrições ao direito de voto. Esta ampliação da participação das massas populares, longe de acarretar maior instabilidade, coincidiu com um período de completa ausência de conspirações, golpes militares, quarteladas, intervenções preventivas e epílogos políticos trágicos ou temerários.

Bem diferente do período anterior, que teve Aragarças e Jacareacanga, durante o governo de Juscelino Kubitschek; o movimento do marechal Lott, de 11 de novembro de 1955; o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Desde a Questão Militar do Império, passando pela primeira década da República, pela Revolta da Armada, pelo Tenentismo, a Revolução de 1924, a de 1930, a de 1932, a insurreição comunista de 1935, o golpe de novembro de 1937 e o golpe de 1964, é a primeira vez na história da República que desaparece da política brasileira a hipótese de golpe dos quartéis, que se torna na prática impensável.

Essa tranqüilidade não se deveu à ausência de fatores de desestabilização, como a própria doença e a morte do presidente eleito no momento da transição do regime militar para o civil, e o do processo de impeachment que levou ao afastamento de outro presidente eleito. Nem mesmo a conjuntura econômico-social foi sempre favorável. Lembremos que no caso do golpe de 1964 em um dos fatores evocados era a estagnação e a superinflação da época. A Nova República teve os seus dissabores. Ao contrário da fase recente de estabilidade, boa parte dos últimos 25 anos se desenrolou sob o signo da superinflação, com o agravamento dos conflitos distributivos a ele associados. E não faltaram, depois, grandes crises financeiras mundiais (1994/1995, 1997/1998 e 2007/2008, a maior desde 1929).

Ficamos ainda muitos anos sem crescimento econômico sustentado. Não faltaram revezes sérios que, em outras épocas, teriam abalado as instituições. Lembro da frustração do Plano Cruzado e dos numerosos planos que se sucederam, alguns com medidas draconianas, como o confisco da poupança. Não obstante tudo isso, a Nova República fundada por Tancredo Neves conseguiu completar com normalidade uma conquista que permaneceu fora do alcance dos regimes do passado. A alternância tranqüila no poder de forças político-partidárias antagônicas no passado provocava sempre a polarização e a radicalização da sociedade brasileira, como aconteceu, por exemplo, em 1954/1955 e, com conseqüências mais graves, entre 1961 e 1964. Mas, neste último quarto de século, a alternância passou a fazer parte das conquistas adquiridas: já ninguém mais contesta a legitimidade das vitórias eleitorais e do natural desejo dos adversários vitoriosos de governar sem perturbações.

O resultado é ainda mais impressionante quando se observa que uma dessas alternâncias aparentemente mais contrastantes foi a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, encarado, a princípio, se não como força desestabilizadora, ao menos de comportamento radical e deliberadamente à margem na política nacional. O PT, aliás, acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários da eleição do primeiro presidente civil e das conquistas sociais e culturais da nova Constituição. E soube, posteriormente, colher bons frutos do Plano Real, do Proer e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Soube colher bons frutos ao longo dos seus períodos de governo.

Este último exemplo, aliás, do Plano Real, da estabilização, é especialmente notável. Os governos militares, apesar dos 21 anos de poder discricionário, em termos de elaboração de leis e normas, com elevado grau de repressão social e sindical, fracassaram por completo em liquidar a herança da inflação, que vinha da segunda metade dos anos 1950 e, mais remotamente, da Segunda Guerra Mundial. Pior do que isso: a inflação acabou sendo agravada ao criar-se o instrumento da indexação da moeda, que tanto iria complicar e tornar rígido o combate à inflação. Ao mesmo tempo, conduziram o País para a gravíssima crise da dívida externa a partir de 1981/1982, dando início a quase uma década e meia de estagnação econômica. E o Brasil, que entre 1870 e 1980 havia sido o País de maior crescimento médio entre as dez maiores economias do mundo, parecia ter esquecido a fórmula do crescimento.

Pois bem... o período de um quarto de século da Nova República, sem repressão nem poderes especiais, conseguiu finalmente derrubar a superinflação. Fez mais: resolveu o problema persistente da dívida externa, herdado, e até deu começo a uma retomada promissora do crescimento econômico, e à expansão do acesso das camadas de rendimentos modestos ao crédito e ao consumo, inclusive de bens duráveis. Mas duas observações acautelatórias se impõem a esta altura. A primeira é que as conquistas da Segunda Redemocratização não foram o resultado de milagres instantâneos, custaram esforços enormes e, com freqüência, só se deram depois de muitas tentativas e erros. É por isso que o período tem de ser analisado na sua integridade - êxitos e fracassos juntos, já que estes são partes inseparáveis do processo de aprendizagem coletiva, para o qual contribuíram numerosos dirigentes e cidadãos numa linha de continuidade, não de negação e de ruptura. Por exemplo: o Plano Real não teria acontecido, não fosse a experiência com os planos anteriores.

A segunda reflexão acautelatória é que nenhuma conquista é definitiva, nenhum progresso - no Brasil e no mundo - é garantido e irreversível. Assim como não somos escravos dos erros do passado, tampouco devemos crer que a eventual sabedoria dos acertos de ontem e de hoje, se repetirá invariavelmente hoje e amanhã. É necessário ter isso presente porque a estabilidade, o crescimento e os ganhos de consumo, ainda não têm garantidas as condições de sustentabilidade no médio e no longo prazos. Nosso dever é, por conseguinte, o de assumir com humildade e coragem a herança desses 25 anos, não para negar o passado, mas para superá-lo, a fim de fazer mais e fazer melhor.

Não é apenas por uma coincidência deste momento, com o aniversário dos primeiros 25 anos da Nova República. que devemos reclamar essa denominação para a fase da História em que vivemos. O Brasil mudou e para muito melhor. Os fatos que apontei, indiscutíveis na sua consistência e na sua imensa importância, atestam o discernimento e a sabedoria que deram perenidade à obra fundadora dos grandes responsáveis pela Nova República. E aqui evoco os nomes de alguns que já nos deixaram, além de Tancredo: Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Teotônio Vilela, José Richa, Mário Covas, Sobral Pinto, Raimundo Faoro e Celso Furtado.

Quero dizer também que eu tive, na época, a grande honra e satisfação de ser levado pelo governador Montoro a uma reunião com o então governador de Minas, Tancredo Neves, em Araxá. Em 1984, quando o governador Montoro explicitou ao presidente Tancredo Neves que, dadas as circunstâncias que poderiam ser possíveis, de não se ter eleições diretas para presidente, que São Paulo apoiaria Tancredo Neves, apoiaria Minas. Esse foi um gesto do governador Montoro, do ponto de vista político, que veio ter grandes conseqüências positivas para o nosso País e para a fundação da Nova República.

O exemplo inspirador de Nelson Mandela está aí para nos mostrar que a grandeza do instante fundador não se esgota naquele momento da partida, mas continua a fazer diferença no futuro. As fases da história não podem ser arbitrariamente datadas a partir de um ou outro governante ao qual queiram alguns devotar um culto de exaltação. Elas só terão coerência se corresponderem a instantes decisivos da mudança institucional: a República, a Revolução de 1930, a Primeira Redemocratização de 1945, o Golpe de 1964 e a Segunda Redemocratização ou Nova República. A razão não é difícil de compreender e já está presente em Maquiavel: os fundadores de uma nova ordem, na base da virtude, em grande parte determinam como haverão de viver os homens e mulheres de acordo com as leis e a Constituição criadas.

O Brasil de hoje tem a cara e o espírito dos fundadores da Nova República: senso de equilíbrio e proporção; moderação construtiva na edificação de novo pacto social e político; apego à democracia, à liberdade e à tolerância; paixão infatigável pela promoção dos pobres e excluídos, pela eliminação da pobreza e pela redução das desigualdades. É na fidelidade a esse legado que haveremos de manter e superar o que até aqui se tem feito - e realizar mais e melhor para o crescimento integral do povo brasileiro.

Viva Tancredo Neves! Longa vida à Nova República!

Vale tudo:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A reação foi tão ruim que provavelmente a intenção de Lula de se licenciar da Presidência da República para entrar de corpo e alma na campanha de sua candidata, Dilma Rousseff, sem os empecilhos da legislação eleitoral não se concretizará.

Até mesmo o senador José Sarney, que teoricamente seria beneficiado pela manobra pois voltaria à Presidência, rejeitou a ideia com um argumento imbatível: um ex-presidente não pode voltar ao cargo como interino de ninguém.

A intenção de Lula de se licenciar do governo já havia sido revelada em algumas ocasiões, inclusive como explicação para seu apoio incondicional ao presidente do Senado durante a crise que quase lhe custou o cargo.

Além da retribuição ao apoio que recebeu de Sarney na crise do mensalão, o presidente Lula queria a garantia de que um aliado confiável assumiria o governo durante sua ausência.

Lula mesmo já havia dito que, se fosse preciso, se licenciaria para apoiar a campanha de Dilma. Portanto, nada de estranho na notícia do Ilimar Franco de que Lula já teria decidido se licenciar nos meses de agosto e setembro.

O que certamente o Palácio do Planalto não esperava era uma reação tão grande a essa manobra, que nada mais é do que uma tentativa de burlar o espírito da lei eleitoral, que pretende colocar os candidatos em igualdade de condições na disputa presidencial.

Esse conceito da legislação é difícil de ser atingido quando um membro do Executivo - tanto faz seja prefeito, governador ou presidente da República - está tentando a reeleição.

Mas vários casos de perda de mandato por abuso de poder político ou econômico estão acontecendo em estados e municípios.

Por muito menos do que o presidente Lula tem feito, vários já perderam o mandato.

O que acontece com a campanha presidencial é que não há ainda a oficialização das candidaturas, e o governo se aproveita desse detalhe técnico para forçar os limites da legislação, com a condescendência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O presidente Lula já inaugurou a mesma obra várias vezes, ou até mesmo pedras fundamentais de obras que ainda nem começaram, sempre com a sua candidata no palanque.

Deveria bastar um fato desses para ficar evidenciada a tentativa de usar o cargo para promover sua candidata, ferindo o espírito da legislação.

Certa ocasião, Lula disse ao povo presente a um desses comícios que eles deveriam tomar nota dos responsáveis pelas obras - e citou explicitamente a ministra Dilma entre eles - para que, depois, quando eles já não pudessem mais ir a inaugurações, se lembrassem de quem fez aquela intervenção.

Mais ilegal do que isso não é possível. Maior abuso de poder político e econômico é difícil de se ver.

Na verdade, depois que o PT lançou-a como "pré-candidata", o TSE deveria impedir que a ministra Dilma inaugurasse obras.

Nada acontece com Lula por ser ele o presidente da República e, mais do que isso, ter uma grande popularidade.

Se o PT estivesse na oposição e um presidente tucano fizesse o que Lula faz, já haveria protestos dos chamados "movimentos sociais" por todo o país.

De qualquer maneira, a partir de 3 de abril, com a desincompatibilização dos candidatos, ficará mais difícil a quem quer que seja burlar tão explicitamente a lei.

Quanto ao presidente Lula, licenciando-se do cargo ou não, continuará tendo as mesmas limitações legais, embora licenciado não constrangesse tanto os ministros do TSE.

Como não renunciou ao cargo, Lula continua sendo o presidente, e por isso não poderá pedir votos para Dilma afirmando que ela será a continuidade de seu governo, por exemplo.

Nem poderá fazer campanha em horário de trabalho.

Além disso, há constitucionalistas que não vêem respaldo na Constituição para que o presidente da República se licencie para fazer campanha política.

Mesmo que não se leve em conta o artigo 37 da Constituição, que coloca a moralidade como um dos requisitos fundamentais da função pública, no mínimo porque ao servidor público é permitido apenas o que está explícito na lei. E fazer campanha política não é um dos casos previstos na Constituição para que o presidente se licencie do cargo.

É previsível que teremos boas batalhas jurídicas nesta campanha, porque Lula já disse que só se considerará realizado se conseguir eleger sua sucessora.

Como fala muito, e não tem medidas, chegou a dizer que um governo só é exitoso quando o presidente elege seu sucessor.

Se fazendo o que faz já provoca reações na parte da sociedade que não convive bem com as transgressões, caso se licenciasse do cargo, Lula estaria explicitando na prática o que já disse publicamente, sem nenhum constrangimento: sua prioridade é eleger Dilma Rousseff.

Governar passou a ser secundário neste último ano de mandato.

Essa atitude de Lula, afrontando a legislação com pequenas espertezas, talvez seja uma das piores heranças que ele deixa para o país.

A prática política passou a ser nivelada por baixo, valendo mais quem é mais esperto, não o mais preparado.

Vale maquiar os números do PAC, vale fingir que não é candidata, mas fazer campanha política abertamente, vale trocar apoio político por cargos, vale ter em seu palanque o adversário de ontem apenas porque ele tem votos naquela região.

Como tudo isso dá certo, a prática se dissemina a ponto de não haver uma diferença fundamental entre os principais atores da cena política, mesmo que uns sejam mais comedidos do que outros.

A esperteza passa a ser elemento fundamental da prática política, colocando como secundário o conteúdo dos debates e propostas.

Vale tudo para se alcançar o objetivo político.

A luta pelas 40 horas::Roberto Freire

DEU NO JORNAL BRASIL ECONÔMICO

Está para ser votada no Congresso uma lei que representa uma luta de várias gerações de trabalhadores desde que o capitalismo estabeleceu-se como modo de produção dominante na Europa Ocidental: a redução da jornada de trabalho para 40 horas.

Em nosso país, onde durante mais de trezentos e cinquenta anos vigorou a escravidão, esta luta tem caráter revolucionário.

Foi a árdua luta do proletariado, nas sociedades do Ocidente, materializada na atuação de seus partidos, que cristalizou seu caráter efetivamente democrático e a conquista do Estado de bem-estar social, que garantiu aos trabalhadores um amplo leque de proteção social, possibilitando-lhes uma participação mais efetiva na produção da riqueza social e nos destinos da própria sociedade.

Com o desenvolvimento da revolução tecnocientífica, no que respeita ao mundo do trabalho, suas consequências mais notáveis foram um extraordinário incremento da capacidade produtiva, de um lado, e o desemprego estrutural, de outro.

Uma das formas com que os trabalhadores, nas sociedades democráticas, têm enfrentado essa dura realidade é por meio da diminuição da jornada de trabalho, possibilitando, além da criação de novas vagas de trabalho, à massa de trabalhadores maior tempo para lazer e capacitação.

No entanto, é bom que observemos alguns aspectos antes de nos meter em aventuras demagógicas: esta luta, para que seja efetivamente viabilizada, requererá, além de grande mobilização dos trabalhadores, dos sindicatos e respectivas centrais, uma ampla reforma do sistema tributário que incide especialmente sobre micro e pequenas empresas, já que estas são responsáveis por mais de 80% da oferta de trabalho no país.

Um dos aspectos mais danosos de nosso sistema econômico é a incidência de encargos e obrigações sobre os empreendedores, sobretudo no que respeita ao custo do emprego e a qualificação da mão-de-obra.

Neste caso, o empresário não conta com os necessários subsídios para a realização de tal fim. Enquanto estas empresas pagarem a exorbitância que pagam para manterem e/ou ampliarem seus quadros funcionais, será muito difícil lograr êxito nessa luta.

De um governo sob o domínio de um soi-disant partido de trabalhadores, é de esperar que atue no sentido de favorecer as lutas gerais destes. Mas o que temos assistido, em quase oito anos de gestão petista, é a transformação de entidades sindicais em correias de transmissão de um sistema de um governo por meio da cooptação pura e simples.

As lideranças sindicais enfrentam um processo de "peleguização", atuando mais em benefício do poder dominante do que dos trabalhadores. Já se fala em República dos Companheiros.

Assim, uma luta que pode ser histórica para a transformação de nossas estruturas produtivas arcaicas, com positivo impacto para a geração de emprego e renda, pode tornar-se uma mera proposta eleitoreira e inócua, com o auxílio luxuoso das próprias entidades sindicais em seu "acerto" de cúpula com o governo, contra os reais interesse da classe operária e dos trabalhadores em geral.

Roberto Freire é presidente do PPS

Úlceras em ebulição:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Pelo país afora, as rádios ecoavam ontem o grito de guerra mineiro, na festa que seria para homenagear o passado, com Tancredo Neves, e obviamente badalou o presente e o futuro, com Aécio Neves. "Brasil pra frente, Aécio presidente", ouviu-se o dia inteiro, depois de um locutor atrás do outro registrar "o constrangimento" de José Serra em Minas.

Quem conhece José Serra imagina como ele se sentiu. A velha úlcera deve estar em cruel ebulição.

Mas o sangue calabrês de Serra tem se mostrado de uma frieza incrível. Observa, ouve, analisa, articula e resiste bravamente (ou teimosamente?) às pressões de tucanos, papagaios e periquitos para se lançar logo e botar o bloco na rua.

Deve ter suas razões, pesquisas e conselheiros para seguir essa trilha. Só que ninguém entende. Daí a versão, em ondas, de que vai abandonar o barco e cedê-lo a Aécio, como fez com Alckmin em 2006.

Não faz sentido, porém. Serra completa 68 anos no dia 19 e terá 80 depois de três novos mandatos petistas caso Dilma ganhe agora: quatro anos dela, mais oito com a volta de Lula. É agora ou nunca, pegar ou largar. Por temperamento e por sofreguidão, dificilmente irá largar.

Quanto a Aécio: ele está jogando como deve jogar. Valoriza seu passe e estuda o gramado, sem pressa. Quem tem pressa que tenha.

Mas recusar definitivamente a vice de Serra não é uma decisão simples. Seria segurar Minas, que ele já tem; ganhar o Senado, que não é mais um bom trampolim; patinar na oposição; e armar uma trombada com o candidato Lula em 2014.

Só faria sentido se Aécio estivesse trocando de time, articulando uma vaga com os adversários Lula e Dilma. É uma maldade dizer isso de um governador hábil e experiente, porque, na política, trocar de time não é tão fácil, nem tão lucrativo, como costuma ser no futebol.

Logo, nem Serra nem Aécio têm muito para onde correr. É entrar em campo para ganhar ou perder.

"Ó, Minas Gerais!":: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BELO HORIZONTE - "Chegou a sua vez, governador. Agora está tudo pronto para o senhor falar". Quando Christiane Torloni, a madrinha da cerimônia -de vestido branco e sapatos de salto alto brancos-, pronunciou essas palavras, a multidão (em torno de 6.000 pessoas) havia acabado de ouvir Milton Nascimento cantar "Coração de Estudante".

Milton era a "surpresa" que a atriz foi buscar atrás do palco. Cantou tendo ao fundo um telão que projetava imagens da vida de Tancredo Neves, culminando com a campanha pelas diretas e o desfecho trágico em 1985.

Antes disso, do alto de um púlpito que evocava Brasília, Fafá de Belém interpretou o hino nacional naquele seu estilo sentimental-oceânico. As pessoas gostam. Muitas choraram. Antes disso, o próprio Aécio recebeu um capacete das mãos de operários e apareceu no telão contracenando com Oscar Niemeyer, o centenário idealizador da nova sede do governo mineiro.

Estava, de fato, tudo pronto. A festa, no dia do centenário de nascimento de Tancredo, foi concebida para lançar Aécio à Presidência. Se isso não ocorreu, não foi por falta de apelo local: "Aécio, presidente!, Aécio, presidente!"-o coro da plateia ecoou três vezes. A primeira delas, quando Aécio e José Serra ingressaram juntos no ambiente, ao som de "Ó, Minas Gerais!".

Por ironia, antes da chegada da dupla, a big band que animava os convidados executou uma versão de "Come Together", dos Beatles. Sim, juntos. Mas como?

Para o paulista, o constrangimento do evento não foi pequeno. Teve que pagar -e pagou- seu primeiro pedágio mineiro. Com exceção dos petistas, a república dos políticos estava lá, em peso.

E Aécio, entre eles, navegava com muito jeito, mobilizando todos os clichês da mineiridade, entre o folclore e a modernidade, entre o sentimento da província e os olhos voltados para a capital. Não será fácil a vida de Serra nessa terra que Aécio chama de "o coração do Brasil".

O primo de Suzana é a chave da eleição:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Minas Gerais é uma província. E nunca uma eleição presidencial esteve tão dependente de seus rumos. A província que conta foi o enredo da inauguração da nova sede do governo de Minas.

O editorial de primeira página do principal jornal do Estado - "A reboque não!" - já prenunciava o tom do evento mais esplendoroso dos oito anos do governo Aécio Neves. O governador que conduz, mas não é conduzido não pode alegar que não sabia o que encontraria no dia seguinte em Belo Horizonte.

Os gritos eram de "Aécio Presidente", mas o evento não era um lançamento do anfitrião. Depois de três meses insistindo em ter o candidato a vice definido antes da cabeça de chapa, o PSDB assistiu ao governador José Serra ser submetido a uma constrangedora apoteose da mineiridade.

Aos conterrâneos que saudou, Aécio tratou por "extraordinários". Entre os governadores, a saudação apenas foi extensiva ao irmão de Ciro, Cid Gomes (CE). A quem não estivesse informado, ali se soube que o governador Sérgio Cabral (PMDB) foi casado com Suzana, prima do anfitrião, e que muito os orgulha os três descendentes Neves-Cabral.

A governadora gaúcha Yeda Crusius (PSDB), que esteve prestes a ser cassada, foi tratada como "companheira lutadora e guerreira", o de Santa Catarina, Luiz Henrique (PMDB), como "companheiro de todas as horas, de angústias e de vitórias".

Serra, que abriu a lista dos governadores saudados por Aécio, foi tratado com respeito - "um grande companheiro desta e de outras lutas", - recebeu as boas-vindas a Minas Gerais, mas não ouviu nenhuma menção à disputa presidencial. Talvez porque ainda não seja candidato.

O governador paulista até que vinha se esforçando nos últimos dias. Fez, no Senado, um discurso lapidar na homenagem ao centenário do avô de Aécio. Reconciliou seu PSDB com a matriz da Nova República que o partido rompera na sua fundação.

É improvável que Serra tenha partido para Belo Horizonte na expectativa de que Aécio transformaria o evento num lançamento da chapa tucana. Mas é possível que tenha saído de lá com a impressão de que, pior do que enfrentar a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é depender de Minas para ganhar a eleição.

É claro que Aécio vai pedir votos para o candidato do PSDB. Quem quer que ele seja. Não poderia fazer diferente. Mas se a mineiridade ferida é um sentimento antes da elite política que lotou o evento de ontem que do eleitor do Vale do Jequitinhonha, as limitações da transferência de voto são reais.

É um fenômeno que funciona para o mesmo cargo. Precisou que Marta Suplicy (PT) fosse derrotada com o apoio do presidente na disputa pela Prefeitura de São Paulo e Dilma encostasse em Serra com o mesmo cabo eleitoral para o óbvio finalmente se fazer ouvir.

Em 2008, Aécio suou para, junto com o então titular, Fernando Pimentel (PT), eleger o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB). Perdeu prefeituras importantes que agora terá que correr atrás para fazer o sucessor.

Serra começa a enfrentar a disseminação, em sua base, da tese de que a única maneira de Aécio comandar os votos em Minas seria na cabeça de chapa. E que a chance de o governador paulista ganhar em Minas é menor do que a de Aécio Neves em São Paulo. Face à ausência de racionalidade da recalcitrante montagem da chapa presidencial do PSDB recorre-se ao comportamento eleitoral.

Somados, Norte e Nordeste têm um terço do eleitorado que, nas duas últimas eleições, deu ampla margem de vitória a Lula. Nessas regiões, a ministra Dilma Rousseff já passou à frente de Serra. É nessa fatia do eleitorado que a candidata governista pode colocar sua maior dianteira. A oposição trabalha com uma desvantagem que pode chegar a 10 milhões de votos nesse pedaço.

No Sul e Centro-Oeste, regiões que somam um quinto do eleitorado, o PSDB tem um acumulado de vitórias nas duas últimas eleições e pode levar vantagem. A se confirmarem as boas perspectivas da safra agrícola, cenário distinto das últimas eleições, o voto de protesto não deve colocar os tucanos em ampla dianteira.

Resta o Sudeste onde moram quatro em cada 10 eleitores. No Espírito Santo, Dilma tem o governador e o prefeito da capital em seu palanque. No Rio, idem, além de Anthony Garotinho e Marcelo Crivella a puxar votos no Estado mais permeável ao apelo evangélico. O partido de Fernando Gabeira (PV) tem uma candidata na disputa presidencial e não é um vice tucano que vai dissociar seu palanque do de Marina Silva.

São Paulo é PSDB. Nem quando teve em José Genoino (2002) uma candidatura competitiva ao governo do Estado Lula ganhou o voto paulista, dirá agora que nem candidato tem. Dos três tucanos que já disputaram a Presidência da República, Serra é o que teve a pior votação (28%), mas agora a boa avaliação de sua gestão deve alavancar seu desempenho. É mais do que provável que ganhe, mas nas contas mais otimistas da oposição a vantagem não ultrapassa os 5 milhões de votos, muito aquém do que o necessário para contrabalancear Norte e Nordeste.

É aí que entra Minas. O segundo maior colégio eleitoral do país que votou em Lula e Aécio em 2002 e 2006 soma 14 milhões de votos. O governo tem uma candidata lá nascida. A oposição ainda não tem candidato. Aécio foi taxativo ontem: não estará na cabeça de chapa. Nem puxando nem a reboque. E o governador de São Paulo, numa cerimônia que reuniu a maioria dos prefeitos do Estado, principais cabos eleitorais de qualquer eleição, lá não fez sucesso.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Fernanda Cunha e Johnny Alf










O adeus ao autor de Eu e a brisa

Precursor da bossa nova, o cantor, compositor e pianista Johnny Alf – nascido Alfredo José da Silva, em 19 de maio de 1929, em Vila Isabel – morreu ontem, aos 80 anos, no hospital Mario Covas, em Santo André, região metropolitana de São Paulo, onde estava internado desde segunda-feira.

Há três anos, o músico lutava contra um câncer de próstata e havia interrompido suas atividades profissionais no ano passado – seu último show foi em agosto, ao lado da amiga Alaíde Costa. Sem parentes, ele vivia internado numa clínica de repouso em Santo André.

A ligação com a música começou aos 9 anos, quando começou a ter aulas de piano clássico.

Atraído pela música de autores americanos como Cole Porter e George Gershwin, aos 13 formou seu primeiro conjunto. Em 1952, começou a se dividir entre a ocupação de cabo do exército e shows noturnos e logo gravou um disco de 78 rotações. O primeiro LP, Rapaz de bem, só seria gravado em 1961, embora já fosse uma referência para grandes nomes da bossa nova, como João Gilberto, Tom Jobim e Carlos Lyra. Em 1967, tornou-se nacionalmente conhecido, quando a música Eu e a brisa, que viria a ser seu maior sucesso, competiu no Festival da Record, defendida pela cantora Márcia.

Avesso às concessões comerciais, Alf cruzou durante toda a carreira as fronteiras entre o jazz, a bossa nova e a MPB, em discos como Ele é Johnny Alf (1971), Nós (1974) e Olhos negros (1990), além das mais de 40 gravações de outros artistas das quais participou. O cantor e compositor será velado hoje na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Serra acalma os aliados

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Gesto do governador, de admitir disputar a Presidência, tranquiliza oposição, apesar de Aécio recusar vice

BELO HORIZONTE – Um dia após o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), admitir a possibilidade de concorrer à sucessão presidencial, o clima entre os tucanos e seus aliados mudou.
O gesto de Serra ajudou a tranquilizar a oposição, afastando as dúvidas de que ele poderia desistir. Na grande festa de inauguração da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, a nova sede do governo mineiro em Belo Horizonte, ontem, o governador tucano Aécio Neves fez questão de demonstrar publicamente seu apoio à candidatura de Serra.

Durante o evento e no almoço que ofereceu a seus convidados, no Palácio da Liberdade, Aécio tratou Serra como candidato: “O tempo de uma eventual candidatura minha à Presidência da República passou. Não será dessa vez”, disse Aécio, na saída da cerimônia.

Mas, ao reafirmar sua intenção de concorrer ao Senado, Aécio deixou em aberto outras possibilidades. Apesar de recusar a oferta de ser candidato a vice, que Serra lhe fez durante um encontro em Brasília na madrugada de ontem, o mineiro admitiu que pode mudar de ideia: “O homem público que não resiste a pressões não merece fazer política. Sou um homem de convicções. Tenho as minhas. Enquanto elas não se alterarem, caminho no meu rumo. Se alguém me convencer, em um determinado momento, do contrário, obviamente tenho que avaliar”, disse Aécio.

Esta, aliás, era a aposta de boa parte dos convidados à inauguração da sede do governo mineiro, parte das comemorações do centenário de nascimento de Tancredo, avô de Aécio. O evento foi prestigiado por seis governadores, o vice-presidente José Alencar – que representou o presidente Lula –, além dos ministros Hélio Costa (Comunicações), Carlos Lupi (Trabalho), de grande número de senadores, deputados e prefeitos, do presidente do Supremo Tribunal Federal (Gilmar Mendes) e do ex-presidente Itamar Franco.

“Debaixo dessa ponte mineira ainda vai passar muita água até junho, vai passar o Rio Amazonas ou o Rio Nilo. Vice de Minas não é uma coisa descartada”, disse o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique, do PMDB que não está com Lula. “As chances de Aécio ser vice só estarão encerradas quando a chapa de Serra estiver completa e apresentada”, emendou o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA). Já o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), foi mais cauteloso: “Tratar disso agora é pedir para arrumar confusão. Por enquanto, melhor comemorarmos que não há mais nenhuma dúvida de que Serra é o candidato”.

Na festa de Aécio, festejos para Serra

DEU EM O GLOBO

Ao inaugurar sede administrativa, mineiro trata paulista como candidato

Adriana Vasconcelos* e Marcelo Portela

BELO HORIZONTE. Um dia depois de o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), admitir a possibilidade de concorrer à sucessão presidencial, o clima entre os tucanos e seus aliados mudou. O gesto de Serra ajudou a tranquilizar seus apoiadores, afastando as dúvidas de que ele poderia desistir. Na grande festa de inauguração da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, a nova sede do governo mineiro em Belo Horizonte, ontem, o governador Aécio Neves, que recusou o convite para ser vice na chapa tucana, fez questão de demonstrar publicamente seu apoio à candidatura de Serra.

Durante o evento e no almoço que ofereceu a seus convidados, no Palácio da Liberdade, Aécio tratou Serra como candidato:

- O tempo de uma eventual candidatura minha à Presidência da República passou. Não será desta vez - disse Aécio, na saída da cerimônia.

Mas, ao reafirmar sua intenção de concorrer ao Senado, Aécio deixou em aberto outras possibilidades. Apesar de recusar a oferta de ser candidato a vice, o mineiro admitiu que pode mudar de ideia:

- O homem público que não resiste a pressões não merece fazer política. Sou um homem de convicções. Tenho as minhas. Enquanto elas não se alterarem, caminho no meu rumo. Se alguém me convencer, em um determinado momento, do contrário, obviamente tenho que avaliar - disse Aécio.

Essa, aliás, era a aposta de boa parte dos convidados à inauguração da sede do governo mineiro, parte das comemorações do centenário de nascimento de Tancredo, avô de Aécio. O evento foi prestigiado por seis governadores, o vice-presidente José Alencar - que representou o presidente Lula -, do além dos ministros Hélio Costa (Comunicações), Carlos Lupi (Trabalho), de grande número de senadores, deputados e prefeitos, do presidente do Supremo Tribunal Federal (Gilmar Mendes) e do ex-presidente Itamar Franco.

- Debaixo dessa ponte mineira ainda vai passar muita água até junho, vai passar o Rio Amazonas ou o Rio Nilo. Vice de Minas não é uma coisa descartada - disse o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique, do PMDB que não está com Lula.

- As chances de Aécio ser vice só estarão encerradas quando a chapa de Serra estiver completa e apresentada - emendou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA).

Já o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), foi mais cauteloso:

- Tratar disso agora é pedir para arrumar confusão. Por enquanto, melhor comemorarmos que não há mais nenhuma dúvida de que Serra é o candidato.

Serra evitou entrevistas, mas não escapou de pequenos constrangimentos em sua passagem por Belo Horizonte. Convidado por Aécio a descer a rampa da nova sede ao seu lado - ao lado de Alencar, Itamar, Gilmar Mendes -, Serra foi recebido com palmas protocolares, misturadas com esparsas vaias em meio às 5 mil pessoas presentes. O público de Aécio interrompeu duas vezes a cerimônia com gritos de "Aécio presidente".

Serra fica perto de Ciro, um de seus maiores críticos

Após o almoço, no Palácio da Liberdade, Serra sentou-se de frente ao deputado Ciro Gomes (PSB-CE), um de seus mais ferozes críticos. Ciro estava entre os convidados de honra de Aécio.

- Cumprimentei o governador (Serra) cordialmente, como deve ser. Mas não trocamos idéias. Cada um ficou com as suas - ironizou Ciro.

A festa teve como mestre de cerimônia a atriz Cristiane Torloni. A cantora Fafá de Belém foi convidada para cantar o Hino Brasileiro. E Milton Nascimento cantou "Coração de estudante", enquanto era exibido um filme sobre Tancredo Neves.

* Enviada especial

Muita emoção na despedida

DEU NO ESTADO DE MINAS

Em um discurso emocionado e em tom de despedida do governo de Minas, o governador Aécio Neves (PSDB) reverenciou o centenário de Tancredo Neves durante a solenidade de inauguração da Cidade Administrativa. Diante de dezenas de senadores, ministros de Estado e da Justiça, governadores, além de deputados federais e estaduais mineiros, e sobretudo, do governador de São Paulo, José Serra e da cúpula nacional tucana, Aécio recuperou as grandes figuras mineiras que construíram a história do Brasil e mandou um recado claro: “Minas foi, é e será sempre o centro”, afirmou, reiterando a referência explícita a Afonso Arinos, sugerindo que o estado não ficará em segundo plano nas composições para a sucessão presidencial, pois historicamente desempenha papel fundamental da construção permanente que “é a construção da nacionalidade”.

Num momento em que os tucanos debatem-se em torno da formação da chapa que concorrerá ao Palácio do Planalto, Aécio afirmou: “O tempo da história não é o passado. Não é o presente. O tempo da história é sempre. É ela que nos dá a referência fundamental do que fomos, alimenta o que somos e forja aquilo que poderemos vir a ser”, assinalou o governador mineiro, que citou vários dos grandes homens mineiros que fizeram a história do Brasil, dos anônimos combatentes que travaram a chamada Guerra dos Emboabas, um conflito entre bandeirantes paulistas e um grupo heterogêneo de portugueses e imigrantes de diversas partes do país, passando pelos inconfidentes e grandes figuras da política contemporânea, como Milton Campos, Juscelino Kubitschek, Bias Fortes, Israel Pinheiro, Aureliano Chaves e, por fim, Tancredo Neves, que“esteve no centro de todas as grandes decisões políticas do Brasil contemporâneo”.

O discurso de Aécio Neves foi interrompido, diversas vezes, por gritos de “Aécio presidente”, entoado por multidão de formadores de opinião. Amenizando o constrangimento causado pelo público ao colega tucano, o governador mineiro prosseguiu, dirigindo-se a José Serra, como “meu amigo, meu companheiro de jornadas”. Serra, que estava sentado ao lado do vice-presidente da República, José Alencar (PRB), na primeira fila, manteve-se impassível .

A exemplo da trajetória de Tancredo Neves, que pela interlocução fácil com diferentes partidos e ideologias ficou conhecido como grande conciliador e articulador, a solenidade foi marcada por políticos de diferentes partidos e matizes. Do vice-presidente da República, José Alencar, Aécio recebeu o abraço do presidente Lula, a quem Alencar representou. Ao lado do irmão, governador do Ceará, Cid Gomes, o deputado federal, Ciro Gomes (PSB), pré-candidato à Presidência da República, prestigiou a solenidade. Também presentes o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB), cotado para ser vice na chapa da candidata presidencial petista, Dilma Rousseff, assim como o governador peemedebista do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e o ex-presidente Itamar Franco (PPS). No PSDB, os adversários Beto Richa, prefeito de Curitiba e o senador Álvaro Dias (PR) homenagearam o mineiro, assim como o senador Pedro Simon (PMDB-RS) e a governadora gaúcha Yeda Crusius (PSDB). Sugerindo, ao longo de seu discurso, de que Minas manterá o seu protagonismo na história, Aécio voltou a sinalizar que, apesar da pressão dos líderes tucanos, não comporá a chapa presidencial encabeçada por Serra, mantendo a sua candidatura ao Senado: “Minas é minha causa. Minha casa. Meu chão. Minha pátria”, assinalou o governador.

Apresentada pela atriz Cristiane Torloni, que, ao lado de Tancredo Neves, engrossou vários palanques das “diretas já” país afora, a solenidade foi acompanhada por cerca de 8 mil pessoas. Ainda em referência àqueles anos de luta pela redemocratização do país, a voz de Fafá de Belém ecoou o Hino Nacional do alto da rampa do Auditório JK.

Na sequência, o operário Airton Teixeira, que participou dos trabalhos, em todos os dias, ao longo dos dois anos da construção da Cidade Administrativa, entregou um capacete ao governador mineiro. Para homenagear o conjunto dos operários, foi apresentada uma coreografia de Carlos Gradin, com 500 estudantes do ensino público médio, ao som de Peixe Vivo, sob a performance da sambista Dona Jandira. Chamado ao palco, Milton Nascimento cantou Coração de estudante, enquanto o telão exibia, ao fundo, a trajetória histórica de Tancredo Neves.

Tucanos antecipam propaganda com Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em reação ao crescimento nas pesquisas da pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, o PSDB paulista decidiu antecipar para este mês a propaganda partidária no rádio e na TV, prevista para ser veiculada só em junho, informa Silvia Amorim. O tempo será dedicado integralmente ao governador paulista, José Serra, virtual candidato do partido. A estratégia é dar um tom de balanço de seu governo.

PSDB paulista antecipará horário gratuito para alavancar Serra

Propaganda que seria veiculada em junho sairá este mês e dedicada integralmente ao presidenciável tucano

Silvia Amorim

Em reação ao crescimento nas pesquisas eleitorais da ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, o PSDB paulista vai antecipar para este mês a propaganda partidária estadual em rádio e na TV que deveria ser veiculada só em junho. O tempo será dedicado integralmente ao governador e candidato virtual do PSDB na disputa presidencial, José Serra.

Originalmente, a distribuição do tempo no rádio e na TV entre os partidos pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) dava ao PSDB dez minutos em inserções ao longo da programação neste mês e mais dez minutos em junho.

No fim de fevereiro, o Diretório Estadual solicitou uma antecipação da cota de junho e, há poucos dias, teve a confirmação de que poderá veicular em um única dose as inserções partidárias. Elas serão exibidas nos dias 24, 26, 29 e 31.

Embora com abrangência limitada a São Paulo, a expectativa é de que os vídeos possam, ao menos, neutralizar os efeitos de uma ofensiva que está sendo preparada pelo adversário no berço tucano. A coordenação da campanha petista quer intensificar a presença da ministra no Estado.

As inserções do PSDB serão exibidas uma semana depois das peças estaduais do PT, que vão levar ao ar, no maior colégio eleitoral do País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma, nos dias 12, 15, 17 e 19. Eles vão dividir espaço com o senador Aloizio Mercadante (SP), cotado para disputar o governo paulista, e a ex-prefeita Marta Suplicy, postulante ao Senado.

Na avaliação dos tucanos, o crescimento das intenções de voto na ministra é resultado do aumento da exposição da petista na mídia em geral e, por outro lado, da reclusão de Serra.

O governador resistiu até agora à antecipação do anúncio de uma candidatura e, na opinião do partido, estaria pagando o preço por isso. O prazo final para que se afaste do governo para disputar a corrida presidencial é 2 de abril.

A decisão de antecipar a propaganda foi tomada antes da divulgação da última pesquisa Datafolha, no domingo passado, em que Dilma apareceu com apenas quatro pontos porcentuais atrás de Serra. Entretanto, já havia na época a percepção da escalada da adversária.

De acordo com o levantamento, o governador tem 32% das intenções de voto e a ministra, 28%. Essa diferença já foi de 14 pontos porcentuais.

BALANÇO DE GESTÃO

A estratégia tucana para as inserções é explorar ao máximo as vitrines da gestão Serra, dando um tom de balanço final de governo. As gravações ainda não começaram, mas obras de relevância nacional - como o trecho sul do Rodoanel, a ampliação de rede de escolas técnicas e o projeto de saneamento Onda Limpa, que está fazendo milhares de ligações de esgoto e de água no litoral paulista - não devem ficar de fora.

A propaganda partidária torna-se ainda mais relevante porque será a única a que terá direito o PSDB estadual neste ano. Em ano eleitoral, as inserções ficam suspensas no segundo semestre.

Por enquanto, todo o tempo será usado pelo presidenciável. Embora seja uma propaganda estadual, o partido não cogita incluir os pré-candidatos à corrida estadual, o ex-governador Geraldo Alckmin e o secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira.

Ainda não está definido o formato dos vídeos - se serão 10 inserções de 30 segundos por dia ou 5 de 1 minuto. Há uma tendência de que se opte pela primeira opção.

Tasso cobra pressa para colocar candidatura na rua

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A formação da chapa tucana continua sendo motivo de expectativa e tensões entre os oposicionistas. Ontem, líderes se alternaram na cobrança para que José Serra assuma logo a condição de presidenciável, na esperança de que Aécio Neves possa rever a decisão de não aceitar a vaga de vice na chapa. Aécio disse não ao convite de Serra, mas a impressão é que o assunto não está arquivado.

"Precisamos sair da inércia e ir para a rua com um candidato à Presidência", pregou o senador Tasso Jereissati (CE), possível plano B para uma chapa puro-sangue. "A ordem não pode ser inversa. O próximo passo é o governador José Serra dar o sim ao PSDB. É isso que estamos esperando", disse o deputado Rodrigo de Castro (MG), fiel aliado de Aécio.

A ideia é não melindrar o mineiro, já que a decisão pode ficar para meados do ano. "Falar de vice agora é arrumar briga, arrumar confusão. Ninguém é doido de tratar disso agora", observou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). E.K., R.M. e C.S.

PSDB "lança" Serra candidato; plateia em Minas pede Aécio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Anfitrião brincou com colega paulista pedindo "ministros mineiros" nos tribunais

Enquanto cúpula do partido mostra alívio com definição, paulista contorna pressão para que lance oficialmente candidatura antes do prazo

Valdo Cruz
Catia Seabra
Enviados especiais a Belo Horizonte
Acolhido como candidato a presidente num almoço oferecido pelo colega Aécio Neves ao comando do PSDB e do DEM, o governador de São Paulo, José Serra, viveu o constrangimento de ser recebido por um coro de "Aécio presidente", horas antes, ao chegar à inauguração da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves.

O mal-estar se estendeu por um minuto, enquanto Serra era conduzido por Aécio até a área da inauguração. O coro voltou à carga nas duas vezes em que Aécio foi chamado ao palco do evento. No almoço, porém, o próprio Aécio tratou Serra como candidato à Presidência."Serra, quando você for presidente, indique uma meia dúzia de ministros mineiros para os tribunais. Antes havia mais", brincou Aécio, ao lado do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Nilson Naves, que é mineiro. Serra respondeu que não cabe ao presidente indicar, e sim uma lista tríplice.

Dois dias depois de um jantar com Serra, Aécio descartou, enfaticamente, a hipótese de concorrer à Presidência. "É preciso e vou dizer taxativamente: o tempo de uma eventual candidatura minha à Presidência passou. Não será desta vez".

Como a Folha revelou ontem, Serra admitiu em conversas nos últimos dias que é candidato à Presidência.

Embora resista à pressão e diga que não será vice de Serra, Aécio deixou uma porta aberta para analisar a hipótese no futuro. "Sou um homem de convicções. Tenho as minhas. Enquanto elas não se alterarem, caminho no meu rumo. Se alguém me convencer, em um determinado momento, do contrário, obviamente tenho que avaliar. Mas estou absolutamente convencido de que a melhor forma de ajudar ao nosso projeto é estando em Minas", disse Aécio.

Em conversas com aliados, Aécio até reconhece, muito remotamente, a possibilidade de ser vice, mas, lembrando ter esperado muito por uma definição de Serra, avisa que só tomaria sua decisão em junho.

O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), tem esperança que Aécio componha a chapa, desde que, agora, a pressão sobre o mineiro arrefeça.

Chamado de "presidente" pelo senador Flexa Ribeiro (PA) e tratado como candidato pelos congressistas tucanos -"Estou firme contigo", disse Flávio Arns (PR)-, Serra, por sua vez, pediu que o partido não cobre o anúncio imediato de candidatura. Certo de que não manterá o mesmo ritmo de exposição quando deixar o governo, ele defende que o anúncio só ocorra no fim deste mês.

Sinais

"Todos os gestos que ele tinha de fazer, Serra já fez. A estratégia dele está correta. Funcionou em 2004 e em 2006", argumenta o deputado Jutahy Magalhães (PSDB-BA).

Nem todos os tucanos pensam assim. Cogitado como alternativa para a vice, o senador Tasso Jereissati (CE) afirma que, "para ser vice, é preciso ter um candidato na rua".

Antes ansioso por uma manifestação pública, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), demonstrava confiança na candidatura Serra. Citando sua passagem por Minas e lembrando que hoje ele estará em Goiânia, disse que a agenda do governador paulista é "uma prova para que ninguém duvide de que ele é o candidato".

O próprio Serra, contudo, evitou dar entrevistas assumindo oficialmente a candidatura. O mineiro comentava com Serra na frente de jornalistas que a imprensa precisava acreditar que eles estão se dando bem. "Foi assim que resolvemos tudo", afirmou o mineiro, numa referência ao jantar em que Serra deu sinais claros de que será candidato. Questionado sobre o que havia sido resolvido, o paulista se limitou a dizer: "Nada ainda".

Hoje, em clima de pré-campanha, ele participa da festa de aniversário do senador Marconi Perillo em Goiânia (GO).

MP: verba pública favoreceu Garotinho

DEU EM O GLOBO

Os ex-governadores do Rio Anthony e Rosinha Garotinho e mais 86 pessoas foram denunciados pelo Ministério Público por improbidade administrativa e tiveram os bens bloqueados pela Justiça. Segundo o MP, a campanha de Garotinho à Presidência em 2006 pelo PMDB recebeu recursos desviados do estado: ONGs contratadas pelo governo Rosinha davam dinheiro à campanha.

MP: estado abasteceu campanha de Garotinho em 2006

Ex-governadores e mais 86 pessoas têm bens bloqueados

Carla Rocha e Maiá Menezes

Ocaminho do dinheiro, rastreado pelo Ministério Público Estadual, comprovou: em 2006, a pré-campanha do ex-governador Anthony Garotinho à Presidência da República pelo PMDB recebeu recursos desviados do estado. As empresas Emprim, Inconsul e Teldata, que fizeram doações, depositaram R$600 mil na conta do PMDB do Rio após receberem por supostos serviços prestados a ONGs contratadas pela Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), do governo do estado. Na época, Rosinha Garotinho era governadora do Rio. A estimativa preliminar do MP é de que esse braço do "esquema das ONGs" causou um prejuízo ao erário de R$58,7 milhões.

Garotinho, agora pré-candidato ao governo do estado pelo PR, Rosinha e 86 réus foram denunciados à Justiça por improbidade administrativa. Se condenados, os réus ficarão inelegíveis, perderão os direitos políticos por dez anos e terão que devolver o dinheiro aos cofres públicos. Ontem, a juíza Mirella Letízia Guimarães Vizzini, da 3ª Vara de Fazenda Pública, determinou o bloqueio dos bens de todos os acusados e a quebra do sigilo bancário de oito deles, de junho de 2003 a dezembro de 2007. Entre os que tiveram o sigilo bancário quebrado não está o casal Garotinho.

O caso também está sendo investigado na esfera criminal pelo MP, o que, segundo os promotores, pode levar a outras denúncias, como lavagem de dinheiro. Há outras quatro ações sobre o esquema das ONGs na Justiça. Em uma delas, Garotinho já tinha virado réu.

Dinheiro usado para compra de imóvel

Depois de terem rastreado os recursos empregados na campanha, os promotores investigam o destino dado ao restante do dinheiro desviado. Os primeiros levantamentos já demonstraram que os operadores da fraude compraram imóveis e fizeram pagamentos a "laranjas" e empresas fantasmas.

- Fica comprovado, sem margem para dúvida, que a pré-campanha à Presidência do ex-governador Garotinho, em 2006, foi financiada com desvio de dinheiro público - disse o promotor Eduardo Carvalho, um dos autores da ação.

A movimentação bancária da Teldata em 17 de fevereiro de 2006 deixa claro o esquema. Naquele dia, o IBDT, contratado pela Fesp, fez dois pagamentos na conta da Teldata, de R$140 mil e R$30 mil. Já o Inep, outra ONG que recebia recursos da Fundação e nada tem a ver com o órgão do Ministério da Educação, depositou R$80 mil para a empresa. Os dois pagamentos totalizavam R$250 mil. No mesmo dia, foram compensados cinco cheques sequenciais (de R$50 mil, R$48 mil, R$52 mil, R$66 mil e R$34 mil) da Teldata em favor do PMDB. Ou seja, uma doação no mesmo valor pago pelas ONGs, e no mesmo dia. Para o MP, o único intuito dos pagamentos feitos à Teldata era dissimular a verdadeira origem dos recursos da campanha.

De acordo com o MP, o "esquema das ONGs" teve início com uma ordem da governadora Rosinha para que todos os órgãos estaduais contratassem a Fesp para a execução de projetos de "contornos vagos e imprecisos", que geralmente envolviam mão de obra terceirizada. A orientação teria sido formalizada por um decreto em agosto de 2005. A fiscalização desses projetos era omissa, e os custos, segundo a denúncia, não eram verificados. Depois, a Fesp subcontratava ONGs que, por sua vez, pagavam milhões a empresas fantasmas por serviços que não eram prestados. As pessoas que estavam por trás dessas empresas ganhavam "comissões" e devolviam o dinheiro - em geral sacado na boca do caixa de uma mesma agência bancária no Centro do Rio - aos organizadores do esquema.

Apesar do grande número de ONGs contratadas pela Fesp, as investigações se concentraram no Inep, Inaap, IBDT e CBDDC. Entre 2003 e 2005, as quatro entidades receberam mais de R$257 milhões, a maior fatia do total de recursos distribuídos pela Fundação. Na outra ponta, os promotores focaram três das quatro empresas que doaram para Garotinho: Emprim, Inconsul e Teldata. Numa série de reportagens publicadas em 2006, O GLOBO mostrou que as três empresas, mais a Virtual Line, também citada na ação, não prestavam serviço ou não funcionavam nos endereços fornecidos pelo PMDB. Os sócios, por sua vez, dirigiam ONGs contratadas pelo estado.

O MP relata na ação que o esquema montado era extremamente complexo e exigia a articulação entre dezenas de pessoas e empresas. Porém, ressalta que o controle da organização ficava nas mãos de um grupo restrito. Dentro do governo, havia núcleos na chefia do Executivo, na direção dos órgãos públicos contratantes e na Fesp. Fora, funcionava um núcleo operacional, chefiado pelo empresário Ricardo Secco, que controlava a maior parte das ONGs e captava notas frias. Outro, vinculado ao PMDB de Petrópolis, era chefiado por Tufi Soares Meres, secretário do diretório do partido no município. Na época, o presidente do diretório era Carlos Alberto da Silva Lopes, que também presidia o CCBDC. Por último, havia um núcleo de lavagem de dinheiro, sob a responsabilidade do contador Ruy Castanheira, que montava as empresas fantasmas. Preso na Operação Águas Profundas, Castanheira é acusado de participar de fraudes contra a Petrobras.

Os promotores também denunciaram dirigentes de empresas do estado que contrataram a Fesp para executar projetos em que teriam ocorrido desvios. De nove órgãos que contrataram a fundação entre 2003 e 2006, num total de R$426,5 milhões, sete teriam participado das fraudes. Os ex-presidentes da Cedae Aluízio Meyer e Lutero de Castro Cardoso são denunciados, além de Oscar Berro, ex-presidente do Instituto Vital Brazil, e do ex-secretário de Saúde Gilson Cantarino, preso na Operação Pecado Capital. De 2003 a 2006, a Fesp empenhou R$410 milhões para ONGs. As quatro investigadas pelo MP receberam 62,76% desse total.

Doadoras receberam R$30 milhões de entidades contratadas pelo estado

DEU EM O GLOBO

Cerca de 60% dos recursos de empresas foram sacados na "boca do caixa"

Carla Rocha, Maiá Menezes e Daniel Brunet

Doadoras da pré-campanha do ex-governador Garotinho à Presidência pelo PMDB em 2006, as empresas Emprim e Inconsul receberam R$30 milhões das ONGs contratadas pelo governo do estado na gestão Rosinha Garotinho, mais da metade do total estimado para o desvio de recursos públicos (R$58 milhões). Desse total, 60% foram sacados na "boca do caixa". De acordo com a denúncia do Ministério Público estadual, o dinheiro era, quase na totalidade, oriundo dos cofres públicos já que era fruto de repasses feitos por Inep, Inaap, IBDT e CBDDC.

Além dos saques em espécie e do financiamento da pré-candidatura de Garotinho, os recursos destinados pelas ONGs à Emprim e à Inconsul também foram apropriados por pessoas e empresas "fantasmas" ligados aos operadores do esquema. A partir daí, os promotores identificaram um sistema complexo de lavagem de dinheiro. Para eles, "ONGs e empresas são fachadas diferentes de um comando único, que é o escritório do (empresário) Ricardo Secco".

Gravações ligam esquema a peemedebista

A análise da movimentação bancária revelou que o desvio, através da Emprim e da Inconsul, beneficiou 12 empresas, que receberam cerca de R$1,5 milhão, e 26 pessoas, que sacaram 2,5 milhões. Entre as empresas beneficiadas, estão a Editora Gráfica Imperador, PSA Revelações Fotográficas e Toys & Games, todas ligadas ao então secretário do diretório regional do PMDB em Petrópolis, Tufi Soares Meres, que receberam mais de R$3,2 milhões. Como pessoa física, Tufi recebeu ainda R$20 mil do INAAP, R$73,3 mil da Emprim e R$2,9 mil da Inconsul, num total de R$96,2 mil. As escutas revelam ainda que ele também recebia valores em espécie, sem registro bancário. Numa conversa gravada, Ruy Castanheira conta a Ricardo Secco que "adiantou" R$50 mil a Tufi, identificado como Gordinho da Serra.

Ricardo Secco: - Fala, meu mestre!

Ruy Castanheira: - O Gordinho (Tufi) me achou, cara, tá vindo desesperado atrás de mim, bonitão! Eu posso emprestar 50 pra ele com o seu aval?

Ricardo Secco: - Pode. E depois, na hora que você precisar, você me avisa. E quanto mais tarde você precisar melhor.

Toda essa operação de depósitos e saques dos recursos públicos era concentrada numa única agência bancária no Centro da cidade, onde 36 pessoas que integravam o esquema de fraude - fossem ligadas a ONGs ou a empresas fantasmas - tinham contas.

O depoimento de um gerente do banco deu aos promotores a convicção de que Ricardo Secco e Tufi Soares Meres atuavam juntos na administração das contas bancárias do INEP, INAAP e IBDT e da Emprim e Inconsul. O gerente disse, em seu depoimento, que as "as contas de INEP, INAAP, IBDT, Emprim e Inconsul faziam parte do mesmo grupo, porque havia vínculos entre os representantes". Segundo ele, o gerente de negócios da agência se relacionava com Ricardo Secco e Tufi Soares Meres.

Policiais cedidos ao Ministério Público apreenderam ontem documentos e dois computadores, durante o cumprimento de oito mandados de busca e apreensão, em 16 endereços, no Rio, Niterói e cidades do interior do estado. Os agentes do MP apreenderam computadores da casa de Renato Ferreira Alves, que à época dos desvios era contador das empresas fantasmas.

Apontado como chefe do esquema, empresário foi a reuniões na Fesp

DEU EM O GLOBO

Discreto, Secco concentrava operações financeiras, segundo os promotores

Discreto, o empresário Ricardo Secco é apontado pelo MP como o grande articulador do "esquema das ONGs". Embora não figurasse no rol de diretores de qualquer das entidades contratadas pela Fesp, ele participava das reuniões de trabalho dentro do órgão estadual. A informação foi fornecida aos promotores do caso por duas testemunhas. Uma delas, Luiz Fernando Victor, ex-presidente da Fundação.

Num escritório mantido por Secco na Avenida Rio Branco, no Centro, eram discutidas todas as operações financeiras das ONGs e das empresas, incluindo o recebimento de valores em espécie. Segundo o MP, ele encomendava notas fiscais frias para encobrir o desvio de dinheiro público. São várias os grampos que demonstram a forma de atuação de Secco. Na ação, é citado o caso do projeto "Saúde em Movimento" do CBDDC. À medida que a Fesp fazia os pagamentos para a entidade, ele agia para obter notas que justificassem despesas fictícias.

Em 22 de abril de 2005, a Fesp pagou a primeira parcela de R$11,1 milhão ao CBDDC. No dia 11 de maio, numa conversa telefônica com Ruy Castanheira, que lhe conseguia as empresas fantasmas, Secco pede uma nota de R$30 mil para justificar a realização da transferência bancária, com posterior saque e devolução. No dia seguinte, Ruy recebe R$30.875,28 por intermédio da conta da Intecdat e, no mesmo dia, saca R$30.140,00. Logo depois, vai levar o dinheiro no escritório de Secco.

As operações se repetiram no pagamento da segunda e da terceira parcelas ao CBDDC. Em 23 de maio, a Fesp pagou R$14,1 milhões. Em 30 de maio, Secco pede a Ruy notas frias na ordem de R$340 mil. No período entre 31 de maio e 10 de junho, a Intecdat e Max Press recebem do CBDDC um valor total de R$341.840,77 para ser sacado e devolvido. Em 23 de junho, a Fundação desembolsa a terceira parcela, no valor de R$11,1 mihões. Numa ligação telefônica de 29 daquele mês, Secco diz a Ruy que havia feito a "programação" dos pagamentos do CBDDC e que planejava mandar "200 e pouco" para ele, além de outros 200 para Paulo Antunes (responsável pela empresa fantasma South, mediante comissão de 4,38%). Entre 4 e 7 de julho, as empresas Intecdat e Max Express recebem um valor total de R$211.486,47. Mais uma vez, diz o MP, valores são devolvidos aos organizadores do esquema.

Mais tarde, as escutas revelaram que Secco continuava a controlar as operações, porém, através de Izabel Gatto Christina Ramos, uma das denunciadas. Numa conversa telefônica com Castanheira, a própria Izabel diz que ela e o patrão (Secco) são "uma pessoa só". Ela passou a endossar vários cheques que circulavam entre os integrantes do grupo. Parte dos recursos teria sido usada na compra de um apartamento na Tijuca para Izabel.

A movimentação bancária da Emprim e da Inconsul mostra que Secco teria se apropriado de R$1 milhão. Parentes do empresário, como a atriz Deborah Secco, filha dele, teriam sido beneficiados por repasses, segundo o Ministério Público.

Os denunciados pelo MPE

DEU EM O GLOBO

Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho, Aluízio Meyer de Gouvêa Costa, Celso de Almeida Parisi, Lutero de Castro Cardoso, Gilson Cantarino O`Dwyer , Oscar Jorge Berro, Solange Pereira de Almeida, Carlos Henrique Minardi Pereira, Luiz Carlos dos Santos, Luiz Fernando Victor, Paulo Sérgio da Costa Lima Marques, Ozeias Santos Leal, Joaquim Dias Vargas, Leila Pereira Branco, João Luiz Valente Alves, Elyan Dellaperuta, Ana Maria Blanco Mota, Vitor Auguste Neto, Antonio Carlos Baião, Maria Inês Machado Braga, Aecio Alves da Costa, Eliane Botelho Ferreira Nunes, Neuci Santoro Soares, Ricardo Tindó Ribeiro Secco, Angelina Direnna Secco, Bárbara Filaho Secco, Deborah Fialho Secco Flores, Ricardo Fialho Secco, Silvia Regina Fialho Secco, Luz Produções Artísticas S/C LTDA, Luiz Antônio Motta Roncoli, Anna Paula Raja Roncoli, Nildo Jorge Nogueira Raja, Pedro Augusto Motta Roncoli, Consultoria Tecnopoint Ltda (antiga Informax Alta Tecnologia) , Walter Iris de Oliveira Gatto, Izabel Christina Gatto Ramos, José Roberto Ramos, Estefano Bezerra da Silva, Célio Direnna, Frederico Guilherme de Sousa Irapuam Ribeiro, José Ferreira Bernardo, Celso Augusto de Arantes Pereira, Caap - Assessoria Financeira e Soluções Empresariais, Eduardo Diniz Arantes Pereira, Renato Ferreira Alves, José Onésio Rodrigues Ferreira, José Carlos Madeira da Silva Maia, João Luiz Brandão Filho, José Luiz Vieira, NUCAS - Núcleo de Ação Social (antigo CBDDC - Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Cidadania), Inep - Instituto Nacional de Pesquisa e Ensino da Administração Pública, tendo como representante legal Luiz Antonio da Motta Roncoli, Inaap - Instituto Nacional de Aperfeiçoamento da Administração Pública, tendo como representante legal Roberto Ricardo Silveira da Rosa, IBDT - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Treinamento, Coopensino - Cooperativa de Profissionais de Ensino e Serviços de Apoio, Coopersonal - Cooperativa de Prestação de Serviços e Consultoria, Pro Service - Consultoria e Cooperativa de Prestação de Serviços Ltda, Emprim - Empresa de Projetos de Informática, tendo como representante legal Estefano Bezerra da Silva, Inconsul - Informática e Consultoria de Projetos Ltda, tendo como representante legal Estefano Bezerra da Silva, Magister - Sistemas e Projetos Ltda, Zoira Assessoria Ltda (antiga MDE Marketing Digital), Teldata - Telecomunicações e Sistemas Ltda, Virtual Line - Projetos e Consultoria de Informática Ltda, Infocrerj - CECM dos Profissionais de Informática da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Carlos Alberto da Silva Lopes, Helio Bustamante da Cruz Secco, Ralph Corrêa de Araújo, Tufi Soares Meres, Editora Gráfica Imperador, PSA Consultoria em Telecomunicações (atual denominação de PSA Revelações Fotográficas Ltda), Toys & Games Comércio e Serviços Ltda, Metodata Tecnologia em Sistemas e O & MS/C Ltda, Ruy Castanheira de Souza, Wilson Ribeiro Diniz, Paulo Antunes Filho, Cobrar Assessoria em Cobrança Ltda, Intecdat Serviços Técnicos Ltda, Luxfor Serviços e Representações Ltda, Max Express Representações, Petruscar Locadora de Veículos Ltda, South Comércio e Serviços de Informática Ltda, Dolphins Flying Gestão Contábil e Assessoria Empresarial Ltda (antiga Alves e Chianello Contabilidade e Assessoria), Moonlight Informática Ltda (antiga Acesso Tanguá Manutenção e Instalação de Equipamentos), Ariovaldo da Hora Filho, Ana Claudia do Nascimento Araújo, Rafael Alves Viana, Marcelo Alexandre Coimbra.

Garotinho se defende atacando promotores

DEU EM O GLOBO
Ex-governador só se pronuncia em seu blog e volta a dizer que devolveu os R$650 mil doados por empresas

Daniel Brunet

Para se defender da nova acusação do Ministério Público estadual, o ex-governador Anthony Garotinho atacou os promotores, a quem chamou de cabos eleitorais do governador Sérgio Cabral, e divulgou, em seu blog, duas decisões judiciais que teriam extinguido outras ações de improbidade administrativa contra ele. Só que as medidas, uma do desembargador Celso Ferreira Filho e outra da juíza Natascha Maculan Adum, não são definitivas. Em um dos casos, o MP recorreu.

O imbróglio judicial acontece não pelo conteúdo das acusações, mas por falta de entendimento sobre quem deveria ter investigado Garotinho e Rosinha, que tinham foro privilegiado - o que dá o direito de ser investigado pelo Procurador-Geral de Justiça - quando governadores.

As ações começaram a ser propostas pelos promotores depois que Rosinha Garotinho deixou o governo.

O ex-governador voltou a afirmar que devolveu os R$650 mil às empresas Inconsul e Teldata, que seriam usados em sua pré-campanha, tão logo descobriu que elas recebiam verba do governo. Contudo, o diretório estadual do PMDB, que à época era dirigido por Garotinho, reforçou, ontem, por meio de nota, que a decisão foi do partido, com a participação de Garotinho.

Ex-governador só se pronunciou pela internet

Garotinho evitou a imprensa e decidiu que comentaria o caso apenas em seu blog, onde fez ataques ao GLOBO e aos promotores da Tutela Coletiva, responsáveis pela ação e que foram acusados pelo ex-governador de armarem um "espetáculo pirotécnico" e "mais uma jogada eleitoreira" contra ele e Rosinha Garotinho. A ex-governadora, hoje prefeita de Campos, disse que não comentaria.

- Quero adiantar que, além de covardes, esses promotores são antiéticos. Já tenho contra eles duas representações, que estão sendo apreciadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, onde provo que eles agiram de má-fé para induzir a Justiça a erro, em outras duas ações idênticas a essa, contra mim e Rosinha e que já foram extintas pela Justiça - acusou ele.

Garotinho se refere ao deferimento de um agravo de instrumento que ele interpôs pedindo a retirada de seu nome e o de Rosinha Garotinho. O MP, no entanto, já recorreu dessa medida, que será analisada pela 3ª vice-presidência do Tribunal de Justiça. No outro caso, a juíza Natascha Maculan Adum determina a retirada dos nomes do casal e o ex-secretário de saúde Gilson Cantarino da lista de réus. E o MP ainda pode recorrer.

O procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, defendeu a competência dos promotores para investigar o caso.

- No nosso entendimento, eles não eram mais governadores, e a atribuição (para a investigação) era dos promotores. Essa última ação é um trabalho técnico e não tem propósito político - defendeu Lopes.

Acusados negam participar do esquema

DEU EM O GLOBO

Oscar Berro, ex-diretor do IVB, afirma que teve as contas aprovadas

Daniel Brunet

A ação do Ministério Público pegou alguns acusados de surpresa. Ex-presidentes do Instituto Vital Brazil (IVB), o médico Oscar Berro, hoje diretor de gestão hospitalar do Ministério da Saúde no Rio, e a deputada federal Solange Almeida (PMDB) disseram que souberam do caso pela imprensa e negaram qualquer envolvimento com o esquema. Ricardo Secco e Ruy Castanheira não foram localizados.

O advogado Sérgio Tostes, que representa a atriz Deborah Secco, seus irmãos e mãe, disse que vai pedir, nos próximos dias, a exclusão dos nomes dos quatro da lista de réus no processo de improbidade.

- Não conheço o processo, mas a impressão que tenho é que não há justificativa para que Deborah, sua mãe e irmãos estejam entre os réus. Assim que tiver acesso ao processo, vou pedir a exclusão dos nomes deles. A posição deles é totalmente diferente da do pai. Eles não têm envolvimento que os coloque entre os réus. Deborah Secco não quis falar sobre o caso. Informou, por sua assessoria, que está tranquila, pois nunca teve envolvimento com a política.

Deputada diz que deu continuidade a trabalho

A defesa do ex-secretário Gilson Cantarino reforçou que a responsável pelas contratações das ONGs era a ex-subsecretária Alcione Athayde, denunciada por improbidade administrativa em 2008, e que dessa vez não foi citada.

- O dr. Gilson tinha o papel formal. Mas era a Alcione a responsável pelas contratações - diz o advogado Yuri Sahione.

O médico Oscar Berro, que comandou o IVB em 2004, se defendeu dizendo que teve suas contas aprovadas e desenvolveu os trabalhos propostos.

Já Solange Almeida, que assumiu o IVB em 2005, afirmou que apenas deu continuidade aos programas e diretrizes da antiga gestão:

- Eu não criei nada.

A MORTE – Graziela Melo

Quando
Será
A morte
Aquela
Na qual
Tanto
Penso?

É que
Já não
Vislumbro
Um norte

Depois
De um caminho
Longo
E extenso!!!

Como
Será
A morte

Aquela
A quem
Tanto temo?

Lenta?
Mortificante?
Abrupta,
Horripilante,
Repentina?

Ou seria
Alegre
Festiva,
Com cravos
E margarida
Salpicada
De confetes
E serpentina?

Enquanto
A morte
Não chega
Cada dia
Que amanhece
É dia de
Despedida

È o último sol
A ultima lua
O ultimo pássaro
Que voa
O último chopp
O último dia
De rua
A última voz
Que é tua
E me despeço
Da vida!!!


Rio, 4 de março de 2010

Homens de Atenas:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O primeiro-ministro grego, George Papandreau, começa hoje a circular por Berlim, Paris e Washington atrás de apoio ao país, depois de anunciar esta semana seu terceiro pacote fiscal. Os dois primeiros não convenceram muito, nem as autoridades dos maiores países europeus a ajudar a Grécia, nem os mercados. Ao fim do périplo, talvez os gregos respirem aliviados.

O ministro da economia, George Papaconstantinou, comparou a manobra que o governo socialista está fazendo, para mudar o rumo dos acontecimentos econômicos e fiscais do país, com o esforço para desviar o Titanic do confronto desastroso. Posto assim, parece tarefa digna do famoso semideus da Grécia Antiga. Como nenhum dos dois Georges é Hércules, é melhor apostar em soluções menos olímpicas.

O terceiro pacote descontenta funcionários públicos, comerciantes, taxistas, fumantes, contribuintes em geral, mas apesar disso uma pesquisa indica que 60% dos gregos apoiam os esforços do governo para superar a crise causada pela herança maldita da farra fiscal do governo anterior.

O imposto sobre valor agregado subiu de 19% para 21%, espalhando o impacto nos preços em geral. Aumentou o imposto sobre cigarros, bebidas alcoólicas, carros de luxo e combustíveis. Os cortes de gastos públicos vão atingir as bonificações recebidas pelos funcionários públicos no Natal, na Páscoa e no verão. Juntos, esses extras cortados significam um mês de salário. Os aposentados terão suas pensões congeladas. O combate à sonegação exigirá recibo de todo mundo, até de taxista.

Tudo isso feito com um propósito: convencer os países europeus, especialmente a Alemanha, a dar um empréstimo de US$27 bilhões à Grécia para que o país possa pagar seus compromissos de curto prazo, que vencem em dois meses. Se rolar isso, o governo acha que conseguirá, com mecanismos de mercado, rolar o restante da dívida pública, que vence ao longo do ano, de mais 53 bilhões de euros.

Os europeus, Alemanha à frente, estão prisioneiros de dois medos: ajudar a Grécia e, desta forma, criar um moral hazard que leve todos os outros países com alta dívida, alto déficit e baixa capacidade de financiamento ? como Portugal, Espanha, Irlanda, Itália ? a apostar que a ajuda virá de qualquer maneira. Não ajudar, e ver o primeiro caso de um país cuja moeda é o euro a entrar em moratória. Por isso, o terceiro caminho que se busca é apertar as exigências sobre a Grécia para que o país faça todo o esforço fiscal possível, cortando na própria carne, e tendo uma meta de déficit público declinante, como pré-requisito para ter o apoio. Hoje em 12,7% do PIB, o déficit tem que cair para 8,7% no final do ano e ir até 2012 a 3%. Se o cerco não fosse feito aos gregos, todos os outros países em dificuldade iriam bater às portas da Alemanha para pedir ajuda sem disposição para fazer o esforço fiscal. Por isso, a Grécia está firmando o modelo de que a ajuda será possível se houver esforço interno para ajustar as contas.

O caso da Grécia mostra que o mundo não mudou. Países ricos estão com déficits e dívidas altas, mas continuam rolando suas dívidas a preços baixos; países que não fazem parte dessa elite do planeta não conseguem rolar suas dívidas a baixo preço. Tudo o que Papandreau está fazendo é para ter um objetivo, como disse à imprensa: "Quero rolar minha dívida ao mesmo preço que os outros países do euro." Ontem, três pacotes fiscais depois, muito protesto nas ruas e greves, ele conseguiu captar 15,5 bilhões de euros no lançamento de novos títulos, mas com juros de 6,4%, dois pontos percentuais acima do que é pago pelos portugueses e o dobro do que paga a Alemanha. A demanda foi boa porque os investidores estão contando que a ajuda ao país virá.

O mercado está convencido de que, no final das contas, os países da União Europeia vão fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que um dos seus membros declare moratória. Se houver dúvida sobre isso, o custo da dívida volta a disparar como nas últimas semanas. A Grécia tem um plano B que é pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e entrar então naqueles velhos programas de austeridade fiscal fiscalizada, em troca de empréstimos cheios de condicionalidades, que conhecemos tão bem. O FMI já disse que está preparado para abrir negociação com a Grécia, mas que entende que os europeus queiram primeiro resolver entre eles a questão dos países com dificuldades fiscais. A conclusão dessa guerra helênica é uma só: de que é apressado e perigoso concluir que a austeridade fiscal, o controle do crescimento da dívida, são objetivos do velho e ultrapassado mundo ortodoxo. Há muita gente aqui no Brasil entendendo assim o que houve no mundo nos últimos dois anos. Como disse na semana passada o economista José Roberto Mendonça de Barros: "aqui, todos começaram keynesianistas e terminaram gastadores." O gasto excessivo continua sendo um perigoso desestabilizador das economias.

A crise grega é em si um problema para a proposta de uma moeda comum. Ela se sustentava na ideia construída pelo Tratado de Maastricht, de que todos tivessem o mesmo comportamento fiscal responsável. Agora se viu que vários dos 27 países não ficaram dentro dos limites fiscais. Isso não aconteceu apenas no tempo da gastança na época da crise. Mesmo antes, os governos já estavam gastando mais do que era necessário e prudente.

A grande transformação :: Armando Castelar Pinheiro

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A Grande Transformação é o título da primeira seção do documento com as diretrizes de um eventual governo Dilma Rousseff. A expressão não se refere ao que fazer no futuro, mas à visão do que ocorreu no atual governo. É um documento político, sendo natural que apresente uma leitura engajada do passado e um amplo rol de boas intenções. Não seria razoável dele exigir a isenção e objetividade que se poderia esperar, por exemplo, de uma análise acadêmica. Isso posto, porém, há que considerar que nele estão as linhas mestras do que pode vir a ser o próximo governo. Cabe, portanto, discuti-lo com alguma profundidade, como aliás se deve fazer com os projetos de todos os candidatos.

O documento cobre áreas tão diversas como crescimento econômico, políticas sociais, reforma agrária, direitos de minorias etc. Algumas propostas, como o controle dos meios de comunicação, que remete à situação na Venezuela, certamente gerarão polêmica. Numa leitura seletiva, há pelo menos outras quatro questões que também merecem mais debate.

Primeiro, a interpretação de que o atual governo foi de ruptura. O Brasil vem se transformando há duas décadas, pela soma das mais variadas reformas. A grande transformação do atual governo não se deu, porém, nas políticas adotadas, mas na passagem de ser "contra tudo isso que está aí" - o PT se opôs, por exemplo, ao Plano Real, ao Fundef e ao Proer - para uma postura de defesa dessas políticas. Isso não é uma crítica. Como colocado pelo presidente Lula ("Estado de S. Paulo", 19/02/2010), pior teria sido insistir na posição anterior, sendo ela inviável.

Assim, apesar de o governo ter introduzido algumas inovações importantes, como o ProUni e o Minha Casa, Minha Vida, sua tônica principal foi a de reforçar programas e políticas herdados de administrações anteriores. A política macroeconômica é o caso mais notório, mas não o único: o Bolsa Família saiu do Bolsa Escola; o Fundeb do Fundef etc. Enquanto isso, programas como o Fome Zero e o Primeiro Emprego eram deixados pelo caminho.

Ao manter o coração das políticas que herdou, não reverter medidas como a abertura comercial e a privatização, e até avançar com outras reformas, como a da previdência dos funcionários públicos, o atual governo surpreendeu os investidores, mostrando que essas políticas independiam do governo do momento. Junto com o cenário externo favorável, até meados de 2008, essa surpresa positiva foi a grande alavanca do bom desempenho econômico do Brasil em 2004-10. É importante que essa postura seja mantida na próxima administração.

O documento destaca a intenção de ampliar a intervenção do Estado na economia, inclusive via seleção de ganhadores, na linha das políticas adotadas no pós-crise, como a ininterrupta expansão do crédito público e o uso de subsídios para promover a concentração setorial (e salvar empresas quebradas).

Na mesma toada, ele realça "a saúde de nosso sistema bancário, especialmente público", que serviu de anteparo à crise de 2008. Mas não menciona que essa saúde resultou do saneamento realizado pelo governo anterior, ao custo de muitos bilhões de reais. Foi exatamente a concessão de subsídios a segmentos econômicos influentes que virtualmente quebrou essas instituições. Mais do que precisão histórica, essa lembrança deveria servir de alerta para o risco de se repetir erros pretéritos.

Além de regressivas, onerosas para o erário e prejudiciais aos consumidores, essas iniciativas contrastam com o padrão observado até a primeira metade do atual mandato presidencial, que enfatizou a atração do investimento privado como resposta à dificuldade do governo de expandir a infraestrutura, por falta de recursos e restrições processuais (Lei de Licitações). Um exemplo é a privatização de rodovias federais. Em especial, essa diretriz contrasta com a tendência global de atrair a iniciativa privada para realizar atividades operacionais em serviços sob responsabilidade do Estado.

A nova fronteira na relação Estado-setor privado não está, portanto, no uso da privatização como alavanca do investimento, mas na parceria público privada na busca de melhorias na provisão de serviços públicos como saúde, educação, segurança etc. Destacam-se, nesse caso, o foco tanto na maior capacidade organizacional e de gestão do setor privado, como nas parcerias com entidades sem fins lucrativos. O sucesso desse modelo em nível subnacional forçará uma discussão sobre seu uso em nível federal, como já tentou, sem sucesso, o atual ministro da Saúde.

Infraestrutura é outro tema recorrente no documento. O baixo investimento nessa área cria o risco de que nosso crescimento seja restrito por falta de energia ou pelo congestionamento de estradas e portos. Em 2003/07, o Brasil investiu apenas 2% do PIB em infraestrutura, contra 2,8% em 2001/02 e os cerca de 5% do PIB que se estima ser necessário investir. O documento promete inversões em hidrelétricas, rodovias, ferrovias, portos, armazéns etc. Mas ele também traz o compromisso de ampliar significativamente o gasto corrente. Qual a prioridade? Como reverter a tendência de sacrificar o investimento público mesmo com o aumento vertiginoso da carga tributária?

O documento pouco fala da educação básica, apesar de nossas grandes carências nessa área, como demonstram as avaliações internacionais. O governo federal teve historicamente um papel importante nessa área, como na administração anterior, que criou o Fundef, universalizou o ensino fundamental, e institui um sofisticado sistema de avaliação. O Fundeb foi uma medida importante, mas o desafio da melhoria da qualidade continua posto, sem que se conheçam as propostas de como superá-lo. O atual governo privilegiou a educação superior, dando comparativamente menos atenção à educação básica. Pode-se esperar mudanças nessa abordagem?

É pouco provável que os candidatos competitivos mudem o coração da política econômica, ainda que haja gradações importantes entre eles. Mas agora é preciso ir além da não-mudança. É hora de propor e dizer como implementar as novas transformações que vão permitir ao país continuar mudando para melhor.

Armando Castelar Pinheiro, analista da Gávea Investimentos e professor do IE - UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

Presente de grego:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A crise na Grécia teve o efeito positivo de chamar a atenção do mundo rico para a necessidade de corrigir rumos

A DIFICULDADE da Grécia para administrar sua dívida pública continua a ser um dos temas dominantes nos mercados financeiros. Embora as especulações sobre uma possível situação de insolvência tenham se reduzido, o nervosismo associado a uma crise no seio da poderosa União Europeia continua a ser um fator de instabilidade no mundo desenvolvido. Como resultado, o euro flutua como se fosse uma moeda emergente, e não mais como uma alternativa ao dólar no sistema financeiro internacional.

A Grécia, com a relação dívida sobre PIB de 130%, é certamente uma situação-limite dentro do espaço europeu. Mas a verdade é que a deterioração fiscal por conta da crise é hoje comum a todos os membros da UE. Mesmo a comportadíssima Alemanha deve ter neste ano um deficit fiscal de mais de 6% do PIB, com sua dívida pública tocando os 80% do PIB no fim de 2010.

Mas todos sabem que a sociedade alemã tem uma tradição de aceitar -quando se faz necessário- um ajuste fiscal de grandes proporções, como aconteceu nos anos que se seguiram ao processo de reunificação do país. Entretanto essa não é a tradição dos chamados países mediterrâneos da UE, como Espanha, Itália e Grécia. Entre os chamados Piigs, apenas a Irlanda, que enfrenta uma situação fiscal tão grave como a grega, vem dando mostras de aceitar os sacrifícios necessários para preservar o desenvolvimento econômico atingido nos anos anteriores à crise.

Além dessa diferença de comportamento social, outro fator diferencia os Piigs das nações mais avançadas na Europa. O esforço fiscal necessário para voltar à situação de endividamento público que prevalecia antes da crise em um caso e no outro tem dimensão completamente distinta. Tomemos os dois casos-limites, que são Alemanha e Grécia. O FMI fez um cálculo do esforço fiscal para que isso venha a ocorrer entre 2010 e 2020 nesses dois países.

No caso alemão, será preciso gerar -entre aumento de impostos e corte de despesas- um aperto fiscal de 4,4% do PIB. No caso da Grécia, esse esforço terá de ser superior a 15% do PIB nesse mesmo período de dez anos. Parece-me que nem na época heroica de Ulisses isso teria sido possível. Mas posso estar errado.

O estudo do FMI traz dados muito interessantes sobre o ajuste necessário para uma situação fiscal mais estável no Primeiro Mundo. O que mais chama a atenção é o número relativo aos Estados Unidos, a maior economia do mundo. O aperto necessário -despesas menores e impostos maiores- é de 10,6% do PIB, número superior ao da Espanha, que está na infame lista dos Piigs. Outro fato que chama a atenção é o número associado à normalização fiscal do Japão: 13,5% do PIB, inferior apenas ao valor calculado para a Grécia.Normalmente se associa um presente de grego a algo ruim. Mas agora uma série de analistas está defendendo que -dessa vez- o presente fiscal grego deve ser bem-vindo. Isso porque as dificuldades no pais de Sócrates tiveram o efeito positivo de chamar a atenção dos governos e das sociedades no mundo mais rico para a necessidade de uma correção de rumo.

A dimensão dos ajustes é enorme, e o esforço será longo. É plausível que os mercados tenham paciência no caso dos EUA, mas os países mais frágeis permanecerão reféns dos especuladores globais. Vamos conviver com as incertezas de hoje por muito tempo.

Luiz Carlos Mendonça De Barros , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).