sexta-feira, 9 de abril de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Na década de 70 e mesmo no começo dos anos 80 o desafio era a redemocratização. Pode mesmo parecer de menor significação para quem não viveu no período a importância de dizer certas palavras: falar de tortura e de arbítrio, por exemplo. Hoje é fácil. Naquele tempo a menção poderia ter um custo imediato. Era preciso, embora temendo, arriscar-se. Sem riscos equivalentes, pois neste caso a discussão se dava no campo dos que se opunham à ditadura, tampouco era fácil pregar a necessidade de apoiar o MDB e propugnar por um amplo movimento da sociedade civil como forma de combate ao regime autoritário. Na época a esquerda que se julgava “verdadeira” empunhava armas e a intelectualidade progressista, mesmo sem sair de casa, torcia por ela e desconfiava de roteiros democráticos. Hoje somos todos democráticos, abominamos a violência e nos horrorizamos com os desmandos dos que comandaram o país no passado. Tanto assim que antigos apoiadores do regime militar são agora – sem que eu reprove suas mudanças de opinião nem os desqualifique – até mais entusiastas dos governos democráticos do que antigos militantes da esquerda.


(Fernando Henrique Cardoso, no livro Relembrando o que escrevi: da reconquista da democracia aos desafios globais, págs. 11-12 – Editoria Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010)

Com ou sem PT?:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A agressividade com que a candidata oficial, Dilma Rousseff, estreou na sua campanha solo, longe dos cuidados do padrinho Lula, demonstra uma ansiedade própria dos que, sem experiência pessoal anterior, querem fazer tudo ao mesmo tempo, colocando a perder o que já têm.

O caso do estímulo a um suposto voto Dilmasia é típico. Essas traições eleitorais consentidas acontecem quando elas têm a força de um fato consumado, nascem da base para o alto, nunca o contrário.

Na eleição presidencial de 1960, Jango, candidato a vice na chapa do Marechal Henrique Lott, acabou sendo eleito numa dobradinha com Jânio Quadros.

O fenômeno "jangar" tomou conta das ruas, e Jânio, mesmo na oposição a JK, estimulou a chapa popularmente conhecida por Jan-Jan, abandonando seu vice Milton Campos.

Naquela época votava-se no vice separadamente do presidente, ao contrário de hoje - como bem lembrou Aécio Neves -, quando o nome do vice nem aparece na tela da máquina de votar.

Jango já fora eleito vice na eleição anterior, tendo mais votos que Juscelino para presidente. Lula e Aécio são fenômenos eleitorais. O governador mineiro por enquanto circunscrito a Minas; daí o voto Lulécio nas eleições de 2002 e 2006.

Não é o mesmo que acontece com Dilma, que a cada dia marca mais sua presença no cenário político como um apêndice do presidente Lula, sem luz própria.

A semente da discórdia já foi lançada em solo mineiro pela desastrada declaração de Dilma, incentivando a traição no voto Dilmasia que foi rejeitado com polidez mas firmeza pelo governador mineiro, Antonio Anastasia, candidato à reeleição.

E o candidato do PMDB, Hélio Costa, que lidera as pesquisas e enfrenta uma disputa com o PT mineiro, já sugeriu a chapa Serrélio, insinuando uma aproximação com o candidato tucano, que pode vir a se tornar realidade se o PT insistir em ter candidato próprio.

Anastasia, que por sinal é também um neófito em campanhas eleitorais mas parece ser mais cauteloso que Dilma, chamou a atenção para um fato que a candidata oficial parece desconhecer: cada eleição tem suas circunstâncias, e as de hoje não são as da eleição anterior.

Mesmo porque desta vez Aécio Neves está disputando o controle político do estado com o grupo governista, e não lhe basta se eleger para o Senado.

Tem que fazer seu sucessor e preferencialmente ajudar seu partido a eleger o presidente da República, para que possa chegar a Brasília como o grande eleitor de Serra e se impor na aliança governista como o líder inconteste.

Além disso, mesmo que insista no argumento de que ajudará mais o PSDB como candidato ao Senado, até junho pode se convencer de que sua presença na chapa do partido, como vice de Serra, define uma eleição apertada e lhe dará a visibilidade nacional que falta neste momento.

Até junho, apenas três fatos políticos podem mexer com a campanha presidencial antes da propaganda oficial de rádio e televisão: duas, que dependem do PSDB, como o lançamento da candidatura de Serra, que acontecerá amanhã em Brasília, e a escolha de seu vice.

A terceira é a oficialização da retirada da candidatura de Ciro Gomes, do PSB, à Presidência, o que sempre tem aumentado a diferença de Serra para Dilma.

Ao contrário, nada de novo está para acontecer até as convenções de junho a favor de Dilma, que continuará dependente da popularidade de Lula, ou "lulodependente".

Mesmo a escolha de seu vice não mudará nada se for confirmada a adesão oficial do PMDB, com a indicação do presidente da Câmara, Michel Temer. Mas se a unidade do PMDB se desfizer devido a alianças políticas frágeis, esta será uma notícia negativa para a candidata oficial.

É por essa razão que a situação na corrida presidencial tende a se manter estável, com uma dianteira média do candidato tucano de cinco pontos percentuais, variando de acordo com o instituto de pesquisa e seus métodos.

Uns institutos apertam essa diferença para 3 a 4 pontos, outros a alargam para até 9 ou 10 pontos.

O que parece certo é que até o momento o eleitorado tem se mantido dentro das previsões, com a candidata oficial recebendo cerca de 30% dos votos; o candidato oposicionista, na faixa dos 35%; e outro terço do eleitorado se mantendo indefinido, à espera da campanha propriamente dita, depois da Copa do Mundo.

Isso demonstra também que, mesmo tendo até 80% de avaliação positiva nas pesquisas, o presidente Lula dificilmente transformará sua popularidade em votos para Dilma.

Há uma parte da eleição que só pode ser feita pelo próprio candidato, que tem que convencer o eleitor de que ele é melhor alternativa que seu adversário. Mesmo porque a mesma pessoa que acha bom o governo Lula pode considerar que Dilma não é a pessoa certa para dar continuidade a ele.

É nesse aparente paradoxo que está apostando o candidato tucano, José Serra, que pretende receber o voto de eleitores que, gostando do governo Lula, não são fanáticos a ponto de seguirem cegamente as ordens do líder.

Também Dilma teme essa tática, e tenta evitar que dê certo chamando de "lobo em pelo de cordeiro" o oposicionista que diz que vai continuar o governo Lula.

Assim como Lula prometeu mudar tudo e manteve o essencial, que é a política econômica, agora Serra acena a esse eleitorado ainda não definido com um governo de continuidade mas que mudará o essencial, isto é, não terá o PT.

Dilma tem mostrado, por enquanto, sua faceta mais dura e uma submissão a Lula que pode dar segurança aos seguidores de Lula mais fanáticos, mas também colocar em dúvida eleitores mais independentes.

Serra se apresentará amanhã como um moderado com experiência política e administrativa.

Esse parece ser o ponto decisivo dessa eleição: o eleitor quer experimentar um governo do PT sem Lula como mediador?

Noviça rebelde:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Conhecida pelo alto grau de exigência no trabalho e pela forma nem sempre gentil de cobrar eficiência total, Dilma Rousseff agora se vê na posição inversa. Cristã nova na política, ela vai precisar que seus pares tenham paciência para lhe ensinar os caminhos das pedras e uma boa dose de condescendência para compreender e, sobretudo, tolerar nessa fase inicial alguns equívocos.

Por exemplo, deixar-se fotografar sorrindo na visita ao túmulo de Tancredo Neves.

Um político, ou política, com um mínimo de experiência tampouco teria se arriscado a enveredar pelo terreno do trocadilho sugestivo de uma aliança tácita entre o eleitorado do PT e o do PSDB para a formação do voto "Dilmasia" ou "Anastadilma" em Minas Gerais - Dilma Rousseff para presidente e Antonio Anastasia para governador.

Em um lance apenas, a pré-candidata do PT conseguiu fazer uma piada sem graça, sugerir que o ex-governador Aécio Neves, a quem pretendia elogiar, poderia trair o candidato do partido dele, José Serra, menosprezar a candidatura do pemedebista Hélio Costa e ainda ignorar o postulante ao governo do próprio PT, Patrus Ananias.

Por causa da frase mal posta levou uma invertida de Hélio Costa, que respondeu sugerindo apoio a José Serra - "Que tal Serrélio?" -, e foi desmentida pelo candidato de Aécio a governador. "Essa expressão (junção de Dilma e Anastasia) não tem amparo na realidade", disse ele, a quem era dirigido o agrado.

É evidente que esse tipo de coisa não compromete a aliança com o PMDB, nem significa que Hélio Costa vá, por causa da declaração de Dilma, mudar de posição e fechar com o PSDB. Se tiver de fazer isso mais à frente será por causa de decisões do PT mineiro.

Mas são atitudes que comprovarão o amadorismo da candidata no ramo se somadas a atitudes da mesma natureza daqui em diante.

Isso mina a credibilidade dela, subtrai sua capacidade de liderança junto aos partidos aliados e levanta a desconfiança sobre a possibilidade de Dilma, uma vez eleita presidente, conseguir se articular com o Congresso.

É verdade que o presidente Luiz Inácio da Silva parece entender que esse papel cabe a ele cumprir. O problema é que cabe até certo ponto. A candidata é Dilma.

Daqui em diante ela andará mais e mais por conta própria. Terá de responder a perguntas muitas vezes capciosas, com potencial de consequências nem sempre perceptível a olho nu para quem não tem um bom tempo de estrada.

Lula e Ciro Gomes mesmo quantas vezes não disseram que quando concorreram de outras vezes à Presidência da República quando eram menos experientes não estavam preparados?

Em sua despedida do governo, Dilma assegurou que estava. Garantiu que participaria de debates, que a vida a preparara para dificuldades e que, se passara pelo período da ditadura quando era tudo mais difícil, não seria na democracia que encontraria obstáculos.

Perfeito. Em tese. Mas o primeiro teste no giro por Minas Gerais indicou à pré-candidata que a autoconfiança será mais bem aproveitada se a ela forem acrescentadas horas de aprendizado duro no exercício de fazer política. Um ofício que requer prática e habilidade específica.

Voltemos ao caso da declaração de Minas. Se Dilma planejava fazer um agrado ao candidato do PSDB, caberia combinar a jogada antes com o parceiro de fato, o PMDB, avisando também ao PT.

Quanto à explícita sedução para o lado de Aécio Neves, o problema é que foi explícita demais. Ofensiva até. Se a ideia era semear a cizânia na seara tucana, o efeito obtido foi o oposto, pois obriga os alvos dos elogios a recusarem em público as fidalguias e a reafirmarem, como fez Anastasia, que ficarão cuidando de suas vidas exatamente onde estão.

Resumindo, Dilma Rousseff precisa melhorar a performance. Na estreia solo riu na hora errada, repetiu uma piada que já não combinava com o contexto, foi repreendida pelos aliados, tentou agradar aos adversários e ouviu um não muito obrigado.

É noviça e por isso mesmo não pode ser rebelde. Nem autossuficiente.

Choro N° 1 (Heitor Villa-Lobos) - Turibio Santos

Choro N° 1, composto em 1920 pelo brasileiro Heitor Villa-Lobos, para violão solo, aqui executado pelo exímio violonista brasileiro Turibio Soares Santos.

Campanha de Serra escala núcleo político

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Deputados Aleluia e Paulo Bornhausen serão os interlocutores do DEM; João Almeida já foi recrutado no PSDB e Fernando Coruja vai falar pelo PPS

Ana Paula Scinocca e Carol Pires

O núcleo da pré-campanha do PSDB à Presidência definiu ontem um grupo de políticos que vai atuar como interlocutores de José Serra nesta fase.

Em conversas com o presidente do partido, o senador Sérgio Guerra (PE), ficaram definidos nomes de políticos do próprio PSDB e dos aliados DEM e PPS. Falarão pelo DEM os deputados José Carlos Aleluia (BA) e Paulo Bornhausen (SC).

Líder do PSDB na Câmara, o deputado João Almeida (BA) já foi escalado. Pelo PPS, o deputado Fernando Coruja (SC) também foi convocado. Outros nomes serão definidos nos próximos dias pelos presidentes do PSDB, do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), e do PPS, Roberto Freire. Senadores dos três partidos devem completar a equipe.

A missão dos interlocutores será responder a eventuais críticas dos adversários, defender discursos do candidato e divulgar a campanha para toda a sociedade. Eles também vão dar entrevistas à imprensa, de maneira a desafogar o trabalho, hoje praticamente exclusivo, de Sérgio Guerra. A ordem dada a todos foi a de não deixar nenhum ataque da campanha adversária Dilma Rousseff (PT) sem resposta.

Ofensiva. José Serra anunciará a pré-candidatura amanhã, em evento da coligação, que já conta com três partidos. O PSDB também iniciou uma forte ofensiva para tentar trazer o PP para a campanha tucana, embora a legenda tenha cargo no governo Lula - o Ministério da Cidades com Márcio Fortes.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) é um dos nomes cotados para a vice-presidência da chapa de Serra, caso o PP decida formalizar a coligação com o PSDB. Os pepistas, no entanto, esperam maior definição do cenário eleitoral nos Estados antes de bater o martelo em favor da aliança com os tucanos ou petistas. Segundo o Estado apurou, parte do PP defende neutralidade nas eleições de outubro, o que liberaria os integrantes do partido para coligações diversas nos Estados.

O PSDB tem pressa para definir ainda a vinda dos nanicos PSC e PMN para a chapa de Serra.

Os tucanos têm interesse nas duas siglas, de olho no tempo de TV. A preocupação da campanha tucana é arregimentar o maior número de aliados para contrapor ao tempo de TV que o PMDB vai agregar à campanha governista Dilma Rousseff. A festa de lançamento da pré-candidatura de Serra está marcada para amanhã, a partir das 9 horas no espaço Brasil XXI, em Brasília.

Serra pregará ativismo estatal ao lançar-se

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raymundo Costa e Raquel Ulhôa, de Brasília

O PSDB formaliza amanhã a pré-candidatura a presidente de José Serra, ex-governador de São Paulo, em aliança com o DEM e o PPS. Em discurso, Serra deve apresentar "um conjunto de valores políticos" que pretende seguir, se for eleito, e como acha que deve ser o Brasil do futuro. O tucano prega o "ativismo estatal", mas não planeja mudar as bases nas quais se assentam a economia - meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. Apesar de liderar as pesquisas, Serra precisou de muito tato para assegurar sua escolha pelo PSDB sem rachar o partido, uma vez que o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves também postulava a indicação.

Agora candidato ao Senado, Aécio é peça-chave na equação tucana para vencer a eleição. Segundo o governador Alberto Goldman, que sucedeu Serra, o PSDB vai se empenhar para conseguir em São Paulo uma diferença de votos em relação ao PT "bem mais expressiva do que a que o Geraldo teve". Goldman refere-se aos 11,9 milhões de votos (54,1%) que o candidato em 2006, Geraldo Alckmin, teve contra os 8,09 milhões (36,7%) obtidos pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no primeiro turno (no segundo a diferença diminuiu, mas ainda foi larga: 52,2% a 47,7%). Se o tucano obtiver uma diferença também expressiva em Minas (onde Lula venceu Alckmin em 2006), boa parte da empreitada terá sido alcançada.

O governo aposta no conflito Serra-Aécio para impedir que Minas, há mais de sete anos governada pelo PSDB, seja fiel ao candidato tucano. No discurso que fará amanhã no encontro de lançamento da pré-candidatura, Aécio deve falar de unidade tucana. Ontem, o governador Antonio Anastasia, que sucedeu Aécio e é candidato à reeleição, também limitou ao plano "institucional" suas conversas com Lula e assegurou que a disputa será entre governo e oposição, em Minas Gerais. Caso Serra se mantenha com chances na disputa, os caciques tucanos acham pouco provável que a seção mineira desande em direção ao PT.

Em 2006, inspirada pelo ex-coordenador político do governo Walfrido dos Mares Guia a chapa "Lulécio" - combinação de Lula com Aécio - minou a candidatura de Alckmin em Minas. A diferença, na avaliação dos tucanos, hoje é essa: o candidato do PT não é Lula e nem disputa uma reeleição, é a ex-ministra Casa Civil Dilma Rousseff. São esses fatores que também alimentam o otimismo do governador Alberto Goldman em relação ao desempenho do candidato do PSDB no Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.

Serra, segundo as pesquisas, vence no Sul do país, mas tem problemas no terceiro maior colégio eleitoral, o Rio de Janeiro, onde perdeu em 2002 por ampla diferença (o ex-governador do Estado Anthony Garotinho também era candidato a presidente, à época): a aliança do PSDB com o PV e o DEM está ameaçada no Estado por conta do veto do PV à associação com o ex-prefeito César Maia (DEM), candidato ao Senado. Na cúpula do PSDB afirma-se que ou os partidos ficam todos juntos ou não haverá aliança na eleição. A aposta mínima tucana é que a candidatura da senadora Marina Silva (PV-AC) deve rachar o eleitorado lulista do Rio.

Serra não subestima a popularidade de Lula, que beira os 80%, de acordo com as últimas pesquisas. Mas aposta na confrontação de currículos dele e da ex-ministra Dilma Rousseff: a Presidência é o único posto importante de fora do currículo do tucano. Desde a volta do exílio, Serra foi secretário do governador Franco Montoro, ministro do Planejamento e da Saúde, nos governos de Fernando Henrique Cardoso, prefeito da capital e governador de São Paulo. Desde a derrota para Lula em 2002, vem numa sequência de vitórias eleitorais - prefeito, em 2004 e governador em 2006.

Até o fim do mês passado, o PT provocava e muitos tucanos acreditavam que Serra não trocaria uma reeleição considerada certa para o governo de São Paulo por uma eleição incerta a presidente, dúvida que crescia na mesma medida do aumento da popularidade de Lula. "Ele é muito popular", costumava repetir o tucano, nas conversas pessoais. Ao mesmo tempo, anunciava aos partidários: "Batalhas não se perdem de véspera". E por mais de uma vez repetiu o bordão preferido do ex-governador paulista Mário Covas: "Lutar, enfrentar e vencer". Esse traço épico apareceria em outras conversas com tucanos, nas quais dizia que não fugiria à sua "responsabilidade com o país". Serra evita criticar Lula, mas é impiedoso com a administração petista. "O plano da habitação é um estelionato (eleitoral) como nunca houve", é seu parecer, por exemplo, sobre o Minha Casa, Minha Vida. "É um estelionato".

O lançamento da pré-candidatura de Serra ocorre num momento de avançadas negociações do PSDB com outros partidos, especialmente PP, PSC e PMN, hoje na base de sustentação do governo, para que seja ampliada a coligação nacional. No caso do PP, a tendência é que o partido não apoie qualquer candidato a presidente, abrindo caminho para as alianças estaduais.

Aliados de Serra dessas legendas - assim como de aliados do PMDB - devem participar do evento, mas não terão direito de usar a palavra. Falarão, apenas, os presidentes do três partidos da aliança - PSDB, DEM e PPS -, o ex-governador Aécio Neves, em nome dos governadores, Fernando Henrique Cardoso e Serra.

À exceção do pré-candidato, todos devem fazer discursos curtos, de até 15 minutos. Entre a fala de FHC e a de Serra será exibido um vídeo de cerca de seis minutos sobre a trajetória pública do ex-governador. "O evento vai surpreender os mais otimistas", disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Os presidentes dos três partidos devem combinar o tom dos discursos. A expectativa é que Guerra, que será o coordenador-geral da campanha, faça um pronunciamento pregando unidade e mobilização. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), deve assumir tom mais contundente, de críticas ao governo. Já o presidente do PPS, ex-senador Roberto Freire, pode transmitir uma mensagem mais ideológica.

A direção do PSDB comemora alianças fechadas com o PSB, um dos principais partidos da base aliada de Lula, em Estados como Paraíba, Amazonas, Paraná e Alagoas. Há conversas entre as duas legendas em outros Estados, como Espírito Santo.

Além de outras indefinições, Serra está sem palanque no Amazonas e no Ceará. Um caso atípico é o do Ceará, no qual a aliança PSDB, DEM e PPS não tem candidato a governador, e a tendência é que continue assim. Mas a situação do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) - que quer disputar a Presidência da República, mas não tem apoio nem do seu partido e está em rota de colisão com o PT - favoreceria a candidatura presidencial tucana no Ceará, onde os candidatos do PSDB (Serra e Alckmin) encontraram muitas dificuldades nas eleições de 2002 e 2006.

O atrito pode enfraquecer a aliança do governador, Cid Gomes (PSB), irmão de Ciro, com o PT no Estado. Esse quadro pode facilitar a aliança branca de Cid com o senador Tasso Jereissati (PSDB), que disputa a reeleição. Nesse caso, o PSDB tem a expectativa de conquistar para Serra parte do eleitorado de Cid.

Tucano defende pensamento progressista

DEU NO VALOR ECONÔMICO

De Brasília

Dizer que José Serra é um economista "cepalino" é um lugar-comum entre os congressistas, especialmente os adversários. O termo é usado como sinônimo de algo retrógrado. Poucos, no entanto, sabem exatamente o que pensa hoje José Serra sobre a economia, talvez porque o tucano evite o apelo às manchetes fáceis nas palestras, aulas e conversas com a classe política nas quais costuma divergir de maneira cristalina da atual política econômica, especialmente no que se refere ao desequilíbrio das contas externas, juros altos e à sobrevalorização cambial.

"Cepalino" é uma referência à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas que está na origem da formação econômica de Serra e que por muito tempo foi vista como uma espécie de contraponto à escola monetarista.

Serra rejeita a pecha de "neoliberal" que o PT colou aos governos tucanos. Prefere o termo progressista, que para ele significa aliar a economia de mercado ao "ativismo governamental". Trata-se de uma expressão presente nos discursos de Serra desde antes de sua primeira candidatura a presidente, em 2002, até eventos mais recentes. Para Serra é preciso distinguir Estado ativo de Estado produtor. São políticas ativas o que ele pretende exercer na Presidência, se vencer a disputa eleitoral de 3 de outubro.

Essa é a atualização no pensamento de esquerda que tem pregado nos últimos anos, menos em entrevistas ou pronunciamentos bombásticos e mais em palestras ou aulas as quais é convidado a ministrar. Serra lamenta que parte da esquerda continue apegada ao "ideário dos anos 60", como a socialização dos meios de produção, e insista numa concepção caricatural do neoliberalismo, cesto no qual são colocados todos os que aceitam o investimento externo e menos intervenção do Estado e condenam os privilégios das corporações - como vê ocorrer hoje no Estado brasileiro.

Serra, evidentemente, acha que neoliberalismo é um monte de outras coisas, como, por exemplo, a crença no "automatismo do mercado" para assegurar o crescimento e reduzir a pobreza. O tucano acha que é possível conciliar economia de mercado e ativismo estatal para assegurar o crescimento econômico acelerado. "Em países como o nosso, não há distributivismo possível a médio e longo prazos sem taxas elevadas de crescimento", dizia já no início dos anos 2000 em palestra realizada no Instituto Sérgio Motta, em São Paulo, texto que atualmente faz sucesso em redes sociais e entre economistas.

O desafio do pensamento progressista para José Serra, portanto, é compatibilizar mais abertura externa e menos Estado produtor com seu ideário histórico de soberania nacional e justiça social. Considera um equívoco dizer que a combinação das duas coisas venha a ser necessariamente neoliberalismo.

Serra é um dos poucos brasileiros a criticar a atual política econômica, responsável pela estabilização da economia e, mais recentemente, pela retomada do crescimento do país. Acha que o Produto Interno Bruto (PIB) deveria e poderia ter crescido muito mais antes da crise econômica de 2008. Crescer mais seria a chave para maior distribuição de renda. O tucano em geral é ácido nas críticas à política monetária e ao seu condutor, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Acha que a política de valorização do câmbio é simplesmente um erro, nada mais, nada menos, como deixou claro em outra manifestação recente - um artigo para a edição comemorativa dos 40 anos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Nesse artigo, Serra diz que manterá o tripé no qual se assenta a política macroeconômica - regime de metas para a inflação, superávit primário das contas públicas e câmbio flutuante. Mas assegura que há modos diferentes de agir sem ter que desmontar o tripé. O tucano teme a desindustrialização do país em função da política de juros altos (e que devem voltar a subir ao longo deste ano) e da sobrevalorização cambial. Se isso de fato ocorrer, como é prognóstico do ex-governador de São Paulo, o risco é o país ficar refém do modelo primário exportador.

Enquanto critica a política de Meirelles, Serra é mais receptivo ao ministro Guido Mantega, da Fazenda, a quem costuma tecer elogios, em conversas reservadas. Mantega, um ex-colega dos tempos do Cebrap, é um "desenvolvimentista", adjetivo que tem perseguido Serra ao longo de sua vida pública - e pelo que diz e escreve, S erra não vê incompatibilidade entre economia de mercado e ativismo governamental (ou estatal, como tem falado mais recentemente).

Uma incógnita sobre um eventual governo Serra é a relação que o tucano terá com o mercado financeiro. Na campanha de 2002, Serra tinha claro que não era o candidato dos financistas. Agora também o discurso do ex-governador e o interesse dos bancos parecem desavindos, muito embora em sua campanha sejam encontrados o que se pode chamar de "representantes do setor", desde o ex-senador pefelista Jorge Bornhausen ao banqueiro tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros. (RC)

Tucano ataca luta de Dilma contra a ditadura

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Senador Arthur Virgílio diz que ex-ministra "não é bandida", mas não deveria ter apoiado a luta armada contra o regime militar

Em resposta ao líder tucano, ministro Vannuchi afirma que ações fizeram parte de "processo amplo" e diz que se orgulha de seu passado

Márcio Falcão

O líder do PSDB no Senado Federal, Arthur Virgílio (AM), afirmou ontem que a pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, "não é bandida, mas lutou de maneira errada contra a ditadura militar".

A referência à ex-ministra foi feita durante debate de seis comissões do Senado sobre o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos. Para Virgílio, a ministra deveria ter optado por um partido como o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), contrário à ditadura.

Dilma foi integrante do movimento Polop (Política Operária) de Belo Horizonte. Mais tarde, ela juntou-se ao Colina (Comando de Libertação Nacional), que em 1969 se fundiu com a Vanguarda Popular Revolucionária, dando origem à VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). A ex-ministra foi presa pela primeira vez em 1970.

Virgílio disse que não guarda rancor do regime militar, mas que chegou a ter sua casa invadida: "Minha casa foi invadida e minha mãe foi obrigada a cantar o Hino Nacional de costas para a parede para mostrar que não éramos comunistas. Eu já era comunista naquela ocasião". A biografia do líder tucano no Senado avisa que ele "foi ligado ao clandestino PCB".

A provocação do senador foi dirigida ao ministro Paulo Vannuchi (Secretaria Especial dos Direitos Humanos), que explicava aos senadores a criação da comissão da verdade para investigar violações de direitos humanos durante a ditadura.

"Equivocadas ou não, as ações [armadas] contra o regime fizeram parte de um processo amplo. Eu tenho orgulho de ter feito parte de uma juventude atuante", disse Vannuchi.

Os oposicionistas criticaram o plano e defenderam que a comissão não saia do papel. Vannuchi adotou um tom conciliador e propôs ajustes no texto.

Segundo ele, a comissão da verdade não é revanchista nem representará a revisão da Lei da Anistia de 1979: "Ela é a favor das Forças Armadas brasileiras, não é contra. Não é justo que as Forças Armadas e a família militar estejam levando nas suas costas violências cometidas por algumas dúzias".

O ministro disse ainda que o governo vai defender no anteprojeto que o colegiado não tenha em sua composição representantes dos militares nem das pessoas que lutaram contra o regime.

Serra vai mirar em Dilma, e não em Lula

DEU EM O GLOBO

PSDB aposta que pré-candidata petista, com inexperiência em campanha, se indisponha com aliados

Tucanos querem evitar polarização com presidente amanhã, no lançamento da pré-candidatura do ex-governador

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. O PSDB pretende evitar qualquer polarização com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na festa de amanhã, quando será lançada a pré-candidatura à Presidência do ex-governador José Serra. A orientação do futuro coordenador de marketing e comunicação da campanha tucana, Luiz González - que atuou na campanha de Geraldo Alckmin, em 2006 - é que os oradores não se confrontem abertamente com Lula, na cerimônia. O alvo principal deverá ser a adversária de Serra na disputa: a ex-ministra Dilma Rousseff.

Em almoço ontem com o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), para fechar os detalhes da festa tucana, González também começou a acertar a organização da assessoria de imprensa que dará suporte à candidatura de Serra.

Guerra: "Não vamos ter o mesmo dinheiro que o PT"

Também foi discutido o modelo de organização da campanha nas ruas e na internet. Os nomes dessa equipe ainda não foram definidos; mas é certo que será um número mais modesto do que o esquema organizado pelo PT para a campanha de Dilma.

- Eles (Dilma e o PT) contrataram outro ministério. Nós vamos contratar bons assessores - alfinetou Guerra. - Não vamos ter o mesmo dinheiro de que o PT vai dispor para a campanha.

Disposta a expor a fragilidade da candidata escolhida pelo presidente Lula, a oposição planeja partir para o ataque, depois de passar os últimos dias reagindo à artilharia pesada da ex-ministra. Serra e seus aliados apostam que Dilma só precisa de um "empurrãozinho" para cometer novos erros em sua pré-campanha.

A avaliação dos tucanos é que a atuação da petista, em sua primeira semana longe do governo, foi desastrosa. Espera-se que Dilma, com sua falta de experiência política, se indisponha com seus aliados, como ocorreu anteontem, quando ela admitiu uma dobradinha com os tucanos em Minas.
- A Dilma se saiu muito mal nesta primeira semana. Adotou uma estratégica totalmente equivocada e agressiva. Espero que ela continue assim pelos próximos 30 dias - disse o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), um dos oradores de amanhã.

- As aparições públicas de Dilma vão de mal a pior. Aquilo que já sabíamos começa a aparecer para o público: trata-se de uma pessoa agressiva na hora de falar e questionar - disse o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).

Serra deverá desembarcar hoje à noite em Brasília. A previsão é que ele só chegue à cerimônia de lançamento de sua candidatura por volta do meio-dia de sábado, quando os principais oradores já terão discursado. Será exibido, então, um vídeo de seis a sete minutos sobre a trajetória política de Serra.

Na próxima semana, Serra deverá definir sua agenda de viagens em conjunto com os três partidos de sua aliança (PSDB, DEM e PPS). Ele tem mais de cem convites.

Discurso enfatizará redução de impostos

DEU EM O GLOBO

Serra cuida pessoalmente da apresentação
Flávio Freire

SÃO PAULO. Assunto espinhoso entre governadores, a reforma tributária deve balizar parte do discurso que o ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) fará amanhã, no lançamento da sua pré-campanha à Presidência. Empenhado na tese de que o projeto deve priorizar a redução da carga de tributos individual, o tucano tem consultado economistas para obter elementos que o ajudem a conquistar o eleitorado insatisfeito com o peso dos tributos, principalmente os representantes da cadeia produtiva.

Considerada um dos obstáculos para um maior crescimento econômico, a carga tributária consome hoje 36% do Produto Interno Bruto (PIB).

O tucano chegou a se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir o assunto; amanhã, pretende reforçar a necessidade de uma reforma com foco na diminuição do peso tributário, principalmente no ombro do cidadão comum.

Serra ainda elabora de que forma deve pôr em pauta algumas de suas iniciativas à frente do governo paulista. E - dentro do cenário de que o cidadão precisa ser menos onerado - pretende abordar o programa fiscal de maior popularidade no seu governo: a Nota Fiscal Paulista, um sistema de crédito tributário ao cidadão, acumulado a partir do registro de despesas de notas fiscais.

O governador vem se dedicando, desde o início da semana, ao discurso com que vai dar as diretrizes de sua campanha. Como faz em ocasiões que considera politicamente importantes, ele mesmo tem redigido frase por frase. Para evitar um tom bélico e agressivo contra a sua principal adversária, a ex-ministra Dilma Rousseff (PT), Serra tem preferido focar as críticas de forma generalizada, como fez no discurso de despedida do governo paulista, quando disse que os governos, assim como as pessoas, devem ter honra e caráter. E não podem ser coniventes com a corrupção.

Em resposta a Dilma, Anastasia diz que 'marchará firme' com Serra

DEU EM O GLOBO

"Ficamos orgulhosos do grande elogio à gestão do PSDB"

Governador de MG também critica visita da petista ao túmulo de Tancredo

Adriana Vasconcelos e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Em sua primeira visita ao Congresso Nacional como governador de Minas, o tucano Antonio Anastasia disse ontem que gostou dos elogios da ex-ministra Dilma Rousseff à gestão do PSDB e do ex-governador Aécio Neves no estado, mas fez questão de dizer que seu candidato a presidente é o tucano José Serra, ex-governador de São Paulo.

Acompanhado por boa parte da bancada mineira, Anastasia assegurou que ele e o ex-governador Aécio Neves se empenharão para ajudar a eleger o ex-governador de São Paulo.

- Nós ficamos muito orgulhosos, porque a ministra Dilma fez um grande elogio ao nosso governo, ao governador Aécio Neves, dizendo que ele foi um governador exemplar. Aliás, o que todos nós, mineiros, sabemos. Agora, quanto a essa questão dessa expressão ("Anastadilma" ou "Dilmasia"), é sempre bom lembrar que o nosso partido tem candidato a presidente, que é o nosso governador José Serra. É com ele que marcharemos de maneira muito firme, em Minas - avisou o governador, que disputará a reeleição.

"Soou estranha a visita", afirma o governador

Ainda que num tom mais ameno do que a nota divulgada na véspera pela oposição, Anastasia também considerou "estranha" a visita de Dilma ao túmulo do ex-presidente Tancredo Neves.

- Soou estranha a visita. Ainda mais para nós que conhecemos a História e sabemos que o PT não só não apoiou como até expulsou deputados que votaram no presidente Tancredo Neves. Então, é algo estranho. É direito de todo candidatado viajar pelo Brasil, mas todos devem ser cuidadosos em seus gestos.

Para Anastasia, o cenário das eleições de 2002 e 2006 em Minas Gerais - quando Aécio foi eleito e reeleito no estado, mas os candidatos tucanos à Presidência foram derrotados, criando lá a expressão "Lulécio" - não deverá se repetir.

- Não acredito. Porque, naturalmente, tínhamos, naquele momento, carismas diferenciados, e cada eleição é uma eleição. Cada eleição tem uma fotografia, um movimento, um sentimento. Tanto na eleição nacional, quanto na estadual, vamos discutir propostas, projetos. E as propostas do PSDB serão mais fortes.

O líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA), também criticou a passagem de Dilma Rousseff por Minas, afirmando que ela está querendo se "apropriar" do prestígio político do ex-presidente Tancredo Neves e do ex-governador Aécio Neves.

- Dona Dilma agora avança na popularidade dos outros, até de quem já faleceu.

Oportunismo sem par. É uma candidatura de quem não tem biografia, de quem tem medo e vergonha de discutir a sua ação no governo, e fica, portanto, a roubar a popularidade e os resultados obtidos por outras pessoas - disse João Almeida.

ENTREVISTA: ''Somos lobo com pele de lobo''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aloysio Nunes Ferreira. Ex-secretário da Casa Civil do Estado de S. Paulo

Um dos homens fortes da campanha de Serra, ex-secretário da Casa Civil reconhece que ''disputa vai ser dura''


Julia Duailibi

Um dos principais colaboradores de José Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência da República, o ex-secretário da Casa Civil Aloysio Nunes Ferreira diz que ética não é uma "plataforma eleitoral". O tucano discorda que o discurso de despedida do ex-governador, no qual mencionou "roubalheira", tenha sido pautado pelo tema e que esse seria um dos motes da campanha do PSDB deste ano.

"Não há nenhuma obsessão. Acredito que a ética é uma forma de vida, uma maneira de ser, não é uma plataforma eleitoral. Até desconfio do discurso moralista. Quem o faz está tentando esconder alguma torpeza", disse Aloysio ao Estado.

Ex-ministro da Justiça de FHC, Aloysio avalia que o eleitor procurará "mudanças incrementais e não de ruptura". Com um discurso público alinhado ao de Serra, procura não criticar incisivamente o governo Lula. Mas diz: "Não somos lobos com pele de cordeiro, somos lobo com pele de lobo."

Aloysio evita traçar cenários sobre a campanha, mas diz acreditar que Aécio Neves (MG) não será o vice. Questionado sobre as "investidas" da pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, em direção ao PSDB mineiro, diz: "Aécio Neves é muito mais esperto do que todos podem imaginar. Apesar que todos sabem que ele é muito esperto." E crava: "Aécio está do nosso lado. Claro que com o estilo dele."

Ex-militante de esquerda, assim como Dilma, Aloysio diz que a pré-candidata do PT é uma mulher "valorosa". "Será uma candidata forte. A disputa vai ser dura." Avalia, no entanto, que tanto ele quanto a petista se equivocaram ao pegar em armas contra a ditadura.

"Foi um equívoco", diz. "Tanto ela quanto eu e outros agimos como nossa consciência ditava na época." Abaixo a entrevista feita ontem em seu apartamento, em Higienópolis.

O governo Serra em São Paulo foi um ''balão de ensaio'' para a Presidência da República?

Acho que sim. As realizações dele como governador, aliadas à lembrança do que pôde fazer como ministro de FHC, sem dúvida nenhuma serão uma credencial para o convencimento do eleitorado, que vai ter nele alguém capaz de realizar coisas que importam para a vida das pessoas e para o País.

Serra saiu do governo dizendo que fez uma gestão ''popular''. Isso não é retórica eleitoral?

Popular não quer dizer populista. Popular significa atender às necessidades do povo. Conseguiu ser popular, que se reflete na aprovação do governo e na sua intenção de voto. Ao mesmo tempo, suas ações tiveram impacto na vida das pessoas.

A gestão Lula é '' populista''?

Lula teve a sabedoria de renegar o programa com que o PT vinha se apresentando ao eleitorado ao fazer a Carta aos Brasileiros. Foi um governo que continuou na esteira reformista do FHC. Cometeu alguns erros na forma de se organizar e relacionar com o mundo político. O principal defeito foi o aparelhamento do Estado.

O PMDB, do qual o sr. fez parte, é apontado como a cara do fisiologismo do governo Lula. Mas PSDB e PT o cortejam por causa do tempo de TV.

Não é só tempo de TV. É um partido de centro, que tem muita capilaridade. Partido sem o qual dificilmente se governa. Fisiologia é algo muito disseminado na política brasileira, não é um pecado exclusivo do PMDB.

O PSDB em São Paulo teve que ceder secretarias para aliados.

Governamos com base numa aliança política que surgiu com as eleições. A única exceção de partido que foi incorporado à gestão foi o PV. Mas não tivemos em nenhum momento fragmentação da administração em partidos, feudos e capitanias.

Ainda é possível fechar aliança nacional com o PMDB ou os acordos serão regionais, no varejo?

Não sei. Nós temos em alguns Estados relação clara de incompatibilidade do PT com o PMDB e, em outros, de aliança e proximidade em razão de fatores da política local, que na política brasileira são muito fortes.

Quais as diferenças da eleição de 2010 em relação a 2002 e 2006, quando o PSDB perdeu?

A questão econômica não é mais objeto de disputas fundamentais no terreno da política. Outra é que Lula não é mais candidato. O brasileiro comum vê as melhoras como resultado de um processo cumulativo de muito tempo e quer alguém que dê continuidade e agregue coisas novas. Mudanças incrementais e não de ruptura. O PSDB melhorou em relação a 2002. Lá Serra estava muito isolado politicamente. O PMDB o apoiou com a vice, mas estava em grande parte embarcado na campanha do Lula. O PFL não apoiou o Serra. E foi combatido por setores do PSDB. Num momento, o senador Tasso Jereissati passou a apoiar o candidato Ciro Gomes. Tivemos problemas internos muito fortes.

Serra trabalhou, desta vez, para diminuir as resistências.

O partido está unido. Temos uma aliança bastante ampla com o DEM, PPS e PMDB. Serra tem uma grande plataforma de realizações. Ele fora de campanha, acossado por aliados e amigos para se declarar candidato e se recusando, está solidamente em primeiro lugar, contra uma candidata que está em campanha aberta há mais de dois anos. Faz campanha até em túmulo. O fim da picada.

Dilma corteja o PSDB em Minas para ganhar apoio no Estado, lembrando a união de 2008.

Impossível. Em 2008 a aliança custou ao PT a Prefeitura de Belo Horizonte. O governador Aécio Neves é muito mais esperto do que todos podem imaginar. Apesar que todos sabem que ele é muito esperto.

Isso vale para os dois lados.

Não tenho por que duvidar da lealdade dele. Ele está absolutamente envolvido até a raiz dos cabelos na campanha do Anastasia, com grande sucesso. E, na medida que o faz, está plantado do nosso lado, contra o de lá.

Está envolvido até a raiz dos cabelos com a campanha Serra?

Também. Até por consequência. Hoje há uma disputa política em Minas evidente. Aécio está do nosso lado. Claro que com o estilo dele. Não é um homem agressivo, é um homem de alianças. Mas não tenho dúvida nenhuma quanto ao apoio dele à candidatura Serra.

Acha que ele pode ser vice?

Acho difícil. Ele tem dito que se dedicará à política mineira.

O sr. acha, como ele, que o vice tem de ser de outro partido?

Não saberia dizer. Acho que quanto maior for a chapa, numa eleição majoritária, num País grande como o Brasil, sobretudo numa eleição que o presidente vai ter enfrentar problemas políticos para construir a maioria no Congresso, melhor.

O que o senhor acha de Dilma? A conheceu quando militou em organizações de esquerda?

A conheci agora na Casa Civil. Tenho uma boa impressão, mas um contato superficial. Acho uma mulher valorosa, íntegra. Será uma candidata forte. A disputa vai ser dura.

O que acha dos adversários a chamarem de "terrorista"?

Ela lutou contra a ditadura. Com as armas que tinha, com a concepção que tinha, com as limitações que tinha, e eu também. A análise política daquele momento nos levou, tanto ela quanto a mim, a uma posição de ultraesquerda.

Equivocada?

Acho que sim. Foi uma ilusão achar que o povo brasileiro estava pronto para pegar em armas contra a ditadura. Vendo isso retrospectivamente foi um profundo equívoco, uma análise falsa e subjetivista que nos levou a um grande desastre. Muita gente morreu. Tanto ela quanto eu e outros agimos como nossa consciência ditava na época. Lutar contra a ditadura da forma mais radical possível era uma exigência ética e moral.

Dilma criticou "lobos em pele de cordeiro", num recado à oposição feita por Serra e pelo PSDB.

Nossa posição é inequivocamente de oposição. Não somos lobos com pele de cordeiro, somos lobo com pele de lobo. Queremos ganhar para corrigir o que está errado e dar continuidade ao que pode dar certo.

Isso não confunde o eleitor?

Não, o povo quer isso. Quer governos que trabalhem. O partido faz oposição.

Serra fez um discurso de despedida sobre ética. Esse vai ser um dos motes da campanha?

Serra estruturou o discurso em torno de 25 pontos que são princípios da vida política que pretende seguir. A ética foi um dos pontos. Então não há nenhuma obsessão. A ética é uma forma de vida, uma maneira de ser, não é uma plataforma eleitoral. Até desconfio do discurso moralista. Quem o faz está tentando esconder alguma torpeza.

O sr. é candidato ao Senado?

Gostaria de ser. Agora temos outros postulantes no partido: Mendes Thame, José Aníbal. Vamos resolver com conversas e buscar um entendimento.


QUEM É

É formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo.
Foi deputado estadual de 1983 a 1991 pelo PMDB, vice-governador de São Paulo (1991 a 1994), no governo de Luiz Antônio Fleury Filho, e deputado federal de 1995 a 2007, pelo PSDB.
Também foi titular do Ministério da Justiça, entre 2001 e 2002, na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.

'Não podemos ficar subordinados ao que um juiz diz que podemos ou não'

DEU EM O GLOBO

Lula diz que, fora do governo, vai brigar pela reforma política

Maria Lima, Gerson Camarotti e Luiza Damé

Aliado histórico do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PCdoB fez ontem à noite grande festa de apoio à candidatura presidencial da ex-ministra Dilma Rousseff, com o discurso já afinado com a estratégia do comando da campanha petista de atacar o tucano José Serra e insistir na comparação entre os governos Lula e Fernando Henrique. Num tom exaltado, o presidente Lula - multado duas vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fazer campanha para Dilma antes do período permitido pela lei - discursou e criticou a Justiça:

- Quando eu estiver fora (do governo), vou evitar que se faça com a Dilma o que fizeram comigo. Vou gritar mais, vou ter mais liberdade. Não vou ser instituição. Vou arregaçar as mangas para fazer a reforma política, porque não podemos ficar subordinados ao que um juiz diz que podemos ou não fazer. Vou poder gritar mais, perturbar mais.

O presidente lembrava que perdeu cinco eleições, mas disse que sempre levantava "o moral da militância". Disse que, quando sair, pretende também lutar por uma reforma política em que o Congresso e os partidos devem definir o que pode e o que não podem fazer os candidatos em campanha, para que haja regras claras.

Em seu discurso, Dilma voltou a usar a expressão "lobo em pele de cordeiro" para se referir à oposição, e também fez ataques indiretos ao ex-governador José Serra, seu adversário pelo PSDB, e a FH.

A festa foi dominada pelo vermelho, com claque organizada, muita música e pelo menos 11 ministros, além do presidente Lula e do vice José Alencar, que esperaram o fim do horário do expediente na Esplanada para se deslocarem para o evento partidário.

Dilma provoca Serra e FH
Depois do discurso do presidente do PCdoB, Renato Rabelo, também de ataques aos tucanos, Dilma Rousseff destacou sua afinidade com os comunistas na luta contra a ditadura, quando muitos companheiros morreram, e a importância da democracia.

À plateia de estudantes e jovens do PCdoB, Dilma exaltou os feitos de Lula na educação, destacando o ProUni e o aumento de recursos do governo para educação básica. Foi quando aproveitou para dar uma estocada no adversário José Serra:

- É nossa prioridade absoluta a qualificação da educação, investir na melhoria dos salários.

Jamais colocando polícia nas ruas contra os professores - disse, sendo muito aplaudida, numa referência ao conflito de professores paulistas com o governo do estado. O sindicato de lá é presidido por uma petista.

Em outra referência indireta, cutucou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que defende a descriminalização da maconha, quando falou do "mundo trágico e cheio de sombras que ameaça nossos jovens, as drogas". Defendeu grande mobilização da sociedade e disse:

- Não há mais lugar para o charme traiçoeiro do falso liberalismo que se contenta com a descriminalização das drogas. Nós, mulheres, temos que assumir a liderança desse processo - disse Dilma.

No palco montado no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, a ex-ministra foi recepcionada pelos cantores Martinho da Vila, Lecy Brandão e o vererador-cantor Netinho de Paula.

'Não se pode brincar com a Justiça'

DEU EM O GLOBO

Gilmar Mendes critica as ironias de Lula em relação às multas
Carolina Brígido

BRASÍLIA. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, criticou ontem as ironias do presidente Lula em relação a punições impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para Gilmar, que falou com O GLOBO antes dos ataques de Lula ao Judiciário, "não se pode brincar com a Justiça". Neste ano, Lula já foi punido com o pagamento de multas duas vezes por fazer campanha antes do prazo permitido por lei para a ex-ministra Dilma Rousseff. Após a primeira punição, com sarcasmo, o presidente perguntou a pessoas que ouviam seu discurso em um evento público quem pagaria a multa se ele falasse novamente o nome de Dilma, conforme reivindicava a plateia.

- Eu tenho a impressão que não se deve fazer brincadeiras com a Justiça. Não se pode brincar com a Justiça. Na verdade, independentemente de qualquer sanção, uma multa de R$5 mil ou R$10 mil, que pouco significa para muitas pessoas, há um dever muito maior de lealdade constitucional - disse o presidente do Supremo. - O presidente da República cumprir decisões judiciais é para dar exemplo, para mostrar que de fato observa a Constituição. Violar a Constituição é crime de responsabilidade.

Gilmar não chegou a defender literalmente uma punição maior para Lula, mas ressaltou que governadores já tiveram o mandato cassado pelo TSE por propaganda eleitoral antecipada e uso da máquina nas eleições. O ministro defendeu parâmetros uniformes para o julgamento de prefeitos, governadores e o presidente da República.

- Não podemos adotar um critério para um candidato a prefeito ou candidato a governador e um outro para o presidente da República. O presidente tem até que ser mais cuidadoso do que o governador e o prefeito, porque sua visibilidade institucional é muito maior. A gente já viu o TSE cassar governadores porque se valeram de abusos pré-eleitorais. É preciso que haja aplicação de parâmetros únicos. Que a Justiça oriente todos os candidatos no sentido de atuação equilibrada e lícita - disse Gilmar, que deixa a presidência do Supremo no dia 23.

Ministro alerta para riscos de disputas judiciais após eleição

O ministro alertou para o perigo de haver disputas judiciais após as eleições se a Justiça Eleitoral não fixar parâmetros únicos para julgar os candidatos. Caso o ministro Celso de Mello recuse a vaga de ministro substituto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes assumirá a vaga.

- É preciso que esses critérios sejam uniformes. Até porque ninguém pode desejar que, depois de uma campanha eleitoral, nós tenhamos a judicialização da eleição por abuso na fase de campanha ou pré-campanha.

Em 29 de maio de 2009, na inauguração de um obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Manguinhos (RJ), Lula teve o discurso interrompido por gritos de apoio à então ministra pré-candidata - "Dilma, Dilma". Na sequência, o presidente disse torcer para que o apoio fosse uma "profecia". No mês passado, o TSE multou Lula em R$5 mil pelo episódio - o que foi confirmado esta semana pelo plenário do Tribunal.

Dias depois da aplicação inicial da multa, o presidente foi novamente multado, desta vez em R$10 mil, também por discursar em prol de Dilma. A infração foi cometida em janeiro deste ano, em um evento no Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de São Paulo (SINDPD-SP).

- A cara do Brasil vai mudar muito, e quem vier depois de mim vai encontrar um programa pronto, com dinheiro no Orçamento. Por questões legais não posso dizer quem é, espero que vocês adivinhem, espero - disse o presidente, acompanhado novamente de Dilma.

Entre uma decisão e outra do TSE, em 25 de março, Lula foi a uma inauguração de um conjunto habitacional construído pelo PAC em Osasco (SP). A plateia novamente gritou o nome de Dilma. Foi quando o presidente fez a primeira brincadeira sobre a multa da Justiça Eleitoral:

- Se for multado, vou trazer a conta para vocês. Quem é que vai pagar a minha multa?

Levanta a mão aí, para saber se vocês vão pagar a multa. Eu vou cobrar, viu Emídio? Eu vou cobrar - disse Lula, dirigindo-se ao prefeito de Osasco, Emídio de Souza.

Lula defende Geddel Vieira

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Lula nega negligência com Rio

Para presidente, denúncia sobre destinação de mais recursos para Bahia é \"jogo político\"

BRASÍLIA - Ignorando os números que apontam negligência com o Rio de Janeiro nos repasses federais destinados a prevenção de desastres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem o ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima da acusação de que ele teria direcionado mais verbas à prevenção de catástrofes na Bahia, seu estado, do que para os demais enquanto esteve à frente do ministério.

Geddel deixou o governo no início do mês para se candidatar ao governo estadual baiano.

Não é verdade. Acho que o Geddel tem que chamar quem fez a denúncia para essa pessoa provar que ele fez aquilo. Não é possível em cima de uma desgraça que se abateu sobre o Rio de Janeiro alguém fazer uma leviandade dessas disse Lula a jornalistas, ao ser questionado sobre o assunto em Brasília.

Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na Secretaria Nacional de Defesa Civil, subordinada ao Ministério da Integração Nacional, mostra desequilíbrio na distribuição de recursos destinados para ações de prevenção a desastres entre 2004 e 2009. O Rio de Janeiro e seus municípios receberam apenas 0,65% da verba liberada no período.

A Bahia, no mesmo período de 2004 a 2009, recebeu R$ 133,2 milhões, ou 37,25% dos recursos liberados.

O presidente acusou críticos do governo de se aproveitarem da tragédia no Rio para fazer joguinho político pequeno.

Lula disse ainda que conversou com a ministra chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, e pediu que quatro mil casas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sejam repassadas para o Programa Minha Casa, Minha Vida para atender as necessidades das pessoas que moram em área de risco.

Ontem, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, protocolou, na Procuradoria Geral da República, representação a fim de que o Ministério Público Federal apure eventual crime de responsabilidade de autoridades públicas, tendo em vista as enchentes que assolaram o Rio de Janeiro e os percentuais das verbas destinadas ao estado pelo Programa de Prevenção e Preparação para Desastres. Com a representação, o ex-ministro Geddel Vieira Lima pode vir a ser responsabilizado pelo beneficiamento da Bahia em detrimento de outros estados.
No documento encaminhado à PGR, a OAB diz que pretende cobrar de quem é a efetiva responsabilidade pela caixa preta que envolve essas verbas destinadas a episódios de emergência.

No Congresso Nacional, parlamentares da bancada fluminense já preparam requerimentos com pedidos para que o Ministério da Integração Nacional esclareça quais critérios foram utilizados na destinação dos recursos para prevenção de desastres.

Governantes fizeram melhorias em favela erguida sobre lixão

DEU EM O GLOBO

Acostumados a responsabilizar os pobres pelos desabamentos nas encostas, nos últimos 17 anos os sucessivos prefeitos de Niterói - além de governadores do estado - incentivaram, por meio de projetos urbanísticos, a ocupação irregular no Morro do Bumba, cujas casas construídas sobre um lixão ruíram provocando a maior tragédia do estado. O desastre começou com o temporal da noite de segunda-feira. Só lá há 17 mortos e 200 desaparecidos. Do atual prefeito, Jorge Roberto Silveira, ao ex-governador Leonel Brizola - que levou água e luz para o local -, cada governante fez um pouco, mas ninguém removeu de lá os moradores. Nem mesmo a Defesa Civil municipal, alertada depois que uma casa desabou terça-feira. Até ontem, Niterói registrava 107 dos 182 mortos no estado.

Quem vai pagar por isso?

Governantes permitiram ocupação e até fizeram melhorias em comunidade erguida sobre lixão

Carla Rocha, Paulo Roberto Araújo, Rafael Galdo e Simone Candida

Das fazendas e chácaras que lhe davam um ar bucólico, o Morro do Bumba, em Viçoso Jardim, no bairro do Cubango, em Niterói, com o passar dos anos, passou a ser vizinho de um lixão que, depois de desativado, deu lugar a barracos, que anteontem à noite foram ao chão. Uma faixa de 50 metros de extensão da encosta despencou. Terra e lama deslizaram por pelo menos seiscentos metros, provocando o pior soterramento do município. Até as 22h de ontem, 17 corpos tinham sido resgatados e ainda havia dezenas de desaparecidos. Já no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, no Rio, mais quatro corpos foram resgatados ontem, elevando para 18 o número de mortos no local. Segundo os bombeiros, 14 pessoas ainda estão desaparecidas. O Prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, decretou ontem estado de calamidade pública no município. As fortes chuvas dos últimos dias já provocaram a morte de 182 pessoas em todo estado, 107 são de Niterói, outras 55 pessoas morreram na capital, 16 em São Gonçalo, e Magé, Nilópolis, Paracambi e Petrópolis registraram um óbito em cada local. Os feridos no estado somam 161 pessoas.

Área foi condenada em 2004

O desfecho trágico do Morro do Bumba foi sendo escrito, ano a ano, graças à omissão das sucessivas administrações do município que fizeram vista grossa para o crescimento da favela. Antes mesmo da retirada do lixão, algumas casas já haviam sido erguidas ali. Mas, com a Ponte Rio-Niterói, o processo de favelização ganhou impulso avançando sobre um solo íngreme e instável de cor preta, resultado da decomposição do lixo.

Contratado para fazer um levantamento sobre o risco de desabamento de encostas em Niterói, o Instituto de Geo-Ciências da UFF condenou a área, em 2004, num trabalho entregue ao então prefeito, Godofredo Pinto (PT).

- Isso é indesculpável. Foi omitido pela prefeitura que ali funcionara um lixão, o que é estranho. E, mesmo sem ter a informação, foi constatado que era uma área de risco. Se eu soubesse do lixão, teria dedicado um capítulo inteiro para mostrar que aquela situação era impossível - disse Adalberto da Silva, que participou do trabalho.

O lixão funcionou entre 1970 e 86. No final do governo de Wellington Moreira Franco, a prefeitura tentou usar o aterro sanitário do Engenho Pequeno, em São Gonçalo, onde o município investiu, na época, R$600 mil. Mas a comunidade local reagiu e, por dois anos, o lixo foi depositado em Gramacho, Duque de Caxias.

Ex-prefeito de Niterói entre 1983 e 1988, que assumiu o governo um ano após a desativação do lixão do Morro do Bumba, o médico Waldernir Bragança, conta que proibiu totalmente a ocupação. Segundo ele, depois a fiscalização afrouxou e alguns barracos começaram a ser erguidos.

- Era uma terra fofa. Eles ocupavam e a prefeitura tentava tirar, mas eles voltavam - justificou Bragança. - É um lugar onde não se pode erguer casas, pois o terreno tinha restos de papel e material orgânico. O gás metano acaba explodindo e a água da chuva acelera este processo.

Em vez de reprimir a ocupação irregular do antigo lixão, o poder público acabou por incentivar a invasão. O resultado do descaso de pouco mais de dez anos estava estampado ontem no desespero dos moradores.

- Houve um programa de urbanização naquela área. Tem escola profissionalizante, creche oficial e tudo o mais. Daí, dizer que o povo ocupou sem ninguém saber é um pouco demais. Temos uma catástrofe anunciada com a conivência das autoridades - protestava a funcionária pública Renata Botelho, que mora perto do Morro do Bumba.

Foi no Morro do Bumba que a Cedae, no governo Leonel Brizola, fez sua primeira grande obra de saneamento em Niterói, levando para o local, de helicóptero, uma grande caixa d"água para atender aos moradores. Logo depois, Brizola (que virou nome de rua no local) levou para o Bumba o programa Uma Luz na Escuridão. Mais tarde, a prefeitura construiu uma escola municipal e levou para a comunidade o programa Médico de Família. O local ganhou uma grande quadra poliesportiva, uma creche e outros equipamentos públicos.

Ex-administrador regional em Ititioca, área que compreende o Morro do Bumba, na gestão de Godofredo Pinto (PT) - de 2002 a 2005 e depois de 2005 a 2008 -, Salomão Vianna disse ontem que, muito chocado, não conseguiu ficar muito tempo junto aos escombros do desabamento.

- Eu me afastei porque é muito triste. Infelizmente, era um empreendimento urbano desordenado. Ninguém incentivou, não houve uso político. Depois da retirada do lixão, famílias de nordestinos começaram a ocupar o morro - disse Salomão, que, em sua gestão, conduziu ações de manutenção, acreditando que deveria promover melhorias para a comunidade, como operações tapa-buraco e limpeza de ruas.

Na gestão seguinte, de João Sampaio (PDT) -1993 a 1997 -, houve obras de urbanização, em 1996. As grandes favelas de Niterói surgiram e cresceram em áreas públicas. É o caso dos Morros do Estado, do Cavalão, do Preventório e da Favela do Sabão.

Com a tragédia, o Bumba, que já tinha virado palco de campanhas eleitorais, virou motivo de briga política. O ex-vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL), ainda ligado à oposição, culpa o atual prefeito, Jorge Roberto Silveira (PDT) - 1989 a 1993; 1997 a 2001; e 2001 a 2002, quando saiu para disputar o governo estadual). Segundo ele, até 1988, as construções no morro estavam expressamente proibidas. A partir de 89, quando Jorge Roberto assumiu a administração do município, as ocupações ganharam fôlego:

- É uma hipocrisia agora dizer que a culpa é dos mortos. Essas casas tinham água encanada e energia elétrica regularizada.

O presidente Lula voltou a criticar os governantes que deixam as pessoas construírem casas em áreas de risco:

- Eu penso que isso vai aumentando a consciência dos dirigentes deste país, para não permitir que as pessoas mais pobres comecem a construir suas casas na área de encostas.

Erros que matam:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Certas cenas são haitianas. E é Niterói. O Morro do Bumba é uma espécie de resumo dos erros: era uma encosta, era uma ocupação, era um lixão. Não foi a chuva que matou, foram esses erros somados. A tragédia dos últimos dias no Rio traz tantas lições e confirma tantos alertas que só nos dá dois caminhos: corrigir os desatinos ou assumir de vez a insensatez.

Há cinco anos, a professora Regina Bienenstein, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) esteve no Morro do Bumba para estudar a situação de risco da comunidade.

- Isso já estava anunciado - diz a professora.

Deixar uma comunidade se instalar em cima de um lixão não faz qualquer sentido, explica o engenheiro e consultor ambiental Carlos Raja Gabaglia. Ele conta que visitou muito aterro sanitário na Alemanha. Aterro não é lixão. Aterro exige que se coloque uma manta para proteger o solo da contaminação e outra para recobrir e proteger o meio ambiente. Em cima, pode haver urbanização, jamais construções. E isso porque o terreno cede.

- O processo de decomposição do lixo e a saída do gás metano fazem com que a área fique em movimento, há um rebaixamento natural. Não é um solo confiável para se instalar uma construção. Não suporta carga de imóveis - afirma.

No lixão do Bumba, não havia qualquer manta isolante, a população ali vivia exposta aos maiores riscos.

Segundo o professor Julio Cesar Wassermann, coordenador da área de meio ambiente e desenvolvimento sustentável da UFF, a comunidade estava exposta ao metano, que pode causar intoxicação e explosões.

- O lixo orgânico, quando sofre decomposição, forma esse gás explosivo. Mesmo em lixões antigos, o metano continua sendo produzido. O deslizamento liberou o metano. Já o chorume - líquido tóxico decorrente do lixo - grande parte dele já deve ter se infiltrado no lençol freático - diz o professor.

O presidente da Associação de Policiais e Bombeiros Militares Ativos e Inativos (Assinap), Miguel Cordeiro, disse que as doenças associadas ao lixão são dengue, leptospirose, infecções intestinais, doenças de pele, verminoses, bronquite, pneumonia, alergias, tifo, hanseníase e até câncer.

Olha só a soma dos absurdos que eles estão revelando. Aquela população que foi soterrada, vivia sob risco de explosões de gás metano, exposta a doenças, num terreno instável, cujo líquido tóxico já estava contaminando o lençol freático. O deslizamento liberou esse metano para a atmosfera. E tudo já se sabia porque o assunto tinha até sido estudado. O gás metano é o segundo maior responsável pelo efeito estufa. Ele é 20 vezes mais potente do que o CO2, mas é emitido em volume menor. Aquele lixão adoecia, poluía, punha em risco vidas. A avalanche provocou um desastre humano e ambiental.

Cordeiro nos contou que os aterro sanitários do Rio, Niterói e São Gonçalo são na verdade lixões disfarçados, porque não foi feito o trabalho de impermeabilização.

- No caso do lixão do Bumba, quando ele foi desativado, em 1986, jogaram meio metro de terra em cima para espantar os urubus e deixaram para lá. A população carente foi ocupando o espaço e nenhuma autoridade fez nada durante esse tempo - disse.

Quando desativaram o Bumba abriu-se outro lixão no Morro do Céu, a oito quilômetros do centro de Niterói. A Assinap entrou com ação na Justiça porque o lixo está avançando sobre a Mata Atlântica (vejam fotos no meu blog).

Essa tragédia confirma todos os temores dos ambientalistas. Eles não estão falando em poesia verde, em proteger uma espécie, ou em um risco que virá daqui a um século. O alerta é concreto. O lixo tem que ser tratado, reciclado, recolhido, separado não por que isso é politicamente correto, mas porque o lixo mata.

Carlos Raja Gabaglia, na grande tempestade de 1966, foi com amigos acudir a população atingida em morros do Rio. Acha hoje que vive a repetição do filme, com um agravante: não vai demorar mais 44 anos para se repetir.

O professor Eneas Salati, da Fundação Brasileira do Desenvolvimento Sustentável, disse que já há mudanças:

- Há um aumento do dinamismo atmosférico e isso provoca maiores precipitações, mudanças dos ciclos hidrológicos. A temperatura do mar já subiu nos últimos 30 anos. Os eventos extremos serão mais intensos e mais frequentes daqui pra frente.

O economista Sérgio Besserman, que tem feito estudos com climatologistas sobre a preparação do Rio para as mudanças climáticas, disse que essa conjugação de chuvas intensas com maré cheia vai se repetir.

- E aí fica mais difícil escoar a água. As águas descerão pelas encostas e vão encontrar uma barreira maior. Nós temos um problema pela frente. A solução é produzir conhecimento e aplicá-lo nas políticas públicas - sugere Besserman.

Mas nem conhecimento velho é usado: como o de recolher, separar e tratar o lixo. O país sabe que é necessário. Uma lei tramita há 19 anos no Congresso estabelecendo regras para o tratamento dos resíduos sólidos. Mas ainda não foi aprovada. Vivemos tragédias anunciadas. Nisso, nos parecemos com o Haiti. Com a diferença que os terremotos podem ocorrer ou não, mas as chuvas voltarão todos os anos.

Enquanto isso, no Rio, mais chuvas, mais águas, mais dores::Graziela Melo

É guerra
é guerra
é guerra

é muita
gente morta
debaixo
da terra...

As dores
Humanas
são desumanas

A dor
mais simples
e dura

É a dor
da morte,
a mais
verdadeira
a mais
pura!!!

É
a vida
inteira
que vai
embora

Se vão todos
os seus
amores!

Fica
a amargura
e todas
as dores!!!!

É a morte
fria,
ímpia
cruel,

que deixa
na alma
o sabor
amargo
do fel !!!



Rio, 08/04/10