sexta-feira, 7 de maio de 2010

Reflexão do dia – José Serra


Pode parecer uma heresia o que eu vou falar: se eleito, vou querer PT e PV no governo em função de objetivos comuns, com base em programas. O Brasil vai precisar estar junto nos próximos anos. Hoje e ontem a oposição sempre teve um comportamento que empurra o governo para um lado que não devia.

(José Serra, ontem, em Minas Gerais, no debate, com Dilma e Marina Silva)

Testando os limites:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A “judicialização” da campanha presidencial, como acusa o PT, tem razões imediatas ligadas à execução da legislação eleitoral, mas sobretudo representa um esforço da oposição de criar constrangimentos para o governo, especialmente para o presidente Lula, para quando realmente a campanha começar, depois das convenções de junho.

Essa guerrilha judicial, além de um sintoma de que a legislação está errada, criando situações indefinidas que os partidos tentam explorar ao máximo, ampliando os limites da lei, é também reflexo da participação ativa de um presidente extremamente popular que não gosta de ser contestado.

O que o PSDB teme é a força do presidente Lula na campanha eleitoral, e essas ações atuais representam uma tentativa de dar limites à sua atuação.

Mas também a oposição é acusada pelo PT de infringir a lei, embora em escala menor, no mínimo pela falta de condições objetivas.

O presidente Lula tem sido multado pela Justiça Eleitoral por campanha antecipada, e agora mesmo o programa partidário do PT entrou na mira do Ministério Público Eleitoral, no que parece ser um novo patamar da guerra.

Muito dificilmente ele não irá ao ar no próximo dia 13, como propôs a vice-procuradora geral eleitoral, Sandra Cureau ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A punição seria consequência de uma representação do PSDB e do DEM contra o PT, que, em dezembro do ano passado, teria usado o espaço reservado para a propaganda partidária para promover a pré-candidatura de Dilma.

Esse esforço do presidente e do PT para colocar a candidatura oficial em condições de competir com Serra, que aparece como líder das pesquisas consistentemente nos últimos anos, tem feito com que a lei eleitoral seja frequentemente burlada nesta campanha.

Por isso, a oposição vai à Justiça se proteger do abuso de poder do presidente.

O que ela quer, na verdade, é inibir a atuação de Lula, que é a grande incógnita da propaganda oficial no rádio e na televisão.

Ninguém sabe se a presença de Lula no programa do PT vai alavancar a candidatura de Dilma, como acreditam os petistas e temem os oposicionistas, ou se o empenho do presidente pode causar incômodos em parcela do eleitorado, que já começa a ver nesse exagerado empenho de Lula uma tentativa de impingir sua vontade ao eleitorado.

Na verdade, o que vem funcionando muito bem na democracia brasileira é o sistema de pesos e contrapesos entre os Poderes, com destaque para a atuação do Judiciário.

Também a sociedade tem reagido com firmeza diante de tentativas de excessos por parte do Executivo.

Luis Gushiken, quando ainda era um assessor graduado da Presidência da República, diagnosticou essa situação dizendo que “a sociedade brasileira já deu os limites ao PT”.

Ele se referia a medidas polêmicas do governo, como o Conselho Federal de Jornalismo, a Ancinav e até mesmo a uma cartilha do “politicamente correto”, que, segundo ele, não tinham qualquer intenção autoritária mas geraram reações da sociedade: “A cada tentativa dessas, vai e volta, a sociedade reage.

Está dado claramente o limite”, disse-me Gushiken certa ocasião.

De lá para cá, outras ocasiões surgiram para confirmar que setores do governo petista testam os limites de suas ações, sempre tentando ampliá-los, e são rechaçados pela reação firme da sociedade.

O fato mais recente foi a tentativa de aprovação do Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma reação de diversos setores da sociedade que se sentiram atingidos por várias medidas propostas no documento, desde a implícita revisão da Lei de Anistia – questão agora definitivamente resolvida pela decisão do Supremo Tribunal Federal – até questões como o aborto ou o direito de propriedade.

Uma a uma essas questões foram sendo revistas pelo governo, diante da reação em cadeia.

Atribui-se ao presidente Lula uma irritação com a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, que já o multou duas vezes por campanha antecipada.

O presidente consideraria que o TSE está usando essas multas, que seriam rigorosas demais, para mostrar imparcialidade e marcar posição.

O presidente já deixou claro em diversas ocasiões sua inconformidade com as ações da Justiça Eleitoral, e não foram uma nem duas vezes em que debochou publicamente das punições que recebeu.

Mas o fato é que, se o TSE não impuser limites, corremos o risco de termos uma campanha em que os candidatos a presidente serão eleitos depois de desrespeitarem seguidamente a legislação eleitoral em vigor.

Essa situação, além de ser um péssimo exemplo, poderia criar brechas para que o resultado da eleição fosse contestado pelo perdedor na própria Justiça Eleitoral.

Três governadores perderam seus mandatos justamente porque exorbitaram do poder político ou econômico nas campanhas em que se elegeram, estabelecendo uma competição injusta com o adversário derrotado.

Fora o fato de que o TSE adotou uma tese estranha, dando o governo ao segundo colocado, na suposição de que ele venceria a eleição se não fossem os abusos do governador eleito, fica demonstrado que é possível perderse o mandato caso o abuso de poder econômico e político fique comprovado.

É claro que seria uma questão política delicadíssima anular a vitória de um presidente da República, e dificilmente essa decisão extrema será adotada.

Mas a simples lembrança dessa possibilidade deve servir de freio às tentativas de avançar limites na legislação.

O próprio presidente Lula já se preveniu contratando seu ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para ser seu conselheiro legal durante a campanha presidencial, justamente porque quer participar ativamente dela em favor de sua candidata, Dilma Rousseff, mas não pretende ser alvo de impugnações legais.

Virada de opinião:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Congresso Nacional pode até não conseguir aprovar o projeto que veta candidaturas de gente condenada por crimes dolosos graves a tempo de a lei entrar em vigor já para a eleição deste ano.

Mas, se na próxima terça-feira a Câmara mantiver a disposição exibida pela maioria do plenário na noite da última quarta-feira, se o Senado corroborar a posição e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar sem vetos, ainda que a regra só se aplique daqui a dois anos, na próxima eleição municipal, terá valido a pena o esforço.

Mesmo sendo um caso específico com efeitos passageiros, a pressão social pela aprovação do projeto Ficha Limpa propiciou algo que há muito tempo não se via no Legislativo: o fortalecimento do papel de parlamentares mais qualificados, em geral eleitos pelo chamado voto de opinião, e que nas últimas legislaturas foram sendo gradativamente substituídos por políticos cujos atos não se curvam a pressões da sociedade, pois seus mandatos guardam pouca ou nenhuma relação de causa e efeito com o interesse público.

Uma série de fatores, sendo o eleitoral o mais forte deles, permitiu que uma conjunção pluripartidária conseguisse vencer a força a pior inércia que toma conta do Parlamento.

O deputado Índio da Costa, do DEM, o primeiro relator do projeto, reconhece que a proposta só andou porque a relatoria passou para as mãos do petista José Eduardo Martins Cardozo na Comissão de Constituição e Justiça. Ele modificou o texto e deu à redação uma versão possível, mas que ao mesmo tempo preservou o espírito da depuração na triagem de candidaturas.

É claro que o Congresso Nacional poderia ter tratado do assunto antes e dado atenção devida à proposta que foi entregue à Câmara no ano passado com 1 milhão e 700 mil assinaturas.

Na verdade, poderia tê-lo feito bem antes, pois o assunto há muito é objeto de debate e já foi tema tratado pelo Supremo Tribunal Federal: sem mudança na lei das inelegibilidades, o tribunal não tinha como se conduzir a não ser pelo preceito geral da presunção de inocência até o completo trânsito em julgado das ações judiciais.

A cobrança sobre o que poderia ter sido melhor ou mais perfeito se justificava enquanto tudo indicava que mais uma vez o Parlamento embromaria a nação.

Bem verdade que era essa mesmo a intenção da maioria. Mas, quando parecia que os pequenos, o PSOL, PV, os bem intencionados de sempre continuariam a falar sozinhos, o movimento de fora cresceu, os partidos de oposição aderiram, na última hora PT e PMDB perceberam que seria contraproducente ficar de fora, no plenário a minoria acabou virando unanimidade.

Votou-se a urgência e o mérito do projeto na mesma quase madrugada. Na noite seguinte, as mãos ladinas bem conhecidas de todos e nesses tempos acostumadas a vencer e a ter a maioria como companheira, tentaram desfigurar o projeto por meio de emendas.

Surpreendentemente, fracassaram vitimadas pela contra pressão da nova - embora transitória, é preciso ser realista - correlação de forças. Como não houve quorum suficiente, ainda podem conseguir na próxima terça-feira, pois faltam 12 destaques a serem derrubados para manter o texto do projeto tal como foi aprovado.

Difícil, nessa altura, que se perca tudo, embora nada seja impossível. Mas a persistência de fora e o esforço de dentro - com destaque para os que não desanimaram quando tudo parecia definitivamente perdido - mostra, no mínimo, como estão equivocados os ativistas da omissão na política.

Aqueles para quem a melhor maneira de protestar é insultar os políticos e deixar para lá.

Baixa intensidade. No afã de tentar agradar a todos ao dizer que não é "de oposição nem de situação", o tucano José Serra flerta com o risco de desagradar ao eleitorado que prefere gente de perfil bem nítido; seja carne ou peixe, mas de contornos bem definidos.

Pode até não ser o jeito mais cosmopolita de ser, mas face à maneira brasileira, a declaração de Serra soa artificial, ensaiada demais e apaixonada de menos.

Tabelinha:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - No primeiro debate da campanha, ontem, no Congresso Mineiro de Municípios, Marina, Dilma e Serra defenderam a reforma tributária e despejaram elogios nos municípios e nos prefeitos.

Um script óbvio e em que eles se igualaram. Mas o que foi mais estridente foi Serra abrindo, fechando e marcando sua participação com cascatas de simpatia para Marina.

Ele citou-a duas vezes na sua primeira intervenção, aplaudiu-a duas vezes enquanto ela falava, trocou figurinhas com ela enquanto Dilma discursava e explicou, ao voltar ao microfone, que estava receitando um remediozinho para a adversária do PV: "Eu e a Marina temos um problema comum: a garganta".

Serra representou o personagem bom moço, simpaticão, apesar de ter sido cercado e até ameaçado à entrada por professores mineiros em greve, aos gritos de "Aécio, Anastasia, tudo a mesma porcaria".

Diante do microfone e das câmeras, ele citou Fla-Flu, Palmeiras e Corinthians, Cruzeiro e Atlético, abriu duas vezes as portas de seu eventual governo ao PT, fez elogio para Lula e mais de uma gracinha para Dilma. Deixou também no ar uma referência elogiosa a Francisco Dornelles, "anfíbio de mineiro com carioca" e o mais novo cotado para vice na sua chapa.

Dilma parecia nervosa no início, controlando mal a voz, sugerindo desconforto. Depois, pegou o ritmo e batucou todo o tempo nos feitos do governo Lula. Citou o PAC, elencou os projetos para Minas, falou do combate ao desequilíbrio regional e da geração de empregos.

Defendeu um "debate de projetos, de ideias" e procurou sorrir e ser também simpática, mas contida.

Para Marina, aplicada e discreta, é importante uma "disputa política, não plebiscitária". Não por acaso, esse foi um dos momentos em que foi aplaudida por Serra, que deixou no ar uma nítida impressão: ele e Marina se articulam para o segundo turno, mas, no fundo, temem o fim da eleição já no primeiro.

Mais que o vento batendo às suas costas :: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se havia alguma dúvida sobre o papel que Luiz Inácio Lula da Silva virá a desempenhar depois que deixar o cargo, o próprio presidente da República tratou de esclarecê-las. Escolheu o 1º de maio para fazê-lo - textual e simbolicamente.

Depois de um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV dedicado ao tema na semana anterior, fez quatro discursos seguidos, em eventos distintos promovidos no mesmo dia por todas as seis centrais sindicais do país. Mandou o recado em todos, mas no da CUT, foi mais claro: "No ano que vem - no 1º de Maio já não sou mais presidente - pelo amor de Deus me convidem para vir, porque se for alguém ruim, a gente vem aqui meter o pau; se for alguém bom, a gente vem aqui ajudar e aplaudir".

A inarredável companhia da pré-candidata petista em todos os eventos não deixava dúvida sobre que cenário prefere, mas o simbolismo é claro sobre seu plano B. Lula vai jogar todas as fichas na eleição de Dilma Rousseff, mas o sindicalismo, em quaisquer cenários, será um dos pilares de sua coabitação com o futuro presidente.

O pós-Lula do presidente passa pelo reforço à retaguarda do PT no Senado, Casa mais independente do governo e fonte primeira de suas dores de cabeça com o Legislativo. Mas, no exercício do cargo, Lula viu o que o Executivo é capaz de fazer com os partidos de oposição. E, se já elegeu-se sem caber mais no figurino do PT, não poderia se limitar à sua escora depois de deixar a Presidência.

A aliança de Lula com o sindicalismo foi fomentada pelas crises políticas de seu governo. Nos dias mais tensos do mensalão, o presidente da República fez chegar a alguns capitães do PIB nacional que a Frente Única dos Petroleiros, ao alcance de um telefonema, não teria dificuldade de paralisar as refinarias do país em seu apoio.

A estratégia de Lula de um domínio sem concorrentes sobre o sindicato passou pelo reconhecimento das centrais em 2008, que, desde então, levou para seus cofres R$ 146 milhões em imposto sindical. A partir daí levou para seu lado a Força Sindical. A central que, até 2006, alternara-se entre PSDB e Ciro Gomes, deve, pela primeira vez, apoiar majoritariamente candidato do PT.

Nos discursos do 1º de Maio, Lula acenou com apoio ao principal ponto da plataforma das centrais no debate eleitoral: a redução da jornada de trabalho. É um faz de conta que interessa a ambas as partes. Tivesse mobilizado sua base no Congresso, o projeto que reduz a jornada já teria passado. As centrais não acusam o golpe porque o cenário sem Lula está longe de ser promissor.

A acomodação a um sindicalismo que não depende de mobilização social para garantir seu sustento também é um jogo de mútuo interesse. Como seu principal patrocinador, o presidente da República mais popular da história do país empresta aos sindicatos o enraizamento popular do qual a cooptação governista lhe permitiu que fossem poupados.

Basta ver o público dos eventos do 1º de Maio. Tirando o da Força Sindical, que enche com os shows, os demais tiveram uma plateia inferior ao que o próprio presidente costuma mobilizar em seus comícios.

No resto do mundo o 1º de Maio acabou em pancadaria. De Atenas a Cuba, a maré é de corte de empregos públicos e precarização dos vínculos trabalhistas. O Estado, cujo fortalecimento foi saudado como a saída para a crise econômica, mais uma vez fica na mira das políticas de ajuste. Basta ver o que o FMI impôs como condição para o pacote de ajuda à Grécia que tem a participação, entre outros países, do Brasil: corte nos gastos públicos, salários e aposentadorias congeladas, reforma do regime previdenciário e redução dos custos de demissão.

Autor de exaustivo estudo sobre os efeitos da flexibilização do emprego na Europa ("Flexibilização do Trabalho - sintomas da crise", Fapesp, 2010), o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando Mattos vê repetirem-se as mesmas políticas do receituário econômico liberal que precedeu a crise financeira. Depois do minucioso levantamento do fracasso dessas políticas na geração de emprego, Mattos acredita que o Brasil está momentaneamente a salvo da onda pelo crescimento econômico.

O Brasil, pela primeira vez, tem mais da metade dos postos de trabalho formalizados e alcançou a meta de geração de empregos prometida na eleição de 2002. Além de dar alento à propaganda governista, os números explicam a prova de revezamento de Lula no 1º de Maio. Mas não são garantia se a maré virar na economia nacional.

Os candidatos à sucessão ainda não vieram a público para se comprometer claramente com uma plataforma de imunização do Brasil ao contágio da onda de quebradeira que atinge o euro.

Os partidos que sustentam um e outro, aliados às centrais, acreditaram estar dando sua contribuição ao debate com a aprovação do fim do fator previdenciário e o aumento aos aposentados acima do deferido pelo Executivo.

Enquanto durar o espetáculo do crescimento, a economia brasileira aguenta desaforo, mas Lula já deu sinais de que recorrerá ao veto se a votação for mantida no Senado.

Previdência sempre é um tema delicado em eleições, mas Lula tem uma longa campanha para passar em revista seu governo e circunscrever um eventual veto a uma nota de rodapé. Governantes bem avaliados costumam inflar seus índices de popularidade durante o horário eleitoral gratuito. Lula pode se dar ao luxo de usá-lo para projetar a imagem com a qual pretende ser lembrado. Pela história ou pelos próximos quatro anos.

O que o episódio coloca em relevo é que a equação montada pelo presidente para arbitrar perdas na sociedade não é passível de herança porque centrado na excepcionalidade de sua liderança. Ele costuma dizer que em costas de ex-presidente nem o vento bate, mas sabe que nas dele só não vai ter espaço para sopro. O presidente tem muitos motivos para se orgulhar de seu governo. Esse não é um deles.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Transferência de votos :: Ney Figueiredo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A escolha de Dilma como candidata do PT transcorreu como um ato de vontade unilateral do presidente Lula, sem consulta às bases

A grande incógnita desta eleição presidencial é a real capacidade do presidente Lula de transformar a sua excepcional aprovação popular em votos para sua candidata, Dilma Rousseff.

A transferência de votos é sempre um fenômeno complexo, e a ciência política ainda não conseguiu desvendar essa questão.Na maior parte das vezes perdemo-nos em discussões que mais revelam a torcida dos envolvidos diretamente na disputa.

Na América Latina em geral, embora a seleção dos candidatos presidenciais seja um dos momentos mais importantes da vida interna de qualquer partido, seu estudo tem merecido pouca atenção.

Trabalho dos professores Francisco Sánchez Lopez e Flavia Freidenberg, da Universidade de Salamanca, na Espanha, baseado na análise de 44 partidos de 16 países do nosso continente, revela que, apesar da tendência para o emprego de processos mais inclusivos na seleção dos candidatos, nas últimas décadas tem predominado a centralização do processo de decisão.

A escolha de Dilma como candidata do PT transcorreu dentro dessa linha de comportamento, como um ato de vontade unilateral do presidente Lula, sem consulta às bases partidárias.

Seu gesto imperial teve um toque de genialidade política, pois afastou a disputa do tormentoso processo de decisão do seu partido, que ele conhece mais do que ninguém.

Lula manteve o PT longe desse processo, como fez, aliás, durante todo o seu governo, inclusive na escolha das peças-chave do primeiro ministério.

Ele conseguiu, com raro talento, manter estável a química petista ,em que o anacronismo marxista radical convive com a ala majoritária, convertida por ele à social-democracia.

Acontece que, em disputa eleitoral, as coisas não se passam como a gente quer. É preciso combinar antes com o eleitor.

Nos últimos 65 anos, desde a redemocratização do país em 1945, tivemos inúmeros exemplos de candidatos retirados do bolso do colete por governantes bem avaliados pelas pesquisas de opinião.

Sempre que a escolha recaiu em um personagem que, embora desconhecido, tivesse um perfil apropriado a um determinado momento, a escolha vingou. Quando, ao contrário, o escolhido não se enquadrava no perfil exigido, a derrota foi inevitável. Vamos aos exemplos:

Em 1990, na disputa pelo governo de São Paulo, Paulo Maluf liderava com grande folga, sendo perseguido à distância por Mário Covas.

Lá atrás, fechando a raia, vinha Fleury, com míseros quatro ou cinco pontos nas pesquisas de opinião. Acontece que Fleury era apoiado por Orestes Quércia, um dos governadores mais bem avaliados àquela época pelas pesquisas de opinião.

Fleury havia sido secretário de Segurança e era promotor público. Segurança era o carro-chefe de Maluf, e o tema caía como luva ao pupilo de Quércia. As pesquisas qualitativas indicavam que Fleury tinha, no imaginário popular, uma série de qualidades atribuídas a Maluf.

Dessa forma, o apoio de Quércia encontrou na opinião pública um clima favorável ao seu candidato.

O mesmo ocorreu no Ceará, com Ciro Gomes, apoiado por Tasso Jereissati, e com Roberto Requião no Paraná, referendado por Alvaro Dias. Todos foram eleitos.

A mesma fórmula deu certo, em São Paulo, na escolha de Celso Pitta para prefeito da capital.

No campo oposto, temos a candidatura do marechal Teixeira Lott, em 1960, apoiado por Juscelino Kubitschek, fundador de Brasília e um dos nossos presidentes mais populares.

Nada, nem a formidável máquina partidária da coligação PSD/PTB e a maioria dos governadores, conseguiu impedir a vitória de Jânio Quadros.

É por aí que caminha a sucessão de Aécio Neves. Antonio Anastasia, atual governador, ex-vice e ex-secretário de governo no primeiro mandato de Aécio, é apontado por todos como o principal responsável pelo sucesso administrativo do seu governo.

É natural que os eleitores mineiros vejam nele a continuação do governo Aécio, tão bem avaliado.

No caso presente, não tenho conhecimento de que Lula se tenha baseado em pesquisas qualitativas para tirar do bolso do colete o nome de Dilma.

Se não o fez, cometeu imprudência, pois o candidato adversário, José Serra, tem história, é administrador muito bem avaliado e pode vestir perfeitamente, por seu passado, o terno de continuador da obra de Lula.

Isso porque as grandes reformas que possibilitaram o sucesso do governo atual começaram quando Serra fazia parte do governo FHC e implantou bem-sucedida política de saúde no ministério que ocupou.

A equação não é fácil, mas também não é impossível.

Ney Figueiredo é consultor político, membro do Conselho Orientador de Pesquisas de Opinião da Unicamp, diretor do Cepac (Centro de Pesquisa e Comunicação) e autor de diversos livros, entre os quais "Diálogos com o Poder".

Tucano combina apoios no Nordeste

DEU EM O GLOBO

Ceará é o único estado onde Serra não terá ajuda de candidato ao governo

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Com o anúncio do lançamento da pré-candidatura do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) ao governo de Pernambuco, ontem, o pré-candidato à Presidência do PSDB, José Serra, praticamente fechou todos os seus palanques no Nordeste.

O único estado da região onde Serra não deverá ter um candidato ao governo estadual é o Ceará: lá, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que já governou o estado por três vezes e disputará a reeleição, abrirá seu palanque para o presidenciável tucano. Em sete dos nove estados nordestinos, o PSDB terá candidato próprio em apenas dois — Piauí e Alagoas. Nos demais, os palanques serão de candidatos aliados e até mesmo de partidos da base do governo Lula, como na Paraíba, com Ricardo Coutinho, do PSB.

A expectativa é que esse palanque de Serra no Ceará seja reforçado com parte dos chamados “órfãos” da candidatura de Ciro Gomes (PSB-CE), retirada da disputa após grande pressão do Palácio do Planalto. A ex-mulher de Ciro, a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), por exemplo, surpreendeu esta semana ao anunciar sua candidatura à reeleição, o que poderá tumultuar ainda mais a aliança que seu antigo cunhado e atual governador do Ceará, Cid Gomes, negocia com o PMDB e o PT.

Os peemedebistas negociam uma vaga de senador para o deputado Eunício Oliveira (PMDBCE), e o PT quer lançar a candidatura do ex-ministro José Pimentel ao Senado na chapa do governador do PSB. Cid Gomes vinha hesitando em lançar dois candidatos ao Senado, por preferir uma aliança informal a favor de Tasso Jereissati. Sua situação poderá ficar mais desconfortável com a entrada da ex-cunhada na disputa.

Serra tem palanque do DEM em três estados

Em Alagoas, o governador tucano Teotônio Vilela disputará a reeleição, e no Piauí o PSDB disputará a eleição com o ex-prefeito de Teresina Silvio Mendes, que atualmente lidera as pesquisas de opinião. Em outros três estados, os tucanos fecharam alianças com o DEM. Na Bahia, o palanque de Serra será o do ex-governador Paulo Souto; em Sergipe, o do ex-governador João Alves; e no Rio Grande do Norte o da senadora Rosalba Ciarlini. Os dois últimos lideram a disputa em seus estados.

No Maranhão, onde a pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, enfrenta problemas por conta da recusa de seu partido em apoiar a reeleição da governadora Roseana Sarney (PMDB), os tucanos anunciaram aliança em favor da candidatura do ex-governador Jackson Lago, do PDT. Lago teve o mandato de governador cassado no ano passado, após vencer Roseana.

Serra acena com governo compartilhado

DEU NO ESTADO DE MINAS

No primeiro debate antes do início da campanha, José Serra “chama” PT e PV a participar da administração tucana, caso vença disputa de outubro. Proposta foi apoiada por Marina Silva, mas não teve resposta de Dilma

Daniela Almeida, Isabella Souto e Juliana Cipriani

Belo Horizonte — No primeiro encontro entre os três pré-candidatos à Presidência da República, em Belo Horizonte, o tucano José Serra convidou o PT, da ex-ministra Dilma Rousseff, e o PV, da senadora Marina Silva, para governar com ele, caso seja eleito para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia veio em resposta a uma fala de Marina, que defendeu um realinhamento histórico entre os partidos, acabando com a guerra entre situação e oposição, que emperram avanços e reformas em todos os governos. Dilma ignorou a proposta dos adversários e não comentou o assunto quando questionada pela imprensa.

Em um debate tumultuado para uma plateia de cerca de 400 prefeitos e políticos, transmitido ao vivo por uma emissora de televisão, os três evitaram ataques. Ao falar sobre a dificuldade de se aprovar a reforma tributária, a senadora Marina Silva afirmou que é preciso aprender com os erros. De acordo com ela, a sistemática política brasileira faz com que governo fique refém de aliados para enfrentar a oposição. “O PSDB ficou refém do que há de pior no DEM. E o PT, do que há de pior no PMDB. A história nos ensinou que temos que conversar”, disse, arrancando aplausos.

Em seguida, Serra concordou com a adversária e afirmou que, se eleito, vai convidar PT e PV para participarem do seu governo. “Pode parecer uma heresia o que eu vou falar: se eleito, vou querer PT e PV no governo em função de objetivos comuns, com base em programas. O Brasil vai precisar estar junto nos próximos anos. Hoje e ontem a oposição sempre teve um comportamento que empurra o governo para um lado que não devia”, justificou. Na saída, Marina completou que é importante que as pessoas estejam dispostas a conversar. “Eu coloquei a ideia primeiro”, disse.

Autonomia

Convidados para falar sobre autonomia municipal, Serra e Marina concentraram os discursos na defesa da revisão do pacto federativo e do fortalecimento dos municípios, enquanto Dilma listou realizações do governo Lula, principalmente no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que comandou quando ministra. Dilma foi vaiada quando falou sobre a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros e eletrodomésticos como forma de conter os efeitos da crise financeira mundial. A desoneração gerou uma das principais queixas dos prefeitos já que, junto com o Imposto de Renda, o tributo compõe o Fundo de Participação dos Municípios, maior fonte de renda de 60% das prefeituras mineiras.

A pré-candidata do PT afirmou que a desoneração foi uma forma de evitar o desemprego no país e lembrou que o governo federal destinou R$ 2 bilhões para compensar parte da perda sofrida pelas prefeituras, avaliada em R$ 3,5 bilhões. “Nós modificamos a relação federativa. Nunca deixamos de dialogar e nem reprimimos a marcha dos prefeitos”, afirmou. José Serra ressaltou que, enquanto prefeito e governador de São Paulo nunca foi discriminado por ser do PSDB, mas criticou a isenção do IPI, incorporando o discurso dos prefeitos. “Não vamos fazer benefícios com chapéu alheio”, disse, sugerindo que a desoneração deveria ter sido feita de forma gradual, com a criação de um mecanismo automático de reposição de todas as perdas.

Serra e Marina propuseram que as reformas, como a tributária, sejam feitas por meio de uma assembleia constituinte exclusiva para discuti-las. Segundo ambos, os conflitos de interesses sobre os temas são intermináveis e se sobrepõem às votações. “A questão tributária precisa ser encarada como algo que não tem a ver com partidos”, disse Serra. Dilma afirmou que só será feita a reforma tributária se houver um acerto entre perdas e ganhos. “Todos vão ter ganhos com a reforma a médio prazo”, disse.

Royalties

A necessidade de uma proposta para a revisão do pagamento de royalties de minério em Minas Gerais foi o único consenso entre os três. Segundo Dilma, as riquezas são de todos. “Concordo com o Serra no que se refere aos royalties do minério. É um absurdo o nível de royalties cobrados da mineração porque é um recurso natural. Acho que é uma questão de dívida com a nação”, disse. Já Marina afirmou que é preciso gerar riquezas para o povo de Minas Gerais.

Serra fez afagos nas adversárias, que chamou de “mulheres de valor”. Segundo o tucano, a senadora foi essencial para a aprovação da Emenda Constitucional nº 29, que trata da desatinação de recursos para a saúde. Serra também elogiou a postura de Dilma enquanto ministra da Casa Civil, por não ter discriminado partidos de oposição. Já Marina elogiou o governo Lula, do qual já fez parte, dizendo que o petista quebrou um paradigma ao mostrar que o crescimento do país poderia vir junto com a distribuição de renda.

" Nós modificamos a relação federativa. Nunca deixamos de dialogar e nem reprimimos a marcha dos prefeitos

(Dilma Rousseff, pré-candidata do PT)

" O PSDB ficou refém do que há de pior no DEM. E o PT, do que há de pior no PMDB. A história nos ensinou que temos que conversar

(Marina Silva, pré-candidata do PV)

" Pode parecer uma heresia o que eu vou falar: se eleito, vou querer PT e PV no governo em função de objetivos comuns, com base em programas

(José Serra, pré-candidato do PSDB)

Serra e Marina fazem dupla; Dilma mostra nervosismo

DEU EM O GLOBO

Petista fala sempre no plural, destacando apoio do presidente Lula

Maria Lima e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Na estreia no primeiro debate público com seus adversários José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), já experientes em disputas eleitorais, a précandidata Dilma Rousseff (PT) apareceu em desvantagem nos quesitos segurança, bom humor e conteúdo. Perante uma claque raivosa de tucanos e petistas no auditório da Associação Mineira de Municípios, Dilma expôs nervosismo e falta de objetividade. Já Serra tentou ser informal e fez gracinhas o tempo todo, passando do ponto em alguns momentos, como quando disse que não pediria “beijinhos” para um prefeito que lhe entregou um documento. No geral, os três se derramaram em elogios uns para os outros.

Marina, mesmo muito gripada, rouca e com problemas de visão — teve que falar sentada todo o tempo — conseguiu passar incólume às vaias das duas claques, falou de propostas concretas, mostrou segurança e bom humor.

Em muitos momentos ficou claro que Serra e Marina fizeram uma dobradinha, isolando a petista. Logo na apresentação, Dilma foi sorteada para fazer primeiro sua exposição, que ela leu.

Nervosa, gaguejou e abusou de números e termos como "condicionalidades".

Levou a primeira vaia e ficou desconcertada.

A segunda a falar foi Marina. Mais tranquila, saudou os dois adversários, lembrou a emenda 29, que deu mais recursos para a Saúde quando Serra foi ministro, e foi aplaudida. Sorteado para falar por último, o tucano estava bem à vontade: rindo muito, saudou prefeitos e aliados de Dilma na plateia pelo nome, inclusive petistas e o senador Hélio Costa (PMDB). Fez questão de elogiar as adversárias. Disse que Dilma e Marina são mulheres de muito valor.

Serra surpreendeu Dilma ao dizer que o debate não deveria ser transformado em um Fla-Flu.

— Eu estou de acordo com a Dilma quando ela fala que o debate (sobre a valorização dos municípios) não pode ser um Fla-Flu, um Palmeiras-Corinthians ou um Atlético-Cruzeiro — disse Serra, lembrando que ela havia se declarado atleticana. Vaia dos cruzeirenses presentes para ela, que tentou se explicar. Porém, longe do microfone, pouco se entendeu de sua queixa.

Serra, que já na abertura evocou a empatia da plateia ao lembrar que ele próprio foi prefeito de São Paulo após perder duas disputas pelo cargo, ganhou aplausos quando repetiu uma máxima de Ulysses Guimarães: “A população não vive na União, não vive nos estados, vive nos municípios”.

Marina fez questão de ressaltar o discurso ético e criticou o fato de os últimos governos terem ficado reféns do que "há de pior " no DEM e no PMDB.

Dilma não comentou. Mas Serra aproveitou a deixa e disse que, se eleito, governaria em parceria com o PT e o PV.

Nesse momento, desatenta à filmagem com transmissão ao vivo, Dilma ficou olhando e rindo de braços cruzados.

Quando Marina reclamou da voz, Serra disse que esse era o maior problema dos candidatos, mas ele, apesar de não ser hipocondríaco, iria sugerir a ela alguns remedinhos. Bem-humorada, Marina deu seguimento à brincadeira: — Eu proponho aqui que a gente faça um remanejamento sustentável de voz.

Dilma, que também tem sofrido de rouquidão em eventos pré-eleitorais, não entrou na brincadeira.

O debate chegou a ser interrompido por um ex-prefeito, que gritava no plenário.

O jornalista Roberto Mitre, mediador teve de pedir calma. Serra aproveitou para fazer outro gracejo quando Mitre anunciava que o tempo de resposta iria se esgotar, com avisos de "falta 45 segundos".

— 45? O que é isso? Se você ficar repetindo isso, daqui a pouco isso vai virar debate na Justiça eleitoral — brincou Serra, numa referência indireta ao pedido do PT para suspensão do jingle dos 45 anos da TV Globo.

Depois da cutucada no PT, Mitre passou a avisar que faltavam "30 segundos".

Na finalização, Marina aproveitou para alfinetar Dilma, que falara antes na distribuição republicana dos recursos federais.

Lembrou que o ex-ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), mandou quase todos os recursos para sua base na Bahia, deixando outros locais que sofreram com enchentes a mingua. Dilma não passou recibo.

Em sua última fala, a petista voltou a recorrer a números do PAC2 e lamentou não ter mais tempo para falar do Minha Casa, Minha Vida. O tempo todo falou no plural, colando sua imagem ao governo ao presidente Lula. Saiu aplaudida pela claque que cantava "Olê, olá, Dilma". A mesma claque vaiou Serra em sua despedida, quando repetiu seu slogan adaptado: “Os municípios podem mais, merecem mais e terão mais”.

PMDB gaúcho deverá fechar com o tucano

DEU EM O GLOBO

Fogaça diz que seguirá o que partido decidir no Sul; já comando nacional dos peemedebistas apoia Dilma

Isabel Marchezan

PORTO ALEGRE. O pré-candidato do PMDB ao governo do Rio Grande do Sul, José Fogaça, admitiu a possibilidade de apoiar a candidatura de José Serra à Presidência da República, apesar da aliança do PMDB nacional com Dilma Rousseff, do PT.

Defensor da tese de que o partido deveria ter um candidato próprio ao Planalto, Fogaça afirmou ontem, em entrevista à Rádio Gaúcha, que vai seguir a decisão que o PMDB do Rio Grande do Sul tomar em relação à campanha presidencial.

— Evidentemente, o partido vai se reunir no Rio Grande do Sul para tomar a sua posição.

Eu sou do PMDB do Rio Grande do Sul e vou seguir o PMDB do Rio Grande do Sul — disse Fogaça na entrevista.

Líderes peemedebistas gaúchos afirmaram que, sem candidato próprio, a seção gaúcha do partido deve se aliar a Serra, mesmo que Michel Temer seja o vice na chapa de Dilma.

— É quase utopia ter candidatura própria. Se a gente botar em votação hoje, Serra ganha por larga diferença — afirmou o deputado estadual Alexandre Postal (PMDB-RS).

Deputados peemedebistas e Fogaça tiveram encontros com o pré-candidato tucano à Presidência em Porto Alegre anteontem.

Na opinião do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), a maior parte do diretório gaúcho tende a apoiar o tucano.

— Pelo que conheço da bancada, 90% estão com Serra — afirmou Terra.

PP e PSDB podem retomar negociações no estado

Perguntado sobre a possibilidade de o tucano fazer campanha ao lado de José Fogaça no Rio Grande do Sul, Terra afirmou que só o tempo é que poderá responder.

— Onde tem disputa com o PT do outro lado, é difícil ficar isento. Eles estão nos batendo politicamente. Como vamos votar com eles? — disse Osmar Terra, sobre o PMDB gaúcho.

O PP também participou do encontro de quarta-feira à noite com Serra. No começo da semana, o partido declarou encerradas as negociações para compor chapa com o PSDB ao governo estadual. Os progressistas exigem aliança na eleição para a Assembleia Legislativa e a Câmara dos Deputados, além do cargo de vice na chapa de Yeda Crusius.

As negociações, no entanto, podem não estar encerradas.

Segundo Pedro Bertolucci, presidente do PP estadual, o partido optou por não participar da agenda do Serra no estado para não criar constrangimentos, mas pode retomar as conversas em Brasília na próxima semana.

Ele diz que a possibilidade de Francisco Dornelles (PP-RJ) ser vice de Serra não garante nada.

— O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE, coordenador da campanha ao Planalto) ligou pedindo uma conversa. Queremos entrar pela porta da frente. Conversaremos oportunamente em Brasília. Mas, se houver acordo nacional, não necessariamente seremos aliados no estado — ponderou Bertolucci.

Dissidente do PMDB, Jarbas Vasconcelos se lança ao governo de PE (entrevista)

Jarbas entre Marco Maciel,Roberto Freire e Jungmann


O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) anunciou nesta quinta-feira sua pré-candidatura ao governo de Pernambuco o que garante um palanque para José Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência.

Ele vai enfrentar o atual governador, Eduardo Campos (PSB), que vai se candidatar à reeleição.

Jarbas antecipou que uma reunião fechada entre os dois deve ocorrer ainda este mês para definição de uma agenda de campanha.

Cotado para a reeleição no Senado, Jarbas pediu a líderes partidários um prazo para anunciar sua decisão.

"Teremos um palanque forte em Pernambuco, competitivo, e estaremos ao lado do próximo presidente da República", previu o senador, referindo-se a Serra. A entrevista foi dada em Recife e transmitida pela internet.

A chapa anunciada por Jarbas inclui o senador e presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que também coordena a campanha presidencial de Serra. Guerra será candidato à Câmara dos Deputados. Jarbas também afirmou que há espaço para conquistar o apoio de prefeitos pernambucanos da base governista.

O senador dissidente do PMDB não poupou críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à pré-candidata Dilma Rousseff (PT) à Presidência. Jarbas defendeu que a transferência de votos existe, mas que ela não garante a vitória, e citou a derrota do PT na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2008.

"Lula foi lá, fez carreata, fez comício, foi para a televisão, apareceu no programa eleitoral, e não funcionou", lembrou o senador.

No nível nacional, o PMDB tem acordo com o PT para apoiar Dilma.

Veja trechos da entrevista de Jarbas, ontem em Recife:

DEFINIÇÃO

"Todos vocês sabem que não estava nos meus planos disputar o Governo de Pernambuco. Já reiterei isso várias vezes. Essa realmente não foi uma decisão fácil e não passou apenas pela questão de me convencer.

Eu tinha que construir uma plataforma para essa candidatura, uma razão, um propósito.

Eu acredito que José Serra será o próximo presidente do Brasil e não desejo que Pernambuco fique de fora dessa nova fase da história do País.

Pernambuco avançou muito na última década, mas o nosso Estado, como diz o Serra, pode fazer muito mais. Pode e não vem fazendo.

Essa sintonia é fundamental para que Pernambuco não se perca, como aconteceu na década de 1990. É inadmissível, por exemplo, que a Refinaria Abreu e Lima tenha passado quatro anos praticamente parada, envolvida em denúncias de irregularidades investigadas pelo Tribunal de Contas da União.

Serra assumiu compromisso de ajudar no que for possível para concluir projetos que ajudamos a trazer para Pernambuco há mais de cinco anos e até hoje se encontram paralisados, como a Refinaria e outros projetos importantes.

Nas últimas semanas, tive a oportunidade de ouvir a opinião de centenas de pessoas, não apenas as lideranças políticas da oposição, mas amigos, familiares e principalmente eleitores, pessoas que chegavam a mim pedindo para que eu disputasse o Governo. Em vários eventos públicos, pude sentir esse chamamento.

Essas coisas pesam na hora da gente entrar numa disputa dura como será essa. Vou disputar o governo porque os pernambucanos me pediram.

SÉRGIO GUERRA

Sérgio Guerra explicou para vocês e a opinião pública pernambucana as razões que o levaram a optar por não disputar a reeleição. Esse é um fato. Sérgio acredita que terá mais condições de ajudar Pernambuco como coordenador da campanha de Serra. Entendi e compreendi, pois é um espaço importante para o Estado.

Em suma: Sérgio não disputará a reeleição para o Senado, mas será um integrante fundamental da nossa campanha para retomar o Governo de Pernambuco. Ele e o PSDB.

Sou candidato ao Governo de Pernambuco para mostrar que podemos fazer muito mais do que foi feito nos últimos quatro anos.

Pernambuco é mais. É muito mais do que esta aí.

PREFEITOS

Caberá à cada direção partidária cuidar da questão de possíveis infidelidades durante a campanha. Mas as convenções só vão ocorrer no final de junho. Ainda há muito tempo para conversar. Política é arte da conversa, do diálogo. As coisas podem mudar com muita facilidade; mudam de um dia para outro.

Acredito que inclusive há espaço para conquistar gente da base do Governo. Até porque muitos desses atuais prefeitos que estão com o governador já nos apoiaram.

Teremos um palanque forte em Pernambuco, competitivo e estaremos ao lado do próximo presidente da República. Portanto, sobram bons argumentos para montar palanques em todas as cidades de Pernambuco.

Não ficarei fulanizando, tratando desse ou daquele prefeito. E vocês também não vão me ver tratando dessas questões pela Imprensa. Cada um que faça o que manda sua consciência. A minha está tranquila.

Durante oito anos de Governo, não discriminei e nem persegui ninguém. Firmei parcerias com prefeitos do PT, do PSB, do PCdoB, do PTB. Com aqueles que desejaram, mantive um diálogo franco e aberto.

COMPARAÇÃO

Não tenho problema em comparar governos. Tenho imenso orgulho das duas gestões que tive à frente do Governo de Pernambuco. Nossa gestão serviu como modelo para diversas administrações em todo o País.

Fizemos uma administração responsável, comprometida com o futuro. Tenho orgulho do meu Governo.

Não vou fazer como o atual governador, que passou a campanha de 2006 dizendo que não queria falar do passado, evitando avaliar o Governo do qual ele foi figura-chave, entre 1995 e 1998.

Nós fizemos mais e melhor do que o atual Governo. Mas o pernambucano não quer saber só isso. O povo de Pernambuco vai querer saber quem fará mais no futuro, a partir do próximo ano, quando José Serra estiver na Presidência da República.

LULA

Nos meus dois governos tive a aprovação majoritária do povo pernambucano e enfrentei um cenário econômico bem mais adverso do que os atuais administradores. Eles encontraram a casa arrumada.

Nossos dois governos mudaram a face de Pernambuco, recuperaram a auto-estima dos pernambucanos e construíram as bases para que o Estado voltasse a crescer.

Lula não é candidato a nada nesta eleição.

Sem dúvida alguma Lula ajudou Pernambuco. Mas Lula ajudou Pernambuco porque a gente, o meu Governo, fez o dever de casa. Arrumamos as finanças do Estado. Investimos fortemente em Suape, na infra-estrutura. Nada caiu do céu. Foi tudo fruto de trabalho, de poder de articulação.

O melhor exemplo disso é o Estaleiro Atlântico Sul, o qual assinei o contrato em agosto de 2004, há quase seis anos.

É verdade que Lula ordenou a retomada da indústria naval brasileira, mas o Estaleiro estava sendo disputado por dezenas de estados. Foi a atuação minha, da minha equipe que permitiu trazer o estaleiro para Suape. Isso é história, está registrado na Imprensa. Não tem como mudar esse fato.

O mesmo se aplica à Refinaria e outros grandes empreendimentos aos quais Serra me assegurou apoio absoluto a partir de 1º de janeiro de 2011. Fui governador no meu segundo mandato com Lula na Presidência. Mantivemos uma relação cordial, mas sem adesismo. Fizemos parcerias administrativas que renderam frutos para nosso Estado.

Nunca deixei de reconhecer o apoio que recebi de Lula. E ele também nunca deixou de destacar nosso bom diálogo. Minha relação com Lula foi Republicana, respeitosa, mas sem adesismos.

Como senador de oposição, não me cabia outro papel, se não o de fiscalizar o Governo. Nas democracias funciona assim, quem ganha governa e quem perde vai para a oposição, fiscalizar. Nunca deixei de votar projetos do Governo no Senado por mera picuinha.

O problema é que o PT e os seus aliados esqueceram que foram oposição e querem a unanimidade a todo custo. Nunca fui adesista. Tenho nojo do adesismo.

MINHA DISPOSIÇÃO

Jamais entraria numa campanha pela metade. Estou disputando o Governo do Estado porque acredito que posso e vou contribuir para que Pernambuco não se perca no caminho do desenvolvimento, um caminho que foi aberto e erguido pelo nosso Governo.

Pernambuco está na fase da construção, muito ainda precisa ser feito, muito precisa ser mudado. Muita coisa mudou para pior. No que tem de bom, colhem o que a gente plantou. O atual governo não tem o costume de reconhecer o trabalho alheio, daqueles que vieram antes. Pernambuco não foi descoberto em 2007.

CAMPANHA

Pernambuco vive um bom momento, mas o atual Governo carece de foco, atira pra tudo quanto é lado. É como beija-flor: pousa aqui, pousa ali.

Mas eu não vou passar essa minha entrevista apresentando as falhas do Governo, criticando o governador.

Precisaria de mais tempo do que disponho nessa entrevista. Além disso, campanha só começa mesmo em 17 de agosto, com o início da propaganda eleitoral nas TVs e nos rádios.

Vamos fazer esse trabalho durante a campanha - com alto astral, serenidade, responsabilidade e, sobretudo, com propostas.

PRESENÇA DE SERRA

Combinei com José Serra para ele vir a Pernambuco ainda este mês, para uma reunião em recinto fechado. Devemos definir essa agenda nos próximos dias. Nesse encontro, vamos firmar todos esses compromissos com Pernambuco. "
(Informações: Jornal do Commercio (PE), Diário de Pernambuco e Folha de Pernambuco)

Jarbas se lança e abre palanque para Serra

DEU EM O GLOBO

Senador pelo PMDB, ele vai disputar o governo de Pernambuco, e diz que não há por que temer popularidade de Lula

Letícia Lins

RECIFE. O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) anunciou ontem que disputará a sucessão estadual, enfrentando o governador Eduardo Campos (PSBPE), que vem se firmando como uma das novas lideranças políticas no estado e é aliado do presidente Lula. Campos abrirá seu palanque para a pré-candidata petista, Dilma Rousseff, enquanto Jarbas, embora do PMDB, dará importante espaço para o aliado José Serra, do PSDB.

Jarbas disse que o PSDB não deve temer a popularidade de Lula, “que não é candidato a nada nesta eleição”. Para Jarbas, o eleitor entenderá que Serra é o candidato mais preparado para governar o país. O peemedebista disse que Lula impôs uma candidata sem qualificação necessária para governar o país.

— Ela não tem a dimensão nem o preparo de Serra — disse Jarbas, lembrando experiências bem sucedidas do tucano à frente da prefeitura e do governo de São Paulo e também no governo Fernando Henrique. — Serra é uma pessoa honesta, tem caráter e é experiente.

Senador relutou em aceitar candidatura

Jarbas contou que o tucano deverá visitar Pernambuco até junho. Para ele, Lula não conseguirá transferir tantos votos para Dilma: — Em São Paulo ele não conseguiu na eleição municipal.

A jornalistas, referindo-se ao reajuste aos aposentados, Jarbas atacou: — O governo faz o que quer no Senado, que termina votando as coisas mais absurdas. Surgem os pacotes de bondades, porque o pai do pacote de bondades é o governo federal, que dá o mau exemplo.

Jarbas hesitou muito em aceitar a candidatura. Ele havia prometido anunciar a decisão semana passada, mas adiou para ontem, mesmo dia em que o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), confirmou que não tentará a reeleição para se dedicar à campanha de Serra.

Com a desistência de Guerra, Jarbas ganhou espaço para compor sua chapa. Até ontem os nomes do candidato ao Senado e do vice estavam em aberto, com a confirmação da candidatura à reeleição de Marco Maciel (DEM).

— Não foi uma decisão fácil. E não passou só pela questão de me convencer. Eu tinha que construir uma plataforma para essa candidatura, uma razão.

Acredito que Serra será o próximo presidente do Brasil, e não desejo que Pernambuco fique de fora dessa nova fase — disse Jarbas. E alfinetou Eduardo Campos: — Pode, mas não vem fazendo. Essa sintonia (com o próximo presidente) é fundamental para que Pernambuco não se perca, como aconteceu na década de 1990.

Jarbas foi governador entre 1999 e 2006, e sucedeu a Miguel Arraes, avô de Campos e do qual o neto era um dos auxiliares.

Ele mostrou não temer a popularidade de Lula no estado nem o peso da máquina pública e muito menos o reforço que Campos ganhou depois de eleito governador, tendo hoje o apoio de cerca de 150 dos 184 prefeitos pernambucanos: — Caberá a cada direção partidária cuidar de possíveis infidelidades na campanha. Mas as convenções só vão ocorrer no fim de junho. Ainda há tempo para conversar — disse Jarbas, afirmando ter “nojo de adesismo”: — Não vou fulanizar. Temos até junho para buscar pessoas desgarradas. Mas não pretendo conviver com adesista.

Jarbas reconheceu que sua relação com a cúpula do PMDB é azeda e ficou mais ainda após entrevistas criticando a direção da sigla, mas disse que, como não há fórmula mágica para campanha sem dinheiro, caso seja preciso procurará recursos financeiros no seu partido. Políticos de PSDB, DEM, PMDB e PPS foram em massa, ontem, ao escritório do senador.

Guerra distribuiu nota: “Não é responsável, de forma alguma, assumir compromissos de fazer essa campanha majoritária em Pernambuco, juntamente com a campanha do meu partido para a Presidência.

Mas é sensato fazer a campanha de Serra e a minha para deputado federal. Sobretudo porque jamais me afasto das bases que me apoiam!”.

Em jornal, PT vê risco de novo golpe militar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Publicação diz que "ovo" dos golpistas "está intacto" e que povo deve escolher entre "Dilma e a barbárie"
Ranier Bragon
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sob patrocínio da direção nacional do PT, começou a circular ontem um jornal que afirma que o "ovo da serpente" do golpe de 1964 "está intacto" e hoje se manifesta em um "conluio das elites" abrigado na mídia, no Legislativo e no Judiciário.

O "Movimentos" é de responsabilidade das secretarias nacionais do PT que atuam nos movimentos sociais, e está em sua segunda edição.

"Os movimentos sociais organizados precisam se manter atentos, pois o "ovo da serpente" está intacto e as mesmas elaborações teóricas, sentimentos de superioridade e defesa de privilégios que animaram os golpistas de 1º de abril de 1964 ainda estão presentes nos corações e mentes da elite", diz o jornal.

Na atual edição, o editorial é assinado pelo presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, para quem é uma das tarefas do jornal "servir como instrumento de formação e informação da militância, não só para o enfrentamento de disputas eleitorais, mas sobretudo das batalhas que se dão cotidianamente na sociedade brasileira".

O texto principal do jornal, de 12 páginas, fala que "os articuladores e reais mentores da ditadura" estão "encastelados em entidades patronais, nos meio de comunicação que a ditadura lhes legou, nos espaços conquistados, graças ao seu servilismo, no Poder Judiciário, no Legislativo e na burocracia dos Executivos".

Quase toda a edição estabelece uma relação entre a repressão política praticada pela ditadura militar (1964-1985) e os conflitos da polícia com professores em greve, em São Paulo, Estado governado até os três primeiros meses do ano pelo tucano José Serra.

Na legenda de uma das fotos dos conflitos deste ano, o texto diz: "Até parece que a ditadura não acabou em 1988. A polícia na rua quer o fígado dos estudantes em manifestação".

No artigo que assina, o secretário Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT, Renato Simões, afirma que a "mídia privada e o Poder Judiciário" são "os dois maiores sujeitos políticos da oposição, deixando secundarizados os partidos políticos na tarefa de confrontar a base social e política do governo federal".

Já a página 7 do "Movimentos" trata das eleições de outubro e estampa a manchete "É Dilma ou a barbárie". No texto, o jornal afirma que o Brasil viveu "oito anos de regime neoliberal" e que o capitalismo, "em especial a sua versão mais radical, o neoliberalismo, tem representado a barbárie social".

A luta armada e a frente democrática :: Fausto Matto Grosso

DEU NO CORREIO DO ESTADO (MS)

Jamais imaginei que a luta armada da década de 70 pudesse vir a ser, 40 anos depois, matéria de interesse eleitoral. Pois é isso que está acontecendo. A candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff despertou uma sanha tão reacionária, quanto interesseira, sobre o tema, em tudo semelhante ao terrorismo eleitoral que fizeram, no passado, quanto ao “perigo Lula”.

Recentes entrevistas de antigos comandantes militares, como o General Leônidas Pires, ex-comandante do temido DOI-CODI de São Paulo, concedidas à TV, puseram mais lenha na fogueira.

Disse o general que toda guerra gera vítimas, o que é verdadeiro, disse, também, que as ações armadas do Exército começaram somente após o frustrado atentado da antiga Ação Popular contra a vida do Presidente Costa e Silva no aeroporto de Recife. Aí ele falta com a verdade histórica. Quem foi enfrentado inicialmente pelas armas foi o Governo Constitucional de João Goulart e a partir daí se implantou uma Ditadura que, por mais de 20 anos, se impôs pela força das armas e pela repressão aos democratas de todos os matizes.

A resistência à ditadura, que se impunha por uma questão ética e política, provocou uma grande divisão entre as forças de esquerda. A principal matriz de onde brotou a esquerda no Brasil, o Partido Comunista Brasileiro - PCB, de imediato apontou o caminho da frente democrática, indicando que a luta não seria fácil e curta e, portanto, deveria envolver uma ampla articulação da sociedade brasileira. Já no início de 1966 reconhecia o recém criado MDB como um espaço válido de luta, indicando aos seus militantes a filiação no Partido. Nessa época, vários militantes e dirigentes do PCB, contrários à política de resistência democrática excluíram-se ou foram expulsos do partido.

Com a violenta repressão que se abateu depois do AI-5, a luta armada surgiu como ato desesperado, de resistência ao regime militar. É dessa época o surgimento do MR8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro e da ALN - Aliança Libertadora Nacional, onde pontificavam lideranças como Marighela, José Dirceu, Franklin Martins, Vladimir Palmeira, e Fernando Gabeira, entre os mais conhecidos atualmente, todos originários do PCB. Lá na sua militância estudantil, e depois na frente armada, estava a ex-ministra Dilma Rousseff em uma das diversas organizações que se formaram à época.

Foram pessoas corajosas, idealistas, muitas das quais entregaram as suas vidas por essa causa, mas foram derrotados, principalmente, pelos seus erros históricos e políticos, e não apenas pelas balas e pela tortura da repressão. A luta armada não era o meio mais eficaz, era burra, foi uma tática suicida, ajudou ao endurecimento do regime e à ampliação da repressão contra todos os democratas, das diferentes vertentes.

Ao mesmo tempo em que isso acontecia, militares brasileiros eram treinados em técnicas de combate e em tortura na escola da CIA no Panamá, para onde, alguns tempos depois, muitos voltaram como experientes professores que superaram os mestres.

Mesmo atuando na frente legal, o PCB foi vítima da estratégia de auto-reforma do regime. Havia o receio de que o “Partidão”, com a sua capacidade de articulação política ampla, pudesse transformar o MDB em um partido de massas e de esquerda. Foi nessa época que se abateu a maior repressão sobre os pecebistas. Neste ano, o pacato jornalista Vladimir Herzog e operário Manoel Filho, foram assassinados nas câmaras de tortura. Neste mesmo ano, sete membros do seu Comitê Central, foram assassinados pela ditadura o que, pela primeira vez na sua longa história, obrigou o Partido a retirar sua direção para o exterior.

Ao final, a história fez homenagem à tática vitoriosa da ampla frente democrática na qual militavam os comunistas do PCB, que foram os primeiros a lançar as palavras de ordem pela Anistia, pelos Direitos Humanos, pela Constituinte, pelas liberdades públicas e pelo Estado de Direito Democrático, inclusive se postando contra a extinção do MDB no momento em que o desânimo se abateu sobre os democratas liberais.

Comparando as táticas de luta contra a ditadura, em uma tentativa de síntese histórica pessoal, tenho convicção de que o Presidente Jimmy Carter com a sua denuncia de violação dos direitos humanos no Brasil, fez mais pela nossa democracia do que o Comandante Fidel Castro, também, que Ulisses Guimarães e Tancredo Neves foram mais úteis à causa da democracia do que o bravo Carlos Marighela e o ainda todo poderoso José Dirceu, hoje plenamente anistiado no seu partido, porque, afinal de contas, alguém tinha que fazer “o que precisava ser feito pela causa”.

Voltando ao terrorismo eleitoral, vale dizer que a sociedade democrática que ajudamos a conquistar funciona assim mesmo. Tem alternância, tem direito de diferenças, e outras coisas incômodas. Quem quiser, derrote esses personagens pelas idéias e pelas propostas, pela democracia, jamais fazendo correntes reacionárias como todos nós recebemos diariamente pela internet, tentando atingi-los pelo seu passado guerrilheiro ou pela sua vida pessoal. Devemos julgá-los pelas suas posições no presente e não pelos seus erros do passado. Os militares brasileiros, também, devem ser julgados pela sua postura atual claramente constitucional e profissional.

Pessoalmente, preocupa-me mais a falta de uma auto-critica verdadeira desses lideres com relação a tal passado. Não encontro, na maior parte deles, nenhuma afirmação clara do compromisso com a democracia. Afinal para quem assaltava bancos para arrecadar fundos para uma “boa causa”, que diferença faz comprar “300 deputados picaretas” para um projeto “superior” de poder. Para quem desacreditava na possibilidade de atuar dentro dos sindicatos, todos chamados de “pelegos”, que diferença faz cooptar e anular os movimentos sociais mais importantes do País. Ao que parece continuam prisioneiros da idéia de que “os fins justificam os meios”.

Chorar lágrimas eleitorais de crocodilo no túmulo de Tancredo não vale. Têm que assumir que erraram em não votar nele no colégio eleitoral, quando do outro lado da disputa se encontrava Paulo Maluf, inclusive expulsando seus deputados que assim o fizeram. Precisam explicar onde estavam eles na delicada transição com Sarney e o que fazem junto com Sarney, Collor e Maluf atualmente.

Fausto Matto Grosso, professor da UFMS, militante do antigo PCB e dirigente nacional do PPS

Responsabilidade fiscal::Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

Há dez anos, Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei Complementar 101, que estabelecia normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

O parágrafo 1º definia o seguintes: "A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar."

Foi o começo de uma pequena revolução na forma como os diversos níveis de governo deveriam tratar, doravante, as contas públicas, ao obrigar os entes da Federação a buscarem o equilíbrio delas por meio de uma administração cada vez mais profissionalizada; com planejamento, controle, transparência e a responsabilização como premissas básicas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal constituiu-se em elemento fundamental para consolidar o Real como moeda efetiva e para superarmos mais de três décadas de inflação crônica que corroía nossa capacidade de desenvolvimento autônomo e sustentado, livrando-nos da necessidade permanente de financiamento externo para cobrir reincidentes déficits nas contas públicas.

Quando, no Senado, votei favoravelmente a este Projeto de Lei grande, mas parte da esquerda era contrária porque consideva-o uma proposta "neoliberal". Naquela época a esquerda estava no poder na Itália.

Enfrentando os problemas do país, líderes como o então primeiro-ministro Maximo D'Alema percebiam que uma boa gestão da administração pública, feita de forma adequada, com prioridade para a saúde nas finanças públicas não eram uma questão atinente à esquerda ou à direita.

Não se revestiam de uma visão ideológica, mas de capacidade administrativa, de competência para gerir o Estado. A experiência e a implementação da lei induziram os diversos entes da Federação a se adequar aos preceitos que ela trazia, com evidentes ganhos para todos, ao colocar como objetivo permanente da economia e dos governantes emparticular a responsabilização de todos com o equilíbrio fiscal.

Sem falar da necessária reformulação dos modos e costumes administrativos legados por uma concepção de governo que não tinha compromisso com a sustentabilidade de programas e projetos, do ponto de vista financeiro, acarretando graves prejuízos para a comunidade local e à sociedade, em seu aspecto geral.

Neste momento, devemos nos concentrar nos aspectos positivos, naquilo que ganhamos com a implementação da lei, avançando para uma governança cada vez mais democrática e inclusiva dos anseios e demandas da sociedade.

Roberto Freire é presidente do PPS

O risco do tempo:: Sergio Besserman

DEU EM O GLOBO

Não é incomum a suposição de que os ambientalistas transmitem mensagens apocalípticas sobre o futuro do planeta, excessivamente zelosas das responsabilidades humanas para com a natureza, enquanto os economistas, mesmo os mais próximos aos temas da crise ambiental, teriam preocupações mais realistas e, portanto, menos intensas.

Nada mais equivocado. É verdade que alguns ambientalistas sinceros muitas vezes cometem o mesmo equívoco de desenvolvimentistas alienados e superestimam as forças da humanidade.

Acreditam que a natureza do planeta está sob risco e que temos a responsabilidade de salvála da destruição causada por nós mesmos. Mas a grande maioria dos ecologistas sabe que não é essa a questão. A natureza não está sob risco.

Ela não pagaria um centavo por uma apólice de seguro.

Quanto aos economistas, é verdade que ainda são raros os que estudam a sério os números da crise de sustentabilidade, especialmente os relativos à mudança climática, mas, de um modo geral , quando o fazem são acometidos de um justificável senso de prioridade e urgência com relação ao tema. Isso porque são treinados na forma correta de entender o problema: a análise de risco.

A humanidade não pode fazer mal à natureza do planeta. Suas forças são insuficientes para representar uma ameaça real. A ilusão de que seja possível aos homens destruir a vida na Terra decorre de um equívoco compreensível: o desprezo por uma das dimensões da realidade, o tempo.

São tempos dramaticamente diferentes.

Nós vivemos 80 anos, Jesus esteve entre nós há pouco mais de dois mil anos, a civilização tem sete milênios, a agricultura algo como doze milênios. A vida está presente na Terra há pelo menos 3,6 bilhões de anos. A maravilhosa biodiversidade que nos cerca tem cerca de 650 milhões de anos.

Se projetados em um relógio de 24 horas, esses tempos significam que a humanidade só se fez presente nos últimos segundos. Nas 23 horas, 59 minutos e muitos segundos anteriores, o planeta passou por problemas incomensuravelmente maiores do que qualquer coisa que possamos sonhar em fazer um dia.

É dessa forma que damos nome às eras geológicas: paleozoico, quer dizer, era da vida antiga. Foi encerrado com um apocalipse, uma enorme extinção da vida, a humanidade não teria chances de sobreviver. Veio então o mezosoico, era da vida média. Novamente encerrado por uma grande extinção à qual sobreveio o cenozoico, a era da vida recente.

Nós estamos presentes a partir dos últimos duzentos mil anos do cenozoico.

Temos uma grande capacidade de dilapidar e degradar a natureza do nosso tempo, aquela da qual fazemos parte. Se continuarmos no caminho em que estamos, o máximo que podemos fazer é contribuir para mais uma grande extinção, à qual a humanidade, ou, ao menos, a civilização como a conhecemos, não poderia sobreviver. O que o registro fóssil informa é que, após um episódio desse tipo, entre 5 a 10 milhões de anos depois uma nova biodiversidade estaria recomposta. Seria a era da vida recentíssima. Sem nós.

Se a natureza do planeta não tem, no seu tempo longo, motivos para preocupação, a humanidade tem razões de sobra para, no seu tempo curto, mudar de comportamento e comprar várias apólices de seguro.

Estamos submetidos aos riscos dos impactos diretos previsíveis das diversas dimensões da crise ambiental, especialmente a mudança climática; aos riscos dos inevitáveis conflitos sociais, políticos e militares que decorrerão da disputa por recursos crescentemente escassos e aos riscos associados à vasta extensão da nossa ignorância sobre a natureza e, consequentemente, à possibilidade de ocorrência de impactos não previstos e potencialmente devastadores, como a liberação do metano aprisionado no solo congelado da Sibéria, acelerando o aquecimento global, ou a degradação não linear dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártica, incrementando expressivamente a elevação do nível do mar.

O grau de exposição ao risco da civilização já é muito maior do que aquele que as pessoas admitem no seu cotidiano ou os empreendedores utilizam nos seus negócios. Deus pediu a Adão que desse nome aos seres e às coisas. Nós nos autoatribuímos a nada modesta denominação de Homo sapiens sapiens. Está na hora de descobrirmos se a merecemos.

Sergio Besserman é presidente da Câmara de Desenvolvimento Sustentável da prefeitura do Rio de Janeiro e foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.

O que devemos preservar na economia:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Espero que o que houve nos mercados sirva para abrir os olhos das autoridades sobre a falta de controle dos gastos

A economia brasileira tem se beneficiado por mudanças estruturais importantes que estão ocorrendo no mundo nos últimos anos. São eventos que ocorrem fora de nossas fronteiras e em relação aos quais não temos nenhuma influência. De certa forma, somos observadores privilegiados desse processo que ainda é ignorado pela grande maioria de nossos analistas políticos e econômicos. Mesmo dentro do governo a desinformação em relação a esses fatos é abissal.

Estou convencido de que estamos vivendo uma descontinuidade importante no funcionamento das economias de mercado que formam o que se convencionou chamar de mundo global. Até a virada do século, o processo de globalização ocorria dentro de um arcabouço institucional e operacional herdado do pós-Segunda Guerra Mundial.

Podemos colocar o colapso do mundo comunista -ou soviético, para ser mais preciso- como uma etapa final na construção desse mundo econômico centrado nos Estados Unidos e na Europa.

Um primeiro sinal da descontinuidade a que me referi veio com a ascensão da China e de umas poucas economias emergentes como a brasileira, os chamados Brics. A força desses novos atores vinha, principalmente, do potencial de consumo de seus cidadãos à medida que se incorporavam ao mercado de trabalho e de crédito. Eles representavam um contraponto ao consumidor do Primeiro Mundo, que mantinha seus gastos à custa de um superendividamento bancário.

Mas é a partir de 2008, com a quebra do Lehman Brothers e a necessidade de um incrível esforço financeiro dos governos do G7 para evitar uma depressão econômica, que a descontinuidade no funcionamento da economia mundial aparece de forma clara. A crise grega acordou a todos sobre a gravidade dos desequilíbrios financeiros dos países ricos e recolocou na ordem do dia os receios de uma nova crise de credibilidade no funcionamento da economia mundial.

Tardiamente foi percebido que, para salvar o sistema bancário no G7, governos passaram a incorrer em deficit fiscais gigantescos, o que levou o endividamento público a níveis próximos da ruptura. E só mais recentemente ficou claro que os grandes detentores dos títulos públicos são os mesmos bancos que foram salvos pela ação dos Tesouros nacionais. A credibilidade do sistema financeiro está sendo novamente colocada em xeque e o medo de um banco investir em outro já está de volta, pelo menos na Europa.

Na próxima década, um dos elementos mais importantes para o sucesso ou o fracasso de uma economia nacional será o nível do endividamento público. E, mais uma vez, são os países da antiga periferia econômica -hoje chamados de emergentes- que estarão em melhores condições de crescer. E o Brasil está entre eles. Talvez um dos pontos mais importantes para garantir um crescimento sustentado nos próximos anos seja uma relação dívi- da-PIB vista como sólida.

Por isso, parece-me uma irresponsabilidade a falta de controle atual dos gastos fiscais do governo Lula, principalmente a emissão de dívida pública para aumentar a capacidade de emprestar do BNDES.

Preservar um endividamento controlado, em um mundo apavorado com as dívidas dos governos, pode ser até mais importante para nós do que o chamado pré-sal lulista.Espero que os acontecimentos dos últimos dias nos mercados -inclusive a disparada do dólar aqui no Brasil- sirvam para abrir os olhos das autoridades.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

A ordem do fator:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O professor Kaizô Beltrão, da Escola Nacional de Estatística do IBGE, calcula que o fator previdenciário permitiu uma economia de R$ 40 bilhões entre 2000 e 2007. Ele fez esses cálculos para uma apresentação na Câmara dos Deputados. Está convencido de que o risco fiscal do fim do fator é muito alto. O Brasil está correndo vários riscos fiscais neste final do governo Lula.

— O fator foi criado porque o governo perdeu a votação da idade mínima de aposentadoria. Ele foi uma gambiarra na verdade; não é bom, mas funcionou. Eu fiz um cálculo contrafactual (calculando se o fator previdenciário não tivesse sido aprovado) e concluí que a soma do que o governo deixou de gastar, de 2000 a 2007, foi de aproximadamente R$ 40 bilhões — disse.

O fator foi a fórmula encontrada, uma gambiarra como diz o professor e pesquisador Kaizô Iwakami Beltrão, mas para contornar o fato estranho de um país com um forte aumento da expectativa de vida e em meio a um processo de envelhecimento da população não ter idade mínima de aposentadoria. Além do Brasil, apenas países como Irã, Iraque, Kuwait, Egito e Equador não têm idade mínima.

A maioria dos países ricos está em pleno processo de mudança. Como os movimentos demográficos podem ser previstos e projetados, alguns países tomam decisões com grande antecedência.

— Nos Estados Unidos, o governo acendeu o alerta de que era necessário elevar a idade de aposentadoria em 1983. A decisão tomada foi aumentar em dois anos, de 65 anos para 67 anos, entre 2000 e 2020 — disse Kaizô.

O prazo de 20 anos para mudar, tomado com quase 20 anos de antecedência, mostra bem que é preciso pensar a longo prazo na questão previdenciária. Enquanto o país mais rico do mundo caminha nessa direção, o Congresso brasileiro derruba, 10 anos depois, uma fórmula que adia um pouco a idade para se aposentar. A Alemanha acaba de mudar também para 67 anos. O Brasil tem tido um aumento forte de expectativa de vida — de 2000 a 2010 pulou de 70,4 anos para 73,4 — o que é uma excelente notícia, mas para a qual é preciso preparar o país. As reformas ficaram todas pela metade, exatamente pela resistência do Congresso de aprovar algo que é impopular.

Essa ideia de acabar com o fator previdenciário nasceu na base do governo, teve apoio até do ex-ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, que conhece — ou deveria conhecer — os números da previdência, e teve também o apoio do Ministério da Fazenda, onde alguns sábios pensam que têm uma fórmula melhor. Na hora de ser votada, poucos do governo ou da oposição não sucumbiram à demagogia.

Já há sinais de que o Senado também não vai barrar o projeto. O país corre o risco de jogar fora uma ferramenta que permitiu reduzir em R$ 40 bilhões o crescimento do gasto público.

Aumentos nos gastos numa previdência já quebrada com população ainda jovem são só alguns dos riscos que o governo Lula está impondo ao país na reta de saída. O governo está reestatizando a economia, tirando a substância da Lei de Responsabilidade Fiscal, capitalizando bancos e empresas públicas com endividamento para que eles ampliem mais ainda os gastos.

Como o Brasil sabe — e certos países, como a Grécia estão acabando de demonstrar — desequilíbrios fiscais camuflados podem aparecer de repente arruinando uma economia e fazendo o país perder anos ou décadas no atoleiro. O governo vem atacando cada uma das bases da estabilização.

Pela primeira vez desde que foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, o orçamento do ano que vem não terá metas fiscais. Primeiro, o governo retirou da Lei de Diretrizes Orçamentárias o limite para a dedução dos investimentos no cálculo do superávit primário.

Depois, fixou metas nominais em vez de manter como sempre foi um número de superávit primário a ser perseguido. Isso sem falar em outros truques, como o de se endividar para capitalizar bancos e empresas públicas, mas chamar o gasto como “empréstimo”, o que faz com que a operação não eleve a dívida líquida. Na fórmula de cálculo da dívida líquida, os empréstimos concedidos pelo Tesouro para bancos públicos entram como ativo, dinheiro a receber. Todo mundo sabe que não vai receber, o Banco Central reconhece como aumento de capital dos bancos, mas o governo registra da forma contábil mais favorável. Foram com truques assim que se formaram os esqueletos que o governo passado teve trabalho em tirar dos armários.

Ao falar em Brasília no seminário dos 10 anos da LRF, a economista Teresa Ter-Minassian disse que um dos fatores importantes para o sucesso de uma lei como essa é o apoio da sociedade, como há no Brasil. Ela apresentou uma lista de 16 países e comparou as leis. O Brasil foi um dos precursores. Antes de nós, apenas quatro votaram leis assim: Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Hoje, por incharem seus déficits além do razoável, até grandes países, que conseguem facilmente financiamento para suas dívidas, estão com problemas.

O Brasil, que tem o passado que tem, pode estar contratando a médio prazo os mesmos erros cometidos antes da estabilização.

Perfidia de tu amor:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O tombo da Bolsa de Nova York ocorrido no meio do pregão de ontem foi histórico. Chegou a perder 998 pontos, ou queda de 9,2%, num único pregão. Depois fechou com uma baixa de 3,2%. O balanço de mortos e feridos ficou para quando der.

A explicação de que um operador cometeu alguma barbeiragem pode até vir a se confirmar. Mas por trás de tudo está mesmo um princípio de pânico. Há uma nova percepção de que ficou alto o risco de calote da dívida por parte de países da área do euro, a começar pela Grécia.

Essa percepção vai sendo reforçada pela impressão de que as autoridades da Europa não estão dando a devida importância à crise. Ontem o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, apenas enrolou quando foi questionado em Lisboa. E a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, entoou em Berlim um velho bolero. Para preencher sua própria perplexidade, denunciou a perfídia dos bancos. "Os especuladores são nossos adversários", disse ela. "Primeiro os bancos nos pedem ajuda e agora especulam contra a dívida dos governos. Isso é uma perfídia."
Antes de desfechar esse ataque, Merkel deveria se perguntar por que os Estados soberanos da área do euro se atiraram tão sofregamente à folia fiscal; por que se endividaram até o pescoço junto aos bancos e, agora que se tornaram seus reféns, seus dirigentes saem a criticar esse jogo, que sempre foi assim e que só não é diferente porque nenhum governo até agora achou que tinha de amarrar melhor a regulamentação do mercado financeiro? Quem faz pacto com o diabo acaba entregando a alma e isso a gente sabe desde os tempos do doutor Fausto.

Os bancos não são tão ingratos e tão pérfidos como Angela Merkel está dizendo. Nenhum governo salvou seus bancos em 2008 e 2009 em troca de favores futuros. Socorreu porque a alternativa seria o desastre e colocaria em risco o interesse público. Apesar de toda a irresponsabilidade praticada, os bancos não devem nada nem aos Tesouros nem aos bancos centrais. Eles têm é de ser enquadrados.

Outra incursão incompreensível da chanceler Angela Merkel foi seu ataque às agências de classificação de risco que vêm rebaixando os títulos de dívida dos países da área do euro. Merkel defendeu ontem a proposta de criar uma agência de rating "europeia e independente" para reduzir a dependência das três grandes: Moody"s, Standard & Poor"s e Fitch.

É verdade que essas agências perderam credibilidade por terem classificado como tão boas quanto títulos do Tesouro americano ativos que ao longo desta crise foram considerados lixo tóxico. Mas não são essas agências que estão provocando o colapso financeiro nem da Grécia nem dos demais Piigs europeus. Quem hoje vem passando sinais mais confusos do que elas é o BCE.

Na relação com os bancos, vem aceitando os títulos da Grécia como se fossem tão bons quanto os da Alemanha.

Um dos sérios riscos que a economia europeia corre hoje é o de que um calote soberano deteriore as finanças dos bancos porque seus balanços estão pesadamente carregados com títulos de dívida de países da área do euro. Se essa deterioração acontecer, essas acusações de perfídia parecerão ridículas e o BCE poderia vir a ter de recomprar esses títulos com moeda emitida.

Uma operação assim provavelmente seria embalada com um desses eufemismos de ocasião usados para não reconhecer violações graves de regras de boa governança do patrimônio público.

Não seria apresentada como se tratasse de um mecanismo clássico de monetização de dívida nem, dito de outra forma, como se fosse cobertura de despesas públicas com emissão de moeda.

E, no entanto, seria isso mesmo que estaria sendo feito, com todas as consequências que daí adviriam. Por enquanto, esse é um risco que causa vertigens na Bolsa de Nova York, mas apenas um risco.

O mercado não para de dar vexame:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Fumacê grego tumultuou o dia, mas mercado se enrola nos próprios erros e vexames e amplifica o pânico financeiro

A demência de ontem nos mercados ocorreu em meio ao fumacê da crise europeia. Mas ao que parece não se deveu diretamente à pindaíba grega.

O caldo da finança engrossa faz semanas, mas o pânico pode ter sido causado por barbeiragens de um operador de grandes investidores, amplificado por obtusidades de operações financeiras automatizadas.

"Máquinas" vendem e compram papéis em frações de segundo, de acordo com dados que recebem do mercado e segundo o modo como foram "programadas". Preços de ações boas caíram de modo estranho e violento, causando chiliques num mercado que já estava bichado.

De menos etéreo, o que pegou mal ontem foi o Banco Central Europeu ter dito que não compraria títulos da dívida de países como Grécia e cia.

Isto é, o BCE diz que não cogita de emprestar dinheiro diretamente a tais países. O BCE está aceitando títulos podres gregos como garantia para empréstimos de curto prazo para bancos gregos, pois de outro modo bancos e governo gregos quebram. Mas o mercado quer que o BCE financie de uma vez o governo grego, assim como o BC dos EUA, o Fed, financiou e sustentou o mercado depois da crise de 2008-09.

O governo grego pendurou-se numa espécie de dívida de cheque especial com juros crescentes e impagáveis. Faz duas semanas, desistiu de rolar o cheque especial e pediu dinheiro à União Europeia e ao FMI.

Agências que dão notas à credibilidade do credor, as agências de "rating", passaram a alertar para um calote da Grécia: a dizer que sua dívida era "podre", o que piorou a crise. Investidores institucionais não podem aplicar em papéis classificados como "podres". Em tese, nem o BCE.

Mesmo que o empréstimo de emergência para a Grécia saia logo, os donos do dinheiro grosso no mundo, "os mercados", acham que o país dificilmente escapa do calote.

Teme-se que Portugal seja o próximo da fila. O medo encarece os juros para negócios em euro, os de governos e empresas. O medo faz com que investidores fujam de euros e de ativos de risco no mundo inteiro.

Mais divertido é que a cúpula dos governos americano, alemão e francês detona as agências de "rating" (S&P, Moody"s, Fitch), que nunca preveem crises sérias e só pioram a situação quando o caldo entorna.

Essas agências foram cúmplices da criação dos instrumentos financeiros que deram na crise de 2008.

Trata-se de caso parecido, embora ainda não criminal, ao de auditorias como a falecida Arthur Andersen, cúmplices das fraudes que ajudaram a inflar a bolha dos anos 1990, que terminou em 2000-02 com quebras criminosas e espetaculares, como as da Enron e da WorldCom.

O mercado tem fraudado negócios em massa. Conspira com auditores.

Tem a cumplicidade de supervisores privados de "risco". Alocou capital de modo porco ao colocar dinheiro, real e de fantasia, em negócios que deram na crise imobiliária e, depois, geral de 2008.
Não sabe diluir risco, pois os instrumentos financeiros que inventaram para tanto quebraram o planeta quase inteiro. A conta acabou em governos, os quais o mercado ataca por causa de dívidas excessivas. Vexame supremo, quase quebram por um defeito num fusível da Bolsa da Nova York.

Crise europeia se agrava e estrangeiros deixam Bovespa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A aprovação pelo Parlamento grego das medidas de austeridade impostas pela União Europeia e pelo FMI não foi suficiente para acalmar os mercados financeiros, que voltaram a ter um dia de forte tensão. As bolsas de Frankfurt e Milão caíram, respectivamente, 0,84% e 4,27%. Paris, Madri e Portugal, 2,20%, 2,93% e 2,37%. Os investidores temem que eventual calote grego afete os bancos da região, que detêm quase US$ 190 bilhões em títulos da dívida do país. A crise na Europa também tem reflexos no Brasil. Nos dois primeiros dias úteis de maio, investidores estrangeiros retiraram o equivalente a R$ 573 milhões da Bovespa, deixando o saldo negativo, no ano, em R$ 1,86 bilhão. Ontem, a Bovespa chegou a cair mais de 6% e fechou em queda de 2,31%.

Europa e EUA derrubam mercados

O agravamento da crise na Grécia e o erro de um operador em Nova York, que trocou ""milhões"" por ""bilhões"", provocam queda nas bolsas

A aprovação pelo Parlamento grego das duras medidas de austeridade impostas pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional não foi suficiente para acalmar os mercados financeiros, que voltaram a ter um dia de quedas nas bolsas de todo o mundo.

Os investidores temem pelo futuro da zona do euro, já que outros países também se encontram em situação fiscal delicada. Também há o temor de que um eventual calote grego arraste os bancos da região, que possuem quase US$ 190 bilhões em títulos da dívida do país.

Nos Estados Unidos, o Senado se preparava para votar ontem à noite duas emendas polêmicas à Lei de Reforma Financeira que está em debate no Congresso: uma prevê auditoria no Fed, o banco central americano, e a outra exige o encolhimento de vários bancos.

Mas a forte queda das bolsas americanas a Nasdaq chegou a recuar 9% e fechou com queda de 3,44% e a Bolsa de Nova York caiu 3,20% - pode ter sido causada pelo erro de um operador, que registrou ordem de venda de US$ 16 bilhões no lugar de US$ 16 milhões, em um contrato atrelado a índices futuros de ações.

A crise na Europa também já respinga forte no Brasil, com a fuga de investidores estrangeiros da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Nos dois primeiros dias úteis de maio, eles retiraram o equivalente a R$ 573 milhões da bolsa brasileira, deixando o saldo negativo, no ano, em R$ 1,86 bilhão.

Ontem, o pânico com a crise europeia e a queda nas bolsas americanas afetaram a Bovespa, que chegou a cair mais de 6%. No fim do pregão, a Bolsa recuperou parte das perdas e fechou em queda de 2,31%.

Além das consequências provocadas pela debandada de investidores, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, traz um alerta para a possibilidade de a interrupção da retomada do crescimento dos países desenvolvidos provocar movimento de deflação, com impacto na inflação. Como resultado, as altas dos juros poderão ser menores daqui para a frente.

Na Europa, além do socorro de 110 bilhões e da obrigação de cortar gastos de 30 bilhões, o governo grego terá agora de convencer a população, que ontem voltou a entrar em choque com a polícia. Os debates no Parlamento também mostraram que o país está dividido.

A crise europeia também promete reflexos políticos em outros países. No Reino Unido, já ameaça retirar de cena o primeiro-ministro Gordon Brown. Na Alemanha, que terá eleições regionais neste fim de semana, pode afetar a liderança da chanceler Angela Merkel, por eleitores irritados com a ajuda aos gregos.

PRESTE ATENÇÃO

1. Europa. Países do continente tentam fugir do contágio grego, mas especialistas dizem que pode ser uma questão de tempo para a crise se espalhar

2. Grécia. Parlamento do país aprovou ontem as duras medidas que garantem ao país o socorro do FMI e da UE, mas há muitos protestos nas ruas

3. Dólar. Com as incertezas sobre a crise fiscal nos países europeus, a cotação da moeda dos Estados Unidos disparou ontem

4. Bovespa. Como em outros momentos de crise, o roteiro se repete: investidores abandonam suas posições na Bovespa e procuram o abrigo de papéis mais seguros

5. Juros. A ata da reunião do Copom da semana passada trouxe uma novidade que é preocupação com a crise europeia, que pode levar a uma redução no ritmo de alta da Selic