quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é mais complicado que isso, porque é isso e o contrário disso. Como é a metamorfose ambulante, faz a mediação de tudo com tudo. Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado completamente. Não sei como Dilma vai proceder.

A segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do [John Maynard] Keynes pagou o preço. Tudo é Keynes. Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes. Não acho que o Brasil vá no sentido da Venezuela porque a nossa sociedade é mais forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil maior, mais forte. Isso leva o governo a ter cautela. Veja o discurso da Dilma de ontem [domingo]. Ela beijou a cruz. Ela tem que dizer isso, que vai respeitar a democracia, porque senão não governa.


(Fernando Henrique Cardoso, na entrevista, Folha de S. Paulo, ontem)

Página virada?:: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Momento de sucessão ou de passagem de governo, em contextos autoritários ou semiautoritários, é sinal de crise aguda e mesmo insolúvel, costumando pôr em xeque a continuidade de projetos de poder até mesmo longevos e aparentemente muito bem implantados.

Foi o que pudemos ver no já distante ciclo militar, anterior à Nova República e a Tancredo Neves. Era preciso ler nas entrelinhas das ordens do dia, perceber a movimentação pouco clara dos chefes militares, decifrar sinais emitidos pelos representantes mais em evidência da aliança de forças vitoriosa em cada sucessão. Em cada momento, o choque era real, implicava mudança de personagens e projetos num quadro de luta surda, que só os desatentos não percebiam. O regime foi arbitrário desde o começo, mas cabe ao analista também procurar distinções: uma coisa, por exemplo, foi o governo Castelo Branco, com aspirações a um certo tipo de normalização constitucional, outra, muito diferente, o período Médici. Para não falar das contradições da "distensão lenta, gradual e segura" do governo Geisel, que, sem deixar de significar um projeto novo na área do regime, tantas vezes conviveu com o extermínio físico de adversários que não abdicaram da luta política pela democracia, feita com os meios pacíficos então possíveis.

Acabamos de viver a sexta sucessão presidencial nos marcos da Constituição de 1988. Na moderna democracia brasileira, diferentemente de antes, o poder nasce das urnas e não há legitimidade possível fora da prosaica e "banal" contabilidade dos votos. Nenhuma ingenuidade nesta afirmação aparentemente acaciana, uma vez que, como se sabe, essa mesma contabilidade dos votos não cai do céu como algo acidental, mas, antes, é o resultado final - e, por outro lado, sempre provisório - de complicados processos e lutas na base da sociedade, de embates muitas vezes ásperos entre concepções sobre a política e a boa sociedade.

Essa é uma realidade que, mesmo aos poucos, transforma e reorganiza arraigados hábitos mentais que prolongados períodos de autoritarismo impuseram à direita e também à esquerda do espectro partidário. Só adeptos de um modo revolucionarista de pensar - como se vivêssemos em país periférico, no auge da guerra fria, sem compromisso com os valores políticos e a estrutura complexa do "Ocidente" - poderiam continuar repetindo que, nas democracias "burguesas", a esquerda "pode chegar ao governo, mas não ao poder". Ao contrário, pode chegar legalmente ao poder político possível numa sociedade de vocação pluralista e com isso incidir sobre relações de força na economia e na sociedade, mudando-as segundo as regras do próprio método democrático. Atalhos autoritários não servem, ou não deveriam servir, à esquerda.

A "natureza do processo", num regime democrático, muitas vezes impõe uma renovação de linguagem e de conceitos, e mesmo o abandono de expedientes retóricos que, mais rapidamente do que em outras circunstâncias, se tornam caducos em face dos problemas novos.

Para dar só um exemplo, se tivermos sorte, nos próximos meses e anos há de cair em desuso, por anacrônico, o recurso plebiscitário que deu o tom na recente batalha sucessória. Fonte de exasperação e de radicalismo fora do lugar, a estridente "comparação" entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula não apenas ignora contextos e realidades globais bem distintas em que tiveram lugar as duas experiências. Ela também denota incapacidade para tratar como História, com um certo distanciamento que disso decorre, um período de reformas liberais - algumas defensáveis; outras, não - que é injusto rotular como "neoliberal", sem restos e sem qualificações. Bem ou mal, os governos de FHC tiveram de se haver com o evidente esgotamento do nacional-desenvolvimentismo, seja na versão getuliana, seja na versão do regime militar. E o fizeram talvez com uma certa húbris, advinda da certeza de agir em consonância com o "espírito do tempo", o que sempre desarma o espírito crítico e, pelo menos numa situação crucial, levou a um lance democraticamente desastrado. Refiro-me, evidentemente, à violação da regra do jogo no episódio da emenda da reeleição.

A estratégia plebiscitária, no entanto, ignora nuances e distinções. Menospreza a emergência de qualquer possível "terceira via", mesmo quando, como no caso de Marina Silva, tal via expressa demandas de civilização que já agora são insuprimíveis, independentemente do grau de articulação e capacidade dirigente com que se apresentaram. Pior ainda: entre os adeptos da democracia plebiscitária existe como que uma dificuldade de fundo em entender o mecanismo essencial da alternância no poder, como se só uma parte da sociedade política estivesse legitimamente capacitada para elaborar e defender o bem comum; deste ponto de vista, a hipótese da alternância só pode ser considerada um retrocesso inaceitável, uma breve capitulação diante de inimigos do povo, a ser revertida com uma oposição implacável, que não reconhece sequer o terreno comum do Estado Democrático de Direito.

O governo eleito tem de seguir adiante e, provavelmente, não lhe há de servir a velha roupagem do nacional-estatismo dos anos 1950, contra o qual, aliás, se insurgiu virulentamente o PT das origens. Decorrida a sucessão, esse grande processo pedagógico em escala de massas, abre-se um novo mundo e o ideal é que se reative autonomamente a sociedade civil, com suas exigências de um desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente qualificado, sem mistificações paternas ou maternas inconciliáveis com o moderno indivíduo democrático. Nas palavras de Edgard Morin, é preciso estar atento ao imprevisto: nada está escrito nas estrelas e muito menos é certo que fantasias queremistas medrem como antigamente.


Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci em português
Site: www.gramsci.org

Cotoveladas:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Pela segunda vez entre a campanha eleitoral e o período imediatamente posterior à vitória que consagrou a candidata Dilma Rousseff como a primeira mulher presidente do país, o PMDB teve que impor sua presença na equipe principal, dominada pelos petistas, à base de discretas cotoveladas políticas.

Depois que a equipe de transição foi composta apenas por petistas, lembraramse do parceiro que ficara de fora aliás, foram lembrados pelo rejeitado , e o vicepresidente eleito Michel Temer passou a ter um lugar honorífico na equipe.

Durante a campanha, não havia peemedebista na coordenação do programa oficial, que acabou se revelando pouco mais que uma farsa, aliás, nas duas candidaturas.

O que só evidencia que, no nosso presidencialismo de coalizão, a questão programática é o que menos importa.

Mas o fato é que o PMDB, o maior partido político do país até então e por isso mesmo escolhido para dar o candidato a vice-presidente, não foi ouvido nem cheirado na formação da equipe de campanha, e muito menos na que formularia o que teoricamente seria o programa de um futuro governo.

Só depois de algumas cotoveladas é que o partido conseguiu incluir na equipe de campanha o ex-governador do Rio Moreira Franco, que, no entanto, continuou sem muito trânsito no esquema de poder real da campanha petista, enfeixado por Antônio Palocci, José Eduardo Cardozo e o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Depois da vitória, os mesmos personagens petistas, acrescidos do ex-prefeito de Belo Horizonte e candidato derrotado ao Senado por Minas Fernando Pimentel, fecharam o grupo que cuidará da transição.

Com o agravante de que Pimentel transformou-se em um adversário quase inimigo dos peemedebistas mineiros, a quem acusam de não ter ajudado na campanha para o governo estadual, em que Hélio Costa acabou atropelado pelo trator governista comandado por Aécio Neves.

O PMDB teve que mais uma vez mostrar a que veio e exigir seu naco de poder na equipe de transição, e Temer acabou sendo promovido a chefe da equipe petista para fazer valer seu posto de substituto imediato da presidente da República.

Esses são sintomas da briga intestina que mal começou na base aliada do governo.

Se fazem isso c o m o PMDB, que deu o vice na chapa oficial e tem uma estrutura de poder de fazer inveja, o que não farão com parceiros menos aquinhoados pelo voto popular como o PP, que nem apoiou oficialmente a candidatura Dilma, ou mesmo o PSB? O partido comandado por Eduardo Campos, governador de Pernambuco, cresceu na sua representação legislativa tanto na Câmara, onde passou de 27 deputados federais para 34, quanto no Senado, onde elegeu três novos senadores.

A vaga que era ocupada por Renato Casagrande, eleito governador do Espírito Santo, será passada para sua suplente Ana Rita, que é do PT.

Mas foi nos governos estaduais que o PSB cresceu mais de cacife. Elegeu seis governadores, quatro deles no Nordeste: Ceará, Pernambuco (reeleitos), Paraíba e Piauí, além de Amapá e Espírito Santo, representando quase 15% do eleitorado.

É certo que o PMDB saiu da eleição um pouco menor do que entrou, mas não a ponto de poder ser desprezado pelos parceiros petistas.

É verdade também que o partido tinha o maior número de governadores, e sai da eleição superado por PSDB e PSB. O PMDB viu seus governadores serem reduzidos de nove para cinco, igualando-se ao PT.

E deixou de ter a maior bancada da Câmara: o PT elegeu 88 deputados e o PMDB, 79. Ao contrário, nas eleições passadas o PMDB elegeu 89 deputados e o PT, 83. Atualmente, o PMDB tem uma bancada de 90 deputados e o PT, de 79.

No Senado, o PMDB continuará tendo a maior bancada, de 20 senadores, que pode ser modificada dependendo das definições da Justiça sobre a Lei da Ficha Limpa.

O partido pretendia presidir as duas Casas na primeira legislatura do governo Dilma, mas o PT parece disposto a fazer valer sua maioria na Câmara, mesmo que o PMDB tenha permitido que o petista Arlindo Chinaglia assumisse a presidência quando tinha a maioria.

Mas a disputa pela presidência da Câmara e do Senado é apenas a parte mais visível da disputa por espaços entre PT e PMDB.

O PMDB quer mais poder político real, não quer um governo do PT com o PMDB como um aliado como qualquer outro. Quer um governo que seja do PT e do PMDB.

Tanto no que se refere à ocupação de espaço no Ministério e na máquina pública, mas, sobretudo, na definição política e de rumos do governo.

O PMDB avalia que só vale ter corrido o risco de apoiar a candidatura de Dilma Rousseff quando ela ainda estava na rabeira das pesquisas de opinião, apostando no projeto de Lula, se houver uma mudança do patamar de sua influência, que, aliás, reconhecem que já mudou no segundo governo Lula.

O PMDB avalia que hoje no governo Lula sua posição já é mais central do que jamais foi no governo de Fernando Henrique, onde sempre ocupou alguns ministérios, mas nunca tantos e com a densidade dos que ocupa hoje: Minas e Energia, Comunicações, Saúde, Agricultura, Integração Nacional, Defesa.

Lula tratou o PMDB de uma maneira diferente, e, exatamente por isso, os caciques peemedebistas querem mais. Querem ser governo mesmo, um governo onde os espaços sejam definidos antes, onde eles tenham uma garantia de atuação.

É por isso que se batem agora, quando, depois da vitória, parece que o PT anda esquecendo-se de incluir o parceiro nos esquemas de poder político que estão sendo montados.

Mas vai ter que disputar esse espaço também com o PSB, que, por exemplo, quer ampliar seus domínios para o Ministério da Integração Nacional, que hoje está com o PMDB.

Em nome das urnas :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma semana antes da eleição o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso depositava ainda um fio de esperança na possibilidade de José Serra se eleger presidente da República.

Era o FH protocolarmente otimista. O FH realista falava como integrante da oposição ao governo a ser eleito para suceder ao de Luiz Inácio da Silva. Falava sobre o futuro do PSDB, que, se não fizesse mudanças drásticas de comportamento, na opinião dele tenderia a se acabar. Se não de fato, pelo menos em termos de importância no jogo político.

A previsão de extinção, mostra o balanço final dos resultados, estava claramente contaminada pela irritação - comum à amplíssima maioria de tucanos e simpatizantes - com a conduta do partido em geral e José Serra em particular, nestas eleições.

A oposição, afinal, não se saiu tão mal como era esperado às vésperas do primeiro turno, quando se previa que o governo faria terra arrasada das hostes oposicionistas.

Considerando o DEM, que elegeu dois governadores, ficou no comando de dez Estados, que representam mais de 52% da população e são responsáveis pela metade do PIB do Brasil.

Reduziu seu poder no Congresso, é verdade, e isso complica bastante a atuação.

Mas, como vem dizendo Fernando Henrique desde que o PSDB passou a ser oposição, a partir de janeiro de 2003, os políticos devem começar a pensar em buscar forças menos entre si e mais na sociedade.

A declaração do ex-presidente em 31 de outubro, ainda com as urnas abertas, combinou perfeitamente com o estado de espírito que exibia uma semana antes.

"O governo de Lula e o PT dinamitaram todas as pontes", disse ele a propósito de uma possível aproximação entre os dois partidos no governo de Dilma Rousseff.

O ex-presidente acha que não há razão para contemporizar nem patrocinar tréguas - não disse com essas palavras, mas deu a entender que o PSDB passou os últimos oito anos em regime de quarentena.

Fernando Henrique manifestou disposição de voltar à política partidária com empenho e participação ativa na direção.

Sintomaticamente, naquele sábado a oito dias da eleição, não falou em Serra. Mas em procurar Aécio Neves já no dia seguinte à votação para conversar sobre a necessidade de a oposição ser mais contundente, de o PSDB valorizar seu patrimônio, de retomar o diálogo com a sociedade correndo atrás da própria representatividade e de não esperar que a mobilização se esfrie.

Essa concepção toda está nas entrelinhas das palavras de José Serra no domingo, no discurso em que reconheceu a derrota, cumprimentou a presidente eleita e agradeceu aos eleitores com um "até breve".

Surpreendeu porque se esperava que dissesse "adeus" e deu margem à interpretação de que se lançava candidato a algo. Engano. Apenas procurava fazer jus à votação recebida e ao combinado de não deixar o moral esmorecer nem deixar a tropa oposicionista se dispersar.

A referência não era pessoal, por dois motivos: naquele momento Serra não teria a menor condição de pensar em candidaturas futuras e, contrariamente ao que houve em 2006, quando desistiu de brigar com Geraldo Alckmin pela legenda, agora o destino dele não será decidido por sua vontade.

Mercado futuro. Logo depois da eleição, comentando sobre o destino dos 20 milhões de votos recebidos no primeiro turno por Marina Silva e o uso que ela fará desse patrimônio no futuro, o deputado Aldo Rebele lembrou que não existe "caderneta de poupança de votos".

Ou seja, a votação recebida hoje não se repete amanhã sem que se articule muito bem e com muito esforço o futuro junto aos eleitores.

Vale para Marina e vale para todos os demais atores da cena política. Inclusive para o PSDB e seus 43 milhões de votos.

Beira do mar. Depois de amanhã o PMDB em peso estará no Rio para o casamento da filha do líder do partido e pretendente a presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.

44% estão na oposição :: Marco Antonio Villa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Espaço para a oposição existe. O primeiro passo é assumir seu papel e pensar em um projeto para o Brasil

A oposição acreditou que criticar o governo levaria ao isolamento político. O resultado das urnas sinalizou o contrário: 44% do eleitorado disse não a Dilma. Ela era candidata desde 2008. Ninguém falou em prévias, nenhum líder fez muxoxo.

Lula uniu não só o partido, como toda a base.

Articulou, ainda em 2009, as alianças regionais e centrou fogo para garantir um Congresso com ampla maioria, para que Dilma pudesse governar tranquilamente.

Afinal, nem de longe ela tem sua capacidade de articulação política.

E a oposição? Demorou para definir seu candidato. Quando finalmente chegou ao nome de Serra, o partido estava dividido, vítima da fogueira das vaidades. Ao buscar as alianças regionais, encontrou o terreno já ocupado. Não tinha aliados de peso no Norte e Centro-Oeste, e principalmente no Nordeste.

Neste cenário, ter chegado ao segundo turno foi uma vitória. No último mês deu mostras de combatividade, de disposição de enfrentar um governo que usou e abusou como nunca da máquina estatal. Como, agora, fazer oposição?

Não cabe aos governadores serem os principais atores desta luta -a União pode retaliar e isso, no Brasil, é considerado "normal".

É principalmente no Congresso Nacional que a oposição deve travar o debate. Lá estará, inicialmente, enfraquecida. Perdeu na última eleição, especialmente na Câmara, quadros importantes. Mesmo assim, pode organizar um "gabinete fantasma" e municiar seus parlamentares e militantes com informações e argumentos. Usar as Câmaras Municipais e as Assembleias estaduais como espaços para atacar o governo federal. E abastecer a imprensa -como sempre o PT fez- com denúncias e críticas.

Espaço para a oposição existe. O primeiro passo é assumir o seu papel. Deve elaborar um projeto alternativo para o Brasil. Sair da esfera dos ataques pessoais e politizar o debate, acabar com o personalismo e o regionalismo tacanho, formar quadros e mobilizar suas bases.

É uma tarefa imediata, não para ser realizada às vésperas da eleição presidencial de 2014.

O lulismo tem pilares de barro. É frágil. Não tem ideologia. Não passa de uma aliança conservadora das velhas oligarquias, de ocupantes de milhares de cargos de confiança, da máfia sindical e do grande capital parasitário. Como disse Monteiro Lobato, preso pelo Estado Novo e agora perseguido pelo lulismo: "Os nossos estadistas nos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro - com o calcanhar, com o cotovelo, com certo penduricalhos, raramente com os miolos".

Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar

Da fragmentação à bipolarização :: Jairo Nicolau

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um cientista político americano me confessou sua surpresa quando soube que 22 partidos elegeram deputados federais nas eleições brasileiras de 2010. A surpresa foi ainda maior quando soube que o PT, partido com mais cadeiras, elegeu apenas 88 deputados (17 %). Existem países com alta dispersão partidária, como Bélgica e Israel. Mas a Câmara dos Deputados brasileira é, atualmente, a mais fragmentada do mundo democrático.

Meu interlocutor não revelou, mas um fato torna ainda mais difícil de entender o sistema partidário no País: por que, com 27 partidos registrados há cinco eleições presidenciais, apenas 2 deles, o PT e o PSDB, disputam efetivamente a Presidência? Ou dito de outra maneira: por que temos o Legislativo mais disperso do planeta, e uma disputa presidencial tão concentrada?

As eleições de 2010 acentuaram uma tendência, que começou em meados da década de 1990, de bipolarização do sistema partidário brasileiro. Em um dos polos estão o PT e seus partidos satélites (PCdoB, PSB e PDT); de outro, o PSDB e os seus satélites (DEM e PPS). Esses dois polos organizam a vida administrativa e programática do País. Lembre-se que a regra de verticalização deixou de vigorar neste ano. Apesar disso, nos principais Estados a bipolarização nacional se reproduziu como nunca.

E os outros partidos? PMDB, PTB, PR e PP fazem parte do que chamarei, na falta de nome melhor, de centro-pragmático. São partidos com baixa intensidade ideológica, que participaram dos governos dos dois polos. Além disso, são partidos que se orientam fortemente para a vida política estadual.

Para muitos analistas, o PMDB saiu como o principal partido desta eleição, pois obteve a maior bancada no Senado, a segunda na Câmara dos Deputados e ainda elegeu, pela primeira vez pelo voto direto (Sarney também pertence ao partido), o vice-presidente.

É inegável a força do PMDB, mas existem alguns sinais de que o partido vem perdendo vitalidade no sistema partidário brasileiro. O PMDB elegeu apenas cinco governadores, um único em um dos grandes Estados da Federação (Rio de Janeiro). Em São Paulo, domicílio eleitoral do vice-presidente, o partido elegeu apenas um deputado federal.

Diversas lideranças históricas do partido ou foram derrotadas ou estão saindo da vida política: José Fogaça (RS), Iris Resende (GO), Geddel Vieira Lima (BA), Hélio Costa (MG) e Orestes Quércia (SP). O partido vive uma clara dificuldade de renovação. Quem são suas lideranças emergentes? Consigo pensar em apenas um nome: o do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

PSB. A composição da bancada dos partidos no Congresso apresentou algumas pequenas alterações em 2010. Gostaria de destacar três delas. A primeira é o crescimento do PSB. O partido é a única legenda que vem crescendo sistematicamente no País, notadamente no Nordeste, onde elegeu cinco dos nove governadores. O PSB deslocou o PMDB como principal força do campo progressista na região.

A segunda alteração digna de nota é o desempenho dos Democratas. O antigo PFL disputou a primeira eleição nacional (já havia disputado as municipais de 2008) com o novo nome, mas não conseguiu deter seu declínio eleitoral, que vem acontecendo desde 2002. O partido tem encolhido paulatinamente, particularmente no Nordeste e nos Estados do Sudeste.

Por fim, vale destacar o PV. O partido não conseguiu traduzir em representação no Legislativo o bom desempenho de sua candidata presidencial. A novidade, aqui, refere-se menos ao desempenho eleitoral e mais ao potencial de crescimento. O PV sempre foi nacionalmente um partido pragmático. A candidata Marina já deu sinais de que pretende dar um caráter mais programático ao PV, que o aproximaria da agenda ambientalista europeia.

Para analisar a configuração do sistema partidário brasileiro é fundamental entender que a fragmentação numérica não se traduz em fragmentação doutrinária. A polarização entre o PT e o PSDB, entre o governo e a oposição no plano federal é o que tem organizado a política brasileira. São dois grandes guarda-chuvas, com espaço para abrigar aqueles que, circunstancialmente, querem ser acolhidos.

Pensando nas transformações recentes do sistema partidário brasileiro lembrei-me do sistema de partidos da Itália desta década: alta fragmentação, mas com um alinhamento em dois grandes polos (esquerda e direita). Eleições presidenciais americanas, com uma bipolarização congressual italiana: uma combinação interessante.

"Até logo" :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Ninguém imaginava vida fácil numa disputa contra a popularidade de Lula, a máquina do governo federal e a força partidária do PT. José Serra saiu derrotado da eleição presidencial com quase 44 milhões de votos.

Para além dos números, há o saldo político: ninguém duvida que o PSDB continua sendo o polo aglutinador da oposição ao PT no país.

Mas a terceira derrota consecutiva para o lulo-petismo recoloca a questão entre os tucanos: que partido é esse? Será mesmo um partido? Se é, não age como tal. Foi assim em 2002, em 2006, agora de novo.

FHC, que ainda é o maior (e talvez seja o único) formulador do partido, foi bastante eloquente em entrevista à Folha, publicada ontem: "Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história. Tem limites para isso, porque não dá certo".

Que "não dá certo" Serra demonstrou mais uma vez. Feitas as contas, seu desempenho eleitoral acabou sendo bem menos lamentável que sua performance política.

Primeiro, Serra inviabilizou as prévias contra Aécio em seu benefício. Subordinou a agenda da oposição ao calendário das suas conveniências. Fez a seguir uma campanha ultrapersonalista, o que ficou escancarado no processo de escolha do vice (qualquer índio servia).

Serra transformou sua biografia pessoal em peça de resistência da candidatura de oposição. Abriu, assim, caminho para um discurso errático e incoerente, ora disposto a copiar Lula, ora empenhado em apelar para o pior da pauta conservadora contra sua rival. Uma das consequências políticas disso foi o retrocesso no debate sobre a modernização dos costumes no país.

O discurso de despedida -ou "até logo"- de Serra foi só a cereja do bolo de um candidato sem candidatura, ou de um herói de si mesmo sem enredo. Voltamos a FHC: se o PSDB não construir um partido de verdade e não defender coletivamente um projeto, seus caciques vão continuar a dizer "até logo"...

Os senhores da História:: Alberto Aggio

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

É de Luiz Werneck Vianna a formulação de que a conquista da presidência da República por Lula em 2002 teria significado uma “absolvição da História do Brasil”. Há nela muita imaginação sociológica, alguma generosidade e uma fina ironia. História é interpretação, afirmam seus principais teóricos. A História do Brasil na “leitura petista” sempre foi a “história dos vencedores”. Nela não há outra coisa senão exclusão e opressão, num continuum sem mudanças. Por essa leitura, era inconcebível que Lula pudesse vencer e assumir a presidência, que pudesse governar e completar o seu mandato, já que era, em carne e osso, a realidade e a personificação do operário sem escolaridade, retirante nordestino, representação viva das classes subalternas, etc.

A chegada de Lula à presidência colocava por terra a chamada “história dos vencedores”. Uma saga que seria fortalecida com a sua reeleição, em 2006. Era a vitória factual da “história dos vencidos”, uma narrativa de denúncia na qual o Brasil era um não-ser, desprovido de identidade. Certamente uma visão lacunar e desequilibrada do nosso passado. De qualquer maneira, com Lula esperava-se uma revanche em relação às elites que haviam construído a tradicional narrativa dos vencedores que dominavam o Brasil. A partir dele seriam “os de baixo”, aqueles que nunca “tiveram vez e voz”, que estariam refazendo a história e também a narrativa do seu passado. Pela política e em ambiente democrático, a história do Brasil estaria absolvida porque havia possibilitado a ascensão de Lula, sem sobressaltos.

Assimilada em termos operativos, essa interpretação esteve na base do famoso bordão “nunca antes na história desse país”, martelado ad nauseum por Lula. Entretanto, sem que o protagonista tivesse pleno controle da realidade — o que faz parte da história —, essa versão passou a ser mais uma fabulação do imaginário político que acabaria por cristalizar uma convicção de mudança que não se comprovou.

No governo Lula, vencedores e vencidos começariam a se embaralhar e perder a nitidez. O resultado foi o “transformismo” impondo mais uma vez a velha sina brasileira do “conservar-mudando”, mas agora com uma inversão: um governo nascido da esquerda cumpriria o papel tradicionalmente realizado pelas elites dirigentes do país. Ele imporia a quietude às forças da mudança e submeteria as elites econômicas ao atender permanentemente seus principais interesses. Na síntese de Werneck Vianna, este seria o “Estado Novo do PT”.

Com Lula, o Brasil muda para continuar o mesmo e manter o domínio dos de sempre, por meio de fórmulas similares àquelas do passado. Sequer se ensaiou a perspectiva de inversão dos termos da nossa conhecida e resistente “revolução passiva”, superando o “conservar-mudando” e adotando o “mudar-conservando”, com primazia e ênfase na republicanização do Estado, o que representaria uma ruptura possível, sustentada por um aprofundamento e por mudanças qualitativas na nossa democracia.

Ao invés disso, uma nova fabulação foi mobilizada com o mesmo sentido da primeira: “agora é a vez da mulher”. Com isso e mais alguns “trancos” dados por Lula na campanha eleitoral, Dilma se sagrou vencedora. A história do Brasil estará duplamente absolvida. Para o líder do governo e coordenador da sua campanha, Cândido Vaccarezza, Dilma agora pode pensar o Brasil para os próximos quatro anos; a campanha faz parte do passado. E, numa conclusão magistral, vaticina: “Para quem ganha, não tem problema. A história é contada pelos vencedores”.


Alberto Aggio é professor de História da Unesp-Franca.

As consequências da vitória de Dilma :: Leôncio Martins Rodrigues

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pelo modo como Dilma foi escolhida por Lula, quem tem força política não tem cargo; quem tem cargo não tem força política; quem vai mandar? Dilma ou Lula?

A perspectiva de mais quatro anos de governo presidido por alguém que veio da guerrilha e do PDT de Brizola eleva os temores das classes empresariais e das tendências políticas liberais de que tenhamos um significativo fortalecimento do intervencionismo estatal e do autoritarismo.

É um pouco cedo para previsões, tanto mais que o programa da candidata e o esforço de responder ao que o eleitor desejava ouvir não trouxeram muitos elementos para esclarecimentos do que seria um governo tendo Dilma como presidente. Mas podemos refletir com um pouco mais de segurança sobre algo que logo deverá estar à vista e resulta do próprio processo personalista e autoritário da escolha da candidata vitoriosa. A questão básica pode ser resumida na pergunta que sempre está no centro das disputas políticas: quem vai mandar? Dilma ou Lula? Da resposta a essa questão - que normalmente, no presidencialismo, não precisa nem ser formulada - podem resultar complicações institucionais que dificultarão o bom andamento da máquina administrativa federal.

No presidencialismo, quem legitima e legalmente exerce o poder é o escolhido pelo voto segundo certas regras das disputas. Ele - ou ela, no nosso caso - é o número um. Não há dois números um. Mas a eleita não tem força político-eleitoral, quaisquer que sejam suas qualificações administrativas para o exercício do cargo máximo. Na situação criada pelo modo como Dilma foi escolhida e oferecida ao eleitorado, quem tem força política não tem cargo; quem tem cargo não tem força política. Há uma contradição entre o institucional e o político. O que deve prevalecer? O formal ou o real? O legal ou o legítimo? Quem deve ser o chefe? O criador ou a criatura? Ou não haveria chefe?

Uma saída seria a constituição de um grupo seleto e relativamente informal de subcomandantes que funcionaria como o cérebro do novo governo, uma espécie de seu birô político. Mas chefia coletiva só acontece quando da morte do grande chefe, quando ainda não está consolidada a relação de forças no grupo interno do poder e o sucessor não foi indicado com antecedência. A União Soviética depois da morte de Stalin ilustra essa situação. Uma direção coletiva foi formada e exaltada depois da morte do Guia Genial dos Povos. Durou pouco tempo. Logo o poder supremo voltou para as mãos de um só. Políticos não gostam de dividir poder. Em política, nas ditaduras ou nas democracias, dentro de cada partido ou das facções partidárias, o n.º 1 é um só. Em nossa história recente, houve vices eleitos nas costas do titular que assumiram a Presidência sem votos. Pensamos em José Sarney e Itamar Franco. A letra dos ordenamentos jurídicos que dão o controle do Diário Oficial, quer dizer, da distribuição dos benefícios, acabou por impor-se.

A situação originária desta eleição de 2010 é diferente. Quando votaram em Dilma, os eleitores sabiam que não estariam escolhendo Dilma, mas Lula. A primeira presidente do Brasil estaria lá para expressar a vontade de um homem. Sua candidatura era uma oportunidade que Lula oferecia aos eleitores de lhe darem um terceiro mandato. Os eleitores atenderam o desejo do Lula. Mas o político a quem a maioria dos eleitores gostaria de ver permanecer no Palácio do Planalto estará fora do governo. Poderia ser nomeado para algum ministério, caso quisesse. Mas Lula não pode voltar para uma posição subordinada a Dilma. E ela, ocupando a Presidência, não pode ficar subordinada ao ex-chefe. Talvez, com a ajuda do novo governo, possam acontecer pressões populistas para encontrar alguma fórmula jurídica que permitiria a Lula voltar mais cedo ao poder. A história latino-americana de países que admiram a "democracia substantiva" mostra vários exemplos de lideranças populistas que gostam de arengar para as massas de palanques presidenciais e que gostam de continuar.

Ocorre que, mantido o quadro constitucional, Dilma passará não apenas a habitar o Palácio da Alvorada como a assinar todos os atos importantes de governo. Por mais que adequadamente assessorada, no final caberá a ela decidir. Se deixar a última palavra para Lula, a ex-chefe da Casa Civil estará desmoralizada e terá dificuldade para impor sua autoridade. Se apenas escutar os conselhos do ex-chefe e a eles fizer ouvidos moucos, estará contrariando o político mais popular do Brasil.

Essas são, obviamente, observações especulativas sobre desenvolvimentos possíveis. Mas, se exemplos do passado têm alguma importância, não parece certo que Dilma se encolherá para um segundo plano, limitando-se a cumprir as ordens de Lula. Geralmente, com o correr do tempo, as criaturas revoltam-se contra o criador. A história brasileira mostra muitos casos de padrinhos políticos que, impedidos legalmente de disputar um novo mandato, conseguiram eleger sucessores quase totalmente desconhecidos do eleitorado. Ademar de Barros, então governador de São Paulo, em 1950, lançou o professor da Escola Politécnica da USP Lucas Nogueira Garcez para sucedê-lo. Contudo, uma vez no governo, Garcez afastou-se de Ademar e ajudou a eleger Jânio Quadros. Em 1990, Orestes Quércia lançou seu ex-secretário de Segurança Fleury Filho ao governo do Estado. Fleury foi eleito, mas logo rompeu com Quércia e foi para o PTB; Celso Pitta, um desconhecido, eleito prefeito de São Paulo em 1996 com apoio de Paulo Maluf, logo rompeu com seu tutor.

Não é que os afilhados tenham vocação para a ingratidão e para traição. Acontece que, na área das relações políticas envolvendo personalidades, a questão do comando é essencial. Os políticos amam o poder tanto quanto gostam de ocultar esse amor. De outro modo, não tolerariam as chateações que acompanham o desmedido esforço para chegar lá. Resultados eleitorais afetam não apenas a distribuição do poder entre os partidos, mas também o rumo da organização partidária, da distribuição do poder e, consequentemente, da partilha interna de benefícios e vantagens entre as várias facções. Normalmente, os partidos conseguem acomodar os interesses das facções e grupos. Se não estariam perdidos na competição com os adversários. Alguma acomodação entre as muitas tendências internas também deverá ocorrer no PT. E, aqui, uma dificuldade maior será o equilíbrio (ou desequilíbrio) decorrente da separação entre a influência política de Lula e a autoridade presidencial de Dilma cuja dignidade do cargo necessita manter para a salvação da República.


Professor titular aposentado dos departamentos de Ciência Política da USP e da UNICAMP. membro da Academia Brasileira de Ciência.

Lula não quer a antessala de Dilma:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O que Lula certamente quer, Dilma constitucionalmente não lhe pode dar: o aerolula, a criadagem, o rapapé internacional, a bajulação dos parlamentares e governadores, a execução cega de suas ordens pelos subordinados, os prazeres e o poder do poder. O desconforto de Lula com a iminente saída do governo é um fato e só proporcional à volúpia com que usufruiu, nos últimos anos, a sua circunstância.

O hipótetico desejo de permanecer nas rédeas da aliança política que consolidou, porém, existe e não é inalcançável, dada a proximidade da sua volta à cena, em 2014. Os políticos são sabidos e pragmáticos, perscrutam sempre o mandato seguinte.

Lula não vai ficar por aí dando palestra, porque não é disso. Ele manterá contato com governadores, presidentes de partidos, as maiorias que formou no Congresso, empresários, instituições privadas, com o objetivo de coordenar algumas ações. A mais imediata é a reforma política, inclusive porque não depende de governo e poderá trabalhar nela sem interferir na presidência de Dilma, acredita o presidente.

Isto não significa que Lula e Dilma trabalharão afastados. Ela não vai fazer tudo o que ele quer e ele não vai pedir tudo. Indicará e discutirá a formação do governo, pedirá manutenção do emprego de quem se sente protetor, mas não vai impor. Já se falou que Lula sugeriu a permanência do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas, agora, começaram a exagerar: diz-se que vai pedir, ou já pediu, também por Nelson Jobim (Defesa) e Fernando Haddad (Educação). Sobre Jobim, por mais que um dirigente do staff da presidente eleita tenha considerado absurdo cogitar sua nomeação porque teria dito, ao longo da campanha eleitoral, que poderia ser ministro de Dilma ou de José Serra, há um outro argumento a favor dele muito forte: o de que deu certo nesta área tão conturbada e, o mais importante, é um ministro do PMDB que já vem selecionado, sem riscos.

Quanto a Haddad, lembra-se no grupo de transição que é economista e, como tal, poderia ter qualquer outro cargo técnico no governo, portanto não se vê necessidade de deixá-lo na pasta que comanda há anos onde a nova presidente quer dar uma boa chacoalhada.

Talvez o presidente não tenha ainda feito essas encomendas, nem vá fazer. Quem conhece Dilma tem achado improváveis as listas de ministeriáveis que têm sido recitadas por assessores. Acham que o que aparece é um ministério quase idêntico ao que aí está, já desgastado, um repeteco do governo Lula, e não seria do feitio do presidente uma interferência nessa proporção.

Dilma, por exemplo, fará um Ministério com muito, mas muito mais mulheres do que as que têm sido nominadas até aqui. Para começar, um nome não comentado ainda mas é grande seu prestígio com a presidente eleita é o da presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho. Dilma gosta do trabalho que ela fez nos programas habitacionais, tem comando e deve aumentar seu espaço no novo governo.

Outra ministra muito provável é a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que perdeu a disputa da reeleição mas foi considerada por Dilma uma guerreira incansável diante de uma situação adversa em Santa Catarina, onde foi batida pela oposição. Graça Foster já foi mencionada como melhor primeira amiga, a quem pode ser destinada a Petrobras, o ministério das Minas e Energia ou até a Casa Civil. Clara Ant já está trabalhando com Dilma, Miriam Belchior também, a dupla de petistas do gabinete Lula deve ficar. Marta Suplicy, a senadora eleita, é nome possível para o governo, e Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, pode permanecer. A jornalista Helena Chagas deve ser a ministra da Comunicação, o atual, de Lula, Franklin Martins, não quer ficar.

Ser mulher é um dado; não ser candidato em 2012, é outro critério. Como Lula, Dilma deve pedir que o ministro fique os quatro anos para não haver descontinuidade do governo. Ter perdido as eleições de 2010 não será um empecilho, depende do empenho do político depois da derrota: o prestígio de Ideli é exemplo disso, como também de Aloizio Mercadante, derrotado na disputa pelo governo de São Paulo, que deve ganhar um ministério.

Lula conhece os princípios, não vai impor um repeteco de seu governo. Até porque, nessa questão, o presidente tem acurada visão crítica do que ocorreu com os vizinhos argentinos.

Contam os registros da época que a presidente Cristina Kirchner enfrentava, em 2008, uma das crises mais fortes do governo, quando tentou fazer passar no Congresso uma lei de retenção, o imposto de exportação da produção agrícola, e o campo se rebelou. O vice-presidente da República deu voto de minerva no Congresso, contra seu próprio governo. A classe média urbana ficou a favor dos ruralistas e Cristina perdeu apoio. Lula passava por lá no auge da crise e foi chamado pela presidente argentina para um café privado, conversa de aconselhamento. Queria a presidente ouvir sua opinião sobre o que fazer, devido à experiência dele com a crise do mensalão.

Lula sugeriu-lhe criar um gabinete de crise, com dois ou três ministros no máximo, para não contaminar todo o governo que, isolado do problema, não ficaria paralisado. Disse-lhe também que havia, ali, a sombra do seu marido, o ex-presidente Nestor Kirchner, situação criticada pelos opositores. Ela ainda tentou argumentar, afirmando que quando Nestor era presidente e ela senadora, também diziam que ela mandava no governo.

O fato é que Cristina Kirchner levou a sociedade conjugal à Casa Rosada. Seu marido, morto na semana passada, tinha presença até física no governo. Chegava ao Palácio antes dela e, como se fosse o mais natural do mundo, despachava os assuntos de rotina com ministros.

Argentinação, portanto, não vai haver, Lula se horrorizou com o que viu. Não se deve, porém, afastar o paralelo americano: Hillary Clinton tinha tantas ideias e acompanhava tão de perto o governo que, quando saiu candidata a presidente, chegou à campanha com um programa pronto, detalhado e em muitos aspectos já experimentado.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

PMDB desafia PT e diz que não cederá 'um milímetro'

DEU EM O GLOBO

O PMDB já apresentou ao PT a conta do apoio para a eleição de Dilma Rousseff: quer manter os atuais ministérios, mas aceita menos se ganhar pastas "com a porteira fechada", nomeando o segundo escalão.

"O PMDB não terá a ousadia de avançar um milímetro em seus direitos. Mas não vai recuar um milímetro em seus deveres", disse o líder do partido, deputado Henrique Eduardo Alves. O presidente do PT, José Eduardo Dutra, jantou ontem com o vice-presidente eleito, Michel Temer, presidente do PMDB, para tratar do assunto. Diante do atrito com o PMDB, excluído da primeira reunião da transição, Temer foi chamado para a equipe, sem tarefa definida, segundo Dutra. Em entrevistas às TVs Bandeirantes e SBT, Dilma disse que a briga entre partidos não chegou até ela, mas explicou que Temer entrou na transição em nome da campanha, e não do PMDB. Ela assegurou que os partidos que a apoiaram serão contemplados no governo, com critérios técnicos, mas também políticos. E admitiu que gostaria de criar mais um ministério: o das micro, pequenas e submédias empresas.

O apetite voraz do PMDB

Aliado já cobra cargos no governo e líder na Câmara diz que não cederá "um milímetro"

Gerson Camarotti e Chico de Gois

BRASÍLIA - Principal parceiro da eleição de Dilma Rousseff, o PMDB começou a negociar oficialmente ontem à noite cargos que pretende ter a partir de janeiro, exigindo manter os atuais ministérios, mas aceitando levar menos, desde que no modelo chamado porteira fechada. O vice-presidente eleito, Michel Temer (PMDB-SP), presidente do PMDB, e o presidente do PT, José Eduardo Dutra, discutiram o assunto em jantar ontem. O modelo já é debatido entre Dilma e a equipe de transição.

Há a visão de que, assim, será possível contentar os partidos com menos ministérios. Em entrevistas para TVs, Dilma disse ontem não crer em disputa entre aliados por cargos.

No governo Lula, o PMDB teve sete cargos no primeiro escalão: seis ministérios e a presidência do Banco Central, mas com pouco poder na estrutura das pastas. Agora quer mais. É entusiasta da verticalização que, na prática, permite ao partido indicar não só o ministro, mas todos os cargos da pasta, inclusive as estatais.

O PMDB não terá a ousadia de avançar um milímetro em seus direitos. Mas também não vai recuar um milímetro em seus deveres.

Queremos ter o tamanho que hoje temos. Não vamos disputar cargos de outros partidos. Será uma conversa pragmática disse o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN) sobre o jantar entre Temer e Dutra.

Em entrevista a SBT e Band, ontem à noite, Dilma disse que ainda não começou a montar o Ministério e disse desconhecer disputas: A mim, a briga ainda não chegou. Não tenho prova ou evidência de que há briga por cargos no meu governo. Acho justo que os partidos queiram estar representados. Terei o cuidado de ter um critério de preenchimento dos cargos que vai combinar capacidade técnica com condições políticas, ou seja, características de liderança pessoal disse Dilma, na Band. Quero deixar claríssimo para todos que integrarem o governo que não terei a menor complacência nem tolerância com malfeitos. Quem errou será afastado.

Não começamos Ministério algum

No SBT, perguntada sobre a ciumeira do PMDB, Dilma repetiu: Não começamos a montar Ministério algum. A ciumeira não é procedente. Não chegou até mim nenhuma reclamação. Hoje (ontem) foi constituída a comissão de transição, integrada pelo vice-presidente (Michel Temer), que, neste caso, não representa partido nenhum; assim como eu, representa as forças da coligação, e os três membros da minha coordenação de campanha.

Dilma disse não crer que dividirá entre as siglas, por número, os ministérios, mas que ainda não se dedicou a isso. Admitiu mudanças: Tinha interesse grande em criar o Ministério das Micro e Pequenas Empresas.

É possível que a gente faça junções. No cômputo geral tenderá a ficar no mesmo.

O PMDB já definiu nomes e critérios para cargos no primeiro escalão. Há consenso pela manutenção do ministro da Agricultura, Wagner Rossi, indicação de Temer. Outro consenso é o retorno do senador Edison Lobão para Minas e Energia, caso não seja indicado para a presidência do Senado. O senador José Sarney avalia as condições para disputar o comando da Casa.

Henrique Alves e Sarney participariam do jantar. Mas como vários peemedebistas estavam chegando a Brasília para participar, as cúpulas restringiram a reunião a Temer e Dutra.

Outra decisão do PMDB é não aceitar mais que o Planalto use a sigla como barriga de aluguel, como com Nelson Jobim (Defesa) e José Gomes Temporão (Saúde), que não representavam o PMDB. A legenda quer que Temer seja da coordenação política do governo.

Uma preocupação de Dilma é escolher o coordenador político. Perfil ideal seria o de Dutra, mas ele já preside o PT. Outro nome cogitado foi o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT), mas ele quer disputar a presidência da Câmara.

Crescem as chances de Alexandre Padilha (Relações Institucionais) continuar no cargo.

Hoje, Dutra se encontra com o presidente do PSB, o governador de Pernambuco Eduardo Campos. Com seis governadores eleitos, o PSB quer espaço nobre, além de recuperar Integração Nacional ou ficar com Cidades, e manter Ciência e Tecnologia e a Secretaria de Portos.

Colaborou: Cristiane Jungblut

Planalto reprova aparição de Dirceu na TV

DEU EM O GLOBO

Assessores de Dilma temem sombra do mensalão na transição

BRASÍLIA. Os assessores da presidente eleita Dilma Rousseff desaprovaram a entrevista de José Dirceu no programa Roda Viva, da TV Cultura, segundafeira. O ressurgimento de Dirceu logo após a eleição não foi bem recebido no Palácio do Planalto. O consenso é que o ex-chefe da Casa Civil deveria mergulhar novamente. E logo.

Há entre os auxiliares de Dilma receio de que as aparições de Dirceu, réu no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, acabem contaminando a transição. Até mesmo interlocutores de Dirceu não escondem a contrariedade com a busca de Dirceu pelos holofotes.

Na campanha, Dirceu foi escalado nos bastidores para cumprir missões de Dilma e até mesmo do presidente Lula, no partido e com aliados. Mas, publicamente, Dilma negou contato recente com ele. A proximidade de Dirceu e Dilma foi usada na propaganda do tucano José Serra na campanha, com impacto negativo, segundo pesquisas do PT.

Na entrevista, Dirceu se disse injustiçado por Serra e afirmou que o discurso do tucano, domingo, o surpreendeu pela agressividade. Apesar de essa ser opinião majoritária no PT, a avaliação é que Dirceu foi na mão contrária à do discurso de Dilma de esfriar os ânimos e criar clima de pacificação.

O papel da oposição : Editorial – O Estado de S. Paulo

"Minha mensagem de despedida neste momento não é um adeus. É um até logo. A luta continua." Ao reconhecer a vitória de Dilma Rousseff, José Serra exortou os oposicionistas a se articularem para cumprir o papel que lhes cabe no cenário político nacional. "Para os que nos imaginam derrotados - acrescentou - quero dizer: nós estamos apenas começando uma luta de verdade." É ver para crer.

Um dos fatores decisivos da vitória de Lula foi o comportamento errático, quando não pura e simplesmente omisso, da oposição, ao longo de oito anos de governo petista e na campanha eleitoral deste ano. Lula elegeu-se em 2002 com a imagem de líder popular que fez contrastar com a de intelectual, representante da elite, de seu antecessor, Fernando Henrique. Com grande competência, Lula soube manipular esse contraste para construir a própria imagem de líder e defensor dos fracos e oprimidos e colar nos opositores o estigma de inimigos do povo. FHC virou anátema. Seu governo, "herança maldita". E a oposição, como que sofrendo de grave crise de identidade, assistiu inerme a toda essa mistificação. A tal ponto que em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, Lula estava blindado e imune aos efeitos negativos da corrupção que grassava ao seu redor. Por muito menos, alguns anos antes Fernando Collor fora forçado a renunciar à Presidência.

É animador, portanto, ouvir o até agora principal líder da oposição convocar seus companheiros à continuação da luta política. Pois toda nação democrática necessita de governo competente e honesto tanto quanto de oposição viva e operante, pronta e apta a fazer cumprir o fundamento da alternância no poder.

Condições objetivas para o exercício de uma oposição eficiente a partir de 1.º de janeiro existem, apesar de a base governista ter aumentado no Congresso Nacional. A oposição sai das urnas com desempenho melhor, nos pleitos majoritários, do que quatro anos atrás. A diferença de votos entre Dilma e Serra foi menor, em cerca de 10 milhões de votos, do que aquela que Lula teve sobre Alckmin em 2006, o que pode ser explicado em parte, é claro, pelo fato de que Dilma não é Lula. Além disso, o PSDB acaba de conquistar 8 governos estaduais (foi o partido que mais governadores elegeu), que se somam aos 2 do DEM e abrangem a maioria dos Estados mais populosos e prósperos, como São Paulo, Minas, Paraná e Santa Catarina.

A mesma disposição manifestada por Serra foi reiterada pelo presidente nacional dos tucanos, senador Sérgio Guerra, para quem "o PT e os que ganharam de nós nesta eleição trabalharam para construir uma hegemonia, e não uma democracia. No Congresso, vamos agir para que o contraditório se estabeleça". Por sua vez, depois de defender a necessidade de o maior partido da oposição partir para alianças e até fusões, o governador de São Paulo, Alberto Goldman, colocou o dedo na ferida: "Nós não fomos suficientemente combativos ao longo dos oito anos do governo Lula."

Pode facilitar o trabalho da futura oposição o fato de que Dilma, apesar de dispor de ampla base de apoio parlamentar, certamente não terá sobre seus aliados o mesmo controle que detém o atual presidente. E, certamente ainda mais relevante, o bloco governista poderá bater cabeça diante de previsíveis e inevitáveis discrepâncias entre políticas a serem defendidas pela próxima presidente e aquelas hoje adotadas por Lula. A considerar, ainda, a evidência de que uma importante legenda da base governista, o PSB, chega a 2011 fortalecido pelo aumento de sua bancada parlamentar e pela eleição de 6 governadores, quase todos no maior reduto petista - o Nordeste. Disposto, portanto, a trilhar tanto quanto possível seus próprios caminhos em direção à sucessão presidencial de 2014.

Mas qualquer projeto oposicionista se frustrará, principalmente em termos de consolidação da democracia, se não houver a sincera disposição de banir da vida política duas práticas nefandas que o lulo-petismo consagrou: o exercício da oposição, como fez no plano nacional até 2003, pautado exclusivamente por interesses eleitorais e o tratamento de adversários políticos como inimigos a serem dizimados. A oposição há que ser firme e combativa, sempre, e construtiva, quando possível.

Afrontas à liberdade: Editorial – O Globo

Desde o início da Era Lula, a existência de bolsões autoritários entre as diversas correntes que se agruparam em torno do governo ficou evidenciada na desenvoltura com que tais vertentes procuraram impor sua aversão ao jogo democrático. Minoritários na composição político-partidária que daria sustentação ao presidente, nem por isso tais grupos se mantiveram à margem de ações e proposições que acabariam dando o tom de algumas das posições assumidas pelo Planalto.

Como não costumam emplacar iniciativas pelos canais próprios de discussão e debates, que não são exatamente o forte dessas correntes, tentavam fazê-lo pela esperteza, no contrabando de ideias autoritárias para projetos de governo.

Foi assim que, desde o primeiro mandato do presidente que agora vive seus últimos momentos no cargo, vozes oriundas desses bolsões procuraram dar vida a dispositivos de controle à imprensa independente e profissional, com a proposta de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, e, aos veículos de produção audiovisual, através da tentativa de gestação da Ancinav. Tais iniciativas foram, a seu tempo, devidamente rechaçadas pela sociedade. Entendido o recado, Lula, sensato, engavetou as propostas. No entanto, o radicalismo não se dobrou ao que deveria ser uma clara objeção a aventuras autoritárias na área da comunicação. Veio o segundo mandato de Lula e a receita de afrontas às instituições chegou embalada num kit chavista, semelhante aos modelos bolivarianos aplicados no Equador, na Argentina e, obviamente, na Venezuela com as já conhecidas ameaças à liberdade de imprensa e de expressão. Tratou-se, pelo receituário elaborado nos laboratórios do autoritarismo de Hugo Chávez, e que se tenta espalhar pela América Latina, de convocar conferências regionais para discutir a regulação dos meios de comunicação. A tática seguiu um modelo com poucas variações: convocou-se a militância entre as correntes de reconhecida incompatibilidade com o jogo da democracia, organizou-se um congresso para dar legitimidade democrática a qualquer coisa que lá se quisesse aprovar, e, pelos meios institucionais vigentes, tenta-se impor à sociedade a censura, travestida de controle social da mídia. No Brasil, a iniciativa ganhou o nome de Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).

Tudo é flagrantemente inconstitucional. A liberdade de imprensa e de expressão é um princípio inscrito na Constituição, que o STF revalidou ao decretar o fim da Lei de Imprensa (um entulho da ditadura que havia ganhado sobrevida após a promulgação da Carta de 1988) e ao reinterpretar a legislação eleitoral, tirando a mordaça dos programas humorísticos e dos analistas políticos na mídia eletrônica. O mantra autoritário do controle social da mídia tem um erro de princípio: se é controle, é inconstitucional. E consagra um grave equívoco o de que a imprensa independente e profissional esconde inconfessáveis interesses políticos. O país tem rejeitado esse logro com o antídoto da liberdade de opção, com a qual o radicalismo não consegue conviver: se o leitor (ou o ouvinte, ou o telespectador) desgosta do conteúdo que lhe é oferecido, basta deixar de comprar o jornal (ou apertar o botão de desligar e/ou de trocar de canal e estação). Se, ainda assim, houver a suspeita de algum tipo de dolo ou má-fé no noticiário, que se vá à Justiça tudo dentro das regras da democracia representativa.

DEM recusa ideia de fusão com o PSDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para o presidente do partido, união iria reduzir espaço da oposição no governo Dilma

Marcelo de Moraes

A ideia de fazer a fusão entre PSDB e DEM para criar um grande e fortalecido partido de oposição foi rechaçada ontem pelo presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ). Para o dirigente, a proposta diminuiria o espaço político da oposição no Congresso e ainda abriria a possibilidade para uma onda de desfiliações.

Maia lembra que uma das brechas jurídicas permitidas hoje para que parlamentares troquem de partido sem perderem o mandato por conta da regra de fidelidade partidária é justamente a fusão com outra legenda.

"Num período pós-eleitoral, onde o governo federal conseguiu a reeleição, sempre pode ocorrer um oportunismo eleitoral com migrações para o lado que venceu. Uma fusão criaria um precedente legal para permitir uma debandada, por exemplo", afirma Maia.

Para o dirigente, entretanto, a questão não se resume a isso. Ele acredita que as eleições deixaram clara a existência de um eleitorado de centro-direita, que pode ser representado pelo DEM, mas que não encontra tanto conforto nas posições políticas assumidas pelo PSDB.

"A oposição tem que trabalhar unida na cobrança às propostas que serão apresentadas pelo governo. Mas isso não significa que precise haver uma fusão entre os partidos", avalia Maia. "O DEM tem uma posição de centro-direita e o PSDB se enxerga mais como sendo de centro-esquerda. Há um espaço político para essas duas visões", diz.

Oficialmente, a proposta de fusão ainda não chegou à mesa dos dirigentes de DEM e PSDB. Na verdade, o movimento nasceu dentro do PSDB, especialmente na seção paulista do partido, que acredita que a união criaria automaticamente uma bancada bem mais robusta, capaz de fazer um contraponto mais claro ao PT no Congresso.

Na Câmara, o PSDB elegeu 53 deputados e o DEM garantiu uma bancada com 43.

Ambos encolheram em relação às eleições 2006. Na ocasião, os tucanos tinham 66 deputados e o DEM, ainda como PFL, somava 65. Se juntarem suas bancadas, pulariam para 96, transformando-se no partido com maior representação na Câmara, já que o PT elegeu 88 deputados e o PMDB, 79.

No Senado, a fusão garantiria a segunda maior bancada. Em 2011, o PSDB terá 10 senadores e o DEM ficará com 6. Esses 16 parlamentares ainda representam um número menor que o de senadores do PMDB, que soma 21. Mas superaria a bancada petista, que conta com 14 senadores.

Além disso, pelo menos três senadores peemedebistas são hoje mais alinhados com a oposição do que o governo, como é o caso de Jarbas Vasconcellos (PE), Pedro Simon (RS) e Luiz Henrique da Silveira (SC).

Bagagem. A absorção do DEM também agrada a setores mais à esquerda do PSDB. Esse grupo reclama que o partido aliado ainda carrega na sua bagagem o peso do conservadorismo político, representado pelo PFL, PDS e Arena, legendas das quais se originou.

Tucanos dizem que a imagem do partido aliado ficou desgastada depois do chamado escândalo do mensalão do DEM, no Distrito Federal. A descoberta de um esquema de cobrança e pagamento de propina para políticos e autoridades locais acabou provocando o desmoronamento da administração do então governador José Roberto Arruda.

Vídeos com conversas comprometedoras, que incluíram o próprio Arruda, provocaram grande impacto na opinião pública. Único governador do DEM, Arruda foi preso e acabou se desfiliando antes de renunciar ao cargo. Seu vice, Paulo Octávio, também do DEM, assumiu, mas sem sustentação política também deixou o posto.

Defensores da fusão acham que isso serviria, por exemplo, para zerar os efeitos negativos que esse escândalo ainda possa provocar em futuras eleições.

Aliados do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, acham que a mudança poderia ser benéfica para ele. Apesar de filiado ao DEM, Kassab já tem hoje uma grande proximidade política com os tucanos, especialmente com José Serra.

Mudanças na cúpula tucana ficam para o ano que vem

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mandato de Sérgio Guerra à frente do partido, que terminaria em outubro, foi prorrogado por seis meses

Christiane Samarco / BRASÍLIA

O PSDB não fará mudanças na direção partidária este ano. O mandato da Executiva Nacional, tendo à frente o senador Sérgio Guerra (PE), terminaria no fim de outubro, mas foi esticado por mais seis meses, até maio de 2011. A prorrogação foi decidida sem alarde, quando a avaliação predominante no partido era a de que o candidato tucano a presidente, José Serra, estava diante da perspectiva de derrota iminente, já no primeiro turno.

A cúpula partidária avaliou que tocar a sucessão interna em plena ressaca eleitoral seria inconveniente, ainda que houvesse uma virada positiva e Serra saísse vitorioso da disputa presidencial.

Hoje, a avaliação predominante nos bastidores é de que o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, eleito senador com uma das maiores votações proporcionais do País, só não será o futuro presidente do PSDB se não quiser. Ninguém acredita que Serra queira se abrigar na direção partidária depois de perder a disputa eleitoral, como ocorreu em 2002.

"Mesmo perdendo a eleição, vamos querer virar esta página", diz um importante dirigente tucano. Sérgio Guerra, que disputou uma cadeira na Câmara dos Deputados e ganhou, já avisou a vários companheiros que não tem interesse em continuar no cargo.

Aécio, que é apontado como presidente ideal por vários dirigentes, também não mostra entusiasmo com a ideia. Diz que não é hora de abrir este debate e que Sérgio Guerra vem conduzindo o partido de forma "extremamente correta e com grande empenho pessoal".

Além da Executiva Nacional, os mandatos das direções municipais e estaduais também serão prorrogados. A ideia é renovar primeiro os comandos do partido nos municípios, o que deve ser feito em fevereiro, para no mês seguinte eleger as novas direções em cada Estado. A sucessão na Executiva Nacional fica por último, mas um dirigente do partido diz que o princípio que determinou o adiamento é o mesmo nas três esferas: permitir que as direções renovadas se encarreguem de realizar campanhas para filiar novos quadros e mobilizar o partido para as eleições seguintes.

Como os dirigentes do PSDB têm dois anos de mandato e o prazo de filiação partidária para os candidatos ao Executivo (prefeito, governador e presidente) e ao Legislativo é de pelo menos um ano, o tucanato avalia que a prorrogação vem bem a calhar.

Os novos dirigentes terão seis meses até outubro, quando fecha o prazo de filiação dos candidatos às eleições municipais de 2012, para organizar o partido e começar a escalar o time que disputará as prefeituras e câmaras municipais pelo PSDB.

Para o Irã, vitória de petista fortalece bloco contra EUA

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Teerã considera vitória de Dilma um "vistoso progresso" e reforço à sua oposição contra o governo de Obama

Cláudia Trevisan

GENEBRA – O Irã comemorou a vitória de Dilma Rousseff e destacou que o resultado "fortalece o bloco antiamericano". Ontem, o presidente Mahmoud Ahmadinejad deixou clara sua satisfação com a vitória da sucessora do presidente Lula, na esperança de que sua política externa siga os mesmos passos da diplomacia do governo que terminará no fim de dezembro.

Na ONU, países africanos e algumas das ditaduras mais criticadas do mundo também não disfarçaram a satisfação com o resultado das eleições.

Acusado de manter um sistema perverso de violações aos direitos das mulheres e de ainda manter leis como a do apedrejamento de adúlteras, Ahmadinejad fez questão de elogiar o fato de o Brasil ter escolhido sua primeira mulher presidente. Segundo o líder, isso vai impulsionar o "vistoso progresso" nos laços entre os dois países. Lula chegou a intervir no caso de uma iraniana condenada à pena de morte, sob a acusação de adultério.

"As relações entre Irã e Brasil se desenvolveram nos últimos anos e estou convencido de que sob vossa Presidência estas relações continuarão se aprofundando", afirma Ahmadinejad em mensagem enviada a Dilma.

Nos últimos anos, o governo Lula fez questão de se opor às sanções impostas contra o Irã e tentou intermediar um acordo para solucionar a questão nuclear em Teerã. O processo fracassou e a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, chegou a alertar o Brasil de que estava sendo usado por Ahmadinejad.

Uma nova negociação começa a ser organizada. "A cooperação entre a República Islâmica do Irã e o Brasil foi muito boa sob a Presidência de Lula e trouxe benefícios apreciáveis a nível bilateral, regional e internacional", destacou Ahmadinejad.

"A África está aberta a investimentos de todo o mundo. Mas a realidade é que o Brasil entende melhor como funciona nossa cultura, nossas realidades", afirmou ao Estado a ministra de Justiça da Libéria, Christiana Tah.

Guerra quer antecipar escolha de candidato

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Presidente do PSDB apoia Fernando Henrique, que defendeu a definição do nome dois anos antes da eleição de 2014

Setores da legenda em São Paulo resistem à ideia por desejarem candidatura de Geraldo Alckmin em 2014

Catia Seabra
São Paulo
Sílvia Freire
Enviada especial a Maceió

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso incitou discussão no PSDB ao defender a escolha de seu futuro candidato à Presidência dois anos antes da eleição. Em uma crítica velada ao candidato derrotado José Serra, FHC disse, em entrevista à Folha, que não "se pode ficar enrolando até o final".

A entrevista desagradou aliados de Serra, que só assumiu oficialmente a candidatura em março. FHC reconheceu ainda que o senador eleito Aécio Neves (MG) saiu fortalecido das eleições. Mas não existe candidato natural.

O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, chamou de sensata a proposta de FHC.

"Na minha opinião, devemos ir para a eleição municipal já com candidato à Presidência", diz. O líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA), concorda.

A proposta encontra resistência em setores do PSDB de São Paulo que sonham com a candidatura de Geraldo Alckmin. À frente do governo do Estado, ele não poderia se candidatar dois anos antes do fim do mandato.

O deputado Edson Aparecido (SP) diz ter dúvidas sobre a proposta. "Acho que o desafio do PSDB é construir um discurso que o aproxime do eleitor. Se iniciarmos escolha agora, não poderemos nos dedicar à consolidação de nossas bandeiras."

Para o senador Álvaro Dias (PR), é prematura a escolha dois anos antes da eleição. Segundo ele, o mais importante é democratizar o processo interno de escolha. "A menos que não existam alternativas, é cedo demais."

As declarações de FHC provocaram desconforto entre os aliados de Serra, especialmente por conta das críticas à condução da comunicação da campanha.

FHC disse que não dará mais "endosso a um PSDB não defenda a sua história".

Procurada, a ala serrista do PSDB não se manifestou. O prefeito de São Paulo, o democrata Gilberto Kassab disse que Serra é um quadro importante para a oposição.

"Serra não deixará de ser referência para o país".

O governador reeleito de Alagoas, Teotonio Vilela Filho apoiou a posição de FHC.

"Acho que precisamos, no máximo até 2012, já ter o nosso candidato", disse.

Para ele, ainda é cedo para apontar possíveis candidatos e dizer se Serra é um deles.

O que a mulher pode esperar da mulher? :: Odete Bezerra

A luta da mulher por mais espaço na política tem elevado o número de mulheres que deixaram de se intimidar com os assuntos voltados para a política.

Hoje é muito comum vermos rodas de discussões falando sobre política, seja ela partidária ou não, encontrarmos mulheres dando suas opiniões. Vemos também um número crescente de mulheres que apresentam programas de discussões na área da política, ou mesmo em programas sobre o futebol, que até bem pouco tempo era uma área só para homens.

Não pelo esforço físico, área considerada apenas masculina, onde as mulheres, até por suas características físicas, não podiam participar, como a área da construção civil, ou mesmo os esportes de lutas livres, só tínhamos os homens como protagonistas. Mas hoje temos a mulher participando e competindo nos diversos segmentos da vida social.

O que demonstraria essa mudança? Avanço nos processos mentais de homens e mulheres, uma rejeição ao modelo patriarcal pelas mulheres, um estancamento no modo de fazer política implantado pelo homem, uma revolução como resultado da exploração da mulher pelo homem, seja qual for o motivo a questão está intrinsecamente ligada ao futuro.

Tudo o que seremos no futuro está sendo delineado hoje. Então, sabemos que, a relação entre homens e mulheres em seus papéis poderá ditar se teremos um futuro saudável ou cheio de turbulências nessa relação de gênero.

Mas cabe aqui lembrar que a mulher precisa primeiro saber se relacionar com a mulher. Os papéis quando estão definidos na estrutura do pensamento conduz a uma maior tranqüilidade das ações. Mas as mudanças ocorridas no comportamento da mulher trazem com elas as mudanças nos papéis, tanto de forma simbólica como de forma real, Isso significa que, já as mulheres saíram de suas posições antes tão calcificadas no imaginário delas e do homem para uma outra posição, mas será que elas sabem que posição é essa? Conjecturas à parte é necessário conduzir-se no caminho de construção de uma vida digna, de valores e oportunidades sonhados para um coletivo.

Qual seria a resposta a pergunta, O que a mulher pode esperar de si mesma enquanto substituta do homem?

Ora, que ela seja mulher e que aja como tal, com as características que a distingue do homem. Seus papéis nas instâncias de poder independem do seu sexo.

Odete Bezerra é dirigente PPS Natal-RN, psicanalista e economista

A greve francesa :: Jaldes Reis de Meneses

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Há um belo soneto do grande poeta francês Charles Baudelaire que começa assim: “a rua em torno era um frenético alarido” (“A uma passante”).

Paris, Lyon, Marseille, junho, 1789; fevereiro, 1848; maio, 1968; outubro, 2010: tão longe, tão perto. Sem dúvida, o alarido das multidões nas ruas vem a ser, junto com o vinho e os queijos, uma moderna tradição francesa. A explicação estrutural do fenômeno de protestar nas ruas e erguer barricadas deita raízes no próprio processo da revolução francesa de 1789: na radicalização do processo jacobino (1792), os franceses fizeram uma reforma agrária radical, fatiando os antigos feudos em pequenas propriedades camponesas. Dessa maneira, a acumulação primitiva de capitais no campo foi relativamente lenta, tendo em vista o acelerado processo inglês. Ou seja: a transferência de renda e capital do campo para a cidade se deu de modo constante, mas num ritmo equilibrado, tanto que até os dias de hoje os pequenos proprietários rurais são uma voz política importante na França.

Qual a conexão da evolução das estruturas econômicas da industrialização francesa com o mundo da política? O processo de revolução na França configurou um tipo de hegemonia no qual as figuras do camponês e do artesão, lado a lado com as formas sociais novas do operário fabril e do burguês, tiveram que estabelecer formas de convivência, certamente conflituosas, de hegemonia burguesa, decerto incorporadora das demandas sociais dos de baixo, embora muitas vezes assumindo contornos bonapartistas. Enfim, o paradoxo do processo de revolução burguesa na Franca é lídimo e simples: o desmoronamento dos estamentos aristocráticos, e do clero, requisitou um amplo consentimento social.

Foi esta sui generis configuração da econômica com a política o solo no qual germinaram as ideias radicais republicanas e socialistas, o que tanto agradou ao jovem Marx e tanto ódio despertou, em uníssono, em todos os membros, sem exceção, do pensamento conservador, numa escala de Burke a Nietzsche. Neste ínterim, é o caso de recordar o pensamento corporativista de Saint-Simon — fundamento ideológico do Estado Social Francês —, atentando ao fato de que o corporativismo pregava a paz social, mas a partir do acordo entre as partes litigantes.

Deve-se perceber que as raízes do Estado de Bem-Estar Social francês estão arraigadas na cultura política do país. Desmontá-lo, portanto, se assemelha a uma autêntica operação de guerra. Por isso, o atual movimento grevista contra a lei de Sarkozy, que eleva a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos (na verdade, o fio do novelo de outras medidas), conta com a adesão, conforme pesquisas, de 71% da população.

É fato que as bases definitivas do Estado Providência Francês são relativamente recentes: advieram dos chamados acordos de Grenoble, um arranjo corporativo entre o Estado gaulista e os sindicatos comunistas que selou o fim dos movimentos de 1968, reiterando a tradição de os acordos de classe se seguirem aos estertores do movimento revolucionário.

Para entender Sarkozy e os acontecimentos da greve francesa, talvez seja o caso de recuar a maio de 1968.

No movimento do século passado, tínhamos a circunstância da irrupção de surpresa de um protesto juvenil, nascido nas Universidades, que se espalhou como um barril de pólvora para muito próximo de uma classe operária fabril compacta, massiva e sindicalizada. Mais ainda: a aliança entre operários e estudantes estava acompanhada de um audacioso projeto de emancipação social e humana — a imaginação histórica estava funcionando a pleno vapor —, no qual os intelectuais tiveram um papel de destaque, sem comparação com nenhum movimento político recente, na Europa Ocidental.

Não devemos fantasiar 1968, até porque tínhamos a outra face da moeda, afinal vitoriosa. Do ponto de vista político, rememorando as melhores tradições bonapartistas francesas, tivemos a atuação do General de Gaulle, que sabia ser fundamental que o aparelho de Estado e as elites agissem sob um comando único (o seu) durante a crise, sem apresentar sequer nesgas de dissidências.

Todos deram carta branca ao comando unipessoal do general, que agiu em dois flancos: não pestanejou no uso dos instrumentos constitucionais de exceção ao seu dispor; a dissuasão aos movimentos de rua foi dura, mas a repressão policial seguinte relativamente branda, poucas pessoas foram presas e ninguém condenado — “não se pode prender Sartre, não se pode prender Voltaire”, disse o general em plena crise, uma frase de efeito que denota uma estratégia.

Resultado: o movimento deixou poucas cicatrizes (é lembrado até com bom humor e saudosismo), e algumas bandeiras do movimento foram sendo paulatinamente absorvidas pelo establishment — ao menos em sua dinâmica cultural e comportamental —, ao mesmo tempo que boa parte das lideranças estudantis e dos intelectuais foi perfeitamente integrada.

Revendo a poeira de 1968, Nicolas Sarkozy estava ao lado do Estado e contra as barricadas. Não mudou de lado. Contudo, há uma novidade de perfil. Trata-se de um político-camaleão, sem medo nem pudor de usar o discurso político zoológico da extrema-direita.

Bem define o papel de Sarkozy, no atual momento da Europa, o sociólogo Pierre Rosanvallon: “Houve, sucessivamente, o sarkozysmo liberal, o nacional-colbertista [protecionista], o securitário e o quase xenófobo. Berlusconi, na Itália, e Cameron, no Reino Unido, são parecidos. Representam uma direita conquistadora e sem complexos. O verdadeiro fenômeno na Europa é essa guinada geral à direita. Desde junho de 2009, quando houve as últimas eleições para o Parlamento europeu, os 13 pleitos legislativos nacionais que ocorreram na Europa deram vitória à direita. Mas, ao contrário da direita social e republicana de gente como Jacques Chirac, a ruptura que Sarkozy representa não é somente uma questão de estilo. Sarkozy não hesita em tomar emprestado parte da linguagem e da agenda da extrema-direita. Mas, aí também, é algo comum a todos os países europeus. Até a Suécia, fortaleza social-democrata, viu a extrema-direita se impor como fiel da balança na última eleição” (Folha de S. Paulo, 20/10/2010).

Sarkozy, até o momento, não dispõe da unidade da assustada classe média e das elites, como De Gaulle em 1968. Virá a ter no futuro próximo? Dificilmente, pois a crise econômica atual é mais grave e profunda que a de 68.

Ao contrário da irrupção de surpresa do passado, a greve atual, que paralisa os operários, os transportes públicos, as refinarias, as escolas, os hospitais, enfim, a maioria dos serviços estatais, era uma queda de braço anunciada pelo menos desde a crise econômica de 2008. A atitude inicial de parecer um político “durão” foi um completo desastre. Passava pela cabeça do marido de Carla Bruni o ganho simbólico de derrotar o antagonismo dos sindicatos, cabeça ceifada a ser exibida ao mundo dos negócios e aos consortes chefes de Estado da União Europeia.

Qualquer que seja o desfecho, o presidente francês encontra-se encurralado. Evidentemente, ele sabe que depois de um ápice, em algum momento, a greve vai arrefecer. Talvez negocie algumas reivindicações secundárias dos grevistas, sem abrir mão do essencial: o aumento no tempo de aposentadoria. De todo modo, o desgaste é irremediável. Não é pouco, quando se sabe que a direita europeia tem sido vitoriosa em todas as eleições recentes, depois de 2008. Pode-se abrir um espaço para a esquerda e até para o surgimento de um projeto político de classe em um país fundamental do capitalismo mundial.

Tivemos uma greve geral dos serviços públicos na Franca em 2007. É impressionante como a opinião pública se deslocou de lá para cá: há dois anos, era difícil explicar aos usuários a greve nos serviços públicos. Hoje, o apoio é generalizado. Criou-se uma greve de força popular, na qual a situação dos sindicatos é de ofensiva. Quando é criada uma situação dessas, sem negociar as reivindicações, caso o movimento se mantenha firme e unitário, no limite só resta uma alternativa ao poder do Estado: a repressão e até o Estado de Sítio. Vamos aguardar os próximos acontecimentos.

Jaldes Reis de Meneses é professor dos Programas de Pós-Graduação em História e Serviço Social – UFPB).

Dois pesos:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O real se valorizou 107% sobre o dólar durante o governo Lula. Isso ajudou a manter a inflação baixa e aumentar a capacidade de compra do consumidor, mas é um problema para empresários e governo. O dólar vai cair mais com as novas decisões do Fed. O boom de gasto do governo elevou o crescimento do PIB, mas é ameaça ao equilíbrio fiscal. O que ajudou a eleição de Dilma Rousseff virou risco.

O novo governo terá problemas fiscais e cambiais à frente. Um dos desafios urgentes da presidente Dilma será escapar da armadilha da liquidez mundial que pode, como avisou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, produzir bolhas de crédito, de imóveis e ações nos emergentes.

Desde o início da crise, o Fed, banco central americano, tem inundado a economia de dólares através de emissão de moeda para socorrer bancos, empresas imobiliárias, automobilísticas e os devedores de hipotecas. A base monetária saltou de cerca de US$ 800 bilhões para US$ 2,3 trilhões (vejam no gráfico).

Ao mesmo tempo, a taxa de juros caiu de 5,25%, em meados de 2007, para uma faixa entre zero e 0,25%, agora. E o banco central americano prepara um outro tsunami monetário que os economistas chamam de relaxamento quantitativo.

Na área cambial, o fantasma que assombra a nova presidente é o lado oposto da moeda que assustou o presidente Lula.

Na eleição de Lula, o dólar chegou perto de R$ 4,00.

Parecia não ter teto. Hoje, está em R$ 1,70 e descendo.

Parece não ter piso.

Depois que as decisões do governo Lula no início do mandato acalmaram o mercado, o dólar corrigiu os excessos, mas aí veio o boom das commodities que aumentou muito o saldo comercial brasileiro. Isso, somado à onda de liquidez e aos juros altíssimos aqui, trouxe mais dólares ao Brasil.

Em 2005, o medo do Lula já tinha acabado, o dólar já tinha caído. Mesmo assim, de lá para cá o real já se valorizou mais de 60% em relação ao dólar.

A crise alimentou uma nova onda de liquidez que está invadindo as economias emergentes e o Brasil é um dos maiores alvos. Se em 2003 bastou o compromisso com a manutenção da estabilidade e da austeridade fiscal para lutar contra a desvalorização do real, agora a briga não é nada trivial.

Primeiro, o Brasil não controla parte das variáveis porque elas têm a ver com a política monetária de outros países. Segundo, de certa forma o governo se beneficia dessa alta da moeda. A queda do dólar tem um efeito deflacionista.

Produtos importados entram a preços mais baixos derrubando preços locais.

Um empresário me contou recentemente que produz uma máquina de produzir embalagens de plástico que custa R$ 80.000. A similar importada custa US$ 15.000.

Ele está revendo os custos para conseguir competir. Inúmeras empresas estão fazendo isso na área de bens de consumo e isso torna os preços mais baixos. As empresas que competem diretamente com o produto estrangeiro reclamam; as que importam componentes gostam, as que vivem de importar gostam mais ainda. O consumidor vai às compras.

Fica feliz e vota no governo.

Bom, agora é a hora de, passada a festa, corrigir os excessos. Mas como? O IOF mais alto não resolveu o problema. Controlar o câmbio seria abandonar um dos pés do tripé.

O outro pé do tripé, o superávit primário, tem sido abandonado aos poucos. Este ano, para garantir a eleição, o governo ampliou os gastos. E já tem aumentos previstos de salários de funcionários até 2012. A gastança ajudou também a pavimentar o caminho da vitória. Na campanha, a presidente eleita prometeu reduzir impostos, desonerar a folha e os investimentos.

Para cortar impostos sem perder arrecadação, só uma reforma tributária. Algumas medidas podem tirar receita dos estados. O modelo de exploração do petróleo do pré-sal tirará bilhões dos estados produtores, entre eles, Rio de Janeiro e Espírito Santo, governados por aliados.

Reforma tributária exige negociação com os governos estaduais. O PSDB foi o partido que mais vitórias teve: governará oito estados, e juntos eles representam 54% do PIB brasileiro.

Não há desafio simples no caminho da nova presidente.

O ideal é que ela aproveite a lua-de-mel para fazer um ajuste fiscal. Isso ajudará a enfrentar os dois desafios.

O problema: ela recusou, na campanha, que faria ajuste fiscal.

Sobre as empresas estatais :: Paulo R. Haddad

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As empresas estatais desempenharam um importante papel na evolução da economia brasileira no pós 2.ª Guerra Mundial. Essas empresas emergiram, quase sempre de forma pragmática, no bojo de diversos ciclos de expansão, visando a complementar a produção de bens e serviços em setores intensivos de tecnologia, ou de baixa rentabilidade privada no médio prazo, ou com grande margem de risco para os volumosos investimentos. Essa produção se tornou indispensável para a continuidade do processo de acumulação, por causa de dificuldades de importação em situações de crise no balanço de pagamentos.

A crise econômica brasileira dos anos 1980 afetou profundamente as empresas de propriedade do governo, especialmente os grupos que estavam executando grandes projetos de investimento. A interrupção dos fluxos de capitais externos para o Brasil suprimiu a principal fonte de financiamento dessas empresas, prorrogando os cronogramas físicos dos projetos, aumentando os seus custos e, ainda, adiando a entrada das receitas esperadas nos seus fluxos de caixa. Assim, as perspectivas de expansão das empresas estatais eram desfavoráveis pelo lado de suas fontes de financiamento, uma vez que, no início dos anos 1990, havia também se esgotado a poupança pública, ou seja, a capacidade de autofinanciamento do seu controlador.

Enormes dificuldades surgiram, igualmente, para uma gestão eficiente e eficaz das empresas públicas a partir da segunda metade dos anos 1980. As razões do relativo insucesso no desempenho econômico e financeiro de muitas empresas estatais se encontram em variados aspectos: a partilha político-partidária no recrutamento dos seus quadros técnicos e gerenciais; a indefinição de seus objetivos e de sua própria missão institucional; a estrutura organizacional precariamente estabelecida; a desprofissionalização da alta direção; etc.

Além do mais, as empresas estatais sempre desempenharam funções múltiplas no Brasil: de um lado, eram unidades produtivas que exigiam resultados financeiros positivos; do outro lado, eram unidades organizacionais às quais o Estado atribuía papéis na execução das políticas públicas. Entre estes papéis se destacam: o controle de tarifas e preços para reduzir as taxas inflacionárias; a participação acionária em projetos pioneiros; a localização em áreas deprimidas para atenuar desequilíbrios regionais de desenvolvimento; etc. Isso resultava, em geral, na redução da lucratividade financeira necessária para suas reinversões.

Assim, esse fraco desempenho econômico das empresas estatais e a impossibilidade de maiores transferências de recursos pelo governo, por causa de sua própria fragilidade financeira, trouxeram a necessidade de iniciar um processo de privatização, acompanhando a tendência mundial de uma menor intervenção governamental na economia.

O processo de privatização no Brasil passou por diferentes fases. Iniciou-se, timidamente, nos anos 1980, com as vendas das empresas privadas que vieram, circunstancialmente, para o controle dos bancos oficiais: de 1985 a 1989, 13 empresas foram vendidas na primeira fase do programa de privatização, atingindo um valor total de US$ 1 bilhão. A segunda fase começou em 1990, com maior intensidade, reforçada por uma lei do Congresso, incluindo grandes empresas não consideradas como monopólios constitucionais, nos setores de aço, petroquímico e fertilizantes. A partir de 1994, o processo de privatização se acelerou no País, apoiado pela quebra desses monopólios, e avançou nos segmentos das telecomunicações, de energia, dos bancos estaduais, etc.

Em alguns setores estratégicos, as privatizações foram acompanhadas da organização de agências regulatórias que visam a defender o interesse público junto aos novos controladores nas suas decisões operacionais e estratégicas. Essas agências se encontram numa etapa de aprendizagem para a melhoria do seu desempenho institucional, correndo o risco de serem capturadas pelos interesses privados que visam a regulamentar.

É evidente que transformações profundas e relativamente rápidas no desmonte do setor produtivo estatal nos anos 1990 resultariam em que alguns processos de privatizações se tornassem mais bem-sucedidos do que outros, tanto em termos do processo em si (estratégias de valorização de ativos, grau de transparência, nível de confiança da opinião pública, comunicação social, etc.) quanto em relação às consequências do processo para o bem-estar da população (imposição de condicionalidades quanto a novos investimentos, à qualidade de serviços, à precificação e seus efeitos distributivos, etc., para os novos controladores privados).

Mesmo considerando que essa metamorfose das empresas estatais se deu com muitos acertos e alguns desacertos, o balanço geral das privatizações no Brasil é extremamente positivo, do ponto de vista macroeconômico e do ponto de vista microeconômico.

As empresas privatizadas deixaram de pressionar os déficits fiscais pela redução das necessidades de financiamento, contribuíram para a retomada dos investimentos em setores estratégicos e trouxeram saldos positivos para os superávits primários do setor público consolidado e para o saldo das transações correntes nas contas externas.

Da mesma forma, adotaram estratégias empresariais e novas técnicas de gestão, a coordenação mais eficaz de suas cadeias produtivas, a substituição de processos produtivos ultrapassados pela nova geração de inovações das tecnologias de informação, assim como a autonomia e a flexibilidade de seus processos decisórios, contribuindo de maneira inequívoca para um aumento generalizado dos níveis de competitividade sistêmica nos setores e ramos industriais de sua atuação.

O ciclo das grandes privatizações setoriais praticamente se esgotou. Ficaram as experiências geralmente bem-sucedidas do passado, que, entretanto, não podem ser reavaliadas apenas por argumentos historicamente descontextualizados e doutrinariamente superados no Brasil contemporâneo.

Professor do IBMEC/MG, foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco