domingo, 28 de novembro de 2010

PPS divulga resolução política: oposição não foi desmontada

DEU NO PORTAL DO PPS

Por: Valéria de Oliveira

O Diretório Nacional do PPS divulgou resolução política neste sábado, em que analisa as eleições de 2010. O documento afirma que, embora tenha sido derrotada nas eleições presidenciais, “a oposição não foi desmontada; muito menos extirpada”. O texto admite que o uso do marketing criou “desvios do projeto político”, o que muitas vezes levou os candidatos a deixar de lado “questões de fundo que estavam em jogo, em troca de uma promessa de melhor gestão para os destinos do país”.

O documento foi elaborado durante reunião do diretório em Brasília neste fim de semana e aborda, também, a importância da internet e das novas mídias na reestruturação partidária que o PPS pretende empreender.

Leia a íntegra da resolução abaixo.

As Eleições de 2010 e o PPS


"Apenas se nos pede o voto para homologar uma quantidade de coisas, em cuja definição não somos levados em conta. Apenas nos pedem o voto, não nos pedem que participemos. E a cada quatro anos vamos votar muito contentes, acreditando que estamos a fazer algo importante, mas o importante ocorreu nesses quatro anos. Com isto não estou a condenar os políticos, pois a política é algo vital e temos que exercê-la todos."

(Algo Vital José Saramago em seu Blog “Cadernos”)

O processo eleitoral de 2010 foi um momento importante na consolidação da Democracia em nosso país, apesar de atitudes prepotentes e arrogantes do Presidente Lula, quando desrespeitou a Lei Eleitoral por diversas vezes, inclusive usando o cargo da Presidência para fazer campanha por sua candidata.

Num eleitorado de mais de cento e trinta milhões de votantes compareceram às urnas pouco mais de cem milhões de eleitores, em dois turnos, onde as forças de oposição obtiveram mais de quarenta e três milhões de votos, (43,95%) contra cerca de cinqüenta e cinco milhões, (56,05%) da Candidatura governamental.

O projeto político do Governo de manter o poder central a todo preço encontrou forte resistência em todo o país, sendo que no primeiro turno as oposições fizeram governadores em dez unidades da Federação, entre essas, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Pará, estados de peso fundamental na economia do país e com sociedade civil fortemente estruturada.

O Governo usou toda a sua máquina e intensa propaganda baseada nas políticas sociais do Programa Bolsa Família para impedir a vitória das forças oposicionistas. A derrota eleitoral não configurou uma derrota política das oposições. Apesar da intenção do Governo em despolitizar a Campanha através do uso de Marketing político e uso distorcido das pesquisas eleitorais para desmobilizar as forças oposicionistas, a nossa Política para um Brasil que pode mais teve seus sucessos. Assim o PPS continuará empenhado em defender a nossa Política de oposição ao Governo, convocando as demais forças oposicionistas a apresentarmos alternativas para um efetivo projeto de desenvolvimento sustentável para o Brasil, que propicie efetiva cidadania para todos os brasileiros e brasileiras.

A oposição não foi desmontada, Muito menos extirpada. O uso do Marketing político em nossa Campanha também nos criou alguns desvios do projeto político, onde muitas vezes deixamos de lado as questões de fundo que estavam em jogo, em troca de uma promessa de melhor gestão para os destinos do país.

Brasília, 27 de novembro de 2010.

Recado eleitoral :: Sergio Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O mapa eleitoral resultante das eleições de outubro mostra um País politicamente plural, onde as oposições encontram apoio não apenas para exercer o seu papel agora, mas também para aspirar a ser governo, no nível federal, amanhã. Nada que indique a "mexicanização" da cena política brasileira, alusão ao domínio de um só partido, como aconteceu no México por sete décadas, sob o comando do PRI.

Se as "condições objetivas" estão dadas, é preciso, por assim dizer, criar as "condições subjetivas". E para tanto importa repensar (e mudar) a maneira como as oposições fizeram política nos últimos oito anos.

Com oito governadores eleitos, dois deles nos principais Estados da Federação, o PSDB reafirmou-se como o polo de poder alternativo no País, apesar da redução de sua bancada no Congresso, ainda assim expressiva.

Na geografia política brasileira, quando analisada, município a município, conforme a votação de Serra e Dilma, identifica-se um "território tucano" contínuo desde o leste do Rio Grande ao sul do Pará, numa "mancha azul" que coincide, no geral, com as áreas de maior dinamismo econômico. Há também "ilhas azuis" em Roraima e no Acre, por razões políticas locais. A rigor, somente o Nordeste se mostrou terreno inexpugnável, com exceção de algumas poucas capitais.

Um rápido exame do perfil sociológico desse território e desse eleitorado provavelmente revelará uma população heterogênea, mas no geral conectada às atividades mais ligadas ao setor privado e menos dependentes do Estado. No plano das mentalidades, indicará uma preocupação maior que a média com a impessoalidade no trato da coisa pública e com a separação entre o Estado e as organizações partidárias e corporativas. A propósito, foi antes o "affair Erenice" do que a vexatória controvérsia em torno do aborto o fator que quase fez a "mancha azul" se espalhar ainda mais, pondo em risco a vitória da candidata oficial.

Além de políticas públicas - e isso caberá a seus governadores -, o PSDB precisa construir uma narrativa que, voltada principalmente para esse eleitorado, possa servir de inspiração ao conjunto do País, mesmo aos que hoje, por insuficiência de renda, são dependentes de programas assistenciais. A mobilidade social ascendente observada nos últimos anos criou novas expectativas num amplo contingente da população. Trata-se de um eleitorado exigente, que não tem dono e cobrará políticas públicas inovadoras que possam ajudá-lo a realizar as próprias expectativas. Narrativa e políticas precisam andar de mãos dadas.

Nas três últimas disputas pela Presidência, os candidatos do PSDB renegaram o passado do partido e dispensaram-se de construir uma narrativa que configurasse um "eu coletivo". Preferiram campanhas calcadas em seus atributos pessoais e na noção de "eficiência", refletindo e ao mesmo tempo aprofundado a crise de identidade do partido.

Nada contra a eficiência, ela é indispensável, mas politicamente de pouco vale se não for articulada com valores e com uma visão que, referindo-se à organização da sociedade e do governo, diga respeito à vida das pessoas, e se distinga dos demais valores e visões em disputa.

Nem de longe defendo a ideia de que a configuração desse "eu coletivo" se dê conforme a lógica do "nós" contra "eles", da confrontação "amigo-inimigo", como o presidente Lula tantas vezes insistiu em fazer. Não há, porém, como fazer política sem afirmar uma identidade e marcar a diferença. E o PSDB não soube fazê-lo nos últimos oito anos.

Desnecessário insistir na importância de retomar os fios da história, que tem nos governos de FHC a sua referência maior, mas não exclusiva. Importa fazê-lo pensando no futuro. Cabe defender as privatizações - no setor de telecomunicações, por exemplo -, para mostrar que sem elas o Brasil continuaria a ser "o país dos orelhões" e a grande maioria da população permaneceria sem acesso a serviços de telefonia e internet, que hoje são condição para educar-se, empregar-se, empreender e desenvolver-se individual e coletivamente.

Nosso maior desafio como país é aproveitar a janela de oportunidade demográfica dos próximos 20 anos - quando maior será a população em idade ativa em relação a crianças e idosos - para consolidarmos as bases de uma sociedade mais justa e mais próspera. Para isso não basta continuar a fazer o que fizemos nos últimos 16 anos. É preciso fazer mais e melhor. Até porque, no mundo, enfrentaremos competição crescente, sobretudo em manufaturas, e não só da China. E normas cada vez mais rígidas - ambientais, sanitárias, etc. - na produção de commodities.

Em 2030 teremos de empregar 150 milhões de pessoas. Conseguiremos criar, em quantidade e qualidade, os empregos necessários para absorver essa força de trabalho e gerar maior renda para melhor distribuí-la, com o arranjo de políticas cristalizado no governo Lula, respaldado por um protagonismo cada vez maior do Estado? Ou mudanças serão indispensáveis, para conter a tendência expansionista do gasto público e da intervenção discricionária do governo na economia, em favor de poucos grandes grupos e, por vezes, de um crescimento a qualquer custo, sem maior preocupação com a sustentabilidade socioambiental?

Não sou um "idiota da objetividade", como disse Nelson Rodrigues a respeito de quem acredita que a descrição correta da realidade exige o banimento da subjetividade e das emoções. Sei que a forma importa tanto quanto o conteúdo. E reconheço que, numa sociedade em que a comunicação passa fundamentalmente pela mídia eletrônica, a política requer quem conheça especificamente essa linguagem. Mas a forma sem conteúdo é vazia. Um partido sem identidade própria e visão diferenciada para o futuro do País é apenas uma legenda, abrigo de ambições pessoais.

O eleitor deu um recado claro, que as lideranças precisam escutar: quer que o PSDB seja mais, bem mais, do que tem sido.

Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.

Um olhar sobre o Rio:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O economista e professor da UFRJ Mauro Osório, especialista em planejamento urbano e estudos sobre o Rio, tem a preocupação de sempre apontar as especificidades da situação local por considerar ser fundamental procurar "olhar e entender" o que levou o Rio de Janeiro a enfrentar situações como a desta semana.

Ele atribui o fato de ainda termos uma "reflexão regional reduzida" em relação às demais regiões brasileiras ao caráter nacional do pensamento local, abrindo mão das questões regionais.

"Os cariocas "mais provincianos" pensam o Brasil, e os "mais cosmopolitas" pensam o mundo", ironiza Osório.

Isso faz com que, segundo ele, mesmo após 50 anos da mudança da capital, "até hoje tenhamos uma rarefeita reflexão regional e, por conseguinte, incorremos em importantes equívocos no desenho de prioridades e estratégias".

A ausência de uma cultura e olhar regional tem nos levado a erros de diagnóstico e de estratégias, segundo ele. Especificamente na área de economia, ao contrário de São Paulo e Minas, que têm em seus programas de mestrado e Doutorado, na USP, Unicamp e Cedeplar/MG, linhas de pesquisa regionais, os programas de mestrado e doutorado em economia na Região Metropolitana do Rio de Janeiro não apresentam linha de pesquisa permanente em economia regional.

Osório destaca que, ao analisarmos as taxas de homicídio por 100 mil habitantes do Mapa de Violência de 2010, vemos que, em 2007, enquanto o estado de São Paulo apresentava 15 homicídios por 100 mil habitantes, o Estado do Rio de Janeiro apresentava 40,1 homicídios por 100 mil habitantes.

"Acredito que a partir de 2007 ocorreram importantes rupturas. Na área de segurança pública, acabaram-se nomeações politiqueiras e ocorreu a colocação de um correto profissional chefiando a segurança pública do estado. Isso, associado ao início da implantação das UPPs, que terá que ser universalizada, começou a gerar uma mudança de percepção da população carioca, principalmente nas áreas carentes, sobre as forças policiais".

Essa mudança, porém, é muito recente, lembra. "Em 2006, quando da vinda da Força Nacional para o Rio de Janeiro, visando preparar a cidade para o Panamericano de 2007, os policiais de outros estados, mesmo de regiões violentas como Pernambuco, declararam na imprensa, à época, estarem estupefatos com a rejeição da população em áreas carentes às forças policiais, e com o nível de armamento que verificavam em territórios paralelos, como o Alemão".

Osório tem a tese de que o Rio, a partir das cassações que atingiram pesadamente a cidade, da UDN à esquerda, e a assunção da liderança por Chagas Freitas, através da legenda da oposição, passou crescentemente por um processo de desestruturação, e, por isso, ele destaca as mudanças que vemos no momento na área de segurança pública como de fundamental importância.

"É interessante procurar olhar onde obtiveram votos todos os anteriores secretários de Segurança ou chefes da Polícia Civil, que assumiram esses cargos a partir dos anos 80 e saíram candidatos", comenta Osório, insinuando que a maioria desses votos, em vários casos, vem de áreas dominadas pelo tráfico ou pela milícia.

O caso mais evidente de conivência de autoridades policiais com a marginalidade é a prisão de Álvaro Lins, ex-chefe da Polícia Civil eleito deputado estadual.

Outra especificidade, segundo Osório, é que, de acordo com o Mapa da Violência de 2010, analisando as taxas de homicídios por 100 mil habitantes para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia e Pernambuco, e suas capitais, o Rio é a única região em que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, no total do estado, é maior do que na capital.

"Isto se deve não a uma maior violência no interior, mas, sim, a uma maior precarização das cidades periféricas da Região Metropolitana".

Um estudo de violência feito pelo Ipea no início desta década apontou que, entre os 11 municípios mais violentos do país, quatro eram da periferia do Rio de Janeiro, três de Pernambuco, três do Espírito Santo e um de São Paulo (Diadema), que já apresentou significativa melhoria desde então.

Para Osório, hoje o secretário José Mariano Beltrame tem reforçado a necessidade de termos ações estratégicas no Estado do Rio. "Acho que essa é uma preocupação que deve se generalizar para todas as áreas. Não obteremos sucesso na cidade do Rio sem construirmos uma institucionalidade, política e instrumentos para nossa metrópole", assinala.

Osório mostra a importância das mudanças também ocorridas na área fazendária, a partir de dados do Confaz

Enquanto entre 1999 e 2006 ocorreu um crescimento real da receita de ICMS no Estado do Rio de apenas 7,2%, contra um crescimento real no total do país de 32,4%, entre 2007 e 2009 o crescimento real da receita de ICMS no estado foi de 10%, contra um crescimento real no país de 9,7%.

"Acredito que a melhoria esteja relacionado ao fim das nomeações politiqueiras na área fazendárias; aos três concursos públicos já realizados, renovando o quadro de fiscais; à criação de regras claras de transparência e impessoalidade; e à cobrança de ICMS em setores como o de hipermercados e supermercados de forma absolutamente distinta ao que ocorria anteriormente".

Osório lembra que há alguns anos atrás o empresário Abílio Diniz havia declarado que era extremamente complicado competir no Rio, pois alguns supermercados aqui não tinham o hábito de pagar impostos.

"Acho interessante ainda pensar se existem correlações entre essa trajetória do Rio de Janeiro e as acusações de sonegações na área de combustíveis", analisa Osório, referindo-se às denúncias do GLOBO sobre o esquema montado na refinaria de Manguinhos.

"Quando analisamos os dados da evolução do volume de vendas de combustíveis no Estado do Rio de Janeiro, através da Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE, vemos, entre 2000 e 2009, uma queda no estado de 21,3%, contra um crescimento no país de 1,5%".

Osório está convencido, não é de hoje, que os últimos anos mostraram uma reversão de expectativas com relação ao futuro do Rio de Janeiro, com o governo estadual assumindo como prioridade o combate à criminalidade, sem esquecer as reformas necessárias.

Agora é que são eles:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Fechada a equipe econômica, acertados os nomes dos chamados ministros da casa - com assento no Palácio do Planalto, junto à presidente - ainda neste fim de semana Dilma Rousseff começa a tratar com os partidos aliados da distribuição dos espaços na Esplanada dos Ministérios.

Pela expectativa do PMDB, o partido do vice-presidente Michel Temer será o primeiro. Os peemedebistas têm duas preocupações: assegurar posições "qualificadas" e encaminhar as negociações sem pressões ruidosas, a fim de se diferenciar das demais legendas e evitar comportamentos explicitamente fisiológicos.

E por que isso? Porque considera que, uma vez eleito na mesma chapa com Dilma, subiu de grau na hierarquia: não pode ser visto como adesista; deve se conduzir e ser tratado como legítimo partícipe digno de postos de elite.

O PT ocupa mais ministérios e faz parte do núcleo de poder? O PMDB diz que é justo, mas aponta que por isso mesmo os petistas não podem querer açambarcar o comando do Legislativo. A direção do partido assegura que até agora a presidente não enviou nada além de "sinais de prospecção". Não disse claramente o que pretende para o parceiro de chapa.

Já o PMDB acredita ter deixado bem entendido o que almeja: garantir a atual parte que lhe cabe no latifúndio de 37 ministérios. Mas só os efetivamente ocupados pelo partido. Contando com o Banco Central, hoje são sete as pastas dirigidas por filiados ao partido.

Mas a direção não considera que José Gomes Temporão, da Saúde, e Henrique Meirelles, do BC, sejam indicações partidárias. Nesses dois casos o PMDB diz que foi usado como "barriga de aluguel". Situação que não vai aceitar.

Excluídas as "barrigas", sobrariam cinco ministérios: Defesa, Comunicação, Integração Nacional, Minas e Energia e Agricultura.

Não se espera que Dilma mantenha necessariamente as mesmas pastas, mas que assegure a quantidade, não escale o partido para pastas periféricas e aceite as indicações dos nomes feitas por intermédio de Michel Temer sem questionar.

Em contrapartida, o PMDB se compromete a obedecer aos três critérios já postos pela presidente: densidade de apoio político, experiência na área específica e imunidade pessoal a possíveis escândalos.

Temer é o único interlocutor/negociador autorizado e, ao contrário do que ocorreu nos dois mandatos de Lula, os indicados terão o respaldo unitário e não das alas a, b ou c do partido. Daí a expectativa de que sejam aceitos.


Só serão indicados "homens do partido" e na seguinte proporção: dois para a Câmara, dois para o Senado e um para livre provimento do vice e presidente do PMDB, Michel Temer.

E se a presidente não concordar com nada disso?

O PMDB acha que Dilma Rousseff é sagaz o bastante para compreender o que não precisa ser dito por escrito.

Fora de cena. A presidente eleita desistiu de acompanhar Lula à reunião da Unasul, não aceitou convite de Barack Obama para ir aos EUA antes da posse, não apareceu no anúncio da equipe econômica.

É só reparar: Dilma tem se comunicado com o País por nota oficial. Na crise que atinge o Rio de Janeiro, soube-se que ela telefonou para o governador Sérgio Cabral, mas a presidente não apareceu em momento algum.

Aliás, Dilma Rousseff não aparece desde que acompanhou o presidente Lula à reunião do G-20. Na ocasião, foi mais assediada pela imprensa do que ele.

Esse fato associado ao "sumiço" faz supor que Dilma tem feito um afastamento estratégico exatamente para não roubar a cena de Lula nesses últimos momentos de mandato.

Se o fez por iniciativa própria ou a pedidos, não está claro.

Na primeira hipótese, um gesto de cortesia; na segunda, ato de obediência.

Cacoete. Em tese, ações integradas entre os diferentes níveis de poder, federal, estadual e municipal, não deveriam estar subordinadas a afinidades político-eleitorais, e sim ao bem estar do público pagante (de impostos).

Considerações finais e recomeços seminais:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

A campanha presidencial que reativou os velhos fantasmas da nossa democracia já faz parte do passado, que tem pressa em se aposentar.

A melhor prova é a aparente confiança implícita na formação do ministério, graças ao toque feminino que faltava à República. Um ato de toalete bastou. À medida que o presidente Lula recua sua presença ofegante para o fundo do palco, o ministério adquire feição própria, com traços genéticos dele e tiques de ser ou não ser social-democrata. É um Brasil que se diria irreconhecível se não fosse explicado por esse ator fora do comum, mas previsível, que não se preparou para governar e saiu melhor do que entrou (já com a intenção de voltar assim que possível). Daqui a um mês dirá até breve, com a mesma sem-cerimônia de não estar preparado para a nova etapa.

A presidente Dilma Rousseff emite sinais que, guardadas as diferenças de tempo e indumentária, lembram a rainha Vitória (isto é, alguém que também veio para durar e colher prosperidade).

Uma lembrança traz outras e, assim, não se evoca a Rainha Vitória sem ressuscitar Disraeli, seu primeiro ministro que trouxe para o primeiro plano da vida inglesa as classes médias, que tinham o direito de votar mas eram excluídas do direito gêmeo de serem votadas. Não diz tudo, mas ajuda a entender o humor britânico, que tanta falta faz ao presidente Lula. Por não ter aprendido a rir de si mesmo, não se habilitou a rir dos outros sem ressentimento.

Austeridade e dignidade – aqui como lá, boas fadas há – se identificaram com os ingleses localizados socialmente entre o pessoal de cima e o de baixo (que então se chamava de proletariado).

As classes médias não se beneficiaram, nem poderiam, de teorias conservadoras e revolucionárias que exacerbaram o Século 19. Ao contrário.

Só com o tempo, depois que um voto passou a valer um cidadão, a classe média prosperou politicamente.

(Quando a rainha Vitória morreu, a Inglaterra estava no apogeu).

O fato é que os dois atores principais, Lula e Dilma, enlaçados pela mesma vitória, vão passando as páginas e tirando do caminho o que era mercadoria para ser consumida na campanha eleitoral.

O eleitorado saciou, inclusive, a fome de votar com que Lula favoreceu, mediante bolsas bem nutridas, aqueles 26 milhões que, de uma refeição, saltaram para três a cada dia. E acabou convencido de que inventou a classe média, segundo o critério de aferir a localização social pelo número de refeições. Não chegou a entender que a cabeça do pequeno burguês propriamente dito, historicamente estabelecido, não é assunto a ser tratado nesse tipo de conversa.

No Brasil, por enquanto, ninguém se atreveu a ser padrinho da classe média, da qual o governo atual se lembrou na hora de sair, e mesmo assim para faturar politicamente uma faixa eleitoral que esconde uma fortuna em votos. Não faltou a JK o tino histórico de reconhecer a classe média na aspiração de consumo e progresso.

Não sendo possível num único mandato, e não havendo reeleição, deu-lhe a certeza de que – mais dia, menos dia – poderia ter o seu automóvel.

O pequeno burguês não perdeu a oportunidade e fez do automóvel o seu símbolo social preferido.

Ninguém reparou que o problema não era mais Lula, nem passou a ser a eleição de Dilma, depois daquelas cenas de qualidade inferior vistas na campanha presidencial. Deve ser a classe média, que tanto olha socialmente para cima como não deixa de olhar para baixo. Na cabeça do pequeno burguês tudo se resolve, por falta de alternativa, com a democracia mesmo. E democracia se aprende com a prática e com o tempo, isto é, continuidade.

O cidadão pode ficar tranqüilo, que a presidente – e foi por aí que a rainha Vitória veio ao caso – vai reforçar a classe média, a quem passará a responsabilidade de zelar pela democracia e acelerar seus resultados.

O "Capitalismo de laços" da privataria :: Elio Gaspari

DEU EM O GLOBO

Quais das seguintes informações são comprovadamente falsas:

1) A privataria iniciada em 1990 vendeu 165 empresas públicas, gerou uma receita de 87 bilhões de dólares e reduziu a presença do Estado na economia nacional.

2) A expansão do setor privado sobre a mineração, telecomunicações, portos, rodovias e no setor elétrico colocou mais competidores no mercado.

3) Antes da chegada dos europeus, houve na Amazônia uma civilização fundada por extraterrestres.

Seis anos de pesquisas, durante os quais o professor Sérgio Lazzarini, do Insper, mastigou 20 mil dados estatísticos de 804 empresas informam que as duas primeiras afirmações são comprovadamente falsas. Quanto aos ETs da Amazônia, quem quiser, pode continuar acreditando.

Entre 1996 e 2009 a rede do Estado e dos burocratas de caixas de pensão da Viúva expandiu-se. Cruzando-se numeros do banco de dados de Lazzarini descobre-se que, em 1996, num universo de 516 grandes empresas, o BNDES e os fundos Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) participavam de 72 sociedades. Em 2003, numa amostra de 494 companhias a Boa Senhora estava em 95. Em 2009, num universo de 624, o Estado tinha um pé em 119 empresas.

O trabalho do professor chegará nas próximas semanas às livrarias, com o título de "Capitalismo de laços". Além de mastigar números, Lazzarini foi fundo na documentação do assunto e nos estudos sobre as conexões do mundo empresarial. O livro tem 184 páginas, 51 das quais ocupadas por notas, descrições metodológicas e pela bibliografia.

"Capitalismo de laços" começa recontando a investida recente do palácio do Planalto, do fundo de pensão Previ e do empresário Eike Batista sobre os administradores da Vale. Em tese, a Vale é uma empresa privada. Na prática, pelos "laços", o governo é seu maior acionista e, na ocasião, Batista era o melhor amigo.

Segundo a revista Forbes, ele é o homem mais rico do Brasil. Em 2008, foi o maior patrocinador privado do filme "Lula, filho do Brasil" e, em 2006, o maior doador individual na campanha que reelegeu Nosso Guia. Quem teria sido o maior doador corporativo? A Vale.

A privatização virou privataria (termo que Lazzarini não endossa) quando o tucanato, em busca de recursos e de interessados para os leilões de venda do patrimônio da Viúva, recorreu às arcas dos fundos de pensão e do BNDES. Diz o professor: "Fernando Henrique, longe de "esquecer o que escreveu", em realidade ajudou a sedimentar o capitalismo de laços no Brasil." Durante os últimos oito anos petistas alguns laços desfizeram-se (os de Daniel Dantas, por exemplo), outros, como os de Eike Batista e do grupo JBS-FriBoi (outro grande doador de 2006), estabeleceram-se.

Os laços do andar de cima com o Estado foram magistralmente mostrados por Raymundo Faoro em seu "Donos do poder", um livro de 1957. Lazzarini poderia ter chamado seu livro de "Donos do poder 2.0". Ele fulanizou e quantificou suas afirmações. Estudou a composição acionária das empresas do seu banco de dados para testar uma variante do famoso "diga-me com quem andas e eu te direi quem és" : "Diga-me de qual empresa você é dono que te direi quem é o seu amigo".

O professor trabalhou com um complicado conceito de "centralidade". Simplificando-o quase ao exagero, é como se tivesse estudado a composição acionária das empresas com o olhar de um usuário do Facebook. Em 1996, quem tinha mais "amigos" eram a União (com o BNDES) e a Previ. Em 2009 a situação era a mesma. Com outro critério, olhando-se para os grupos econômicos e seus cruzamentos, hoje quem tem mais amigos é o conglomerado da Andrade Gutierrez, seguido pelo grupo do empresário Carlos Jereissati. Estudando a estrutura das grandes empresas, Lazzarini mostra como é pequeno o mundo dos amigos entrelaçados: 11 grão-senhores participam de 66 conselhos de empresas.

Na epígrafe do livro o professor repete a frase do romance "O leopardo", quando o aventuroso Tancredi (Alain Delon no filme) diz ao tio (Burt Lancaster): "Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude."

O manto do silêncio :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Eu posso explicar atos extremos cometidos por jovens durante a ditadura. Os que, naquela época, tomaram o poder empurraram os jovens para corredores estreitos que não levavam a outro caminho que não a radicalização ou omissão. O que não posso entender é como hoje, quatro décadas depois, se queira impedir o acesso à informação sobre aquele passado sob que pretexto for.

Pessoas que jamais fariam o que fizeram foram sendo envolvidas na lógica da radicalização. Mesmo os que não pegaram em armas, não entraram nos grupos mais radicais de guerrilha urbana ou rural, sabem da engrenagem do absurdo. Uma ditadura faz isso. Ela fecha portas a quem quer participar da política e influir nos rumos nacionais. A maioria se abstém; uma parte não está convencida de que haja possibilidade de fazer alguma diferença, os mais convictos querem fazer algo e, dentre eles, os mais afoitos acabam cometendo atos que os jogam no meio de uma guerra. Eles nada disso fariam se o governo não estivesse dominado por um poder ilegítimo e repressor como o que tivemos aqui de 1964 a 1985.

Há uma diferença entre os que, na oposição, praticaram atos que, aos olhos de hoje, são condenáveis, e os que dentro do aparelho do Estado torturaram e mataram. Os primeiros são vítimas; os outros, algozes. Assim é e assim será, mesmo que haja casos de vítimas inocentes atingidas pelos dois lados. Nada justifica a ditadura. Nenhum argumento da época ou de hoje é sólido o suficiente para abonar atos condenáveis como as cassações políticas, perseguições, tortura e morte de opositores políticos. Como definiu Ulysses: "a sociedade foi Rubens Paiva e não os facínoras que o mataram."

A presidente eleita participou desse confronto em que de um lado havia o terror de Estado e do outro um grupo reduzido de jovens. Alguns deles foram mais longe, pegaram em armas, se militarizaram, entraram em confronto físico, morreram ou viram seus amigos morrer. Ela diz que se orgulha desse passado, não deve ter medo de discuti-lo e explicá-lo às novas gerações. É natural que o Brasil queira conhecer a história da presidente que nos vai governar por quatro anos. Interromper esse debate por ato de censura, como foi o do Superior Tribunal Militar, no período pré-eleitoral, ou agora, sob a acusação de que toda aquela informação é lixo, é entrar numa contradição insanável. Quem tem orgulho do seu passado, quem acha inclusive que merece ser indenizado por ele, não pode impedir que ele seja conhecido de forma objetiva e completa. Não pode impor um roteiro edulcorado do passado, sob pena de criar mitos, versões falsas, manipular os fatos.

Todos os que eram jovens naquela época gostam hoje de se creditar pelos riscos que apenas alguns correram. Uma das verdades é esta: foram poucos os que tiveram coragem e conhecimento do que realmente se passava no país. Era difícil até obter a informação que levava os jovens à ação - armada ou não - contra o regime. A falsificação sufocante e majoritária era de um "país que vai pra frente"; a cobrança comum era de que toda crítica ao governo era um ato impatriótico. O país crescia no milagre dos anos 1970. Era mais fácil acreditar apenas na informação onipresente de que o governo estava certo e o presidente era muito popular porque era torcedor de futebol. A bolsa subia, o país estava com pleno emprego, e os poucos que chegavam à universidade tinham enormes chances. Sobre a vasta exclusão não se falava nos órgãos de imprensa, ou por censura ou por decisão editorial. Esperto era ser individualista, ganhar dinheiro e esquecer aqueles fatos incômodos levantados por alguns poucos de que o país estava num caminho inaceitável.

Ficou no imaginário popular a beleza das manifestações de 1968. Mas aquilo foi por pouco tempo e no momento mais suave do regime. Depois, veio o Ato Institucional número 5. Em seguida, o terror de Estado. Quem subia em palanques para lutar com palavras foi empurrado para a radicalização. Quem foi o culpado pelo radicalismo? Ora, os comandantes militares e seus cúmplices civis que tinham o controle do Estado e usaram todas as instituições para sufocar qualquer contestação.

Esse era o contexto. Não se pode julgar os jovens militantes de esquerda daquele tempo com os olhos de hoje. Estou convencida de que se, diante das manifestações de 1968, o regime tivesse reagido dialogando não haveria o que houve.

Hoje, 40 anos depois, o país tem que olhar para esse passado sem vetos. Nunca peguei em armas, mas posso entender quem o fez, porque vi o contexto e sei para onde o terrorismo de Estado empurrava os que, em vez de pensar só em si e nas suas carreiras, tinham vontade de influenciar os destinos do país. Mesmo que estivessem errados em suas convicções, estavam certos na atitude de se opor à ditadura. E foram os mais corajosos.

As novas gerações têm que olhar e debater esse passado. Há quem se pergunte se informações retiradas sob tortura podem ser publicadas. É uma dúvida legítima. Mas a imprensa - como tem feito em algumas matérias - está ouvindo de novo as testemunhas dos fatos, e, quando elas hoje confirmam o que disseram, qual é a justificativa para não publicar? Manter a versão única de quem hoje detém o poder é aceitar de novo a censura.

Não há nada que justifique o manto do silêncio sobre o passado, como esse país fez tantas vezes com vários dos eventos históricos. Só a História resgatada e conhecida pode ensinar o país a não repetir os mesmos erros.

Em nota, PPS critica política de segurança do Rio de Janeiro

DEU NO PORTAL DO PPS

Por: Luiz Zanini

O Diretório Nacional do PPS divulgou, neste sábado, nota sobre a ação da polícia contra o tráfico de drogas no Rio de Janeiro que condena a ausência de política de segurança publica por parte do governo estadual, e considera que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são um programa de “difícil execução”.

O documento aponta para o controle das associações de moradores pelas milícia e propõe o debate para a efetivação uma “Política de Segurança Pública que recupere a harmonia entre o poder de Estado e a sociedade civil.”

Ao final, o PPS convoca todos a se unirem num projeto de recuperação da presença do Estado nas comunidades conflagradas pelo tráfico e milícias com ações educacionais e não somente policial.

Leia abaixo a nota.

O povo do Estado do Rio de Janeiro não quer o crime

A fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro em 1975 marcou o início de uma nova unidade da federação aonde vem inexistindo uma Política de Segurança Pública minimamente eficaz. Nestes trinta e cinco anos certa conivência do Poder Público com as organizações criminosas assentadas nas regiões metropolitanas vem sendo uma marca perversa na gestão pública.

Todos os governos deste período tiveram sempre alguma relação “amigável” com as organizações criminosas, começando pela contravenção do Jogo do Bicho e seu comando nas festas carnavalescas, onde a instituição responsável pelo desfile das Escolas de Samba, a LIESA, é dirigida por banqueiros do jogo do bicho, até os acordos de não agressão à população durante eventos importantes na cidade do Rio de Janeiro, como por exemplo, a Eco 92 e os Jogos pan-americanos em 2007.

O governo Sérgio Cabral decidiu a partir de 2008 pela implantação de Unidades de Polícia Pacificadoras, as UPPs, nas comunidades de favelas no Estado do Rio de Janeiro. Um programa de difícil execução se consideradas as mais de mil e vinte favelas existentes na Região Metropolitana do Estado. O princípio de tal atividade se assenta na convicção do Secretário de Segurança Pública de que retirando os bandidos de seu território, os mesmos perdem capacidade de manutenção e de ação criminosa.

Verdade que os bairros mais populosos e com classes menos favorecidas vem se tornando território do crime organizado no estado do Rio. As Associações de moradores tomadas pelas milícias são controladas por bandidos e policiais inescrupulosos e seu poder vem se cristalizando nestas localidades. Estas milícias vêm tendo um desdobramento político perigoso e através de apoio dessas organizações elege-se vereadores e até alguns deputados estaduais. Episódios preocupantes contra o estado de direto na sociedade fluminense.

O Partido Popular Socialista propõe um amplo debate político em todo o Estado do Rio de Janeiro para que se efetive uma Política de Segurança Pública que recupere a harmonia entre o poder de Estado e a sociedade civil. A violência que se alastra há vários anos não vai ser resolvida apenas com a instalação de UPPs. É preciso muito mais. Entram aí medidas concretas para dar uma alternativa de vida para os jovens envolvidos com o tráfico. Será preciso acenar para esses jovens uma reintegração social assistida pela Justiça.

Medidas educacionais efetivas que ofereçam para todos os jovens que vivem nas comunidades mais pobres a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, devem fazer parte de um projeto de resgate das novas gerações integrando-as à sociedade.

A União terá que ser convocada para interromper o contrabando de armas pesadas bem como a entrada de drogas por nossas fronteiras. Afinal de contas quem é o “Senhor das Armas” em nosso país?

Todas as organizações da chamada sociedade civil devem ser convocadas para um projeto de tal envergadura. Sabendo desde já que nenhuma conivência com os grupos criminosos poderá ser tolerada na construção destas alternativas efetivamente civilizatórias que o povo do Estado quer abraçar.


Diretório Nacional do PPS
Brasília, 27 de novembro de 2010
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O Exército e o ovo da serpente:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Do subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, Rodrigo Oliveira, na quinta-feira: "A comunidade [da Vila Cruzeiro] hoje pertence ao Estado".

Que bom. Mas é indispensável perguntar: não deveria ter sido sempre assim? E não só com a Vila Cruzeiro, mas com todas as comunidades espalhadas pelo Brasil.Por não ter sido sempre assim, fertilizou-se o campo para a criminalidade, a grossa e a miúda.

Cabe também perguntar -e talvez seja a pergunta-chave- por que demorou tanto tempo para recuperar a Vila Cruzeiro se, agora, todo mundo diz que se trata de um bastião do narcotráfico?

Por que foi preciso que a bandidagem praticasse, no asfalto, cenas de guerrilha explícita para que as autoridades reagissem?

O cotidiano de medo a que vivem submetidos os brasileiros, nas grandes e médias cidades, não bastou para requisitar o auxílio das Forças Armadas. Talvez porque o medo é individual, não oferece cenas coletivas de barbárie como as que se viram nos últimos dias no Rio (e, não convém esquecer, em São Paulo anos atrás).

A omissão, para dizer o menos, das autoridades incubou o ovo da serpente. Abortá-lo agora é infinitamente mais complicado, até porque o recurso ao Exército para ajudar na invasão do Complexo do Alemão é uma confissão tácita de que a polícia, por si só, não consegue ganhar a guerra.

Até entendo o horror que muitos, esta Folha inclusive, expressam ante a hipótese de as Forças Armadas serem chamadas em auxílio da polícia. Há argumentos fortes para rejeitar a ideia.

O problema é que a alternativa parece ser a de devolver a Vila Cruzeiro aos antigos "donos". Se eles toparem ficar quietos no morro, sem o fogaréu que acenderam no asfalto, acabará sendo a acomodação de sempre. E a serpente parirá um ovo muito mais robusto lá na frente.

Droga de combate::José de Souza Martins

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

De como a desordem da sociedade da favela processa a cultura do medo e da dúvida, na qual a derrota da população torna-se óbvia: no conformismo, na resignação, até na subserviência eleitoral

Que guerra é essa? Uma semana inteira de luta armada na região metropolitana do Rio, com dezenas de veículos queimados, dezenas de mortos, feridos e presos e muitas vítimas inocentes, segundo os especialistas em conceitos e os leitores de manuais, não é, no que aos bandidos se refere, terrorismo nem tem conotação ideológica e política. Do lado da polícia e das Forças Armadas, trata-se de combate ao crime comum. Definição difícil de entender.

Para as pessoas comuns, crime ainda é o do assaltante, do ladrão, do agressor, do assassino, do sujeito socialmente destrutivo. Fica muito difícil entender a repressão à criminalidade organizada e territorializada, bem armada e onipresente, como repressão a batedor de carteira. Falta alguma coisa na doutrina e na prática entre nossa antiquada repressão institucionalizada à criminalidade e a obsoleta concepção de combate militar ao inimigo externo.

Qualquer um entende que quando um território cai sob tutela de um poder paralelo, como está acontecendo no Rio, com economia própria, exército próprio, e justiça própria, que resiste a medidas de policiamento e enquadramento por parte do Estado, já não estamos em face de crime comum. O tráfico de drogas, através de seus grupos armados, proclamou a independência política e territorial de favelas do Rio e, portanto, o Brasil já não é o Brasil dos mapas e livros escolares. Quando uma autoridade chega lá, no fundo, chega por concessão do tráfico. As autoridades federais e as do Estado estão interpretando como se fosse de menos o que é de mais.

O regime militar, por muitíssimo menos, combateu os que à ditadura se opunham como inimigos internos a serviço de potências estrangeiras. Mas o tráfico, sim, está a serviço de difusa potência estrangeira, ameaça a segurança nacional, compromete nosso modo de ser e ameaça o futuro do Brasil ao comprometer a saúde e as identidades das novas gerações, roubando-lhes pelo vício a lealdade que deveria ser a base da nação, o sentimento de pertencimento que nos faz pátria e povo. O drogado é reles cidadão do tráfico, um condenado a ser ninguém.

Para a população é muito difícil compreender o uso de tanques de guerra para combater esse inimigo interno e ao mesmo tempo ser tolerante e benevolente com os consumidores de drogas, fonte alimentadora do tráfico e de todos esses poderes antirrepublicanos e antibrasileiros. Sem cortar a veia que nutre com o dinheiro bem ou mal ganho do viciado os poderes crescentes do tráfico, há risco de que a movimentação destes dias não fique nos limites de mera demonstração de força do governo. Se não houver uma política coerente e de conjunto que desvende e desmantele as conexões entre o usuário de drogas e o produtor, o fornecedor e o distribuidor, em poucos dias as ligações criminosas se restabelecerão.

Os bandidos sairão fortalecidos porque terão aprendido as novas táticas dos que lhes oferecem combate, como, aliás, tem acontecido até aqui. Ao longo das últimas décadas aprenderam técnicas de organização corporativa, transformaram a mentalidade delinquente em ideologia política e mística social, adotaram padrões empresariais de gerenciamento de dinheiro e de criação de infraestrutura econômica, logística e militar. Criariam redes de intimidação e de apoio. Criaram outro país. Como, então, não se trata de terrorismo nem de política?

Sem uma política abrangente de combate ao tráfico, continuaremos nessa lenga-lenga de espetaculares demonstrações periódicas de poder pelas quais se tenta manter o tráfico nos limites estritos do comércio de drogas. Desde a década de 1990, o Exército é chamado a ocupar os morros cariocas, quase sempre quando ocorre um evento internacional no Rio ou se tem algum em perspectiva, como agora a Copa e a Olimpíada. Mas nesses casos a intervenção é para garantir a segurança dos visitantes, dos que passam, mas não ficam. Os nativos, a população local, especialmente a dos morros, continuarão sujeitos às balas perdidas da política perdida. Terão que continuar fingindo que está tudo bem, que a guerra não é com eles, saindo para o trabalho sem saber se vão voltar, voltando sem saber se vão sair novamente na manhã seguinte. A desordem da sociedade da favela está criando uma cultura, que é a cultura do medo, da falta de esperança, da falta de certeza, a cultura da dúvida e do duvidoso. Nenhuma sociedade se constitui com base nessas referências precárias. A derrota da população é óbvia, no conformismo, na resignação e até na subserviência política e eleitoral. Isso anestesia mais do que droga.


José de Souza Martins, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor de a Aparição do demônio na fábrica (editora 34)

Carcaça de uma sociedade :: José Padilha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

A tragédia carioca, maldito fruto de instituições públicas que convertem miséria em violência

Por que o Rio de Janeiro é uma cidade tão violenta? Por que tem um número tão alto de homicídios e de assaltos todo ano? Por que grande parte da capital carioca, sobretudo as áreas mais carentes, está dominada por grupos armados? Por que a história do Rio é marcada pela repetição de acontecimentos traumáticos na área de segurança pública, acontecimentos que chamam a atenção do mundo?

Vigário Geral e Candelária explicitaram a violência absurda da polícia carioca. O sequestro do Ônibus 174 demonstrou a precariedade dessa polícia e deixou à mostra a violência de um ex-menino de rua que preferiu “tentar a sorte” a se entregar ao Estado que o torturou a vida inteira. O brutal assassinato de Tim Lopes mostrou que os traficantes cariocas não são Robin Hoods do morro, mas criminosos que utilizam métodos brutais. A tortura de jornalistas de O Dia por milicianos deu origem à CPI que revelou máfias de bombeiros, policiais civis e policiais militares no comando de comunidades carentes, com o apoio de vereadores, deputados estaduais e até deputados federais. E, finalmente, o ataque sistemático do tráfico a vários pontos da cidade, e a reação subsequente da polícia, “desentocou” um verdadeiro exército armado na Vila Cruzeiro e o expôs para todo mundo ver.

Afinal, por que o Rio de Janeiro é assim?

Uma resposta, a da esquerda naïve, postula que a violência no Rio de Janeiro decorre da miséria e da luta de classes, e diz que para combatê-la é necessário acabar com as diferenças sociais, distribuir a renda e educar a população. Há também a resposta da direita naïve, que reduz a violência do Rio a um problema de repressão e diz que ela se explica pela falta de firmeza da polícia e das leis.

As duas respostas estão erradas, contradizem fatos conhecidos.

A primeira não dá conta de cidades que têm índices de desenvolvimento humanos (IDH) piores do que os do Rio de Janeiro e índices de violência menores. A segunda está na contramão da história, que demonstra que incrementos na repressão podem piorar os índices de violência. Foi assim no governo Marcelo Alencar, quando o Estado adotou a remuneração faroeste e passou a premiar os policiais em função do número de criminosos que “abatiam”. A partir daí, o número de autos de resistência, de policiais que declararam ter matado criminosos que resistiram à prisão, cresceu e continua absurdo até hoje.

Muitas vezes, o passo mais importante para encontrar a solução de um problema é enunciá-lo corretamente. Ônibus 174, Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 são uma tentativa de enunciar o problema da segurança pública do Rio de Janeiro a partir da premissa de que a violência carioca resulta, em grande parte, da atuação direta de instituições públicas que convertem miséria em violência. À luz dessa premissa, a violência urbana está relacionada à falta de educação e à concentração de renda, mas a relação não é direta e simples, é intermediada por fatores complexos. Acredito que no Rio o mais importante desses fatores seja o efeito perverso que certas organizações administradas pelo Estado têm sobre parte da população.

Ônibus 174 conta a história de Sandro Rosa do Nascimento, um menino que fugiu de uma tragédia familiar e foi viver nas ruas do Rio. Sandro se tornou um pequeno criminoso para sobreviver. Como menino de rua, viu representantes do Estado (policiais militares) matar crianças como ele na Candelária, foi preso e tratado com extrema violência pelo sistema socioeducativo do Estado, foi espancado e obrigado a conviver com traficantes e criminosos muito mais violentos que ele no Instituto Padre Severino e deu entrada no sistema prisional carioca, onde o Estado o colocou em uma cela superlotada e insalubre. O torturou por anos.

A tese de Ônibus 174, exemplificada pela trajetória de Sandro, é muita clara: as organizações que deveriam reeducar os pequenos criminosos os convertem em criminosos violentos. Não fui eu quem formulou essa tese, diga-se de passagem. Foi o próprio Sandro, que a gritou em altos brados da janela do ônibus para quem quisesse ouvir.

Em Tropa de Elite tentei dizer que a mesma coisa acontece no âmbito da polícia. O Estado trata muito mal os indivíduos que se propõem a trabalhar nas organizações policiais. Paga pouco, treina mal, e os submete a uma cultura organizacional militarizada e kafkiana, que tolera a corrupção e estimula a violência. Como disse o capitão Nascimento: “Quem quer ser polícia no Rio de Janeiro tem que escolher: ou se omite, ou se corrompe, ou vai pra guerra”.

Tanto a violência e o desrespeito aos direitos humanos do capitão Nascimento quanto a corrupção desenfreada do capitão Fábio são forjadas no mesmo lugar, pela mesma organização. Certa feita um governador do Rio de Janeiro disse a mim e ao jornalista Rodrigo Pimentel que Tropa de Elite era um filme demasiado pessimista. Em sua opinião, a PM do Rio não era tão corrupta quanto pensávamos. Pelas suas contas, um terço dos policiais do Rio é corrupto, outro terço é honesto, e o restante variava conforme o comando. Se a PM do Rio tem mais de 13 mil homens corruptos, então o problema não são seus homens, é a organização. Os policiais do Rio de Janeiro são vítimas da PM.

A tese de Tropa de Elite, instanciada na trajetória do aspirante André Mathias, é igualmente óbvia: as instituições que deveriam combater a criminalidade convertem boa parte das pessoas que trabalham nelas em policiais corruptos e violentos. Fazem isso com grande eficiência e em altas taxas.

Acredito que cada um dos casos simbólicos que listei, de Vigário Geral à tomada da Vila Cruzeiro, ilustra essa tese. Cada um deles envolve traficantes, policiais corruptos e policiais violentos cuja subjetividade e comportamento criminoso foram moldados por instituições do Estado.

Fiz um terceiro filme, Tropa de Elite 2, para tentar dizer por que o Estado funciona assim. Em Tropa de Elite 2 o capitão Nascimento é promovido a subsecretário de inteligência e obrigado a lidar com as conexões que existem entre a polícia e a política. São essas conexões, muitas vezes calcadas em interesses e lógicas eleitorais, que criam e mantêm as instituições que descrevi nos filmes anteriores.

Voltando ao mundo real, deixo claro que apoio as UPPs e sou favorável a esse projeto do governador Sérgio Cabral. Reconheço que ele é fundamental para recuperar o território que o tráfico tomou. Acredito que o Rio não pode recuar no primeiro confronto. Todavia, acho que o projeto das UPPs é apenas meio projeto, e não um projeto inteiro. Onde está a reforma da polícia? Não a maquiagem, mas a reforma concreta, o programa eficiente de seleção e treinamento de policiais, o programa de capacitação profissional, o pagamento de salários dignos, o seguro saúde e o auxílio-educação para as famílias dos policiais? Onde está a corregedoria que funciona? Onde está a reforma do sistema prisional? A capacitação dos agentes penitenciários? A reforma do sistema socioeducativo? A boa formação dos seus operadores?

O projeto das UPPs é fundamental para a sobrevivência do paciente, mas ignora as causas da doença. Na ausência de uma real reforma das instituições que mencionei, o esforço e o engajamento da população carioca no projeto das UPPs pode ser em vão. Afinal, quem vai ocupar as comunidades libertadas? A mesma polícia que conviveu com o tráfico de drogas na cidade por mais de 30 anos, o viu crescer e se expandir e o deixou se instalar. O projeto das UPPs não é um projeto da polícia, é um projeto do governo. O que garante, no médio ou no longo prazo, quando este governo sair e outro entrar no lugar, que as UPPs não se tornarão áreas de milícia?

Eu me lembro, na ocasião do Ônibus 174, que o então presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi à TV prometer um plano nacional capaz de reformar as instituições ligadas à segurança pública em todo o Brasil. Teve dois mandatos para cumprir a promessa, e não o fez. Depois veio o atual presidente Lula, do PT. Apresentou um Plano Nacional de Segurança bem bolado, escrito pelo professor Luiz Eduardo Soares. Estamos ao final do seu segundo mandato e o plano continua engavetado. Finalmente, não vamos esquecer o PMDB, do governador Sérgio Cabral, que em ambos governos nada propôs de significativo na área da segurança. A verdade é que nos últimos 30 anos nossos políticos ficaram vendo inocentes morrer. Lavaram as mãos.

O que aconteceu no Rio de Janeiro nessa semana foi significativo. Creio que vai acontecer de novo se o governador insistir com as UPPs. E, como a Copa do Mundo e a Olimpíada estão aí, não há outra alternativa viável. Os confrontos serão inevitáveis e recorrentes. Espero que esses confrontos sirvam para, além de libertar comunidades carentes, forçar o governo federal a entrar de cabeça na luta contra o crime e implementar um plano de nacional de segurança sério, capaz de resolver de uma vez por todas o problema da segurança pública no Brasil.


José Padilha é cineasta e diretor de "Ônibus 174", "Tropa de Elite", "Tropa de Elite 2", "Garapa" e "Segredos da tribo"

"PT mudou a ponto de ficar quase irreconhecível", diz cientista política

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Wendy Hunter, da Universidade de Austin (EUA), escreveu livro sobre transformações do partido

Para pesquisadora, Lula teve papel central na "normalização" da sigla, que inclui escolha de Dilma como candidata


Uirá Machado

SÃO PAULO - A cientista política Wendy Hunter, professora da Universidade de Austin, Texas (EUA), acaba de escrever um livro sobre as transformações por que passou o PT entre 1989 e 2009. Para ela, o partido "mudou a ponto de ficar quase irreconhecível". Além de diferenças que ela chama de mais óbvias, como a moderação ideológica e as alianças que o partido atualmente faz ("inimagináveis há 20 anos"), Hunter menciona a própria candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, uma "novata" na sigla. Para Hunter, o presidente Lula teve papel central na condução das mudanças, mas ela não vê as alas radicais conquistando mais espaço no governo Dilma. A seguir, trechos da entrevista concedida por e-mail.

Folha - A sra. acaba de publicar um livro em que estuda as transformações por que passou o PT desde 1989. Quais as principais mudanças?

Wendy Hunter - O PT mudou a ponto de ficar quase irreconhecível em relação ao que era na década de 1980. Um dos aspectos mais óbvios diz respeito à moderação ideológica, que pode ser percebida não apenas nos seus programas mas também em suas políticas de governo. As alianças que o PT faz hoje seriam inimagináveis há 20 anos. Tome como exemplo os dois últimos vice-presidentes: José Alencar (PL) e Michel Temer (PMDB). A atual posição do PT em relação ao PMDB mostra bem o quanto um processo de "normalização" ocorreu.

A eleição de Dilma Rousseff também faz parte desse "pacote" de mudanças?

Sim, é um ponto importante. O simples fato de que a candidata à Presidência neste ano foi alguém que ingressou no partido há pouco tempo -dez anos- é testemunha dessas mudanças. Além disso, há diversos candidatos que não vieram do sindicalismo ou dos movimentos sociais, por exemplo.

Lula foi a principal figura do PT durante todo esse tempo. Qual sua participação nesse processo de transformação?

Lula teve um papel central na administração e na promoção de mudanças no PT. Transformações programáticas precisam encontrar apoio não só no eleitorado, mas também na legenda. Lula foi crucial ao encorajar o partido a ouvir mais o eleitorado e suas aspirações. Ao mesmo tempo, foi sensível às lutas e às dinâmicas internas do PT e soube conduzi-las de forma a apoiar um caminho moderado.

O que podemos esperar do PT durante o governo Dilma? As tendências mais radicais ganharão mais espaço?

Acho que o PT está bem firme nas mãos dos moderados. Se olharmos as eleições internas do partido, veremos que não parece haver muito apoio às opções radicais, o que sugere que boa parte da base tornou-se moderada junto com os líderes. Os movimentos sociais também parecem bastante desmobilizados. Com a penetração de programas como o Bolsa Família, organizações como o MST já não conquistam adeptos como antes. Dilma, com suas tendências estatizantes, provavelmente não reduzirá o tamanho do Estado, o que encolheria os postos do partido.

As transformações foram positivas ou negativas?

Um pouco de cada. De um lado, o sistema político perde por não ter um partido que se apegue à bandeira de um governo mais ético. Parece preocupante que a eleição de Dilma tenha se baseado tanto no uso da máquina pelo presidente Lula. Por outro, a transformação do PT se deu junto com e contribuiu para a consolidação da democracia no Brasil. O PT no poder continuou e aprofundou tendências de redução da pobreza e da desigualdade social. O ponto é: talvez um governo de esquerda mais radical pudesse ter feito mais, mas as conquistas da esquerda moderada serão mais sustentáveis.
RAIO-X WENDY HUNTER

FORMAÇÃO
Doutora em ciência política pela Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA)

CARGO
Professora de política comparada do Departamento de Governo da Universidade de Austin, Texas (EUA)

PUBLICAÇÕES
Autora de "The Transformation of the Workers" Party in Brazil, 1989-2009" (2010), e "Eroding Military Influence in Brazil: Politicians against Soldiers" (1997); coautora de "Leftist Governments in Latin America: Successes and Shortcomings" (2010)

Analistas preveem mais cinco meses de inflação alta

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O brasileiro terá ao menos cinco meses de inflação alta pela frente. Estão previstos reajustes de mensalidades escolares, passagens de ônibus e aluguéis, numa faixa acima de 7%, além da forte pressão dos alimentos.

Alimentos e serviços devem manter a inflação alta pelos próximos 5 meses

Para especialistas, índice anualizado deve superar os 6% nos próximos meses, bem acima do centro da meta traçada pelo governo

Márcia De Chiara

SÃO PAULO - O brasileiro terá de enfrentar pelo menos cinco meses de inflação alta pela frente. No rol dos aumentos de preços previstos para a virada do ano estão os reajustes das mensalidades escolares, das passagens de ônibus e dos aluguéis, todos numa faixa que deve superar 7%, além da forte pressão dos alimentos que deve continuar até a entrada da safra de grãos, marcada para o fim do primeiro trimestre.

A inflação acumulada em 12 meses pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que encerrou outubro em 5,2%, pode passar de 6% em dezembro, janeiro e fevereiro, preveem economistas. Se confirmado, o resultado acumulado pode superar no período, em mais de um ponto e meio porcentual, o centro da meta de inflação (4,5%).

As projeções de inflação para os próximos meses foram revistas para cima na semana passada pelo mercado, depois que o IPCA-15, prévia da medida oficial de inflação, superou as expectativas e atingiu 0,86% em novembro. Metade desse resultado veio da alta dos alimentos, que não deve dar trégua até março. Normalmente, em janeiro e fevereiro, a alta dos alimentos ganha força com a elevação dos preços das hortaliças afetadas pelas chuvas de verão. Só que esse fator sazonal pode agravar um quadro que já não é favorável.

Risco. A comida é considerada o maior fator de risco da inflação para 2011. Mesmo assim, o grande foco de pressão para manter a inflação em níveis elevados está nos preços dos serviços, que já vêm ao longo deste ano sendo sustentados pelo aumento do emprego e da renda, que mantêm o consumo aquecido.

Combustível para essa demanda existe. Em outubro, a taxa oficial de desemprego atingiu 6,1%, a menor marca desde 2002, o início da série histórica. E a renda média real do brasileiro cresceu 6,5% na comparação com outubro de 2009, a maior expansão anual desde junho de 2006.

"A maior pressão inflacionária para 2011 está nos preços livres (alimentos e serviços), mesmo com a alta de 10% do IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado) acumulada em 2010", afirma a economista do Banco Santander, Tatiana Pinheiro.

O IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é usado total ou parcialmente como indexador de vários contratos privados, como aluguéis e mensalidades escolares, e preços administrados, como tarifas de energia e de pedágio, por exemplo. Em 2009, o indicador fechou o ano com deflação de 1,7%. Isso fez com que alguns preços balizados pelo indicador não tivessem reajustes este ano.

Mas, para 2011, o cenário é diferente. O IGP-M subiu 10,29% até a segunda prévia de novembro, o que chancela reajustes significativos no curto prazo dos preços regidos por esses contratos. "O efeito da indexação será mais forte em 2011 do que foi neste ano", prevê o coordenador de Análises Econômicas da FGV, Salomão Quadros. Ele pondera que essa pressão da indexação sobre os preços pode ser compensada parcialmente se o governo optar por não aumentar o salário mínimo acima da inflação.

Sem alívio. "Não vejo nada que alivie a inflação nos próximos meses. Dezembro vai ser complicado para a inflação, porque o consumidor tem mais renda no bolso", diz o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, Antonio Evaldo Comune. Ele prevê que o ano comece forte, com inflação mensal na casa de 1%, já contando com reajustes das escolas, das tarifas de ônibus e do imposto predial.

Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, calcula que o IPCA suba, em média, 0,80% ao mês entre novembro e fevereiro. "Vai ser um começo de ano complicado para a nova diretoria do Banco Central." Ele atribui a maior parte da aceleração da inflação à disparada do preço dos alimentos.

"De meados para o fim de outubro, fui surpreendido por um fôlego adicional no preço das commodities agrícolas. E, com os dados da segunda prévia do IGP-M de novembro, ficou claro que podemos ter um início de ano com potencial de alta de preços dos alimentos no varejo", diz Quadros, da FGV.

Mais da metade do IGP-M (60%) vem da variação dos preços no atacado, entre os quais estão os produtos agropecuários, que subiram 4,65% na segunda prévia deste mês. O IGP-M é uma espécie de indicador antecedente e indica o que deve ocorrer com os preços ao consumidor nos meses seguintes.

O movimento de alta dos preços das matérias-primas no atacado, na segunda prévia de novembro, não se trata, segundo Quadros, de algo pontual. O preço da soja, carnes bovina e suína, rações, fertilizantes, metais, como alumínio, níquel e zinco, e produtos petroquímicos estão acelerados. Ele destaca que a alta das matérias-primas este ano está relacionada com uma reação às quedas ocorridas no fim de 2008 e parte de 2009 por causa da crise.

Orçamento familiar sofre com inflação

DEU EM O GLOBO

O aumento dos aluguéis e dos alimentos está pressionando o orçamento das famílias. Enquanto a maioria dos reajustes salariais ficou perto de 5%, alguns preços subiram até 14%.

A difícil arte de fechar o mês

Alta de preços de itens como aluguel e alimentação aperta orçamento das famílias

Henrique Gomes Batista

O rendimento dos trabalhadores está em alta - graças ao crescimento da economia, que deve fechar este ano acima de 7% -, mas muitas famílias começam a enfrentar problemas para fechar suas contas no fim do mês. Isso porque os preços de diversos itens subiram muito e superaram o ganho de renda: 97% dos acordos coletivos de trabalho no país garantiram alta de 5% nos salários. No Rio, a valorização dos imóveis ajudou a puxar a alta dos aluguéis e, com isso, pressionou as despesas das famílias. Economistas alertam para a necessidade de controlar o orçamento neste fim de ano, quando diversos gastos fixos são contratados - como a escola dos filhos. Além disso, há uma tentação para ampliar o consumo, no embalo das campanhas de Natal.

- Muitas contas que até então subiam em um percentual semelhante ao reajuste dos salários este ano deverão ter um crescimento superior, podendo causar desequilíbrios - Myrian Lund, professora de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, que orienta o sistema de metas de inflação do governo) ficou em 5,21% no acumulado dos últimos 12 meses até outubro - 5,17% no Rio -, a alimentação fora do domicílio, por exemplo, subiu 9,28% no Rio e 8,57% na média nacional. Os serviços médicos e dentários, por sua vez, avançaram 9,48% no Rio e 7,79% no Brasil. Os gastos com educação subiram 8,03% no Rio e 6,21% no Brasil. O mesmo aconteceu com alimentos: os fluminenses estão pagando 14,43% a mais pela carne, 6,92% por leite e derivados e 6,39% pelo pão.

Alexandre Espírito Santo, professor de economia da ESPM-RJ, afirma que a preocupação das famílias não é à toa. Além do aumento da inflação - que antes estava em 4,5% e agora já ronda 6% ao ano - muitas famílias aproveitaram o otimismo para comprar parcelado e, assim, ampliaram o comprometimento da renda mensal.

- O governo começa a se preocupar com o alto endividamento das pessoas, tanto que elevou de 10% para 15% o pagamento mínimo do cartão de crédito - diz ele.

Mas uma das situações que mais preocupam as famílias é a alta dos aluguéis, principalmente para quem vive no Rio. Além da correção pelo IGP-M - índice que acumula quase 9% neste ano -, os contratos que estão vencendo são reajustados a preço de mercado. Carlos Samuel Freitas, diretor de locação da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), afirma que os aluguéis em alguns bairros subiram até 50%, seguindo a valorização dos imóveis.

- Há um ano e meio, o IGP-M estava negativo, registrando deflação, e muitos inquilinos foram intransigentes, não aceitaram aumentos. Agora são os proprietários que estão na vantagem e muitos não querem negociar, pedem os imóveis porque sabem que há mercado - disse Freitas.

Alice Pereira, de 54 anos, assistente social do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, enfrenta há dez meses a aflição de tentar encontrar um aluguel que caiba no orçamento de sua família. Até o início deste ano, ela era inquilina de um apartamento de dois quartos, dependências e garagem, em Laranjeiras, onde vivia com a filha. No entanto, em fevereiro, a proprietária pediu o imóvel de volta.

Desde então, a servidora está morando com sua filha, Camila, na casa da irmã, no mesmo bairro, e procura um lugar para morar por um preço razoável. Mas, segundo ela, a tarefa é difícil, já que "os aluguéis aumentaram mais de 100%". Os móveis de sua antiga casa estão num depósito. No apartamento ainda mora sua sobrinha, Cristina.

- Pagava no início do ano R$970 pelo aluguel. Hoje, os anúncios chegam a R$2.700. Uma vez fui visitar o apartamento de um homem que cobrava R$2.900 por mês. Perguntei se ele sabia que o preço proposto era um absurdo. Ele me respondeu que sim e disse ainda que alguém tinha que cobrar mais caro em algum momento - disse ela, espantada.

A alta dos aluguéis é maior em bairros que receberam a instalação de UPPs em favelas próximas, como Botafogo e Ipanema, e em bairros que estão na rota dos grandes investimentos da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, como Barra e Jacarepaguá:

- Também está acontecendo algo que há muito tempo não ocorria, que contribui para a alta: a volta da compra de imóveis para investir por parte do pequeno investidor, que busca aluguéis de 0,7% a 0,8% do valor do imóvel. Como o valor dos imóveis não para de subir, os aluguéis seguem o ritmo - disse Rafael Duarte, sócio-diretor da agência Percepttiva.

A publicitária Emmanuele Muniz sente isso na pele. Ela busca um imóvel de um quarto em Copacabana ou Ipanema, para morar mais perto de seu trabalho. Imagina, após conversar com amigos que vivem na região, pagar R$1.300 de aluguel, mas só encontra imóveis - muitos em péssimo estado - com aluguel de R$2 mil.

- Mas ainda não perdi a paciência, vou continuar procurando. Espero que, após a virada do ano, com a queda na busca por imóveis de temporada, os preços melhorem em pouco - disse.

Uma conta não pode ser esquecida neste momento: o gasto com aluguel não pode comprometer mais de 30% da renda da família, lembra a professora Myrian Lund, da FGV:

- O ideal é que fique na casa dos 20%, para que a família tenha condições de fazer uma poupança visando à compra de seu imóvel.

O economista Gilberto Braga, professor do Ibmec-RJ, acredita que as famílias devam, até, avaliar a possibilidade de antecipar a compra da casa própria. Ele lembra que há muitos incentivos, principalmente para as famílias de renda mais baixa, por causa do programa Minha Casa, Minha VIda.

- Há casos em que a prestação da casa própria fica mais baixa que o aluguel - disse.

Quitar dívidas deve ser a prioridade

A inflação ainda está longe de repetir a disparada dos anos 80 e 90, lembra a economista Alexandra Almawi, da Lerosa Investimentos. Mas, afirma, já chega a incomodar. Para ela, a situação é mais grave com os alimentos, com alguns produtos, como carne e feijão, subindo bem mais que os salários.

- Não tem mágica, nestes momentos o importante é acompanhar os preços e fazer algumas substituições de produtos - explica.

Luis Carlos Ewald, professor de economia da FGV, lembra que o momento é de eleger prioridades. A quitação das dívidas deve ser a principal delas. Depois, as compras mais necessárias para o futuro, como material escolar. Por último, compras e férias:

- Mas é claro que a situação das famílias está pior nos grandes centros, como Rio, São Paulo e Brasília, por causa da valorização dos imóveis.

Se, mesmo assim, o orçamento estourar, a solução para fechar as contas pode ser um empréstimo. Economistas indicam opções mais baratas, como o crédito consignado e o crédito pessoal. No entanto, as perspectivas neste ponto não são favoráveis. Com o repique da inflação, o Banco Central deve começar a elevar os juros em breve - a data ainda é não é consenso entre os analistas. Hoje, a taxa básica da economia, a Selic, está em 10,75% ao ano.

- Os empréstimos estarão mais caros - avisa Francisco Corrêa da Costa, da Capital Investimentos.

Quarto em desordem:: Carlos Drummond de Andrade

Na curva perigosa dos cinquenta
derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor

que não sabe como é feita: amor
na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar

a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo

verdade tão final, sede tão vária
a esse cavalo solto pela cama
a passear o peito de quem ama.