terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Karl Marx

A imprensa livre é o olho do espírito do povo, aberto por toda parte; é a encarnação da confiança que um povo tem nele mesmo, o elo falante que une o indivíduo ao Estado e ao mundo (...) Ela é a confissão impiedosa que um povo faz de si mesmo, e conhecemos a virtude redentora da confissão. É o espelho espiritual, onde um se olha, e a contemplação de si mesmo é a primeira condição da sabedoria.


(Karl Marx, Debate sobre a Liberdade de Imprensa – maio de 1842 – Marx, K. Oeuvres III: Pág. 178)

O congresso nacional camponês* :: Raimundo Santos**

Interrompido o processo de democratização dos anos 1950-60 com a derrubada do presidente João Goulart, as expectativas de dinamização do mercado interno radicadas na incorporação produtiva do camponês à vida nacional foram substituídas pelo modelo de modernização econômica sem reforma agrária. Pela força, negava-se uma das principais bandeiras do imaginário nacionalista e democrático do decênio 1954-64: a reforma agrária com o debilitamento do latifúndio-símbolo do atraso. Os governos militares se empenharam em converter a grande propriedade em ator empresarial desenvolvimentista e levaram a cabo a modernização com alto custo social e sem abalar o poder do atraso, aludindo aqui à noção de José de Souza Martins. Essa transformação agrária ainda seguirá sendo, por ausência de outro curso, a forma predominante de desenvolvimento rural na transição democrática se intensifica com a anistia de 1979, quando se desfaz a imobilização social imposta pelo regime de 1964.

Em 1993, o ano da primeira edição deste livro de memória, o mundo rural brasileiro não só havia se tornado ainda mais moderno como também avançara consideravelmente no seu processo de diferenciação sociocultural. Os governos democráticos de centro-esquerda de Fernando Henrique Cardoso reconheceram as mudanças ocorridas na economia rural depois de 1964 ao mesmo tempo em que empreenderam medidas de reforma agrária importantes (assentamentos, políticas públicas especiais etc.) abrindo passagem à figura camponesa da agricultura familiar que se fortalece por todo o país como um campo de possibilidades.

Nesse mesmos anos 1990, o agronegócio – o sucessor da grande propriedade latifundiária dos nossos tempos – não permanece confinado aos estímulos econômico-setoriais nem subsumido à tradição das ações violentas e ameaças a que efetivos do seu campo todavia recorrem para conservar suas posições. Esse protagonista produtivo sai à superfície com determinação não só para afirmar interesses como em busca, como se diz, de hegemonia (representantes mais habilitados no Congresso Nacional, entidades operantes, intelectuais, influência em políticas públicas, ministério inclusive em governo de esquerda, mídias etc.), fazendo-se bem visível na cena brasileira de hoje como um ator modernista que se diz ser. Sob sua liderança, a economia rural dos últimos tempos vem exibindo um grande dinamismo com o qual não só ocupa lugar de enorme relevância como atravessa fronteiras e coloca o país em destaque nos mercados mundiais.

Em contrapartida ao protagonismo da grande empresa, mais forças, especialmente politico-intelectuais, têm-se alinhado ao redor de um programa de consolidação da agricultura familiar em larga escala. Este novo campesinato não é tão homogêneo como o campo do grande empreendimento nem carrega em si as energias renovadoras da sociedade que o zapatismo mexicano e o MST brasileiro dos anos 1990 emblematizavam alimentando utopias neocamponesas em ambientes intelectuais. No entanto, por meio de um largo arco de alianças – a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), o Movimento dos Sem-terra (MST), um importante voluntariado (como as Comissões Eclesiais de Base, as CEBs, as ONGs e associações várias), pesquisadores, intelectuais e partidos políticos) –, a agricultura familiar também aparece nas esferas governamentais e na cena pública como um postulante que já reivindica ser levado na devida conta no desenvolvimento rural.

Em relação a essa função do novo campesinato, sob registros diversos, os estudiosos trouxeram a “guerra de posições" (noção gramsciana lembrada agora por John Wilkinson) entre o agronegócio e a agricultura familiar para o centro de uma controvérsia expressiva (em certa medida) da situação no mundo rural de hoje. Uma controvérsia que vem mostrando não só o lado pouco espontâneo do processo que consolidou o grande empreendimento (incentivos, etc.) como aumenta o interesse pela complexificação do mundo rural entendida além daquela polarização ainda realçada por certa bibliografia desde ponto de vista de raiz classista.

O mundo rural chegou ao século XXI carregando suas marcas do passado, trazendo dilacerações velhas e novas, mas também revelando possibilidades econômicas e de melhorias, dentre as quais mencionamos duas tendências bem importantes: a) os novos “espaços de vida” com crescente acesso a bens e serviços (a propósito, ver Wanderley, 2009) (recorrendo-se aqui à proposição dessa autora apenas para anunciar o ponto); e b) as experiências de solução de conflitos fundiários em moldes institucionalizadores (assentamentos, programas de apoio os mais diversos etc.) e o seu tratamento judicial – questão por demais significativa – em ambiente publicizado de novo tipo (com envolvimento de todas as partes, instituições e movimentos sociais; audiências públicas, juizes itinerantes etc., cf. Cosenza, 2010). Esta tendência pós-Constituição de 1988, ainda em processo de afirmação, a meu ver, tem curso inovador por conta da vigência plena do Estado democrático de direito no país.

Esse rural de vida cada vez mais complexa e secularizada, com tantas dimensões a serem mobilizadas em seu favor, requer, como as cidades, políticas públicas contínuas, múltiplas e de resultados progressivos. À vista dessa circunstância mais contemporânea, já não haveria lugar para proposição de reforma do mundo rural concebida unicamente com base em mobilizações camponesas, ao menos em ambiente político e intelectual que se possa considerar influente nos dias atuais.

Para a atual conjuntura do nosso mundo rural, o que traz de útil uma volta ao passado como a que nos conduz este volume? Um volume, aliás, que foi lançado na Universidade Rural do Rio de Janeiro, em 1993, em um evento com a presença de Lyndolfo Silva (quadro comunista e primeiro presidente da CONTAG) e de Francisco Julião, o líder das Ligas camponesas, convidados como símbolos das mobilizações agrárias que rapidamente cresceram de meados dos anos 1950 até o fim do governo de João Goulart, em 1964. Com esta segunda edição revista e aumentada, sob o selo das editoras Mauad e EDUR, O Congresso nacional camponês, vem pôr nas mãos de um número agora certamente maior de leitores o retrato de um emblemático momento da história do nosso agrorreformismo.

Pelas páginas deste volume o evento realizado em Belo Horizonte em 1961 aparece colorido por ativos protagonistas daquele breve tempo de “revolução democrático-burguesa”. Hoje inusual, esta noção sugere bem a imagem do ambiente político do decênio 1964-64, do governo Jango e da militância da reforma agrária reunida no congresso camponês. Aquela velha fórmula de origem marxista e leninista dividia o campo dos partidários da revolução no Brasil – para uns, “pré-revolução brasileira”, como à época dizia Celso Furtado, a se concretizar mediante reformas parciais do capitalismo brasileiro em moldes progressistas[1] e democráticos (como queria o PCB e por certo pensava o presidente Goulart, para citar apenas dois dos atores reunidos em Belo Horizonte); e para outros grupos de esquerda, revolução com ruptura da ordem que levaria o país ao socialismo por meio de um processo sob hegemonia popular.

Ao reconstituir o congresso camponês, o livro mostra como as áreas mais mobilizadas daquele tempo (o PCB, Julião e militantes radicalizados) se posicionavam na cena pública da época. O novo da circunstância brasileira era a existência de um arco de forças “nacional-democráticas” (de fora e de dentro do governo Goulart) mobilizadas em busca de rumos para o país mediante “reformas de estrutura” ou “reformas de base”, como se dizia no governo Jango. Nas páginas da coletânea é possível ver como já havia chegado àquele congresso a controvérsia entre os comunistas e Julião sobre qual classe portava energias para dirigir a revolução – se os operários (PCB) ou os camponeses (Julião).[2] Ainda se pode perceber sinais da oposição de esquerda ao presidente Goulart (pela sua “conciliação”, como se dizia, com as forças tradicionais), cujo governo, no entanto, promulga o Estatuto do Trabalhador Rural em 1963, por sinal, o mesmo ano em que se forma a central sindical agrária sob influência comunista, a CONTAG.

Os documentos novamente trazidos a lume por Luiz Flávio de Carvalho Costa exibem a diversidade dos pontos de vista do campo dos defensores ativistas da reforma agrária no qual se poderia divisar – aludindo às acepções de revolução acima referidas – as duas grandes militâncias que se defrontaram no congresso de 1961. De um lado, estavam os comunistas do sindicalismo camponês (fundar sindicatos para alcançar uma massa camponesa dispersa e mobilizá-la) e, de outro, as vertentes que poderíamos chamar de “partido agrário” (usando expressão já referida às Ligas, cf. Azevedo, 1980) do qual Julião era a principal liderança. Este campo seria, por assim dizer, o campo do movimentalismo agrário daquela época considerada pela bibliografia como o tempo da emergência dos nossos modernos movimentos sociais agrários, sendo inclusive as Ligas de Julião vistas como a expressão mais avançada a que havia chegado a “revolução camponesa” no Brasil (Martins, 1981).

A coletânea põe às nossas vistas resoluções, manifestos, discursos e material vário (reportagens de jornais, cartas, relatórios) que nos transmitem o clima ideológico da ativação política e social daqueles anos, em particular a dos grupos rurais. E mostram – realcemos este ponto – como, no final do congresso camponês, terminaria aprovada a palavra de ordem da “reforma agrária radical” como alternativa às teses dos comunistas, o grupo que havia estimulado o evento e dele esperava ações unitárias. Vitoriosa no congresso,[3] a tese da “reforma agrária radical”, entretanto, marcava no imediato pré-1964 o limite até onde podia ir a palavra de ordem da reforma agrária camponesa entendida como mobilização preparatória de uma de revolução rupturista que algumas áreas de esquerda esperavam eclodir naquela circunstância de liberdades democráticas. O tema do desdobramento subsequente da bandeira “reforma agrária radical” (ou “reforma agrária na lei ou na marra”, como também era chamada) na orientação e na prática das Ligas (Azevedo, op. cit.) e na postura de outras correntes, inclusive de áreas comunistas (Segatto, op. cit.) fica posto, especialmente no que se refere ao PCB, a novos pesquisadores que o material selecionado para compor este volume estimule.

Atenho-me aqui ao que os comunistas levaram ao congresso de 1961. Lá chegaram com o que haviam criado (os sindicatos e a União de Lavradores e Trabalhadores do Brasil, a ULTAB) e o seu agrarismo de “medidas parciais de reforma agrária”. Aquela estrutura organizacional sindical vinha-se construindo desde de 1951, quando militantes comunistas puseram de lado o paralelismo sindical do Manifesto de Agosto de 1950, sendo alguns quadros agrários deslocados de pontos de atuação camponesa do PCB para São Paulo (a propósito do tema do paralelismo sindical, ver PCB, 1952). Sem me alongar, faço um comentário sobre a tática compósita do PCB (organizar sindicatos com base nos assalariados e semi-assalariados para alcançar os camponeses) no que se refere à outra dimensão do agrarismo novo: os interesses dos grupos rurais. Posta em uma conjuntura precisa como a daquela segunda metade da década de 1950 e os primeiros anos 1960 (e não na doutrina, como na orientação anterior), a reforma agrária então defendida pelos comunistas consiste em um reformismo concretizável por meio de medidas progressivas a serem implantadas por governos da frente única “nacional e democrática” sob impulso de mobilizações e amparada na unidade das forças “progressistas” e “democráticas” (PCB, 1958; 1960).

Essa via agrorreformista resultava de uma estratégia formulada tanto para orientar a ação no imediato e no cenário próximo (fortalecer a unidade da frente única com vistas a criar nova “correlação de forças”) como para ampliar o movimento em favor de políticas públicas relativas aos grupos rurais (direitos trabalhistas, à terra etc., cf. PCB, 1960).[4] O ponto que aqui queremos realçar é que a relação entre a atividade dos comunistas e os grupos rurais não reduzia as reivindicações “camponesas” a uma função meramente agitativa (ver o artigo de Armênio Guedes acerca da chamada tática das “soluções positivas” sob governos de frente única nacional-democráticos (na época, o governo de Juscelino e outro novo que se esperava formar a partir das eleições de 1960). (Guedes, 1957).

Visto esse tema com a distância do tempo, podemos dizer que naquela ideia de reforma agrária por medidas parciais expressava-se o programa da “revolução democrática do campesinato” (sic) à qual se refere aquele militante comunista no texto acima citado. Ali estavam os lineamentos de um tipo de agrorreformismo que se tornará tradição entre nós, vale dizer, um agrorreformismo de “soluções positivas” impulsionadas pela ação política e realizáveis por governos reformistas sob vigência da democracia.[5] Aqui no Brasil, tínhamos o agrarismo pecebista de novo tipo cujo desdobramento político-organizacional se materializou na organização da CONTAG, a central sindical atuante e duradoura justamente por se manter institucionalizada, mesmo após 1964, na situação adversa dos governos autoritários.

A “revolução camponesa” do tempo de Julião, ou dizendo com mais precisão, a “revolução democrática do campesinato” que Armênio Guedes tem em mente em 1957, foi interrompida em 1964 pela força.[6] Ao contrário dessa observação de José de Souza Martins, a “revolução democrática do campesinato” posta em marcha pelos comunistas por meio do sindicalismo camponês prosseguirá sendo levada adiante pela central sindical que consegue sobreviver ao regime de 1964 a duras penas, inclusive movendo em seu favor o assistencialismo com o qual os militares pretendiam cooptá-la e quebrar-lhe a resistência. Em 1979, a CONTAG emerge à frente de grandes greves e continuará afirmando a tradição do movimento voltado para a criação de políticas públicas (de “reforma agrária” e outras) permanentes. No tempo mais contemporâneo, a CONTAG pôs como eixo principal do seu programa a consolidação do novo campesinato ao largo do país, a agricultura familiar (ver, por exemplo, CONTAG, 1998), aliás, como, à sua época queria Alberto Passos Guimarães (Passos Guimarães, 1960; 1963).

Aquele congresso de 1961 ensina, antes de tudo, quão importante é o papel da política como instrumento de mudanças sustentáveis, na condição de que “os acontecimentos sigam curso normal”, como se chegou a dizer no campo marxista. Ou seja, viria nos lembrar que hoje o terreno no qual as potencialidades que portam tanto o agronegócio como a agricultura familiar têm bom curso é o terreno da vigência plena da democracia política. Não está demais repetir: democracia política que tanta falta fez após a interrupção pela força em março de 1964 daquele tempo de mobilizações e do governo reformista de João Goulart. (Realço o ponto às vésperas de uma eleição presidencial em que sabemos que ainda há, hoje, um vasto campo, com áreas suas inclusive presentes no governo Lula e na candidatura oficial, que se recusam a aceitar sem reservas o Estado democrático de direito, condição, no dizer preciso de Habermas, para se ter função de esquerda reformista nestes nossos dias). (Habermas, 2006).

Reler documentos, resoluções e falas da reunião de Belo Horizonte torna nítido para a atual esquerda militante que o “problema camponês” como era chamado à época (e então considerado estratégico para a revolução no Brasil) não consiste em buscar definir o “papel do campesinato na revolução”. O “problema camponês” do tempo mais contemporâneo (e o dos nossos dias) tampouco ampara a expectativa que o novo tipo de mediadores que o país conhece a partir da segunda metade dos anos 1970 nutre em relação aos grupos rurais. Esta militância agrária em boa parte se orienta, digamos, pelo tema “campesinato e política” (tal como aparece em alguns autores), a partir do qual seria dado esperar ações dos contingentes rurais que interpelassem a ordem institucional democrática, considerada nesse tempo mais contemporâneo, por não poucos, de natureza oligarquico-liberal.[7] Revisitar a controvérsia camponesa do congresso de 1961 traz-nos antecedentes sugestivos para precisarmos o sentido da proposição que hoje nos diz que o “tema agrário” já está posto na agenda do Estado. No que se refere a uma “reforma agrária ampliada” dos nossos dias, quer dizer, à reforma do mundo rural, o que veio e continua vindo para ficar e cada vez mais se desenvolve são políticas públicas perduráveis. À vista da malha institucional existente e dos diversificados programas criados ao longo dos anos, sobretudo no tempo mais contemporâneo, em apoio à melhoria da vida rural, podemos sublinhar o quanto é antiga a tradição de agrorreformismo pacífico no Brasil.

A evocação do encontro de Belo Horizonte, em particular do seu fracasso quanto à unidade então perseguida pelos seus organizadores, não desanima. Pelo contrário, sugere que a mesma CONTAG, justamente pela sua feição de “esquerda positiva” (noção cunhada por Santiago Dantas nos idos do congresso camponês) bem expressa na sua tradição de reivindicar políticas públicas a serem postas em prática pelos governos existentes, pode hoje se constituir em lugar de reencontro dos nossos dois grandes campos agraristas representados por atores que aí estão bem ativos e, creio, convergentes.[8] É possível a CONTAG e o MST habitarem uma mesma formação social que tenha por fim justamente a “reforma agrária dos nossos tempos” (a agricultura familiar), vista em um contexto de amplo renovamento do mundo rural em moldes progressistas e democráticos, como salienta bibliografia já alentada.

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Fernando. As Ligas camponesas – campesinato e política – 1955-64, dissertação de mestrado, PIFP, Recife, 198O.
CONSENZA, Rita. As ocupações de luta por terra e a Vara Agrária de Minas Gerais. Tese de doutoramento, CPDA, Rio de Janeiro, 2010.
CARVALHO COSTA, Luiz Flávio de. Sindicalismo rural em construção. Rio de Janeiro: Forense Universitária-EDUR, 1996.
CONTAG, Desenvolvimento e sindicalismo rural no Brasil, Projeto CUT-CONTAG 1996-1998, São Paulo, agosto de 1998.
GUEDES, Armênio. Algumas ideias sobre a frente única no Brasil. Novos Tempos n. 2, out./nov. 1957.
HABERMAS, J. O caos da esfera pública, Folha de São Paulo, 13 de agosto de 2006.
LÊNIN, W. I. Dos tácticas de la socialdemocracia rusa (1905). In: Obras Escojidas en doce tomos, v. 2. Moscou: Editorial Progresso, 1975.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981.
PASSOS GUIMARÃES, Alberto. As três frentes da luta de classes no campo. Novos Rumos, Rio de Janeiro, 22 a 28 de julho de 1960.
_____________________. Quatro séculos de latifúndio. Rio de Janeiro: Fulgor, 1963.
PCB. Ampliar a organização e a unidade da classe operária, resolução do Comitê Nacional do PCB, Rio de Janeiro, julho de 1952.
____. Declaração sobre a política do PCB (março de 1958). In: Edgar Carone: O PCB, v. II, São Paulo: Difel, 1982.
____. As teses para o V Congresso. Rio de Janeiro, 1960.
SABOURIN, Eric. Reforma agrária no Brasil: considerações sobre os debates atuais. Estudos Sociedade e Agricultura n. 16, n. 2, 2008.
SEGATTO, José Antonio. Reforma ou revolução. As vicissitudes da política do PCB (1954-64). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
WANDERLEY, Maria de Nazareth. O mundo rural brasileiro: acesso a bens e serviço e integração campo-cidade. In: Estudos Sociedade Agricultura v. 17, n. 1, abril de 2009.

Notas


[1] A respeito desse tema, ver a tese leninista sobre as vantagens do capitalismo “ocidental” para a classe operária e o campo popular exposta no seu livro Duas táticas da socialdemocracia russa (Lênin, 1905; 1975).
[2] Essa controvérsia de época (do marxismo-leninismo dos Partidos Comunistas e da influência da Revolução cubana) se acentua ainda mais logo depois do congresso camponês aumentando a distância entre os sindicatos comunistas e as ligas camponesas. A propósito, ver Carvalho Costa (1996).
[3] Alguns comunistas passaram a falar da “reforma agrária radical” com diferentes significados (ver Segatto, 1995) enquanto a prática agrária do seu partido seguia sendo o sindicalismo camponês consolidado no contexto da controvérsia pecebista sobre o estalinismo (1956-57), como veremos a seguir.
[4] As Teses para o V Congresso de 1960 (o extenso texto que fundamenta a resolução final do evento) reúne muma mesma passagem programática reivindicações camponesas e nãocamponesas, dando realce àquelas demandas que fossem mais viáveis e suscitassem a movimentação sindical-camponês. Acerca desse ponto, recordar a insistência de Caio Prado nos “empregados agrícolas” e seu trabalhismo como grupo social estratégico para a reforma mais ampla do mundo rural (cf. Santos, 2007) e ainda o fato de o Estatuto do Trabalhador Rural ser desses anos (1963), como foi mencionado.
[5] No já citado texto sobre a revolução burguesa e a transição do atraso para o moderno (capitalista), Lênin extrai da sua análise da conjuntura pré-revolucionária da Rússia do começo do século, a previsão de que, após a queda do czarismo, poderiam surgir vários “governos provisórios” revolucionários com tarefa de realizar um “programa positivo” (sic). Este “programa mínimo” (expressão também usada por Lênin no mesmo texto) desenvolveria o ambiente de liberdades trazido pela revolução até a instauração da república (Lênin, op. cit.). Tal “programa mínimo” era entendido como meio preparatório da luta popular que avançaria o processo revolucionário em direção à “ditadura democrática” (sic) dos operários e camponeses” (Idem: 401).
[6] José de Souza Martins não só vê nas Ligas o ponto alto da moderna mobilização camponesa, como já foi referido, como também chega a incluir o PCB entre os grupos (Goulart, a Igreja de então) com atuação rural (é o mais interpelado no seu livro), segundo ele, empenhados “de diferentes modos e com diferentes intensidades em evitar uma revolução camponesa no Brasil” (Martins, 1981: 92).
[7] Para esse tema das expectativas dos mediadores dos nossos dias em relação aos grupos camponeses, ver Sabourin, 2009.
[8] Há bastante tempo, por meio da sua área sindical, o PT se integrou à CONTAG.

[*] Apresentação à segunda edição do livro O Congresso nacional camponês, Luiz Flávio de Carvalho Costa (org.), editoras Muad e Universidade Rural (UFRRJ), Rio de Janeiro, 2010.

[**] Raimundo Santos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro Agraristas Políticos Brasileiros, Brasília: NEAD-Fundação A. Pereira, 2007.


LANÇAMENTO: na próxima 4a. Feira, dia 15/12/10. LOCAL: livraria Prefácio, Rua Voluntários da Pátria, Botafogo, às 19 h.

Disputa de geração :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O PT é o primeiro partido que tem condições de realizar o sonho de consumo de todos os partidos brasileiros: ficar no poder por no mínimo 20 anos. O grupo do presidente cassado Fernando Collor tinha essa pretensão, vocalizada pelo seu braço-direito PC Farias. Também o PSDB planejava essa permanência estendida quando aprovou a reeleição presidencial, estratégia montada pelo "trator" tucano, o falecido Sérgio Motta.

Depois de 8 anos de governo Lula, e tendo conseguido eleger Dilma Rousseff para pelo menos mais 4 anos, o PT pode alcançar essa meta se a hipótese de Lula se candidatar em 2014 se confirmar.

E essa permanência pode ser ainda maior se a presidente Dilma se reeleger em 2014 e Lula voltar à presidência em 2018. Nesse caso poderão ser nada menos que 26 anos de poder petista seguidos.

Lula terá dentro de quatro anos os mesmos 69 anos com que Serra disputou pela segunda vez a Presidência da República este ano. E estará com 73 anos se se candidatar em 2018, a mesma idade que Serra terá em 2014, quando pretende se candidatar pela terceira vez, a valer a disposição atual.

Quase a mesma idade com que Tancredo Neves foi eleito em 1985.

Tudo isso somado, fica demonstrado que não será nada fácil ao PT realizar seu sonho de consumo, pois ele implicaria relegar a um segundo plano políticos de diversas tendências que, tendo uma perspectiva nacional, seriam condenados a viver à sombra do PT toda a sua carreira.

Todos eles têm hoje entre 45 e 50 anos, e compreensivelmente não gostam muito da ideia de o PT ficar no poder mais 12, 16 anos.

Ao fim da saga petista, estarão perto dos 60 anos e terão passado a vida inteira como coadjuvantes do PT, quando não na oposição. Congelados politicamente.

No PSB, o próprio governador Eduardo Campos (45), Ciro Gomes (53), o governador do Ceará, Cid Gomes (47), o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (50); no PMDB, o governador do Rio, Sérgio Cabral (47), e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (41); no PSDB o senador eleito Aécio Neves (50), o governador do Paraná, Beto Richa (45); no DEM, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (50).

O convite feito pela presidente eleita, Dilma Rousseff, para que Ciro Gomes retorne ao Ministério na mesma posição anterior, no comando da pasta da Integração Nacional, está neste contexto.

Ciro tende a não aceitar, seria mais do mesmo, depois de ter sido impedido de concorrer à Presidência da República por uma decisão autocrática do presidente Lula.

Mas interessa também a Ciro Gomes manter-se em evidência para futuros movimentos políticos.
A Secretaria de Portos, com status de ministério, se for agregada a ela a tarefa de cuidar dos aeroportos, poderia ser um bom desafio.

Resolver o apagão aéreo, viabilizar a Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas, colocaria Ciro em posição destacada especialmente junto à classe média, que é quem mais está usando aviões hoje.

O interessante disso tudo é que o PSB, embora tenha crescido na eleição, seja um partido que tem maior perspectiva de poder, tendo Eduardo Campos reeleito governador em Pernambuco como exemplo de liderança ascendente, não foi beneficiado nessa divisão de forças no Ministério.

O partido cresceu na sua representação legislativa tanto na Câmara, onde passou de 27 deputados federais para 34, quanto no Senado, onde elegeu três novos senadores.

Mas foi nos governos estaduais que o PSB aumentou mais seu cacife. Depois do PSDB, foi o partido que mais elegeu governadores, seis ao todo, sendo quatro deles no Nordeste: Ceará, Pernambuco (reeleitos), Paraíba e Piauí, além de Amapá e Espírito Santo, representando quase 15% do eleitorado.

A posição do PSB no momento é a seguinte: compreende as dificuldades da presidente Dilma para contentar seus aliados, entende que o PT é um partido muito difícil, dividido em facções que precisam ser agradadas, mas não está muito satisfeito.

Esse estado de espírito pode gerar negociações paralelas mais adiante no PSB, que tem uma ligação estreita com o ex-governador de Minas Aécio Neves, eleito agora senador.

Tanto que o governador do Ceará, Cid Gomes, já havia lançado o nome dele como um candidato de consenso à presidência do Senado.

Ciro Gomes já havia dito, durante a campanha, que, se Aécio fosse o candidato do PSDB à Presidência, o PSB poderia apoiá-lo. E o governador Eduardo Campos avisara o governo de que, se essa hipótese se confirmasse, dificilmente as bases partidárias ficariam ao lado de Dilma.

Uma aliança entre o PSB e o PSDB, superados os obstáculos paulistas, não seria uma ação trivial.

O PSDB, com a força eleitoral que tem no Sudeste e no Sul, e o PSB, no Nordeste, fariam uma dobradinha importante para a próxima eleição de 2014.

Ciro Gomes deve estar avaliando as vantagens de vir a ser ministro novamente, o que o colocaria em posição política melhor do que se não estiver em cargo algum.

O PSB, que foi o partido da base que mais cresceu proporcionalmente nas últimas eleições, não se conforma mais em ser apenas um apêndice do PT.

O que dificulta os entendimentos é a língua ferina de Ciro Gomes, que, magoado com as manobras que inviabilizaram sua candidatura à Presidência da República, saiu atirando na aliança política com o PMDB, que classificou certa ocasião de "um ajuntamento de assaltantes".

E disse que o vice-presidente eleito, Michel Temer, era "o chefe dessa turma de pouco escrúpulo".

Temer, pragmático, não está satisfeito com o convite, mas está tranquilo. Afinal, foi eleito, e Ciro deverá obediência a ele.

Os líderes do PMDB é que não estão nada satisfeitos. Se o ministro Ciro Gomes precisar de apoio no Congresso, não vai contar com o maior partido.

Razões outras:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quase metade do ministério que toma posse com a presidente Dilma Rousseff no próximo dia 1º de janeiro já foi anunciada e até agora não se ouviu coisa alguma sobre a excelência profissional dos indicados para as respectivas pastas.

Uma exceção para confirmar a regra: Alexandre Tombini, do Banco Central, um funcionário de carreira reconhecido e respeitado.

Não que não existam competências entre os ministros escolhidos. Existem e até comprovadas, como é o caso de Antonio Palocci para a Casa Civil, não obstante o toque de impropriedade que o episódio da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa confere à presença dele em tão estratégico posto.

Não pôde continuar à frente do Ministério da Fazenda, mas pode assumir um lugar que do ponto de vista do cotidiano de governo é o segundo depois da Presidência. Mas, como vivemos tempo de irrelevâncias no tocante ao conceito do ser e também parecer irretocável para se ocupar um cargo público, relevemos.

Ainda que o mérito tenha deixado de ser critério há muito tempo na escolha de auxiliares presidenciais, impossível não notar, e registrar, a arbitragem à deriva vigente na composição do Ministério Dilma em particular.

Tão exorbitante que é vista com a maior naturalidade a reserva de "cotas" à presidente dona da prerrogativa, conferida pela eleição, de nomear quem queira. E por conta desse exotismo não se pode perceber o que Dilma Rousseff realmente quer para o governo a ser iniciado em 18 dias.

Entretanto, já soubemos o que o presidente Luiz Inácio da Silva quis e a cada dia tomamos conhecimento de um novo desejo dele a ser satisfeito. Soubemos também que há ministros nomeados porque se mostraram "confiáveis" durante a campanha, bem como tivemos notícia de que o ministro da Agricultura continua porque o vice Michel Temer quer.

Pelo mesmo motivo Moreira Franco comandará a Secretaria de Assuntos Estratégicos para, entre outras funções, comandar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e seu conhecido cardápio de sugestões solenemente ignoradas.

Fernando Pimentel irá para o Desenvolvimento porque é amigo de longa data de Dilma e perdeu a eleição em Minas; a escolha de Ideli Salvatti para a Pesca guarda relação com a reserva de mercado para o grupo petista de Santa Catarina.

Alfredo Nascimento continua nos Transportes não pela excelência (?) demonstrada à frente da pasta, mas porque assim quis o PR. Edison Lobão, cujo desastre na condução da última crise de energia dispensa apresentações, volta porque José Sarney quer.

O maranhense Pedro Novais vai para o Turismo - a pasta que libera emendas parlamentares a mancheias para entidades fantasmas - porque o PMDB da Câmara se articulou com Sarney.

Ciro Gomes está cotado para a Integração Nacional. Ciro, ou alguém de sua confiança, ganha uma pasta na cota do critério de prevenção de danos.

Para o Desenvolvimento Agrário, a indicação resultou do trabalho da ""cooperativa"" formada pelos governadores do PT no Nordeste para obter uma representação na equipe.

Antonio Carlos Valadares foi convidado para a pasta a ser criada das Micro e Pequenas Empresas, mas quer coisa melhor por causa da motivação de sua escolha: a necessidade de abrir vaga para José Eduardo Dutra no Senado.

O baile segue nessa toada onde sobram homens e mulheres, mas faltam ideias e todo mundo faz de conta que é assim mesmo. A exceção foi o senador eleito Eduardo Braga que deu uma entrevista ao Estado dizendo ter recusado a Previdência por falta de projeto para a área.

Pena que não era verdade. Não foi ministro porque Renan Calheiros vetou: precisava do cargo para acomodar Garibaldi Alves, pois era necessário afastá-lo da disputa pela presidência do Senado.

Da mesma forma, a disputa pela presidência da Câmara pautará a escolha de outro ministro do PT, partido campeão na ocupação de espaços na Esplanada a partir do critério da divisão de cargos entre as tendências internas do aparelho.

É bonito tudo isso? Feio de doer, mas é assim que a banda toca no retrógrado e viciado modo brasileiro de fazer política e governar o País.

Presidencialismo congressual :: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Anunciada como prioridade do próximo governo, bandeira para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobreviver ao inverno na planície, é provável que a reforma política seja empurrada para o segundo semestre de 2011. Pelo menos não é prevista nenhuma iniciativa de Dilma Rousseff, na forma de projetos de lei, para antes deste prazo.

Há uma certa agitação no Congresso, especialmente entre os maiores partidos, em torno de alguns pontos do interesse de cada um deles. Entre esses pontos, o fim da coligação nas eleições proporcionais. Já não é de hoje que as grandes legendas reclamam por ter de carregar legendas menores às costas. Mas uma conta feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos números das últimas eleições, revelou o tamanho do prejuízo das siglas maiores.

Se não tivessem feito coligação com siglas menores, PMDB e PT teriam eleito 30 e 20 deputados a mais, respectivamente, nas eleições de 3 de outubro. Em vez de 79 deputados, no dia 1º de fevereiro tomariam posse, pelo PMDB, 109 deputados. No PT, em vez de 88, seriam 108.

Só reforma política muda condições de governabilidade

Pelos cálculos do Diap, perderiam as siglas menores como o PCdoB (de 15 para 10 deputados) e as médias como o PSB (de 34 para 30 deputados) e o DEM (de 43 para 39). O PSDB, que elegeu uma bancada de 53 deputados, ganharia mais 12 cadeiras, totalizando 65, se os tucanos não tivessem feito coligações com siglas menores.

Além do fim da coligação nas eleições proporcionais, a reforma "pronta" para ser votada no Congresso tem ainda o financiamento público de campanha e a lista fechada (o eleitor vota numa lista previamente elaborada pelos partidos).

O financiamento público é visto como uma providência-chave para melhorar um sistema cujas mazelas podem ser observadas a olho nu agora, no momento em que Dilma compõe sua equipe de governo. A lista fechada é vista com desconfiança pelos políticos do baixo clero, que temem fortalecer o poder das cúpulas.

PT, PMDB, DEM e PSDB já se manifestaram favoráveis a essas mudanças, que só não foram adiante, na atual legislatura, por um recuo de última hora dos tucanos.

Mudanças feitas recentemente pelo Congresso na legislação político-eleitoral se revelaram positivas. Este é o caso, por exemplo, da fidelidade partidária. À esta altura, em 2002 e 2006, após eleições vencidas pelo PT, já era intenso o movimento para o troca-troca partidário. Este ano, mesmo com as malas prontas para ir para o PMDB, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, procura um pretexto capaz de justificar sua desfiliação do Democratas, de modo que nem ele nem os deputados que seguirem com ele para uma nova agremiação tenham que devolver os mandatos ao DEM.

Além de começar sob o signo do casuísmo, nada indica que a reforma que o Congresso se dispõe a votar seja suficiente para alterar as atuais condições de governabilidade, que estão na raiz das dificuldades enfrentadas por Dilma Rousseff para compor a cota partidária da nova equipe de governo.

A composição, até agora, do governo Dilma é um exemplo. Dos 17 ministros já anunciados, oito são do PT, sete do PMDB e dois não são filiados a partidos políticos. No entanto, são amplas as queixas, especialmente no PT, segundo as quais o partido não está devidamente representado no futuro governo. As bases, aparentemente, não se reconhecem na cúpula.

Qualificado de inexpressivo, o ministério Dilma Rousseff, na realidade, é o ministério necessário à governabilidade e a expressão mais que perfeita do presidencialismo congressual que vige no país desde a promulgação da Constituição de 1988. Diz-se que é um ministério com prazo de validade de um ano, se tanto. Esquece-se que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também fizeram ajustes na equipe, mais ou menos neste mesmo prazo, e - consequentemente - na sintonia fina com o Congresso.

FHC começou o governo com seu aliado eleitoral, o então PFL, hoje Democratas, e o que chamava de "ala ética" do PMDB, com os gaúchos Nelson Jobim e Odacir Klein, o primeiro no Ministério da Justiça e o segundo, nos Transportes. Éticos, sem dúvida, mas sem nenhuma influência sobre os votos do partido.

A chave de braço do PMDB em Fernando Henrique Cardoso se deu quando a reforma da Previdência rateou na Câmara, e os deputados derrubaram o relatório do deputado Euler Ribeiro (PMDB-AM) ao mesmo tempo em que o Senado reunia as assinaturas necessárias para criar a CPI dos Bancos.

Bastaram três semanas de impasse e negociação para o PMDB "com voto" entrar no governo tucano, com direito a assento no Palácio do Planalto, aprovar o relatório de reforma da Previdência, redigido pelo deputado Michel Temer (PMDB-SP), e enterrar de vez a CPI dos Bancos no Senado.

Com Lula não foi muito diferente. Na transição de governo do PSDB para o PT, José Dirceu chegou a negociar a participação do PMDB na equipe de Lula. Houve pemedebista, naquele fim de ano de 2002, que dormiu ministro. No início de 2004, Lula fez o ajuste para integrar os pemedebistas e resolver problemas de sua base de sustentação política.

Nas eleições de 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso foi eleito em primeiro turno, por ampla maioria. Nem por isso pode renunciar à negociação parlamentar diuturna, sobretudo no primeiro mandato, quando precisou reunir maioria constitucional para assegurar desde a quebra de monopólios até a emenda da reeleição. Graças ao sistema híbrido que resultou da Carta de 1988

Como se recorda, até quase o final dos seus trabalhos, a tendência da Assembleia Constituinte era pela adoção do sistema parlamentarista de governo. Já ao final dos trabalhos, o contra-ataque do Palácio do Planalto e de seus aliados se sobrepôs à tendência congressual. Desde então o Brasil convive com um presidencialismo forte, mas que não prescinde das condições de governabilidade que só uma maioria de coalizão tem sido capaz de lhe assegurar.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras.

Uma reforma tributária verde :: Paulo R. Haddad

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma das claras manifestações da opinião pública no processo eleitoral deste ano foi a aspiração por um melhor tratamento a ser dado pelas políticas públicas aos ecossistemas do Brasil. Como tem se acelerado o ritmo de degradação e de destruição desses ecossistemas, a demanda de nossa população é por mais restauração, mais conservação e mais preservação dos diferentes biomas.

O que fazer? Intensificar os mecanismos de comando e controle (novos decretos, leis, normas e portarias), quando se sabe de sua relativa ineficiência e ineficácia, dadas as dificuldades observadas na capacidade operacional dos órgãos gestores (falta de pessoal especializado, níveis de salários insatisfatórios, incertezas jurisdicionais, etc.)? Ampliar o número e o espaço das áreas protegidas, quando se sabe que essas áreas já abrangem quase 20% do nosso território continental, e muitas delas se encontram relativamente abandonadas por absoluta falta de recursos para a sua gestão sustentável? Basta lembrar que o orçamento global do Ministério do Meio Ambiente aparece atualmente atrás de 17 outros ministérios, enquanto cortes e contingenciamentos são rotina para os recursos da Pasta.

Um caminho alternativo para equacionar esse hiato entre as aspirações da opinião pública e a realidade político-administrativa das ações governamentais passa pelo uso mais intenso de instrumentos econômicos nas políticas ambientais. A elaboração e a implementação de uma reforma tributária verde são processos institucionais que estão nessa linha de introduzir mecanismos de mercado nessas políticas. O objetivo principal dessa reforma é o uso do sistema tributário para estimular padrões de consumo, de produção e de acumulação de capital que atendam melhor a um processo de desenvolvimento sustentável do País e de suas regiões.

Já há algumas experiências de peças ou segmentos dessa reforma em processo de execução nos três níveis de governo. Algumas ilustrações podem ser mencionadas:

O ecocrédito municipal: um mecanismo econômico de mercado, sob a forma de incentivo fiscal, que visa a estimular, dentro das propriedades rurais nos limites geográficos de um município, a formação de áreas de preservação ambiental destinadas à conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos.

O ICMS ecológico: é a denominação de qualquer critério ou conjunto de critérios de caráter ambiental, utilizados para o cálculo do valor que cada município de um Estado tem direito de receber, quando do repasse de 25% dos recursos financeiros do ICMS, decididos autonomamente por lei estadual; quanto maior a participação do ICMS ecológico nesse valor, maiores serão os incentivos fiscais para que os municípios implementem projetos de preservação ambiental, incluindo os ecossistemas de bacias hidrográficas e a sua biodiversidade.

Impostos verdes e taxas ambientais: basicamente, um imposto verde ou uma taxa ambiental representam a imposição de um ônus financeiro sobre a poluição ou degradação ambiental; seriam pagos pelas empresas que, nas fases de implantação, de operação e de manutenção de seus empreendimentos, provocassem danos ambientais, descarregando e emitindo resíduos no meio ambiente; as suas alíquotas diferenciadas seriam calibradas de acordo com o dano que a poluição do empreendimento provoca no meio ambiente. Inversamente, pode-se pensar no imposto verde positivo para empresas e consumidores, como o Imposto de Renda Ecológico, um tipo de Lei Rouanet para o patrimônio natural.

Financiamentos incentivados: abertura ou uso de linhas especiais de financiamento para projetos de investimento que tenham por objetivo a conservação e a preservação dos recursos do meio ambiente, assim como a introdução de critérios ambientais na avaliação de projetos de investimentos de infraestrutura econômica e de projetos de investimento diretamente produtivos.

Professor do IBMEC/MG, foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

Urubus do Orçamento:: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Na quarta-feira passada, neste espaço, tratei da farra das emendas parlamentares. Flagrado por destinar R$ 3 milhões de sua cota individual a entidades fantasmas no DF, o senador Gim Argello (PTB-DF), então relator do Orçamento, renunciou à comissão para salvar a pele. Escrevi então: "É muito pouco. Virão outros "gins" no lugar".

Não demorou uma semana.

A senadora Serys Shlessarenko (PT-MT) foi indicada pelo governo para substituir Gim na relatoria. Agora ficamos sabendo que sua assessora Liane Maria Muhlenberg, funcionária do Senado desde 2007, preside um tal Ipam (Instituto de Pesquisa, Ação e Mobilização). Este ano, o Ipam foi agraciado com R$ 1,85 milhão em emendas de três deputados: R$ 1,1 milhão de Gilmar Tatto (PT-SP), R$ 650 mil de Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e R$ 100 mil de Geraldo Magela (PT-DF).

Para aprovar a liberação do dinheiro, Muhlenberg entregou aos ministérios da Cultura e do Turismo documento no qual afirmava não ser funcionária do Legislativo. Mentiu. E ninguém verificou nada. Serys, por sua vez, afirma que foi traída pela assessora. "Garanto a lisura dos contratos. Não quero ser misturada com uma ONG de aluguel", disse Muhlenberg.

Todos honestos, todos inocentes. O fato é que ministérios como Turismo e Cultura viraram entrepostos da maracutaia. Não há controle, no Congresso ou no Executivo, sobre o destino das verbas das emendas. Elas servem, de fato, ao varejo da política, à politicalha. Mas alguém ousaria dizer que se trata de migalha? Estamos falando, neste ano, em pouco mais de R$ 7 bilhões, num Orçamento de R$ 830 bilhões, mas dos quais cerca de R$ 700 bilhões é dinheiro carimbado.

Alijado das grandes decisões e inapetente para os debates que importam na elaboração da peça orçamentária, o Congresso faz dela uma espécie de carniça, um banquete de restos, com o qual os urubus mais espertos (são muitos) se lambuzam e alimentam sua corja.

Da recuperação para o crescimento:: Yoshiaki Nakano

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) esperado para este ano ligeiramente acima de 7,5%, completamos a recuperação da forte queda do nível de atividade que sofremos no último trimestre de 2008 e início de 2009, em função da crise financeira nos Estados Unidos e Europa. Especificamente, foi a partir do colapso do Lehman Brothers em outubro de 2008 que tivemos uma forte contração de crédito doméstico afetando toda a economia brasileira.

Os dados de PIB trimestral divulgados pelo IBGE mostram que a recuperação foi comandada pela indústria e que seu auge foi atingido no primeiro trimestre deste ano, quando cresceu 15,1%, em relação, ao mesmo período do ano anterior.

A partir daí, a recuperação desse setor perdeu fôlego e no terceiro trimestre já sofreu uma queda de -1,3%, em relação ao trimestre imediatamente anterior. Essa queda se deve à forte apreciação cambial que vem provocando uma explosão no crescimento das importações e como esperado, uma queda no nível de produção dos setores de "tradables" e uma expansão dos "não-tradables". Basta verificar que no terceiro trimestre tanto o valor da produção da indústria de transformação, como da agropecuária sofreram uma contração de - l,6% e - l,5%, respectivamente, enquanto isso, o setor de serviços é que mais cresceu nesse mesmo período. Não fora o impacto negativo das importações e se tivéssemos capacidade ociosa interna, estaríamos crescendo mais do que 10% neste ano.

Daqui para a frente a oferta de trabalho e o aumento da sua produtividade passam também a ser restrições

A rigor, essa expansão excessiva da absorção doméstica de bens e serviços revela o nosso grande problema, que é a baixa taxa de investimento ao longo dos últimos anos. Em 2010, mesmo crescendo a um ritmo superior a 7,5%, a taxa de investimento chegou a apenas 19,4% do PIB, taxa muito inferior ao necessário para sustentar tal crescimento, daí as pressões inflacionárias e salto no déficit em transações correntes.

O discurso desenvolvimentista do novo governo dá a transparecer que não abre mão do crescimento de pelo menos 5% ao ano. Se isto for verdade, o novo governo terá como maior desafio elevar a taxa de investimento para próximo de 25% do PIB. Dificilmente, teremos novos aumentos nos preços das commodities. Ao contrário, há indicações de que a China, preocupada com a inflação, deverá desaquecer a sua economia.

Mas existem ainda grandes entraves para elevar a taxa de investimento: primeiro, a taxa de câmbio tem que ser mais estável e deve ser tal que equilibre as importações e gere aumento de poupança das empresas no setor de "tradables" de forma a estimular os investimentos; segundo, é preciso modificar a composição da demanda, reduzindo as despesas de consumo do governo (e, portanto, a carga tributária) para abrir espaço para ampliação dos investimentos produtivos; terceiro, temos que criar um mercado de crédito de longo prazo e a taxa de juros tem que ser muito menor; quarto, temos que reduzir o custo Brasil; e quinto, espera-se em decorrência da solução dos problemas anterior que os riscos macroeconômicos (taxa de câmbio, taxa de juros, inflação, crise de balanço de pagamentos etc) sejam controlados.

Não dá para tratar dessas questões neste espaço, mas cabe fazer algumas observações preliminares. Devemos lembrar que o rápido crescimento de 2010 foi um processo de recuperação da crise que atingiu o Brasil sob a forma de uma súbita e forte contração de crédito doméstico, e em decorrência dos investimentos e da produção industrial. A demanda doméstica não foi atingida, ao contrário, sofreu um forte estímulo tanto fiscal como creditício com forte expansão pelos bancos estatais e pelo BNDES. Agora, trata-se de uma operação delicada de gerar uma transição, sem contrair os investimentos, conter o ritmo insustentável de expansão do consumo baseado no crédito e controlar as importações que, no médio prazo, tornarão o setor externo também insustentável.

Mais do que isso, com a queda no desemprego para o nível histórico mais baixo, crescimento do salário real e queda, desde 2004, em termos absolutos da população jovem no Brasil, tudo indica que passamos por uma transformação estrutural no mercado de trabalho. Agora não é a capacidade produtiva instalada e taxa de investimento que determinam o produto potencial e o crescimento potencial da economia brasileira, como até recentemente, em função da existência de um grande contingente de trabalhadores desempregados. Daqui para a frente, a oferta de trabalho e o aumento da sua produtividade passam também a ser restrições ao crescimento.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Em 2010, R$2,7 bi em forma de emendas

DEU EM O GLOBO

Valor foi repassado a entidades privadas sem fins lucrativos, principalmente de cultura e turismo

Isabel Braga

BRASÍLIA. Ao longo deste ano, R$2,7 bilhões de recursos de emendas de parlamentares ao Orçamento da União foram repassados a entidades privadas sem fins lucrativos de várias áreas, em especial as de cultura e turismo. Ao todo, 3.078 entidades foram beneficiadas com recursos do Orçamento. Responsável pelo levantamento, o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, disse ontem que não é possível, sem uma análise mais profunda, saber quantas são irregulares ou atendem a entidades fantasmas. Mas afirma que os problemas recorrentes de desvio e má utilização dos recursos públicos com esse tipo de repasse exigem uma mudança radical por parte do governo nos mecanismos de controle.

- Ao longo dos anos, tivemos escândalo dos anões do Orçamento, escândalo das ambulâncias, e agora as novas denúncias das emendas do Turismo e Ação Social mostram que muda apenas o objeto da fraude, mas a estrutura é a mesma: o dinheiro vai e não há fiscalização. E, quando o governo flexibiliza as exigências, facilita as fraudes. O controle governamental é um queijo suíço, de tanto buraco - afirmou Gil Castelo Branco.

Para o secretário-geral da Contas Abertas, é preciso fazer um novo recadastramento das entidades privadas que irão receber verbas federais e dar total transparência aos repasses de recursos: quem recebeu, quanto repassou, o que fará com o dinheiro.

- Entendo que a única forma de fiscalização é por meio do controle social. O governo tem obrigação de tornar públicas as informações sobre os repasses, as transferências. Há problemas em todas as fases, e não há estrutura governamental suficiente para fiscalizar. Há milhares de entidades. Como separar o joio do trigo? Ampliando o controle da sociedade, para que cada município, cada pessoa possa ajudar a dizer se aquele entidade é séria, se faz o trabalho - disse Gil Castelo Branco.

Ele citou relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2009 que mostrou que 50 mil prestações de contas de convênios entre entidades privadas e prefeituras sequer foram analisadas pelo controle governamental. Ponderou ainda que muitas ONGs foram criadas nos últimos anos só para receber recursos das emendas orçamentárias. Para ele, a transparência permitirá que a sociedade e o próprio parlamentar reflitam sobre as prioridades de destinação de emendas.

Ideli destinou emendas para ONGs de petistas

DEU EM O GLOBO

FLORIANÓPOLIS. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que será a ministra da Pesca no governo Dilma, é acusada de destinar R$1,25 milhão de sua cota de emendas parlamentares a entidades comandadas por petistas em Santa Catarina. Entre as entidades contempladas com as emendas está o Instituto Tática e Ação, de Laguna (SC), que recebeu, em 2009, R$500 mil. A entidade tem como presidente o petista Angelo Luiz Matos.

Ideli disse ontem que as outras emendas, do Orçamento de 2010, não foram empenhadas até agora e somam R$650 mil. Ela negou que faça suas emendas pautadas por critérios políticos, e disse que as entidades são escolhidas por critérios rigorosos:

- Em meus oito anos de mandato como senadora nunca favoreci aliados, nem discriminei adversários. Não faço destinação de emendas pautadas por escolhas políticas, mas por projetos fundamentados e meritórios destinados ao bem comum do povo catarinense.

Após denúncia, Serys exonera assessora

DEU EM O GLOBO

Senadora não desiste de relatoria do Orçamento, mas oposição quer seu afastamento

Cristiane Jungblut

Em meio a cobranças da oposição para que desista de ser a nova relatora do Orçamento de 2011, a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) confirmou ontem a exoneração da servidora Liane Maria Muhlenberg, dizendo ter sido traída pela ex-assessora. Além de trabalhar na assessoria de Serys no gabinete da 2ª Vice-Presidência do Senado, Liane é presidente do Instituto Pesquisa e Ação Modular (Ipam) - fato que omitiu quando solicitou, e recebeu, emendas do Orçamento para a entidade realizar eventos culturais, em 2010 e em anos anteriores.

Apesar de ela ter trabalhado pelo menos três anos no gabinete da senadora, Serys disse que nunca soube que ela comandava o instituto e que se sentiu "enganada e traída". A senadora afirmou também que nunca apresentou emendas para o Ipam.

O PPS pediu nova troca na relatoria-geral do Orçamento, mas Serys disse que não desistiria do cargo e que estava à vontade para assumir a função. Ao longo do dia, Serys trocou telefonemas com deputados e senadores a fim de garantir apoio para a aprovação de seu nome na Comissão Mista de Orçamento.

- Não sabia desse instituto. Eu me senti enganada e traída. Nunca fiz emenda para instituto nenhum, nem para esse instituto. Estou à vontade (para ser a relatora do Orçamento). Não vou renunciar. Ela (Liane) foi exonerada do meu gabinete e, se houver irregularidades, cumpre ao TCU e aos órgãos competentes investigar - disse Serys.

O montante em emendas conseguido pela auxiliar de Serys chega a R$4,7 milhões, sendo que R$1,8 milhão foi apresentado pelo deputado Jilmar Tatto (PT-SP). Ao GLOBO, Liane disse que suas contas foram sempre aprovadas pelos órgãos de fiscalização e que faz eventos há anos.

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, pediu o afastamento de Serys do processo orçamentário de 2011. E provocou:

- Não é possível que o governo não tenha um senador ficha-limpa para ser relator do Orçamento.
Que se encontre outro senador para o lugar desta senadora, se não contamina o Orçamento.

Para Dirceu, mídia ''teme concorrência''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-ministro lamentou que ""centro-direita"" tenha controlado governos desde a redemocratização

Alfredo Junqueira

O ex-ministro da Casa Civil e deputado federal cassado José Dirceu (PT-SP) afirmou ontem que os grandes veículos de imprensa temem a concorrência de novas empresas privadas. Em discurso durante o evento Democracia e Liberdade Sempre, promovido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), o líder petista disse ainda que o País passa por uma batalha no campo da comunicação social.

"Não é uma batalha simples. Vai ter muitas nuances, muitas formas", afirmou. "O que eles não querem é concorrência. É o que eles temem. Não é imprensa alternativa, de esquerda ou sindical. É a própria concorrência capitalista", acrescentou.

Questionado se sugeria abertura do mercado brasileiro para grupos estrangeiros no setor de comunicação, Dirceu negou. Disse que defendia apenas a ampliação do número de veículos no País. O petista ainda afirmou ser favorável à regulação da mídia.

"Regulação da mídia não é censura à mídia. Ter um órgão regulador, como existe nos EUA, na França e na Inglaterra, adaptada às nossas necessidades e pactuada. Nós estamos numa democracia. É o Congresso que aprova. Se não pactuar, não construir consensos, não se aprova."

Dirceu disse que a eleição de Dilma Rousseff representa a chegada da geração de 68 ao poder, mas evitou fazer declarações sobre o futuro governo, para, segundo ele, evitar polêmica.

No discurso, o petista falou sobre a luta armada e o processo de redemocratização brasileiros. Lamentou que a redemocratização tenha ocorrido a partir de frente ampla controlada pela centro-direita. "Uma hegemonia que prevaleceu até a vitória do Lula. E que ainda tem presença nos nossos governos pelas condições e características do nosso processo político."

Argumentou que a resistência, na ditadura, ocorreu como resposta ao ataque inicial das Forças Armadas. "Quem pegou em armas foi a ditadura. As armas que a nação entregou às Forças Armadas para defender a Constituição e a democracia, elas usurparam para impor ao País uma ditadura", disse Dirceu. "E foi contra ela que nós nos levantamos e resistimos."

Dirceu mente:Declaração do PCB/GB (1970) sobre a luta armada

O movimento de oposição experimentou, em 1968, um considerável avanço, em termos de dinamização de suas forças sociais e políticas. Essa dinamização, que era apenas início de formação de uma oposição de massas, não chegou a ter tempo de se traduzir em organização, embora, àquela época, não fossem poucos os que a superestimassem, partindo daí para a conclusão de já haver então chegado a hora da ofensiva geral contra a ditadura. Os fatos posteriores mostraram a falsidade dessa apreciação.

O AI-5 foi um rude golpe contra a oposição. A resistência ao processo de fascistização do país se faz agora de posições mais difíceis, em virtude do recuo do movimento de massas, em 1969. As medidas de repressão, depois de 13 de dezembro de 1968, atingiram particularmente a luta dos trabalhadores, dos estudantes e da Igreja Católica.

Essa retração do movimento de massas influiu negativamente em toda a oposição e aumentou a sua dispersão: as correntes burguesas e pequeno-burguesas, principalmente as suas cúpulas, se retraíram. Os focos de resistência criados na ascensão de 68 (nos sindicatos, nas escolas, na imprensa e no parlamento), em defesa da liberdade de manifestação, contra a censura e o terror cultural, em defesa das riquezas naturais do país, contra a desnacionalização da indústria, etc. foram praticamente liquidados ou reduzidos a um mínimo. O movimento de resistência ainda busca, neste momento, novas formas e caminhos para se expressar, para criar, enfim, os seus novos focos de irradiação.

Cabe aqui, finalmente, uma observação especial sobre a situação das esquerdas dentro da oposição. Para essas forças, a pior conseqüência da inflexão do movimento de massas foi o rápido incremento das posições radicais. Não foram poucos os grupos revolucionários pequeno-burgueses que não souberam recuar ante o avanço da contra-revolução, passando do radicalismo verbal às posições de desespero e aventura. Iniciaram essas correntes uma série de atos que se explicam, antes de tudo, pela sua incapacidade para enfrentar a tarefa de reestruturar o movimento de massas nas condições difíceis criadas pelo avanço da repressão fascista. Os assaltos a bancos, os golpes de mão e outras formas de ação postas em prática por pequenos grupos desligados das massas, enfim, o emprego indiscriminado da violência, embora compondo objetivamente o quadro da oposição, não deixam, apesar de seu suposto caráter revolucionário, de desservir à resistência e de dificultar a organização da frente única de massas contra a ditadura. Em uma palavra, enfraquecem a oposição. "

Serasa diz que calote sobe 23,2% e diverge de outros indicadores

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dados recentes do BC, da Fecomércio-SP e da ACSP mostram que a inadimplência continua sob controle

Márcia De Chiara

A inadimplência do consumidor se acelerou em novembro e cresceu 23,2% em relação ao mesmo mês de 2009, a maior variação anual para esse período desde 2001. Em relação a outubro, o acréscimo do calote foi de 3,5%, a sétima alta consecutiva e a maior variação registrada de outubro para novembro em cinco anos, segundo o Indicador Serasa Experian de Inadimplência do Consumidor.

O indicador mostra que a inadimplência de novembro foi puxada pelas dívidas não bancárias, que incluem cartões de loja, financeiras e conta de telefone, por exemplo, que aumentaram 7,7% em relação a outubro. Outro fator de pressão foi o calote do cheque, que cresceu 3,5% de outubro para novembro. Enquanto isso, a inadimplência do consumidor com banco caiu 1,1% e os títulos protestados ficaram estáveis (0,1%).

O indicador de inadimplência da Serasa Experian é calculado a partir das informações enviadas pelos clientes da empresa. Isto é, o critério de atraso não é uniforme em número de dias, explica o assessor econômico da empresa, Carlos Henrique de Almeida.

"Normalmente a inadimplência cai de outubro para novembro por causa do recebimento da primeira parcela do 13º salário. Mas neste ano, até agora, isso não ocorreu", observa ele.

Apesar do aumento significativo da inadimplência registrado pela Serasa Experian, esse resultado destoa dos demais indicadores que medem o nível de calote do consumidor, como os índices do Banco Central (BC), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Fecomércio-SP.

No último relatório de crédito do BC, por exempl0, o atraso superior a 90 dias no pagamento das parcelas de empréstimos ao consumidor ficou estável em outubro ante setembro e caiu 2,1 pontos porcentuais em relação a outubro de 2009.

O dado nacional de inadimplência da ACSP, que mede os crediários com prestações atrasadas acima de 30 dias aumentou 11,6% em novembro na comparação anual. Segundo economista da associação, Emílio Alfieri, esse resultado não é preocupante porque o volume de dívidas em atraso renegociadas no mesmo período cresceu num ritmo muito maior: 13,4%.

Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomércio-SP, ressalta que a pesquisa de endividamento de novembro da sua entidade mostra que diminuiu de 18% em 2009 para 15% neste ano o número de famílias sem condições de quitar total ou parcialmente as dívidas. "Com o aumento da renda e do emprego, até o momento não vemos crescimento significativo da inadimplência", diz Carvalho.

Mesmo após crise, BNDES é maior credor da Petrobras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Até 2008, mais de 60% do endividamento da estatal tinha crédito privado

Empresa pega recurso a juro baixo que poderia ser destinado a setores que precisam de fomento, dizem críticos


Pedro Soares

RIO - Mesmo após a crise, a Petrobras está cada vez mais dependente dos financiamentos do BNDES, que neste ano, até setembro, já representavam 36% do endividamento total da estatal, de US$ 57,1 bilhões (cerca de R$ 97 bilhões).

Também estatal, o banco substituiu as instituições financeiras e o mercado de capitais como principal fonte de crédito à petrolífera.

Em 2009, durante a crise, a Petrobras recorreu a uma linha de crédito especial do banco federal de fomento diante da secura do crédito bancário e do mercado externo. No ano passado, o BNDES emprestou R$ 27,24 bilhões e representou 41% da dívida da estatal do petróleo.

Neste ano (até setembro), o banco se manteve como o principal instrumento de financiamento da Petrobras, que já tomou até outubro R$ 3,8 bilhões, cifra superior aos empréstimos concedidos à companhia em 2007 e 2008, segundo dados repassados pelo BNDES à Folha.

Até 2008, o crédito privado representava entre 60% e 70% do endividamento da Petrobras. Em 2007, o BNDES correspondia a apenas 10% da dívida da Petrobras. A cifra subiu para 20% em 2010.

Especialistas dizem que a estatal tem condições de se financiar no mercado privado com juros baixos, mas absorve um volume significativo de recursos do BNDES que poderiam ser destinados a empresas e setores que necessitam de fomento.

Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo prepara medidas de estímulo ao financiamento privado com o objetivo de desafogar o BNDES.

À Folha o diretor-financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, disse que não há risco de a Petrobras depender excessivamente de só uma fonte de financiamento.

"O aumento do financiamento do BNDES relaciona-se às mudanças dos limites permitidos ao banco de emprestar à Petrobras."

O executivo ressaltou, porém, que a "geração de caixa" da companhia continuará a ser a mais importante fonte de recursos "para financiar investimentos".

"A Petrobras sempre contou com o mercado privado de dívida como fonte importante de crédito. A companhia obteve um empréstimo-ponte de US$ 6,5 bilhões em 2009, com bancos comerciais, em meio à crise internacional, que foi totalmente refinanciado no mercado internacional de títulos."

Segundo Barbassa, os recursos em caixa e mais o que será gerado em 2011 são "mais do que suficientes para atender aos investimentos planejados" no ano que vem.

Até 2014, a empresa precisa captar US$ 96 bilhões para fazer frente ao seu plano de negócios. Já conseguiu US$ 40 bilhões com oferta de ações (já descontado o pagamento à União de campos não licitados do pré-sal). Resta buscar no mercado US$ 15 bilhões ao ano até 2014.

União vai garantir empréstimo do BID de US$ 1 bi ao BNDES

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Segundo o "Diário Oficial", a União foi autorizada a garantir um empréstimo de US$ 1 bilhão do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Segundo o texto, assinado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, o valor destina-se a um programa de crédito voltado para as micro, pequenas e médias empresas. A União deve apresentar garantia para a realização da operação.

O texto ainda informa que o governo formalizou o acordo de crédito externo entre o BID e o BNDES, no qual a instituição internacional disponibiliza uma linha de até US$ 3 bilhões ao banco de fomento brasileiro.

Aumenta concentração de redes do varejo no Brasil

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Cinco maiores grupos detêm 57% do faturamento do setor, segundo ranking

As maiores varejistas faturaram 12,5% mais em 2009 em relação ao ano anterior, enquanto o setor cresceu 7%

Claudia Rolli

SÃO PAULO - As cinco maiores empresas do varejo do país aumentaram em 12,5% seu faturamento real na comparação do ano passado com o anterior. No mesmo período, o varejo teve expansão de 7% (descontada a inflação).

Juntos, esses cinco grupos faturaram R$ 94,5 bilhões em 2009 -o que correspondeu a 57% do faturamento total de 80 empresas que fazem parte do primeiro ranking do varejo do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo), lançado oficialmente hoje em São Paulo.

Em 1994, as cinco maiores redes de varejo detinham pouco mais de 45% do total de vendas do setor.

O Ibevar é formado por 30 executivos de companhias de varejo de 17 segmentos e por diretores do Provar (Programa de Administração de Varejo) da FIA, a quem o instituto é ligado.

"A maior concentração no setor é resultado da necessidade de buscar economia de escala para reduzir custos operacionais. A tendência é que esse movimento se intensifique", afirma o professor Claudio Felisoni, coordenador do Provar e presidente do novo instituto.

Os dados do ranking do Ibevar já levam em consideração informações do varejo após as recentes fusões e aquisições que ocorreram no setor. Caso da criação da Máquina de Vendas, formada por Ricardo Eletro e Insinuante, em março deste ano, e da expansão do Magazine Luiza, ao comprar há cinco meses a rede paraibana de eletrodomésticos Lojas Maia.

PRODUTIVIDADE

A concentração no setor fica ainda mais evidente, segundo os especialistas, quando se considera a produtividade por funcionário das dez maiores empresas e das dez menores do ranking do Ibevar.

"A produtividade dos dez maiores é, na média, quase 60% maior do que a das menores. Isso é reflexo do uso de tecnologias mais eficientes e dos investimentos em logística feitos pelos maiores", diz Nuno Fouto, diretor de estudos e pesquisas do Provar.

A internacionalização do setor também é uma das tendências que devem se acentuar no Brasil, segundo ressaltam os especialistas.

Há cerca de 15 anos, das cinco maiores redes somente uma tinha capital estrangeiro. Hoje, as cinco primeiras do ranking ou têm capital estrangeiro ou são extensões de operações internacionais.

"Com o crescimento modesto do PIB da Europa e dos EUA, com a perspectiva de crescimento da economia brasileira nos próximos anos e com o ingresso de 30 milhões de brasileiros no mercado de consumo (entre 2004 e 2005), cada vez mais os estrangeiros devem agilizar a vinda ao Brasil", diz Felisoni.

O anel de vidro:: Manuel Bandeira

Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, –
Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste…
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste…