quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Autocombustão:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O desfile triunfante do governador Pedro Paulo Dias pelas ruas de Macapá ao deixar a cadeia e o discurso do presidente Luiz Inácio da Silva acusando a imprensa de destilar "ódio e mentiras" enquanto os fatos mostram violação de sigilo fiscal, corrupção e nepotismo no governo são partes de um todo.

E qual é esse todo? É a transposição da verdade em mentira e vice-versa, da vergonha em orgulho, da acusação em defesa, da razão para comemorar em motivação para a fúria, do presidente da República em cabo eleitoral, da volta de Lula ao patamar de origem.

Deixa a Presidência menor do que quando chegou, dando margem a que se conclua que quem nasceu para sindicalista nunca chega a estadista.

E isso em nome de quê?

Pelo que se vê dos atos do presidente, pela desconstrução que faz do próprio símbolo do lutador, do vencedor, do democrata, do fundador do partido renovador, do exterminador de corruptos, o mais importante para ele é a disputa da hora.

Por isso não leva em conta o passado nem se preocupa com os efeitos futuros: interessa o aqui e o agora. E agora só o que importa é eleger Dilma Rousseff no primeiro turno.

Se o País retrocede institucionalmente, se o presidente perde prestígio e respeitabilidade, se a democracia é ferida, nada disso é visto. Só se enxerga a construção de uma vitória grandiosa.

Maior que as duas anteriores, pois Lula terá criado um ser eleitoral do nada e conseguido impor uma derrota avassaladora ao adversário que se preparou a vida toda para ser presidente.

A possibilidade de que as coisas não saiam exatamente como o sonhado e o empenho para que saiam a contento parecem para Lula valer o risco de pôr a perder a parte mais sólida de seu patrimônio: a imagem construída ao longo dos últimos 30 anos.

Quando demonstra desapreço pela democracia na política externa, o presidente sempre pode recorrer à desculpa de que não se imiscui na política dos países. Ainda que ditaduras.

Mas quando faz o mesmo no país que governa, mas cuja Constituição desrespeita no tocante à liberdade de imprensa e na obrigação de ser impessoal no cargo, não há disfarce possível e acaba por contrariar os próprios interesses.

Lula quer manipular a realidade jogando ao mesmo tempo para dois públicos: o informado, que exige punições; e o não-informado que acredita quando diz que a imprensa mente e o persegue.

Não aceita jogar na regra, parte pra cima, como no sindicalismo, mas o problema é que ao fazer isso acaba se revelando manipulador e truculento à vista de todos.

Não que Lula seja diferente do que sempre foi: ao contrário, está mais igual do que nunca.

Quando na oposição nunca carregou com distinção as derrotas nem conviveu bem com as críticas.

De jornalista para político, conversas com ele que não fossem de concordância ou admiração eram conversas difíceis. Dos tempos do sindicato às candidaturas presidenciais.

Não obstante as evidências, Lula sempre foi muito festejado, principalmente na imprensa, jamais se apontou nele qualquer traço autoritário.

Mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o conhece muito bem, em 2002 acreditou que teria a biografia enriquecida com o fato de o sucessor ser "um líder operário que chegou a presidente", sendo recebido pelo antecessor derrotado com todas as fidalguias de uma transição civilizada.

Fato é que independentemente da realidade, a imagem de Lula aqui e no exterior para a maioria sempre foi das melhores. E não falamos da maioria de triste destino que de tão carente não precisa de muito para adotar um salvador.

Lula sempre privou da maior respeitabilidade entre bem estudados, bem nascidos, bem alimentados e bem vestidos. Notadamente aqueles com acesso ou com assento nos meios de comunicação. Foi aí que se originou o mito.

E é por aí também que se desmistificam as imposturas.

Uma ou outra. Não dá para a Ordem dos Advogados do Brasil ao mesmo tempo defender a liberdade de imprensa e pedir a interdição de uma obra na Bienal. Questão de princípio.

Mundo novo:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Nada mais característico dos tempos atuais do que o criador do Facebook, Mark Zuckerberger, ter sido escolhido, aos 25 anos, a personalidade do ano pela revista "Time". E, mais significativo ainda, a opção era Julian Paul Assange, 39 anos, criador do WikiLeaks, blog que vem provocando uma revolução no mundo dos governos e do jornalismo ao divulgar correspondências sigilosas de autoridades americanas em redor do mundo.

Os dois têm uma característica comum: são originalmente hackers, jovens especialistas em computadores que têm capacidade técnica de alterar ou aperfeiçoar programas e até mesmo invadir sistemas por mais sofisticados que sejam.

Zuckerberger foi o escolhido por "conectar mais de meio bilhão de pessoas e mapear as relações sociais entre elas; por criar um novo sistema de troca de informações e por mudar a maneira como todos nós vivemos."

Informação, e como ela circula pela internet, parece ser a chave dessa revolução.

O sociólogo Manuel Castels, um dos maiores estudiosos desse novo mundo tecnológico, afirma em seu novo livro, "Comunicação e poder", que o poder se baseia no controle da comunicação, e em recente artigo no jornal espanhol "La Vanguardia" diz que "a reação histérica dos Estados Unidos e outros governos contra o WikiLeaks confirma isso".

Para ele, "entramos em nova fase da comunicação política".

Da mesma maneira, alguns governos temem o grande arquivo de dados do Facebook e a facilidade com que ele pode ser usado para formar redes e espalhar informações.

A China bloqueou o site desde 2009, Irã, Paquistão e Arábia Saudita proibiram o Facebook em diversas ocasiões.

Castels diz que a reação à ação do WikiLeaks não se dá "tanto porque se revelem segredos ou fofocas", mas porque eles se espalham "por um canal que escapa aos aparatos de poder".

A Revolução Digital, diz Rosental Calmon Alves, professor brasileiro da Universidade do Texas, tem como impacto mais importante a repartição de poder dos meios de comunicação de massa com os indivíduos.

É o que Castels chama de "a sociedade civil global", que tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa.

O sociólogo, professor da Universidade Southern California, ressalta que ninguém contesta a veracidade dos documentos vazados, e o vazamento de confidências "é a fonte do jornalismo de investigação com que sonha qualquer meio de comunicação em busca de furos, desde Bob Woodward e sua Garganta Profunda no "Washington Post". A difusão da informação supostamente secreta é prática usual protegida pela liberdade de imprensa".

Para ele, a diferença é que "os meios de comunicação estão inscritos num contexto empresarial e político suscetível a pressões quando as informações resultam comprometedoras".

Para o jurista Joaquim Falcão, diretor da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio, a questão está definida na primeira emenda da Constituição americana, que distingue a "liberdade de expressão" da "liberdade de imprensa", sendo a primeira um conceito mais amplo.

Para Falcão, liberdade de expressão é o gênero, e a liberdade de imprensa é a espécie, mas esta depende da primeira.

"O novo nisso é saber se os padrões, os hábitos, a cultura do jornalismo tradicional se aplicam a esse novo mundo da internet", comenta Falcão. Para ele, o vazamento de informações da forma que é feita pelo WikiLeaks obedece a padrões diferentes, disponibiliza tudo e retira do jornalista a capacidade de selecionar informações.

Rosental Calmon Alves reconhece que, além do desafio de governos e instituições para proteger seus documentos sensíveis, há outro desafio criado para os jornalistas, que estão fazendo de tudo para se capacitar a lidar não só com vazamentos, mas com a análise e a narrativa de enormes volumes de dados que encontram pela frente.

Uma nova disciplina está se criando no jornalismo para lidar com isso: em inglês, database journalism ou data-driven storytelling. Ou seja, como tirar boas histórias ou reportagens dos arquivos.

Rosental destaca que o WikiLeaks foi fundado na melhor das tradições do alerta da sociedade, aquele informante que, geralmente indignado com algo criminoso ou imoral, decide vazar uma informação, como forma de denunciar o erro e tentar com que os culpados sejam punidos, cujo exemplo emblemático é o caso Watergate.

O problema dos últimos megavazamentos, diz ele, é que se trata de algo "tão volumoso que parece indiscriminado". Uma coisa, diz Rosental, é o vazamento do vídeo mostrando um ataque contra civis no Iraque, a conversa insensível dos militares etc., ou seja, um caso concreto a denunciar.

"Outra coisa é expor milhares e milhares de telegramas confidenciais das embaixadas ou informes de campo de soldados." Mas ele ressalta também que "o maior mito deste episodio é dizer que o WikiLeaks divulgou todos os telegramas, indiscriminadamente".

Segundo Rosental, os 250 mil documentos não foram publicados na internet, mas entregues a jornalistas responsáveis que se comprometeram a filtrá-los e publicá-los de maneira condizente com seus princípios éticos e profissionais.

"Nem o WikiLeaks publicou tudo o que recebeu nem a imprensa publicou indiscriminadamente", define.

O papel da imprensa não é guardar segredos do governo, mas ela faz bem ao fazer concessões e não publicar certas informações que ponham em risco a vida de pessoas citadas, ressalta Rosental - concordo com ele, este é um ponto fundamental na discussão.

O fato é que a ciberguerra começou, como define Manuel Castels, guerra entre os Estados e a sociedade civil internauta.

Para alguns, como o crítico Christopher Hitchens, Julian Assenge não passa de um "megalomaníaco inescrupuloso com uma agenda política".

Para a revista inglesa "The Economist", ele tem que ser processado. Já o WikiLeaks em seu editorial se propõe a difundir documentos classificados (reservados, confidenciais ou secretos), em nome da "transparência e da prestação de contas".

Eu acho que ele tem mais de anarquista do que de jornalista. Mas o fato de ter escolhido sete jornais pelo mundo, entre eles O GLOBO, para divulgar os documentos, mostra que o jornalismo tradicional é instrumento de credibilidade nesse novo mundo da informação.

Corte da OEA fez o que STF deixou de fazer:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Fatalmente isso iria acontecer: a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 militantes do PCdoB, durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974. A decisão da Corte faz o que o Supremo Tribunal Federal (STF) não fez, em abril, quando teve oportunidade: reconheceu que os crimes dos agentes de Estado não são políticos, mas contra a humanidade.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a anistia a representantes do Estado acusados de torturar e matar opositores políticos durante o regime militar (1964-1985), foi derrubada, no final de abril, por sete votos a dois. Prevaleceu a opinião do relator da matéria, ministro Eros Grau, de que não cabia ao Judiciário rever um "acordo político" que teria resultado no perdão para "crimes políticos" e "conexos". Os fatos históricos não convalidam a tese de "acordo político", e sequer a de "crime político". Da mesma forma, é possível contestar os argumentos do presidente do Supremo, Cezar Peluso, que falou em "generosidade", no "princípio da igualdade" e da "legitimidade" das partes que fizeram o suposto acordo. O princípio da igualdade é altamente duvidoso: a própria OAB apresentou ao STF o caso de 495 integrantes da FAB que não foram beneficiados pela anistia. Da "legitimidade" mais ainda, pois quem impôs a lei foi o último governo militar, que tinha o poder das armas e uma bancada governista manietada. Aliás, aprovou a lei com os votos de uma maioria obtida artificialmente nas urnas, graças a mudanças na legislação eleitoral e partidária impostas seguidamente pelo regime, à medida em que a oposição ameaçava sua hegemonia no Legislativo.

Com sua decisão, o STF legitimou a anistia à tortura, considerada crime hediondo pela Constituição de 1988 - portanto imprescritível e inafiançável - , mesmo sabendo que os familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia demandavam a condenação do país por esses crimes na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Anteriormente, a Corte havia anulado as auto-anistias dos regimes autoritários do Peru, da Argentina e do Chile. Era inevitável que fizesse o mesmo com o Brasil, na primeira ação relativa à ditadura militar no país julgada no âmbito da OEA. O risco de que uma decisão dessas do STF resultasse num constrangimento diplomático era evidente. O Brasil, afinal, é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Judiciário faz parte do Estado que deve cumprir Convenção

O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, disse ontem que a decisão da Corte não obriga o Supremo a rever o seu julgamento. Se não havia a intenção do Estado de cumprir um acordo internacional - e o Judiciário faz parte do Estado -, não existiriam razões para que assinasse a Convenção. Peluso jogou a responsabilidade para outras instâncias: nada impede ao Executivo indenizar ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, como tem feito; também é possível resgatar o passado. De resto, a decisão da Corte é só "sinalização". Não interfere na decisão do STF.

O resgate histórico desse período negro, que é a bandeira de instituições comprometidas com os direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos do regime militar, não é uma questão pessoal. Essa reivindicação tem sido tratada como uma vingança dos opositores da ditadura, contrária à "generosidade" expressa por uma lei de anistia ampla. Não foi por falta de generosidade que países vizinhos abandonaram leis que anistiavam agentes de Estado que torturaram e mataram. Foi pela convicção - expressa pela Corte Interamericana - de que a democracia no continente apenas se consolidará se houver um acerto com o passado. É preciso, no mínimo, consolidar a cultura de que o passado não é um exemplo a ser seguido.

O aparelho policial e militar foi altamente prejudicado pela presença de agentes que se acostumaram a viver à sombra e acima da lei. Quando se fala em abuso policial e do poder das milícias nas favelas do Rio, por exemplo, ninguém se lembra que a origem dessa autonomia policial diante das leis e perante o resto da sociedade remonta ao período em que o aparelho de repressão tinha licença para sequestrar, matar e torturar sem se obrigar sequer a um registro policial. E que a manutenção da tortura como instrumento de investigação policial existe, atinge barbaramente os setores mais vulneráveis da população e continua não sendo punido. A anistia a agentes do Estado tem se estendido, sem parcimônia, até os dias de hoje.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Em causa própria:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Um Congresso que não consegue ter um relator para o Orçamento aprova um aumento salarial de 62% para os parlamentares e de 130% para ministros e presidente da República. Este é o resumo desse final de legislatura. O Orçamento está no terceiro relator e os três enfrentam o mesmo tipo de dúvidas: emendas que beneficiam entidades às quais estão ligados seus parentes ou assessores.

Qualquer aumento de salário de parlamentar vai sempre provocar reações na opinião pública, mesmo quando forem justificáveis. Mas, no caso, o Brasil desconhece reajustes de preços em percentuais tão altos desde que derrubou a hiperinflação. Nenhum trabalhador conseguiria seu objetivo se pedisse reajuste de 60% a 130%.

Os deputados e senadores brasileiros têm vários outros benefícios dos quais a imprensa tem falado com frequência. Auxílios para transporte, para correspondência, verba de representação, benefícios frequentemente usufruídos de forma ilegítima. Tantas notícias sobre os desvios no uso dessas verbas, e os escândalos, foram esgarçando a confiança dos eleitores nos deputados e senadores. Aí, no final de uma legislatura tumultuada, quando não se sabe se haverá relatoria para o Orçamento, os deputados aprovam um decreto legislativo legislando em causa própria, dos ministros, da próxima presidente e, indiretamente, para deputados estaduais do país todo. No mesmo dia, numa agilidade desconhecida em outras matérias, o Senado também aprova o projeto. Fazem neste 15 de dezembro por truque, e não por falta de tempo. Logo virá o recesso e, no ano que vem, assumirá novo Congresso. Esse, que está velho, ficará com o desgaste. A aposta geral é que a reclamação não virá porque será esquecida nas festas de fim de ano.

Melhor é que o Congresso tivesse argumentos para defender o reajuste dos seus salários no início da Legislatura. Pior é a maneira como se faz: a 15 dias do fim do ano, vota-se que o tema é "urgente" e, em seguida, aprova-se o mérito em votações simbólicas, porque assim não se sabe quem votou ou deixou de votar. A tese para justificar o aumento também não faz sentido algum: a de que é para que todos tenham "isonomia" em relação aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eles, por sua vez, estão com novos pedidos de aumentos para o Judiciário também na casa dos 50%, num país em que 5% é inflação alta. O risco de um reajuste com esse motivo é de novo consagrar aquela corrida do passado. Na hiperinflação, os funcionários do Banco do Brasil pediam aumento alegando que era para ter isonomia com os funcionários do Banco Central. Aí os funcionários do Banco Central conseguiam outro aumento e começava de novo a rodada.

O Orçamento chegou ao Congresso inchado e com receitas superestimadas, o Congresso está elevando ainda mais os gastos, criando novas receitas fictícias para cobrir emendas de parlamentares. O presidente Lula avisou que o governo terá que cortar despesas. Em parte por culpa do presidente que deixa o cargo em duas semanas, que permitiu uma gastança espantosa neste último ano em que pagou qualquer preço - com o dinheiro dos contribuintes - para garantir a eleição da sua candidata. O novo governo tomará posse com um orçamento de faz de conta, isso se houver tempo de aprovação da peça orçamentária.

O Congresso passou o ano inteiro com mais sessões suspensas do que realizadas, por causa da campanha, e ontem aprovou com uma rapidez impressionante um aumento salarial para si mesmo. Fatos assim estão minando a relação com os representados. Ao contrário do que os políticos gostam de dizer, esse desgaste não é causado pela ausência de uma reforma política e sim pelo mau comportamento dos parlamentares. Que tivessem a coragem de explicar e justificar o reajuste, que votassem no tempo regulamentar, que convencessem a sociedade da necessidade do aumento e que cada congressista votasse com seu rosto e nome. O inaceitável é que os políticos tomem uma decisão polêmica em votação simbólica, em regime de urgência, na penúltima semana da Legislatura. Votam como se estivessem prontos para, em seguida, fugir do flagrante.

Um sinal assustador ronda essa Legislatura, nesta queda em dominó de relatores do Orçamento: o da suspeita de estarmos diante de um novo escândalo como o dos anões do Orçamento. Em 1993, descobriu-se um esquema de fraudes em emendas parlamentares que beneficiavam uma sucessão de deputados e foi o início de uma CPI que terminou em cassação de mandatos. Desta vez, o senador sem voto - mas com amigos - Gim Argello foi o primeiro a renunciar ao ser atingido pela suspeita de ter apresentado emendas ao orçamento para beneficiar empresa de um filho. Em seguida, diante da primeira suspeita sobre a senadora Ideli Salvatti, ela também renunciou ao cargo. A senadora Serys Slhessarenko foi atingida quando se descobriu que sua assessora Liane Muhlenberg é diretora de uma ONG beneficiada por uma emenda. A senadora disse que nada sabia, que foi traída pela assessora, mas ontem a "Folha de S.Paulo" lembrou que há oito meses em entrevista ao jornal a senadora demonstrou conhecer os vínculos de sua assessora com a ONG.

O presidente Lula disse que na democracia é assim mesmo: escolhe-se um parlamentar, depois se houver algum problema, é só tirar e procurar outro. Banaliza mais uma vez o mau comportamento. Após três problemas sequenciais, o que será que se deve fazer com o Orçamento? Provavelmente deixar a aprovação para o ano que vem, porque os parlamentares têm algo mais relevante: aumentar os próprios salários.

O enterro da nova CPMF? :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Pronto, está feito. Em votação supersônica, deputados e senadores aumentaram os salários de deputados e senadores em 62%. De quebra, deram 134% a mais para o presidente e o vice e 149% para os ministros do Executivo.

Apesar da óbvia gritaria da opinião pública nos próximos dias, era preciso mesmo equiparar os salários dessa gente toda com a realidade. Não faz sentido os ministros ganharem R$ 10,7 mil, o presidente, R$ 11,4 mil, nem os parlamentares, R$ 16,5 mil, como é hoje.

Esses salários irreais, fictícios -e sem reajuste há três anos-, têm sido geradores de "jeitinhos" e "verbas especiais" que são fonte permanente de escândalos.

Mas há dois problemas na decisão de ontem. Um: por que o Congresso demora oito anos para discutir uma lei sobre transplante de órgãos e dias para se autoconceder aumentos salariais? Outro: se os congressistas passam a ter uma remuneração decente, vão acabar com os penduricalhos que levam o valor básico à estratosfera?

É um tal de 14º, 15º salário, jeton para sessões extraordinárias, auxílio-moradia, passagens, correspondência, carros... Sem contar saúde de graça e plano de aposentadoria, apesar dos mandatos de quatro anos para deputado e de oito para senador.

É evidente que o aumento veio, mas os penduricalhos não vão embora. E o pior é a vinculação dos salários das Câmaras e das Assembleias aos do Congresso, causando um frisson e um efeito cascata nos Legislativos do país inteiro -enquanto Executivo, Judiciário e os próprios funcionários do Congresso também querem a sua parte.

Tudo isso, evidentemente, contraria o discurso de ajuste fiscal do futuro governo e enterra -ou deveria enterrar- o debate da volta da CPMF. Aumentar o salário público e garfar mais o privado fica esquisito. Vai ter troco.

PS - E o "mensalão"? O gato comeu, e Lula apagou da história.

A cara da nova equipe econômica:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Presidente eleita completa nova equipe da Fazenda, formada de ex-esquerdistas temperados com realismo

Não faz muito tempo, a formação intelectual da cúpula econômica de Dilma Rousseff causaria esgares, faniquitos, protestos da mais baixa estima e desconsideração e jeremiadas sobre "ameaças à política econômica sustentável". Sinal dos tempos e do fato de que crescimento e dinheiro de sobra abafam até ódios ideológicos, mal se vê um muxoxo público dirigido ao time escalado pela presidente e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega.

A equipe de Dilma é parecida com a de Lula 2, a qual, apesar de evidentemente não ser do gosto profundo do "mercado" e de economistas-padrão, não causa comoções maiores. No mais, devido a uma mistura de sorte (conjuntura mundial favorável) com competência e até de alguns exotismos, entrega o país com crescimento do PIB de 4,6%, na média dos últimos quatro anos, e com incremento de 3,5% do PIB per capita, também na média do quadriênio, o maior avanço desde o final dos anos 1970, lá se vão cerca de três décadas.

Mantega é um velho militante petista, "heterodoxo" desde sempre, "desenvolvimentista" etc.

Seu escudeiro na Secretaria de Política Econômica no governo Lula, Nelson Barbosa, doutorou-se na New School of Social Research, de Nova York, um centro de boa formação de quadros esquerdistas ou pelo menos "liberals" (no sentido americano, de progressistas democratas moderados). Barbosa é considerado o "formulador" das políticas econômicas da Fazenda no governo Lula 2. Agora, será vice-ministro da Fazenda, no posto de secretário-executivo. O secretário de Assuntos Internacionais será um diplomata capaz e temperado em duras negociações comerciais, Carlos Conzendey.

Barbosa será sucedido por Marcio Holland, professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas. Holland doutorou-se na Unicamp com estudos sobre regimes cambiais. Foi então orientando de Otaviano Canuto, ora um dos vice-presidentes do Banco Mundial. A Unicamp, como se lembra, era considerada ou malfalada como ninho heterodoxo.

A Escola de Economia da FGV-SP é dirigida por Yoshiaki Nakano e tem Luiz Carlos Bresser-Pereira como seu professor emérito. Nakano e Bresser-Pereira são críticos históricos da política econômica implementada por FHC e, aliás, também por Lula. Representam o espírito de uma escola que ainda se ocupa de temas como desenvolvimento autônomo, nação e, enfim, suas preocupações intelectuais e políticas são também as da elite de um Estado que fez a industrialização do país.

Obviamente, Holland não é um mero rebento clonado da Unicamp ou da FGV. Além de ser um economista rigoroso, Holland transita política e intelectualmente bem tanto entre ditos "ortodoxos" (desculpem o palavrão) do Rio, da PUC ou da FGV como entre "desenvolvimentistas" de São Paulo. Não acredita de modo algum em mágicas e em milagres, nem em macumbas econômicas, mas tempera seu conhecimento da profissão com pragmatismo, senso de realidade e desconfiança de extremismos teóricos.

São esses pragmáticos um dia esquerdistas que vão comandar a política econômica. Resta ver como vão lidar com problemas muito "ortodoxos" e urgentes, tais como gasto público no limite suportável "cum" inflação e deficit externo em alta.

Gastos, inflação, queda do PIB. Bem acima dos problemas da composição do governo:: Jarbas de Holanda

Evidencia-se bem maior que o previsível o descontentamento gerado até agora pela composição do governo Dilma Rousseff. A participação do PMDB, quanto à importância dos ministérios que lhe foram atribuídos, começa menor do que aquela que tem no de Lula, em detrimento sobretudo das expectativas da ala majoritária na direção, a da Câmara dos Deputados. O crescimento da representação do PSB deverá dar-se não pela via institucional de seu presidente, Eduardo Campos, mas através de negociação particular com Ciro Gomes, a fim de atender aos dois polos da liderança no partido e tendo em vista provavelmente evitar que no todo ou em parte ela possa vir a articular-se com o líder emergente da oposição, Aécio Neves. O descontentamento se estende ao PT – às bancadas federais, às correntes que se sentem excluídas ou sub-representadas, a vários diretórios de estados, especialmente o de Minas, convergentes nas críticas a um critério “dilmista” de escolha de nomes da legenda e ao predomínio de figuras de São Paulo, ou ao “paulistério”. Um sinal do peso das referidas críticas foi a derrota, ontem, do líder da bancada, o paulista Cândido Vaccarezza, na escolha do candidato petista à presidência da Câmara. E as reações desses partidos, bem como dos demais da aliança pró-Dilma, tendem a desdobrar-se na busca de compensação em cargos nos segundo e terceiro escalão. Por outro lado, a própria Dilma deve estar desapontada com a frustração do seu propósito de prevalência de critério técnico na montagem do governo, em face do peso das pressões que tem sido compelida a atender, a partir das do presidente Lula.

Mas esses e outros problemas criados pela e com a base político-parlamentar lulista/dilmista – em parte decorrentes de inexperiência da presidente eleita no enfrentamento deles e, em dimensão maior, praticamente inevitáveis no presidencialismo de coalizão vigente – mesmo que tenham potencial de agravar-se ao longo do governo, tais problemas constituem preocupação bem menor de Dilma Rousseff, às vésperas de sua posse na presidência, do que as complicações do novo cenário da economia. Que foram configurando-se no decorrer de 2010 com o excesso de gastos públicos, sobretudo de custeio, promovidos na extensa campanha eleitoral, e se agravaram pela coincidência da eclosão de crise financeira internacional, desencadeada na Europa e refletida na supervalorização de nossa moeda, que reduz agudamente a competitividade dos produtos brasileiros, lá fora e até aqui dentro. Complicações que explicam a inesperada (e positiva) prioridade do controle dos gastos e do equilíbrio fiscal assumida pela presidente eleita a partir do seu “discurso da vitória”. É que para ela já estava claro que, sem a mudança de cenário, o primeiro ano de seu governo será dominado pela combinação de dois fenômenos de graves efeitos econômicos e políticos: a volta da inflação, que vem avançando, e queda significativa do crescimento. Essa prioridade reforçaria a tendência natural dela de subordinação de objetivos políticos aos de caráter econômico, mas estes – pelo menos conjunturalmente – desligados do economicismo esquerdista e estatizante de sua trajetória. E deve ampliar o papel de assessoramento do realismo pragmático de Antonio Palocci.

Desafio – Trecho de artigo do especialista em contas públicas Raul Velloso, com o título “Legado de Palocci”, no Estadão de anteontem: “O grande desafio que se coloca (para Dilma Rousseff) é a revisão do modelo de crescimento dos gastos correntes que tem vigorado desde a constituição de 1988, que tende ao esgotamento. Dito de outra forma, trata-se de modelo de queda progressiva da taxa de poupança interna, especial mente no setor público, que, por consequência, coloca a expansão do investimento (e das possibilidades de produção interna) em situação de baixa prioridade”. Inflação – De artigo do prof. Affonso Celso Pastore, intitulado “Os rumos da política fiscal”, no Estadão de domingo último: “A história econômica mostra que as inflações não ocorrem por geração espontânea, e que a taxa de juros é o principal instrumento para seu controle. Por isso, não há como comprometer-se com trajetória pré-fixada de queda da taxa real de juros. Por outro lado, embora atualmente no Brasil seja possível obter por algum tempo taxas de crescimento de 5% ou de 5,5% ao ano, essas taxas somente poderão ser sustentadas caso ocorram alterações profundas na política fiscal que elevem as poupanças totais domésticas”.

Jarbas de Holanda é jornalista

Debate discute regulação da mídia e censura

DEU EM O GLOBO

Criação de conselhos de imprensa nos estados é criticada

A liberdade de expressão e a regulação de conteúdo da mídia foram temas discutidos ontem em evento no Rio, que reuniu 120 médicos e jornalistas, organizado pelo cardiologista Cláudio Domênico. O debate, com a participação do escritor e colunista Zuenir Ventura e do deputado federal Miro Teixeira (PDT), incluiu ainda assuntos como a relação da imprensa com governos e as novas tecnologias.

- Não há possibilidade de controle de conteúdo. Está muito claro na decisão do Supremo, que revogou a Lei de Imprensa. Também não há possibilidade de censura. Algumas decisões de juízes em primeira instância são lamentáveis. Mas não se pode dizer que a magistratura está decidindo pela censura. A maioria dos juízes está seguindo a Constituição. Aos poucos, vamos avançando - disse Miro.

Zuenir Ventura criticou a tentativa de criação de conselhos de imprensa nos estados. Na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o deputado Paulo Ramos (PDT) apresentou projeto prevendo o acompanhamento dos meios de comunicação locais.

- Há uma tentativa de censura. A realidade é essa. Quem saiu prejudicado nos anos de chumbo foi a sociedade. Sofremos muito com a ditadura. Sabemos o custo dessa liberdade.

Deputados, ministros e Dilma vão ter reajuste de até 149%

DEU EM O GLOBO

A toque de caixa, deputados e senadores aprovaram ontem, com duas votações num único dia, reajustes em seus próprios salários e nos vencimentos do presidente e do vice-presidente da República e dos ministros de Estado. Todos passam a receber R$ 26.723,13 a partir de 1º de fevereiro. No caso dos ministros, que atualmente ganham R$ 10,7 mil, o reajuste chega a 149,5%. Os parlamentares terão aumento de 61,8%, mas como a lei prevê um eleito cascata para Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, a Confederação Nacional dos Municípios estima que o impacto chegará a R$ 2 bilhões por ano em 2013. No Congresso, o reajuste custará R$ 136 milhões por ano e, no Executivo, R$ 100 milhões. Para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já que já ganham os R$ 26,7mil, já está previsto, no Orçamento da União, um reajuste de 5,2%.

Congresso se dá reajuste de 61,8%

GASTO PÚBLICO EM ALTA

Já presidente ganhará mais 130% e ministros, 149%; aumento causa efeito cascata

Isabel Braga

Em ação rápida e articulada nos bastidores durante o último mês, senadores e deputados aprovaram num único dia, nas duas casas do Congresso, aumento de 61,8% em seus próprios subsídios, elevando-os dos atuais R$16,5 mil para R$26,7 mil. A decisão de equiparar os próprios vencimentos - e também os do presidente da República, vice-presidente da República, e dos ministros de Estado - ao que recebem hoje os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) provocará um impacto direto, anualizado, de pelo menos R$136 milhões nos cofres do Congresso e de R$100 milhões no Executivo.

Isso sem considerar todos os encargos trabalhistas, gastos com aposentadorias e pensões e também o efeito cascata que tal decisão deverá provocar nos salários de legislativos estaduais e municipais e nos cargos de confiança do governo federal. Estima-se que só nas assembleias legislativas nos 26 estados e mais no Distrito Federal o custo poderá ser de mais R$128 milhões por ano. E, nas Câmaras de Vereadores, de mais R$1,8 bilhão por ano, embora o reajuste dos vereadores, por lei, só possa ocorrer a partir do início de 2013.

Verbas de obras irão para folha

A votação do aumento de 14,79%, que elevaria os vencimentos dos ministros do Supremo para R$30,3 mil, ficou adiada para o próximo ano. Mas no Orçamento de 2011, os recursos disponíveis para este fim (R$156 milhões) permitem a reposição da inflação, estimada em 5,2%. Com isso, o salário dos ministros iria para R$28,1 mil. A Câmara e o Senado já dispõem, em seus orçamentos, de recursos para bancar o aumento de salários. Algumas obras previstas - e nunca executadas - terão suas verbas remanejadas para o reajuste da folha de pagamento.

O projeto de decreto legislativo da Mesa Diretora da Câmara estabelece que, a partir de fevereiro de 2011, deputados e senadores, a presidente eleita, Dilma Rousseff, o vice-presidente eleito Michel Temer (PMDB-SP) e pelo menos 37 ministros do governo receberão vencimentos equivalentes a R$26.723,13. No caso de Dilma e do vice, o aumento será de 130,3%. Já para os ministros, de 149,5%. Segundo o projeto, Executivo e Legislativo arcarão com as despesas dentro da dotação orçamentária de cada poder. Não houve qualquer corte nas verbas de custeio dos parlamentares (R$15 mil mensais) ou mesmo, no caso dos deputados, nas verbas para pagamento de funcionários de gabinete (R$60 mil mensais), como alguns deputados sugeriram inicialmente.

Câmara e Senado aprovaram o projeto simbolicamente, ou seja, em votação onde não há o registro eletrônico do voto. No caso da Câmara, como foi votado o requerimento de urgência para a inclusão da proposta na pauta, 35 parlamentares votaram contra, mas outros 279 foram a favor do aumento. No Senado, a votação durou menos de cinco minutos.

Críticas à rapidez da votação

O presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), anunciou que a proposta estava em votação, disse que nenhum senador estava inscrito para debater e aprovou simbolicamente. Os senadores José Nery (PSOL-PA), Marina Silva (PV-AC) e do líder do PSDB, Álvaro Dias (PR), criticaram o aumento, depois que já tinha sido sacramentado pelo plenário.

- Aqui nesta Casa, alguns projetos têm uma lentidão proposital, outros, celeridade - criticou Dias, que foi contra o aumento porque não foi acompanhado de qualquer corte na verba indenizatória.

Os parlamentares conseguiram igualar seus vencimentos aos dos ministros do STF, reivindicação antiga e muitas vezes barrada pela pressão da opinião pública, mas terão que aprovar ainda uma emenda constitucional para que a equiparação seja definitiva.

Responsável pela articulação do aumento na Câmara, o vice-presidente Marco Maia (PT-RS) - que assume hoje a presidência com a renúncia de Michel Temer (PMDB-SP) e é o provável futuro presidente - disse que a emenda será apresentada pelo deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) no início da próxima legislatura.

- É bom que se resolva isso de uma vez por todas. Na próxima legislatura, uma emenda fará a vinculação direta e também acabará com o aumento automático nos salários dos deputados estaduais - disse Marco Maia.

Para não correr qualquer risco, já que o quórum na Câmara estava baixo e metade dos deputados não retornará à Casa em 2011, o deputado Inocêncio Oliveira aguardou quase duas horas para abrir o painel na votação da urgência. Os poucos deputados contrários ao aumento revezavam-se na tribuna. O único partido a encaminhar contra foi o PSOL, que defendeu o reajuste das perdas inflacionárias desde o último reajuste, dado em abril de 2007. Isso elevaria os subsídios parlamentares para cerca de R$20 mil.

- Esse projeto amplia o abismo entre o Parlamento e a sociedade. É advocacia em causa própria. O percentual de 62% para os parlamentares e mais de 130% para presidente e ministros, diante da realidade brasileira, é evidentemente demasia - protestou Chico Alencar (PSOL-RJ).

Indignada com a falta de debate em seu partido, a deputada Luiza Erundina também usou a tribuna para se manifestar:
- Sou contra (a equiparação com o STF) e é bom os deputados tomarem cuidado e tirarem seus distintivos, porque vão sofrer agressões e críticas nas ruas. É um desrespeito ao interesse público votar esse aumento, no final da legislatura, sem debate, sem uma lógica, em interesse próprio.

Durante os debates na Câmara, alguns deputados brincavam entre si, ironizando os poucos colegas que criticavam.

- Se é contra, Ivan (Valente, do PSOL-SP), devolve! - provocou o petista Devanir Ribeiro (SP).

Ivan Valente reagiu:

- Devanir, você fala isso desde a época que eu era do PT. Sou deputado como vocês, mas defendo a correção inflacionária.

Um dos autores do projeto, o 4º secretário Nelson Marquezelli destacou, na tribuna, que se a Casa fosse corrigir pelas perdas reais, teria que elevar os subsídios a mais de R$40 mil:

- Quando vim para cá, no primeiro mandato, em 1980, deputado ganhava mais ou menos US$20 mil.

Para o salário mínimo, aumento deve ser de 5,9%

DEU EM O GLOBO

Lula se encontra com sindicalistas e recebe homenagem de gays

Lula segura bandeira entregue por Toni Reis, do Movimento LGBT

Cristiane Jungblut e Chico de Gois

BRASÍLIA. Depois de incontáveis elogios de representantes dos movimentos sociais, o presidente Lula ouviu do presidente da CUT, Artur Henrique, que as centrais sindicais vão continuar lutando para fixar o salário mínimo de 2011 em R$580, contra os R$540 aceitos pelo governo. O lobby dos sindicalistas foi levado pessoalmente a Lula no Palácio do Planalto no mesmo dia em que se acertou que o Congresso deve mesmo aprovar o Orçamento de 2011 com recursos suficientes apenas para elevar o piso salarial dos atuais R$510 para R$540, o que significa um reajuste de 5,9%, contra os 62% que os parlamentares aplicaram aos próprios subsídios.

Segundo interlocutores do governo, a estratégia é deixar para Lula uma "bondade final". Ao editar a Medida Provisória, ele pode definir um valor um pouco acima dos R$540. Mas a decisão será tomada em conjunto com a presidente eleita, Dilma Rousseff. Os sindicalistas usaram camisetas pregando "R$580 já" durante o ato com Lula.

Depois da cerimônia, Artur Henrique disse que os R$580 são condizentes com o discurso da presidente eleita:

- O importante é a política de valorização do salário mínimo. Se ela (Dilma) diz que a sua principal meta é a erradicação da miséria, começaria bem com o aumento do salário mínimo.

Mais cedo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já tinha avisado que não tem como dar mínimo superior a R$540:

- A partir de agora, é um momento politicamente ruim para aumentar o salário mínimo. Teremos um esforço de controlar a inflação e a receita do governo não está crescendo na mesma proporção que a economia.

Lula, que foi homenageado pelos movimentos sociais, agradeceu a participação das entidades durante seu governo, sobretudo nos momentos mais difíceis, como em 2005, durante o mensalão. Ele disse que fez muitas amizades no exercício do cargo, mas que nunca esqueceu de onde veio e para onde voltará.

Os representantes dos movimentos sociais se revezaram nos elogios a Lula, que ganhou uma nova alcunha: "Papai Noel dos Gays". O título lhe foi dado por Toni Reis, representante do Movimento LGTB (Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais).

Toni, que nesta semana recebeu o prêmio de Direitos Humanos concedido pelo governo, elogiou as políticas para acabar com a discriminação contra os homossexuais e convidou Lula para a 2ªMarcha Nacional contra a Homofobia, no próximo ano:

- Você é um herói, você é muito gente boa, você é o Papai Noel dos gays.

Governadores rechaçam 'refundação' do PSDB e definem agenda com gestão Dilma

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Murillo Camarotto De Maceió

Em reação aos recentes apelos do senador eleito Aécio Neves, os oito governadores tucanos que saíram vitoriosos das urnas neste ano se reuniram ontem em Maceió para discutir os novos rumos do partido. "Responsabilidade com o Brasil. Compromisso com os brasileiros. 8 Estados - mais da metade do PIB e da população do Brasil", dizia o cartaz colocado na porta da sala onde ocorreu a reunião. Anfitrião do encontro, o governador reeleito de Alagoas, Teotonio Vilela Filho, abriu os trabalhos falando de Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e do "orgulho tucano".

Apesar de discutir os próximos caminhos as serem trilhados, os governadores rechaçaram o termo "refundação", sugerido pelo senador mineiro. Optaram por palavras mais amenas, como atualização, reforma e reestruturação. Também foi tratada com cautela a proposta do presidente nacional do partido, senador Sérgio Guerra (PE) para que o PSDB tenha candidato à Presidência já em 2012. "Agora é hora de reforçar as relações com as bases e pensar nas eleições municipais, para termos bons resultados. Só depois se trata da questão federal", afirmou o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Os governadores se comprometeram a cobrar do Executivo federal mais verbas para o financiamento da segurança pública, bem como uma nova agenda de discussões sobre o pacto federativo, com destaque para a reforma tributária. Houve ainda uma proposta, feita pelo governador de Goiás, Marconi Perillo, de que seja solicitada uma audiência com a presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), para tratar da repactuação das dívidas estaduais.

No documento assinado, os governadores falam em uma relação "altiva e de respeito mútuo" com o governo federal. Apesar das veementes recomendações de que haja maior unidade entre governadores e a bancada tucana em Brasília, a maior combatividade deve ficar mesmo a cargo dos deputados e senadores. "Há uma divisão de instâncias. Os governadores têm de ter uma boa relação com a Dilma. Governo não tem que fazer oposição a governo", receitou Perillo.

Outro consenso entre os governadores envolve as falhas de comunicação entre o PSDB e a sociedade, cruciais para o desempenho ruim nas urnas. Segundo Sérgio Guerra, isso impede que a sigla possa se beneficiar eleitoralmente de suas ações administrativas. "É inegável que partido se comunica mal. Temos que superar esse abismo", admitiu o dirigente. Na mesma linha, o governador eleito do Paraná, Beto Richa, afirmou que o PT venceu pois soube se comunicar de forma bem mais eficiente: "Eles nem fizeram tanta coisa assim, mas souberam vender bem."

Richa também pretendia levar à pauta a questão da volta da CPMF, que segundo ele ainda divide os tucanos. Enquanto o governador reeleito de Minas, Antonio Anastasia, é favorável à recriação do tributo, ele e Alckmin são contra: "O Brasil já tem imposto demais e sabemos que nem todo o dinheiro da CPMF ia para a saúde. Mas vamos discutir esse tema mais adiante."

Quanto à maior ênfase nas políticas sociais, outra reivindicação de Aécio, ficou definido que haverá troca de experiências entre os Estados governados por tucanos, com o intuito de criar uma marca do partido nessa área. Para manter afinados os discursos, eles se comprometeram a se reunir a cada três meses. O próximo encontro foi marcado para Belo Horizonte, no fim de março. O seguinte deve ocorrer em Goiânia.

Governador não faz oposição, conclui PSDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em Maceió, os oito tucanos eleitos e reeleitos definem que confronto com governo federal é tarefa partidária e propõem ""cooperação"" com Dilma

Ricardo Rodrigues

Mais cooperação e menos oposição. Esse foi o entendimento de consenso tirado pelos oito governadores eleitos e reeleitos pelo PSDB, que participaram em Maceió de encontro para definir uma posição comum com relação ao governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, do PT. "Não existe governo contra governo", argumentou o governador eleito de Goiás, Marconi Perillo.

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), ressaltou que não cabe aos governadores fazer oposição ao governo federal. "Essa é uma tarefa partidária, que está mais afeita à bancada do partido na Câmara e no Senado, Mesmo assim, vamos fazer oposição de qualidade", observou.

Para o anfitrião do encontro, governador reeleito Teotônio Vilela Filho, Alagoas sempre teve uma boa relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo sendo governado por um partido de posição. "Com a presidente Dilma tenho certeza de que não será diferente."

Na opinião do governador, um Estado como Alagoas - que concentra os piores indicadores sociais do País - não pode se dar ao luxo de brigar com o governo federal, pois depende, e muito, dos repasses de verbas e programas federais.

Além de Villela e Perillo, participaram do encontro mais seis governadores eleitos ou reeleitos pelo PSDB: Geraldo Alckmin (São Paulo), Antonio Anastasia (Minas Gerais), Beto Richa (Paraná), Siqueira Campos (Tocantins), Simão Jatene (Pará) e Anchieta Júnior (Roraima).

Carta. Após o encontro, realizado a portas fechadas, os tucanos divulgaram a Carta de Maceió, com as intenções e propostas de atuação. No documento, reafirmam o compromisso de construir uma ampla agenda nacional de trabalho e discussões.

Eles definiram seis pontos em comum para trabalhar ao longo dos quatro anos de mandato. Em um dos pontos, se comprometem em promover, de forma constante e crescente, a cooperação técnica entre os governos, aproveitando as experiências bem-sucedidas em cada Estado.

O documento traz ainda a posição dos governadores tucanos com relação ao pacto federativo. Para eles, cada governador do partido deve colaborar de forma crítica e democrática com o governo federal para restabelecer o equilíbrio da Federação. Nesse sentido, reivindicam a revisão dos mecanismos de transferências voluntárias; o estabelecimento da responsabilidade compartilhada entre União, Estado e municípios, e uma agenda robusta de investimentos necessários ao desenvolvimento do País.

"São propostas comuns que deverão ser trabalhadas pelo grupo, em bloco. Só assim seremos mais fortes e teremos melhores condições de êxito", afirmou Alckmin. "Devemos buscar sempre o entendimento e a cooperação, na relação tanto com o governo federal como com os governos municipais."

Alckmin disse ainda que, para facilitar esse diálogo com os governadores, o governo federal deveria descentralizar mais suas ações. "Quando o governo descentraliza suas ações, fortalece o pacto federativo e melhora a relação com os governadores como um todo."

Os governadores tucanos também declararam apoio irrestrito à implantação do Estaleiro Eisa em Alagoas. O empreendimento, orçado em cerca de R$ 1,5 bilhão, enfrenta problemas de liberação de licença ambiental.

Em ação conjunta,Aécio e Alckmin definem líder

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Julia Duailibi

Em mais um movimento de aproximação, o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves chancelaram um acordo em torno da nova liderança do PSDB na Câmara dos Deputados no ano que vem.

Segundo esse entendimento, que está praticamente consolidado, o próximo líder da bancada tucana na Câmara deverá ser o deputado paulista Duarte Nogueira (SP), aliado de Alckmin e de quem foi secretário da Agricultura entre 2003 e 2006. De acordo com as negociações, Duarte assumiria a liderança da bancada, por um ano. Os mineiros indicariam o novo líder da minoria, posto que deve ficar com Paulo Abi-Ackel (MG), e Eduardo Gomes (TO) ficaria com a indicação para um posto na Mesa Diretora.

Alckmin e Aécio conversaram ontem por telefone para selar o entendimento, que prevê o revezamento dos cargos: em 2012, seria a vez de Abi-Ackel ir para a liderança da bancada.

O acordo evidencia a aproximação de duas lideranças tucanas num momento de discussão no PSDB após a derrota eleitoral do ex-governador José Serra. Teve início com conversas entre os deputados Edson Aparecido, do lado de Alckmin, e Rodrigo de Castro, do lado de Aécio. Na semana que vem, haverá um almoço da bancada paulista para anunciar o entendimento.

A decisão final sobre a bancada sairá no dia 26 de janeiro. Para o deputado Otávio Leite (RJ), que corre por fora para ser o líder, o acordo entre os paulistas e mineiros não é fato consumado.

"Tenho apreço por Duarte e por Paulo, mas minha perspectiva é compreender o partido de maneira mais nacional", disse Leite. "O PSDB não é São Paulo e Minas apenas."

Lula inclui obra inacabada entre suas realizações

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula registrou ontem em cartório as realizações de seus oito anos de governo. No balanço, aparecem obras não terminadas, como a Ferrovia Norte-Sul,e outras nem sequer começadas, como a Hidrelétrica de Belo Monte. "Esta prestação de contas é menos para engrandecer o que nós fizemos e mais para dar uma fotografia à sociedade", disse Lula na cerimônia que reuniu 700 pessoas no Planalto.

Balanço de Lula inclui até o que não foi feito

Em cerimônia para 700 pessoas, governo registra em cartório ações dos últimos 8 anos

João Domingos, Lisandra Paraguassú, Vannildo Mendes e Vera Rosa

BRASÍLIA - A 15 dias do fim de seus oito anos de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva registrou em cartório as realizações de seu governo. Não ficou só nisso. Diante do presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, Rogério Bacellar, o presidente e 37 ministros assinaram os seis volumes com o balanço dos dois mandatos contendo até mesmo obras que sequer começaram, como a usina de Belo Monte e o trem-bala.

Em cerimônia organizada com pompa para marcar a despedida de Lula, realizada no Palácio do Planalto com a presença de cerca de 700 pessoas, incluindo a presidente eleita, Dilma Rousseff, todos os ministros e quase todos os ex-ministros, como José Dirceu, além de governadores, prefeitos e congressistas, o atual governo registrou também grandes obras de infraestrutura não terminadas, como as Ferrovias Norte-Sul e Transnordestina e as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio.

As obras da hidrelétrica de Belo Monte deverão ser iniciadas em março, segundo o próprio presidente, ou em abril, de acordo com a Eletronorte. O atual governo concedeu a licença prévia para a usina que aguardava o documento havia vinte anos.

O Trem-Bala, que vai ligar o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas, não teve ainda nem o leilão, antes marcado para o dia 29 de novembro. A pedido dos próprios empresários - e com poucos candidatos a disputar a licitação - o pregão do empreendimento foi adiado para abril.

"Esta prestação de contas é menos para engrandecer o que nós fizemos e mais dar uma fotografia à sociedade brasileira, para que ela, vendo o que foi feito, perceba também o que não foi feito e o que precisa ser feito", justificou o presidente.

Um resumo dos seis volumes registrados em cartório foi distribuído num livro de 310 páginas, feito pela Secretaria da Comunicação Social da Presidência. O mesmo material foi posto em dois endereços da internet, para que possa ser consultado pelo público: www.balancodegoverno.presidencia.gov.br e https://i3gov.planejamento.gov.br/COI.

Recorrendo ao recorrente bordão de seu mandato, Lula afirmou que muitos perceberão, ao ler o material, que a frase "nunca antes na história desse País" não é sem sentido nem demonstra que ele e seu governo estão "descobrindo o Brasil", apenas que o seu governo está "fazendo o que outros não fizeram".

Saldo

O presidente afirmou ainda que, entre erros e acertos, o saldo é positivo: mais de 80% de aprovação do governo. E, se fossem somados aos que aprovam o governo os que o acham regular, chegaria a 94%. Aos que o acham ruim ou péssimo (6%), Lula pediu compreensão e que olhem o governo com bondade.

Lula admitiu que o desejo dos governantes é receber elogios. "Nós, governantes, gostaríamos que todos os dias tivesse uma manchete favorável. Mas não tem. É por isso que eu ando muito, é para fazer um contraponto. Eu leio o jornal, eu não vejo matéria favorável a mim, eu falo: vamos viajar o Brasil para que eu mesmo fale bem de mim."

O presidente disse que tal empenho dele deu resultado. Lembrou que muitos especialistas diziam que jamais ele conseguiria eleger Dilma presidente. "É impossível", disse ele, num trejeito, imitando alguém que pôs em dúvida a eleição de Dilma. Mas, triunfante com o resultado eleitoral, emendou: " A única coisa impossível é Deus pecar. O resto, tudo pode acontecer".

Com desenvoltura pelo Planalto, Dirceu afirma: ‘Nunca saí daqui’

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-ministro é citado por Lula em discurso no qual presidente fez balanço de seus dois mandatos; Marina também foi lembrada

Vera Rosa

BRASÍLIA - Desinibido e sorridente, José Dirceu foi o ex-ministro mais requisitado na cerimônia em que o presidente Lula apresentou a prestação de contas de seus dois mandatos. Ao ser questionado pelo Estado sobre qual era o seu sentimento ao retornar ao Palácio do Planalto, cinco anos e meio após sua queda, Dirceu não hesitou: "Eu nunca saí daqui".

Abatido no rastro do escândalo do mensalão, em 2005, acusado de chefiar uma "quadrilha" no coração do governo, o ex-chefe da Casa Civil circulou com desenvoltura no Salão Nobre do Planalto, onde foi realizada a solenidade. Ao lado da mulher, Evanise, Dirceu posou para fotos com vários convidados da plateia e conversou com colegas de sua época, como Márcio Thomaz Bastos, ex- ministro da Justiça. Na plateia, sentou-se bem longe de Antonio Palocci, ex-titular da Fazenda e futuro ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Nos últimos tempos, os dois têm travado uma queda de braço por causa de indicações para a nova equipe.

Dirceu cumprimentou a presidente eleita, Dilma Rousseff, e Lula, no fim da cerimônia, e subiu a rampa de acesso ao terceiro andar do Planalto, onde fica o gabinete presidencial. No mês passado, Lula prometeu ao ex-chefe da Casa Civil desmontar o que chamou de "farsa do mensalão", empenhando-se pela reforma política.

Ao prestar homenagem a todos os companheiros que deram "colaboração extraordinária" ao governo, o presidente citou Dirceu duas vezes em seu discurso. Na décima fileira, foi logo avistado. "Estou vendo o companheiro Zé Dirceu ali", apontou Lula.

O presidente agradeceu à equipe atual e aos ex-ministros, sob o argumento de que todos o ajudaram a enfrentar dificuldades. "Nem todo mundo tem coragem de conviver com momentos difíceis", insistiu.

Na segunda vez em que citou Dirceu, Lula deu a ele o crédito por se aproximar do empresário José Alencar, hoje vice-presidente. "Eu não queria ir a uma festa empresarial. Fui por insistência do Zé Dirceu, que era presidente do partido (PT). E lá conheci o Zé Alencar", contou.

Governo 'dá' R$ 662 mi para atrair R$ 300 bi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com o objetivo de atrair R$ 300 bilhões em investimentos durante a gestão de Dilma Rousseff. O governo anunciou pacote de medidas em que abre mão de R$ 662 milhões em impostos. O BNDES terá de investir outros R$ 10 bilhões até 2014.

A renúncia fiscal beneficiará principalmente os investidores que aplicarem em títulos que vão custear obras de infraestrutura. Também vai haver estímulo para os bancos renegociarem dívidas agrícolas e de pessoas físicas.

Pacote busca R$ 300 bi de investimento

Governo abre mão de R$ 662 mi em arrecadação com incentivos para estimular investimentos de longo prazo

Plano isenta de tributos aplicações em títulos privados que custearem obras de infraestrutura no governo de Dilma


Sheila D’Amorim, Juliana Rocha e Mário Sérgio Lima

BRASÍLIA - Para tentar conseguir os R$ 300 bilhões em investimentos que serão necessários para sustentar o crescimento da economia sem risco de inflação na gestão de Dilma Rousseff, o governo vai abrir mão imediatamente de R$ 662 milhões em arrecadação de impostos e o BNDES terá que investir outros R$ 10 bilhões até 2014.

Também haverá estímulo para bancos renegociarem dívidas agrícolas e de pessoas físicas em atraso. As medidas começam a ser adotadas na semana que vem.

A renúncia fiscal é fruto de um pacote de medidas para estimular investimentos de longo prazo anunciado ontem que prevê essencialmente a redução do IR (Imposto de Renda), da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e do IOF para os investidores que aplicarem em títulos privados (debêntures) que vão custear obras de infraestrutura e outros projetos de interesse do país.

Em alguns casos, a queda na carga de impostos será significativa. Para as pessoas físicas, as alíquotas do IR cairão do patamar máximo atual de 22,5% para zero.

Para as empresas, a redução será de 34% (somados IR e CSLL) para 15%, e os estrangeiros também serão beneficiados com a isenção de IR, atualmente em 15%.

A atuação do BNDES será em benefício próprio, já que a instituição banca hoje 25% dos investimentos e pretende reduzir essa participação para algo próximo a 10%, segundo o presidente do banco Luciano Coutinho.

Os recursos do BNDES serão usados para comprar títulos de empresas privadas não financeiras (debêntures) lançados para arcar com o custo dos projetos em infraestrutura.

Nos cálculos de Coutinho, o volume total de investimentos na próxima gestão será de R$ 600 bilhões. Mas a estimativa é que metade desse valor virá da aplicação do lucro das próprias empresas em novos projetos.

O restante precisará ser financiado via captações externas, emissões de ações na Bolsa de Valores, crédito dos bancos e do BNDES e lançamento de debêntures.

Será criado um fundo -que terá inicialmente R$ 2,2 bilhões, dinheiro que hoje está parado no BC como depósito compulsório- com o objetivo de comprar e vender debêntures para dar uma referência de preços e estimular negociações.

Para atrair dinheiro externo, o governo vai reduzir de 6% para 2% o IOF pago pelos estrangeiros que vierem aplicar em fundos voltados a investimentos de longo prazo.Para estimular a renegociação de dívidas, os bancos poderão diluir o IR que devem pagar quando recuperam créditos em atraso. A medida valerá para pessoas físicas até o limite de R$ 30 mil e para dívidas agrícolas.

Desemprego entre jovens continuará elevado por mais dois anos, diz OCDE

DEU EM O GLOBO

Na Europa, índice atinge 21%, e 13% não estudam nem fazem estágio

Leila Suwwan

PARIS. A crise global deixará uma cicatriz no mercado de trabalho dos países desenvolvidos nas próximas décadas, com uma geração de jovens abalada pela falta de emprego. Segundo estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado ontem, o desemprego entre os jovens subiu 6,3 pontos percentuais na Europa nos últimos três anos, atingindo 21,1% no terceiro trimestre de 2010. O índice deve ficar nesse patamar até 2012.

Nos 34 países da OCDE, o desemprego entre 15 e 24 anos subiu 5,5 pontos, para 18,5% - mais que o dobro do índice geral, de 8,6% em outubro. A organização classificou de alarmante o fato de 13% desses jovens também não estudarem nem fazerem estágio. Nos Estados Unidos, 15,5% estão nessa situação, de um total de 18,2% de jovens desempregados. É o maior nível desde meados dos anos 1980.

Segundo o estudo, um quinto das pessoas de 15 a 29 anos na Europa estava em situação de risco entre 2005 e 2007: parte não tinha diploma e parte estava precariamente empregada.

- As projeções indicam uma pequena redução no desemprego em 2011 e 2012. No caso dos jovens, ela será muito modesta - disse Stefano Scarpetta, vice-diretor de Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE.

Segundo ele, isso pode se agravar se as recentes medidas de austeridade eliminarem os incentivos ao trabalho dos jovens. O estudo fala no risco de uma "geração perdida".

* A repórter viajou a convite da OCDE

Crise reduziu aumento salarial à metade, diz OIT

DEU EM O GLOBO

Relatório mostra que Brasil não diminuiu ganho real dos salários entre 2008 e 2009

Andrea Freitas

A crise econômica e financeira internacional teve efeito direto sobre os salários, reduzindo sua taxa de crescimento à metade em 2008 e 2009. A conclusão é do "Relatório Mundial Sobre Salários 2010/2011 - Políticas Salariais em Tempos de Crise", divulgado ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O estudo inclui dados de 115 países e avalia a situação de 94% de 1,4 milhão de assalariados em todo o mundo.

O crescimento médio dos salários mensais no mundo caiu de 2,8% em 2007 - antes do início da crise - para 1,5% em 2008, e 1,6% em 2009. Desconsiderando a China, o crescimento foi ainda menor: 0,8% em 2008 e 0,7% em 2009, frente a 2,2% em 2007.

Já a América Latina manteve um bom ritmo de aumento salarial. Em 2007, os salários na região cresceram 3,3%. No ano seguinte, desaceleraram, com alta de 1,9%. Mas em 2009, houve uma recuperação, com crescimento médio de 2,2%. O Brasil - cujos dados são baseados na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE - registrou aumentos reais de 3,4% em 2008 e de 3,3% em 2009. Em 2007, a alta havia sido de 3,2%.

Segundo a OIT, os bons resultados brasileiros se devem ao fato de os efeitos da crise terem sido mais breves no país e ao aumento do salário mínimo no período 2008-2009.

Por outro lado, 12 de 28 grandes economias tiveram redução do nível de salário real em 2008, entre elas estão Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Itália, Japão, México e Coreia do Sul. E sete apresentaram essa tendência em 2009, incluindo França, Inglaterra e Rússia.

- A recessão não tem sido dramática apenas para milhões de pessoas que perderam seus empregos, pois também afetou aqueles que mantiveram seus trabalhos, com a redução, de maneira drástica, do poder aquisitivo e do bem estar geral - disse Juan Somavia, diretor-geral da OIT.

Diminuição do poder de compra dos trabalhadores

Foi exatamente isso que aconteceu com um engenheiro brasileiro que trabalha na Renault na França. Para enfrentar a crise, a montadora optou pelo chamado desemprego parcial. Em 2009, em vez de demitir, reduziu em um dia a carga de trabalho semanal de profissionais de nível superior e de dirigentes. A economia serviu para manter os salários dos técnicos - em maior número na empresa. Segundo o engenheiro, a medida foi elogiada por evitar demissões. Mas seus efeitos foram sentidos:

- Perdemos de 7% a 8% do poder de compra anual - afirmou ao GLOBO, por telefone, o engenheiro, que vive em Paris e preferiu não se identificar.

Além disso, antes da crise, os aumentos salariais ficavam em torno de 2,5% a 3%, de acordo com o engenheiro. No ano passado, não houve reajuste e, em 2010, o aumento foi de 1% a 1,5%. A crise também impactou benefícios como os bônus pagos por produtividade.

- Em 2009, não recebemos nada. Este ano, em abril, ganhamos 20% de um salário. Antes da crise, chegávamos a ganhar um salário de bônus e participação nos lucros.

Sem acordo sobre reajuste salarial, aeroviários marcam greve para dia 23

DEU EM O GLOBO

Aeronautas decidem hoje, mas expectativa também é de paralisação

Danielle Nogueira e Vivian Oswald

RIO e BRASÍLIA. O Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA) confirmou ontem que fará greve no dia 23 de dezembro, após o fracasso da reunião de ontem com o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea). A categoria havia reduzido seu pedido de reajuste salarial de 15% para 13%. Mas o Snea manteve a proposta de 6,08%, correspondente à inflação acumulada em 12 meses até novembro pelo INPC. O Sindicato dos Aeronautas faz assembleia hoje para avaliar o resultado da reunião de ontem. A expectativa, segundo a diretora da entidade Graziella Baggio, é que a categoria siga a decisão dos aeroviários.

- Não queríamos fazer a greve, mas fomos empurrados para isso - disse a presidente do SNA, Selma Balbino, sem dar detalhes de quantos aeroportos serão afetados pela paralisação ou quantos dias ela vai durar.

Antes de os aeroviários decidirem pela greve, as três maiores empresas aéreas do país (TAM, Gol e Webjet) garantiram ontem ao Congresso Nacional, em audiência pública, que não haverá caos no setor aéreo durante as festas de fim de ano, como em 2007.

- Vai haver movimento e fila, sim. Espero que não haja problemas. Estamos trabalhando para isso. Mesmo assim, é bom os passageiros chegarem com duas horas de antecedência ao aeroporto e, se possível, fazerem logo o check-in eletrônico - disse Fernando Sporleder, vice-presidente de operações da Webjet.

As empresas afirmaram que tomaram as providências para garantir o transporte dos passageiros, sem cancelamentos e atrasos. A Webjet, por exemplo, disse que já tem disponíveis duas aeronaves reservas e tripulação. A Gol, que imagina que o fluxo de passageiros no fim de ano, seja o mesmo da Semana Santa, também afirmou que os seus sistemas estão preparados. A TAM diz não haver riscos.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) garantiu que a fiscalização está apertada, afirmando ainda que o volume de multas saltou de R$700 mil em 2007, ano da crise do caos aéreo, para mais de R$15 milhões até o dia 31 de outubro deste ano.

- Teremos 120 funcionários administrativos da Anac que serão deslocados para os principais aeroportos - disse o diretor de Operações de Aeronaves da Anac, Carlos Eduardo Pellegrino.

Falta até motorista de carrinho de bagagem

As aéreas admitiram que há um gargalo de mão de obra no setor: faltam pilotos e mecânicos. Até os motoristas dos carrinhos de bagagem estão deixando as empresas, de olho nas vagas de motoristas de ônibus, que pagam melhor.

Na sessão, os deputados cobraram responsabilidade das empresas. Segundo a diretora-substituta do Departamento de Proteção e Defesa ao Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, Laura Shertel Mendes, até o fim de outubro deste ano, os Procons de 24 estados receberam nada menos que 4.500 queixas contra as empresas aéreas. A campeã é a TAM, com 51,52% do total. A Gol vem em seguida, com 20%. A Webjet teve 8%. A Comissão de Defesa do Consumidor solicitou à Anac a participação de representante do DPDC para cuidar dos direitos do consumidor nas próximas reuniões com as empresas aéreas.

Para evitar o caos aéreo neste fim de ano nos aeroportos brasileiros, a Anac fechou um acordo com as companhias de aviação, proibindo a prática de overbooking entre 17 de dezembro e 3 de janeiro.

Oposição a Chávez denuncia na OEA projetos que ''golpeiam democracia''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em fim de mandato, Assembleia Nacional deve aprovar hoje a Lei Habilitante, que reforça os poderes do Executivo; para opositores, medida viola direito de eleitores que, nas eleições de setembro, tiraram do presidente a maioria de dois terços na Casa

Talita Eredia

A oposição venezuelana denunciou ontem na Organização dos Estados Americanos (OEA), o pacote de projetos de lei enviado pelo presidente Hugo Chávez à Assembleia Nacional. Entre os projetos está o da Lei Habilitante, que dá a Chávez a prerrogativa de governar por decretos e é um "golpe contra a democracia".

Segundo os opositores, a lei tira o direito dos eleitores de serem representados pelos deputados opositores que foram eleitos em setembro e tomarão posse no dia 5. A Lei Habilitante, que passou na terça-feira pela primeira votação, deve ser aprovada definitivamente hoje.

Desde que perdeu a maioria de dois terços na Assembleia, Chávez iniciou uma corrida contra o tempo para aprovar seus projetos antes que os novos deputados assumam o cargo. Além da lei que amplia os poderes do Executivo, a Assembleia acelera os trabalhos para aprovar outras medidas polêmicas, como a que proíbe doações de estrangeiros diretas para Organizações Não-Governamentais e regulamenta a atuação delas, a lei das universidades e a de telecomunicações.

"A Lei Habilitante é inconstitucional e usurpa funções da nova Assembleia", afirmou ao Estado o cientista político Sadio Garavini di Turno, da Universidade Central da Venezuela (UCV). "Para enfrentar os problemas provocados pelas chuvas (a justificativa de Chávez para recorrer ao instrumento legal), o governo não tem necessidade de legislar sobre o sistema socioeconômico", afirma o especialista.

A votação atraiu milhares de estudantes que se reuniram diante do Congresso para protestar contra o projeto de lei que retira a autonomia das universidades públicas e privadas no país, redigido sem consultas à comunidade acadêmica. Partidários de Chávez entraram em confronto com os estudantes durante a manifestação.

Os chavistas lançaram pedras e cadeiras contra os manifestantes. Cerca de 30 membros da Guarda Nacional tentaram conter a violência. Pelo menos um jovem ficou ferido no protesto.

Professores universitários apresentaram um projeto alternativo à Assembleia Nacional com 43 mil assinaturas. O documento reconhece a necessidade de modernizar a educação superior venezuelana - a legislação foi escrita na década de 1950 -, mas defende a autonomia acadêmica e administrativa das universidades.

Abrangência. O pacote de leis de Chávez abrange nove áreas em que ele poderá intervir sem mediação parlamentar. Além da ajuda aos desabrigados, o governo incluiu interferências no sistema de infraestrutura, transporte e serviços públicos, habitação, organização territorial, desenvolvimento e uso da terra urbana e rural, setor financeiro e tributário, cooperação internacional e sistema socioeconômico.

Esta é a quarta vez que Chávez pede superpoderes para governar. Na última ocasião, em 2007. o presidente aprovou diversas nacionalizações e expropriações, além de parte das propostas votadas no referendo constitucional em que foi derrotado.

Para Garavini, Chávez conta com os últimos dias de maioria absoluta na Assembleia para reduzir os danos da derrota eleitoral. "A habilitante é dada durante o período em que os deputados que a aprovaram são legítimos. Isso porque esta não é uma lei normal, como qualquer outra. É uma lei que diz que a Assembleia cede suas atribuições ao presidente. E a atual Assembleia não está cedendo as suas atribuições, mas sim as dos próximos deputados. O certo seria Chávez esperar por mais uns dias e pedir a aprovação para a nova Assembleia", afirma.

Chávez deve aproveitar as últimas semanas de controle chavista do Congresso para passar outras leis, como a nova regulamentação para telecomunicações e a que interfere e praticamente inviabiliza o financiamento internacional das ONGs. / COM AP

Assembleia Nacional

165 deputados compõem a Assembleia venezuelana. Na atual legislatura, quase todos pertencem à base de apoio de Chávez. Os novos deputados tomam posse dia 5

98 deputados foram eleitos em setembro pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e pelo Partido Comunista, que apoiam Chávez

65 representantes foram eleitos pela oposição

2 dos futuros deputados são do partido Pátria Para Todos (PPT), dissidente do chavismo

Mãos dadas:: Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.