sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Karl Marx

A doutrina materialista segundo a qual os homens são produtos da circunstâncias e da educação e, portanto, segundo a qual os homens transformados são produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que são precisamente os homens que transformam as circunstâncias e que o próprio educador deve se educado. Por isso, essa doutrina chega, necessariamente, a dividir a sociedade em duas partes, uma das quais é colocada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).

A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida racionalmente como práxis revolucionária.

MARX, K. A Ideologia alemã - Teses sobre Feuerbach III. 3ª ed.São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1982. p.126.

Sem desencarnar::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Está sendo tão difícil para Lula desencarnar do papel de presidente da República quanto para Dilma assumir integralmente a função para a qual foi eleita, e uma coisa tem a ver com a outra. Tudo indica que ela está querendo marcar uma conduta discreta e eficiente, na impossibilidade de competir com a capacidade midiática, quase histriônica, do seu antecessor e padrinho político.

Mas há também o desejo mal escondido de Lula de se perpetuar no primeiro plano político. Desde o comício improvisado em frente ao seu apartamento em São Bernardo, até as aparições de camiseta na varanda de casa para acenar para os turistas, Lula vai desenhando para si uma quarentena nada recatada.

Dois fatos revelados pela imprensa mostram como é difícil para o ex-presidente se desligar das mordomias do poder que usufruiu nos últimos oito anos.

Suas primeiras férias fora do poder estão sendo passadas, com toda a família, no Forte dos Andradas, no Guarujá, onde, se sabe agora, foi construída uma suíte presidencial para recepcioná-lo quando lá estivesse.

É claro que tal suíte não pertence à pessoa física de Lula, embora tenha sido feita por sua causa, mas está lá para abrigar o presidente da República do momento.

É um exagero que acontece com mais frequência do que deveria nas melhores democracias do mundo. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por exemplo, mandou fazer uma preparação especial no avião presidencial para que pudesse fumar charutos sem incomodar os demais passageiros, o que custou ao erário público francês alguns milhares de euros a mais.

Mas a suíte presidencial do Forte dos Andradas não está à disposição de ex-presidentes da República, que é o caso de Lula no momento, pelo menos nos próximos quatro anos.

Descoberta a irregularidade, inclusive pela exultante mensagem que um de seus filhos escreveu no twitter: "Aeeeee saiu um solzinho aqui no Guarujá? com direito a banho de mar? são os Lulas voltando a seu habitat normal rs rs RS", o Ministério da Defesa providenciou uma solução: também pelo twitter, divulgou uma nota em que diz que "o ex-presidente Lula honra as Forças Armadas ao escolher o Forte dos Andradas p/ descansar com a família, a convite da Defesa".

Não é a primeira vez que se sabe de atividades nada regulares de Luís Cláudio Lula da Silva através de seu gosto pelas tecnologias de relacionamento social.

Em 2004, organizou uma excursão de amigos ao Palácio do Alvorada, com direito a uso de um avião da FAB para transportá-los a Brasília e passeio de lancha oficial pelo Lago do Paranoá.

Várias mensagens foram postadas nos blogs com fotos posadas ao lado do avião e na lancha. Depois de quatro anos, o Ministério Público considerou normal o uso de bens do patrimônio público pelos amigos do filho do presidente, e o processo, pedido pela oposição, foi arquivado.

O caso das férias do ex-presidente em um forte do Exército, com direito a proteção absoluta por parte de uma equipe de segurança bem treinada, esta sim dentro do que a legislação determina, parece ser um sintoma da dificuldade que Lula demonstra já há algum tempo de sair "do governo para viver a vida das ruas", como disse em seu discurso de despedida, numa canhestra tentativa de mimetizar a carta testamento de Getúlio Vargas.

Lula continua querendo viver sua vida "na História" que criou para si. Os onze caminhões da transportadora que levam os pertences da família Lula da Silva de volta para São Bernardo, inclusive o climatizado para as bebidas, não significam em si nenhum exagero, já que em oito anos de Presidência forçosamente se acumulam muitos presentes, além dos documentos oficiais que servirão para formar o acervo do Instituto Lula.

Mas o fato de o Itamaraty ter prorrogado o passaporte diplomático de dois dos filhos de Lula no dia 29 de dezembro, através de uma prerrogativa especial exercida pelo ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, tipifica claramente um abuso de poder.

Pelas normas em vigor no Itamaraty, dependentes de autoridades só podem receber passaporte diplomático em duas situações: quando o dependente tem até 21 anos, ou quando é portador de deficiência física.

Não é o caso de Luís Cláudio Lula da Silva, que hoje tem 25 anos, e Marcos Cláudio Lula da Silva, com 39 anos.

Para tentar reduzir os danos da notícia divulgada pela "Folha de S. Paulo", o Itamaraty explicou que os passaportes foram apenas renovados, o que complica mais ainda a situação.

O de Luís Cláudio pode ter tido validade até quatro anos atrás, quando ele tinha 21 anos, e não poderia, pela lei, ter sido renovado já naquela ocasião.

O de Marcos Cláudio em nenhum momento do governo Lula poderia ter sido expedido, pois ele tinha mais de 21 anos (31 para ser exato) quando Lula assumiu o governo em 2003.

Os passaportes especiais foram emitidos "em caráter excepcional", tendo o chanceler Celso Amorim se utilizado de um decreto que lhe dá prerrogativas de conceder passaporte diplomático a alguém que não esteja enquadrado na lei "em função do interesse do país".

A lei prevê apenas passaportes diplomáticos para presidentes e vice-presidentes da República, ministros de Estado, juízes de tribunais superiores, diplomatas e congressistas.

Quando estava no governo, Lula tinha o hábito de se referir a bens públicos como seus, como no caso da TV Brasil, que chamava de "a minha televisão". Agora, parece não ter se convencido de que não continua no governo, e nem que o governo não seja seu.

Não há nada que justifique esses privilégios, nem explicação para serem mantidos.

Sombra e água fresca:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A oposição recebeu 43 milhões de votos na eleição presidencial contra 56 milhões da situação que, assim, ficou por delegação popular encarregada de continuar no comando da Nação.

Junto com a vitória, ganhou a responsabilidade de fazer frente aos desafios, resolver os problemas, responder à confiança que lhe foi depositada pela maioria da população, às expectativas de todos os brasileiros e se postar da melhor maneira possível diante do mundo.

É a função de governo, cujos bônus correspondem também aos ônus e para quem se voltam todas as atenções. O momento é da presidente Dilma Rousseff e sua equipe.

Essa realidade, no entanto, não significa que os perdedores estão liberados de seus deveres.

Ou pelo menos não deveria significar. O ainda principal partido de oposição, o PSDB, parece alheio ao fato de que tem um papel a cumprir além de curtir a ressaca da derrota, resmungar pelos cantos as razões do fracasso e de se dedicar às escaramuças internas tentando construir posicionamentos eleitorais para o futuro.

Não parece compreender duas coisas: que o exercício da política não se resume ao momento eleitoral e que o resultado da próxima eleição depende da relação que conseguir construir com a sociedade daqui até lá.

É cedo para cobrar da oposição uma atuação, quando o novo governo mal acaba de começar? Sim, se a perspectiva for exclusivamente a do embate em busca de votos.

Essa concepção das coisas mostrou-se equivocada na estratégia da candidatura presidencial do PSDB: José Serra foi desde sempre o candidato, mas achou que deveria abster-se da atuação política para se apresentar à disputa no momento "certo".

Revelou-se tardio, pois entre os números favoráveis de pesquisas e a candidatura em si tucanos e adjacências deixaram que se abrisse um imenso vazio que depois, no improviso, não souberam preencher.

E, pelo jeito, não souberam perceber ainda o erro e, mais grave, não valorizaram os votos recebidos. A oposição atua na lógica de murici: cada um trata de si. E a ninguém ocorre tratar das questões políticas já em pauta.

Cansados da luta árdua que travaram para perder a eleição, seguem indiferentes à discussão sobre o salário mínimo, à disputa pelo comando do Congresso, à indecente batalha fisiológica pela divisão do latifúndio governamental.

Sobre o mínimo, se esquecem da proposta de R$ 600. Se na campanha a consideraram exequível, deveriam agora defender a posição.

Sobre o Parlamento, rendem-se aos acordos entre PT e PMDB deixando de lado o debate sobre a desqualificação do Legislativo. Se tivesse alguma ideia a respeito, agora seria a hora de a oposição se manifestar.

Sobre os meios e modos da ocupação da administração federal, os oposicionistas tampouco têm algo a dizer, além da crítica fácil.

Ao se omitir, a oposição desdenha não apenas de seus eleitores como se mostra desprovida da noção de que é uma força política cujo dever primordial é participar da vida do País, se ainda se pretende no direito de voltar a governar o Brasil.

Pés de barro. Imaginemos, só para efeito de raciocínio comparativo, como seria visto um presidente da República do PSDB, do DEM, do PPS ou mesmo do PMDB, que tivesse deixado para um governante do PT um problema como a administração diplomática da não extradição de Cesare Battisti, decidida há pelo menos seis meses, mas só anunciada no último dia de governo. Obviamente, a atitude seria recebida como uma manobra covarde, com a única finalidade de livrar o autor de enfrentar as consequências de sua decisão.

Essas e outras configuram a herança maldita deixada por um presidente que, pautado exclusivamente pela construção do próprio mito, não arbitrou contenciosos, não administrou adversidades, não comprou uma só briga que pudesse abalar sua popularidade.

Diferente de Lula, que só fez bajular os militares, Dilma Rousseff impôs autoridade civil ao cobrar compostura histórica do general José Elito, chefe do gabinete de Segurança Institucional, nas declarações sobre brasileiros desaparecidos durante a ditadura.

São os símbolos,estúpido!, que o resto ia ser difícil nós já sabíamos::Bolivar Lamounier

Eu não prejulgo, mas sou um pouco cético quanto ao desempenho de Dilma Rousseff como presidente da República. Digo isto sem medo de contradizer o comentário bem positivo que fiz anteontem sobre a decisão de privatizar a construção de novos terminais aéreos.

Tampouco temo me equivocar no que se refere ao manejo da economia. Não sei se ela tem de fato toda a competência técnica alardeada nos últimos dois anos, mas agora a função dela é muito mais política que técnica. Além do que a situação econômica é boa, embora não seja a maravilha apregoada pela propaganda oficial.

A presidência é mais política que técnica, disse eu, mas Dilma não parece desorientada na briga entre PT e PMDB? Parecer, parece, mas acho que ela não demora muito a pôr ordem na casa: a caneta presidencial faz milagres. Ela talvez tenha subestimado a voracidade do pessoal por cargos, isto é bem possível, mas a esta altura ela já deve ter caído na real.

Qual é, então, a razão do meu ceticismo? Aqui o leitor terá de ter paciência com a minha ingenuidade. Para esta ingrata tarefa de analista político, eu me confesso idealista demais.

Onde meus colegas só vêem jogo bruto, cargos, grana, essas coisas, eu de repente me pego preocupado com questões de princípio, valores, condições de legitimidade e por aí afora.

E a presidência da República o que tem a ver com isso? Muito, eu diria. Para os cidadãos, a presidência não é só uma posição de mando, é também sua grande referência moral dentro do sistema político. E eles se relacionam com ela como se estivessem se olhando num jogo de espelhos. O símbolo que vier de lá eles devolvem. Se vem coisa boa, ótimo, eles se sentem moralmente bem e agradecem. Se vem coisa não tão boa, eles se olham outra vez no espelho e se fazem certas perguntas. Quem sou eu, afinal? Algum otário? Esta lição Fernando Collor deve ter aprendido.

Vou tentar ser mais objetivo. Por melhor que seja a situação material de seu país, aquele ou aquela que se investe na mais alta função de autoridade tem de optar entre muitos símbolos possíveis. Sua figura como governante não sai 100% pronta de suas experiências e de sua personalidade.

Quando assumiu a presidência, Juscelino Kubitschek, por exemplo, logo se viu diante de um desafio na área militar: dois começos de rebelião entre oficiais da Aeronáutica. Optou pelo entendimento. Anistiou-os e foi em frente com seu símbolo de cordialidade, bom-humor e civilidade.

No começo do qüinqüênio seguinte, como se relacionaram Jânio Quadros e Carlos Lacerda?

Pessimamente. Conversaram de fígado para fígado e com certeza contribuíram para os infortúnios que a partir dali o país viveu por muitos anos.

Sabemos todos que os problemas de hoje têm pouco ou nada a ver com aquela época. Graças aos deuses, à sorte e ao esforço de muitos, o golpismo daquela época ficou para trás. Custou, mas houve um aprendizado. Todas as correntes políticas aprenderam que o andor deve ser conduzido com certa cautela.

Mas daí a pensar que chegamos a uma espécie de nirvana político e moral seria um monstruoso equívoco. Não, decididamente não estamos no melhor dos mundos possíveis. É certo que a sociedade anda meio ébria de tanto consumir, mas isto não quer dizer que esteja relaxada, desatenta ou despreocupada.

Começa que Dilma precisará conter a gastança dos últimos dois anos. Lula disse sim a todos os interesses que foram bater à sua porta, mas Dilma terá de dizer não a muitos, recusando aumentos e cortando despesas. Para isto, os votos conquistados em outubro e o poder de comando inerente ao cargo podem não ser suficientes.

Nessas horas, convém ter estocada uma boa reserva de legitimidade propriamente moral, ou seja, daquela camada extra de autoridade que se nutre de valores e símbolos.

A reflexão acima nada tem a ver com o comportamento dos partidos de oposição, hoje sabidamente mais frágeis no Congresso que durante o governo Lula. O que me chama a atenção é o arquiconhecido fenômeno do rebaixamento dos valores morais do país – e obviamente eu não estou fazendo aqui uma ode “udenista” à qualidade deles no passado. Digo apenas que o rebaixamento é vez por outra promovido por personalidades que deveriam estar lutando contra ele, em virtude seja das posições de autoridade que ocupam, seja por se contarem entre os apoiadores mais entusiastas do novo governo. Faço aqui uma menção sucinta a dois casos recentes.

Poucos dias atrás a imprensa noticiou a defesa de uma tese de doutorado apresentada na Unicamp pelo senador petista Aloísio Mercadante. Mesmo sem a ter lido, pus-me a pensar se a referida tese seria aprovada se o autor não fosse um senador da República e um destacado integrante do governo que ora se inicia.

Sem tanta importância, mas igualmente ilustrativo, foi um artigo publicado no jornal O Globo de 04.01 pelo professor Cândido Mendes, pessoa de expressão na vida cultural do Rio de Janeiro e ardoroso defensor do governo Lula e da candidatura Dilma. Disse ele: “Muito da crítica ao PAC nasce desse emperro institucional e do vertedouro de lerdeza e corrupção que afligiu o início do projeto, nascido da Casa Civil, sob a então ministra de Lula”. No parágrafo seguinte, arrematando o argumento, o autor exorta a presidente a pisar no acelerador, observando que agora vivemos “…num país que, pela eleição de Dilma, rompeu de vez com o udenotucanato e seu neoliberalismo obsoleto”.

Se a sintaxe do idioma continua em vigor, eu entendi que houve, sim, “lerdeza e corrupção” na Casa Civil quando Dilma Rousseff era ministra, mas isso não importa – afinal, quem se interessa pelas críticas meramente morais do “udenotucanato”?

Foi por estas e outras que eu fiz outro dia um comentário negativo a respeito da “reabilitação” de Erenice Guerra na festa da posse.

Erenice não foi absolvida, pois a rigor nem foi investigada. E, claro, Dilma tem todo o direito de afagar quem ela quiser; nada a impede de fazer como Lula, adotando São Tomás Bastos como santo de sua devoção. Atrevo-me, porém, a lhe sugerir atenção aos símbolos que a cada passo ela estará tecendo.

Dilma: chance para a República? :: Rubem Barboza Filho*

DEU NO BOLETIM CEDES – DEZEMBRO-JANEIRO

Lula anuncia a possibilidade de voltar em 2014, desmente o corte de recursos do PAC anunciado por Mantega e torna explícito o significado que ele atribui ao governo Dilma: a continuidade de um enredo cuja origem e significado pertencem a ele, Lula, que poderá retornar numa gloriosa carruagem de fogo caso sua sacerdotisa não consiga preservar a integralidade de sua mensagem salvífica. A analogia com uma perspectiva religiosa ou teológica não é casual: é nela que o mundo político moderno encontrou a inspiração para a criação de uma noção de história como sucessão de “tempos dos príncipes”, por oposição à idéia republicana, que vê o fluxo do tempo como a possibilidade de uma narrativa de crescente liberdade e reflexividade.

A história como sucessão de tempos monárquicos alimenta-se da percepção de cada reinado como um “agora eterno”, como um gigantesco instante indiferente ao que vem antes ou ao que vem depois, como um tempo fechado cujo significado é dado pelas essências redentoras e expressivas do rei. O rei é deus in terris, o primeiro motor e o grande ator que reclama o seu reinado como expressão imediata de sua essência, como totalidade emanada de sua vontade, como “história” narrada do seu ponto de vista supremo e absoluto. Portanto, história como “revelação” e expressão de sua natureza redentora, da idéia moral e intelectual que habita o seu interior e dá sentido à vida dos homens e à sociedade. Nessa perspectiva, o fluxo do tempo é visto como a sucessão de reinados, de tempos fechados, de ciclos autoreferidos, dotados de uma qualidade própria, original e irrepetível.

O tempo republicano, ao contrário, supõe a continuidade e a tradição, como a Roma republicana de Cícero, pois se a res publica é de todos, ela é de todas as gerações de romanos que nasceram após a fundação de Roma, e não apenas daquela existente em um determinado momento. A cada geração está atribuída, no caso de Roma, a preservação do sentido da origem, sentido que se transforma em auctoritas, em autorização para a ação comum e o exercício do poder. A Igreja, observa Hanna Arendt, preservou essa noção de tradição, reclamando Cristo como origem, como garantia da ordem religiosa e de sua estabilidade. As revoluções políticas modernas, ao se insurgirem contra a tradição do antigo regime, foram obrigadas a buscar um substitutivo para essa concepção do fluxo do tempo como preservação e extensão de um sentido original. A melhor resposta foi dada pelos Estados Unidos, que celebram sua origem – uma guerra e uma constituição da liberdade – como fontes de significado para todas as gerações subseqüentes àquela dos pais fundadores, recriando uma perspectiva republicana do tempo capaz de abrir a possibilidade de cada presente como realização reflexiva ainda mais perfeita dos sonhos e expectativas fundacionais.

Foi esta angulação que Obama mobilizou para superar, ainda na campanha, uma crise potencialmente catastrófica causada pelo seu amigo Jeremiah Wright, um pastor negro que aproveitou as primárias para uma denúncia radical da opressão sofrida pelos índios, pelos negros e pelos descendentes de japoneses, anunciando a vitória de Obama como vingança de todos contra os brancos opressores. Obama não podia aceitar esse significado para a sua candidatura, tanto pela ameaça de fuga dos votos dos brancos quanto por não se ver como instrumento de vingança. Por outro lado, não podia ignorar a denúncia de seu pastor, não só pelo risco de perder o voto dos negros como pelo fato de que Obama conhecia de fato a opressão sofrida pelos negros. Ele afasta a crise e se afirma como liderança efetiva ao pronunciar um dos seus mais célebres discursos, intitulado A more perfect union, frase retirada da introdução à Constituição norte-americana. Ele lembra os homens que pensaram a Constituição e o sentido que lhe deram: a liberdade, a igualdade, a união. Recorda que os pais fundadores deixaram a questão da escravidão para ser resolvida pelos pósteros. E rememora os passos históricos construídos para eliminar, primeiro a escravidão, e depois a segregação. Reconhece a opressão sofrida pelos negros, e conclama a compreensão dos brancos para a revolta de seu pastor. Mas afirma que era a hora de um passo adiante, de um novo estágio nessa narrativa de luta contra a desigualdade e a segregação: a liquidação da idéia de raça, da diferença dada pela cor, e a transfiguração dos Estados Unidos numa sociedade comandada pela idéia da “mais perfeita união”.

Obama descobriu um “lugar” de onde falar, de onde reconstruir uma perspectiva republicana capaz de interpretar, de uma forma superior, o sentido original da sociedade e de descobrir a possibilidade de um passo adiante. Este “lugar” não existe no Brasil. Como entre nós a república não é do povo, mas dos vitoriosos seduzidos pela natureza de reis e príncipes, não há a possibilidade de interpretar a história do país como a tentativa de expansão da própria soberania popular e da autoconsciência do povo. Cada momento de nossa história é segmentado do passado e capturado por um enredo especial que nasce dos vitoriosos, e que faz do povo um personagem obrigado a vestir o figurino exigido para a representação da eficácia desse enredo salvador, único e irrepetível. Essa volúpia da ruptura e do reinício faz de nossa história uma sucessão de “tempos fechados”, de regimes ou governos que se livram do passado por um piparote mental, pela abstração do passivo de problemas e desafios deixados pelo tempo fechado anterior e pela anulação das possibilidades democráticas que poderiam constituir uma tradição nacional progressivamente reflexiva. Dilma é ela mesma uma criatura do enredo concebido por Lula, e só existe como continuidade do tempo monárquico inventado por ele. Por isso a dinâmica de sua campanha reduziu-se a celebrar a natureza e os feitos desse “novo” Brasil, mas sem nenhuma capacidade reflexiva para enfrentar problemas reais, de se por como modalidade de autoconsciência do povo e de sua história. Na verdade, a campanha da candidata vitoriosa revelou um dos traços mais preocupantes e característicos desse tempo monárquico-lulista: a ausência de uma teoria efetiva a respeito do Brasil, ou seja, de um modo de interpretação coerente a respeito do país. De um “lugar” de onde se pudesse contemplar a nossa história real, não esta sucessão abstrata de tempos fechados.

Mesmo que nossa história não tenha se desdobrado como narrativa republicana, pelo menos cada “novo tempo” procurava se justificar por uma teoria ampla e modernizante voltada para um futuro que nunca chegava. Pois bem: qual era a grande explicação do Brasil que deu origem ao PT e ao PSDB? A idéia de ruptura, não com o “agora” imediatamente anterior, mas com toda a história “torta” do país. Era preciso romper com a tradição ibérica, com o patrimonialismo, com o predomínio do estado sobre a sociedade, com a prática entreguista e negociadora do PCB, enfim, com todo o passado. Era essa a tônica da produção sociológica da USP – mas não só dela -, que presidiu o encontro de intelectuais de classe média com um movimento sindical em busca de protagonismo e autonomia diante do Estado. O PT nasce deste encontro afirmando sua autonomia, o compromisso com os trabalhadores e com um socialismo depurado das taras do velho comunismo. Ele surge como um ator externo ao processo de transição democrática, recusando-se inclusive a assinar a Constituinte de 1988. Se o PT se movimenta entre os “de baixo”, o PSDB é alçado ao poder com a mesma atitude de ruptura, com a ambição de liquidar a Era Vargas e seu pesado encargo de distorções, apostando na estabilidade econômica, na preservação da racionalidade sistêmica, na separação estado-sociedade, na reforma do próprio estado, na organização autônoma da sociedade através de novas formas institucionais, como as organizações não-governamentais.

Sustentado pelo êxito econômico e político do Plano Real, Fernando Henrique tentou traduzir esse diagnóstico produzido, sobretudo, em São Paulo e ainda o aprendizado político do processo de transição. O caminho de Lula e do PT foi menos claro. Para alcançar a presidência, submeteram-se a uma típica operação de marketing, sangrando a cartilha da fundação do partido e lançando uma tranqüilizadora carta aos brasileiros. O que restava de autoridade e reflexão no partido foi destroçado no episódio do “mensalão”. De um lado, pela condenação política dos principais líderes do partido e, de outro, pelo êxodo de intelectuais frustrados com o governo e com o próprio PT. O próprio presidente passa a duvidar das suas chances de reeleição. Mas assume a condição de “metamorfose ambulante”, livra-se das velhas teorias – ou de qualquer teoria -, reinventa-se através de políticas para os setores mais pobres da sociedade – bolsa família, aumento do salário mínimo e crédito -, de alianças com setores antes vilipendiados por ele e pelo PT – Sarney é o símbolo dessa nova disposição, assim como Collor -, submete a economia a uma política mais voluntarista e menos “sistêmica”, e traz para dentro do estado todas as organizações e movimentos sociais, como assinala Werneck Vianna. É o seu dedo que toca e salva, através da proteção do estado. Do ponto de vista econômico e social, o segundo governo de Lula é exitoso. Tudo isso sanciona o enredo que ele mesmo cria e desdobra de improviso, por ensaio e erro. E é ele que tudo sustenta, com seu carisma, seu instinto político e suas alianças, sem nenhum competidor, seja dentro ou fora de suas alianças. E o próprio êxito de Lula o afasta do diagnóstico político que fizera nascer o PT: já não se trata de imaginar nada remotamente parecido com o socialismo, mas de incorporar ao capitalismo, a um capitalismo popular, setores até então excluídos do mercado formal de trabalho e de consumo.

Esse enredo não foi premeditado. Mas dizer que ele foi feito sem teoria, sem reflexão prévia, não significa dizer que não existiram “teorias” tentando disputar a condução desse processo. A reflexão de Mangabeira Unger, no segundo mandato, a presença de Marina Silva e do ambientalismo, e o Gramsci de Tarso Genro tentaram abrir caminho em meio ao pragmatismo político manejado por Lula. Nada disso, no entanto, conseguia dar sentido ao enredo em expansão, alimentado pelo seu próprio êxito e pelo carisma de Lula. Não por acaso, como observa ainda Werneck Vianna, Lula e o PT fazem uma viagem redonda à Era Vargas. Não, obviamente, para recuperar algum tipo de continuidade, para a construção de uma narrativa republicana, mas em busca da morfologia interna do tempo fechado e das suas possibilidades, exemplarmente materializadas no enredo inaugurado por Vargas em 1930. Era Lula o responsável por saquear a história, ressuscitando seletiva e arbitrariamente Vargas com sua preocupação social, Juscelino com seu programa de modernização acelerada e Geisel com a idéia de planejamento estratégico e do Brasil potencia, para constituir o seu próprio enredo. Na verdade, a imaginação do presidente se alimenta das experiências concretas pelas quais passou durante sua vida e da certeza de que deveria e poderia começar tudo de novo, numa trama que só ele poderia costurar e desenvolver.

O governo Dilma não poderá se basear na manipulação desabusada e enviesada da linguagem dos afetos, no saque descontínuo e arbitrário do passado, na ausência de competição política que, de algum modo, preservou Lula como o único ator político do segundo governo. Na verdade, a presidente e seus principais assessores parecem estar orientados por um programa de rotinização do carisma de Lula e de administração racionalizada de seu enredo. Não se trata de uma operação fácil, de uma sequencia automática e destinada inelutavelmente ao sucesso. Em primeiro lugar, e pelo próprio perfil da presidente, essa operação implica uma atenção maior a demandas sistêmicas, provenientes da economia e da administração política do condomínio no poder e dos setores sociais em ascensão social. Estas demandas não são facilmente conciliáveis por carregarem lógicas distintas, e na ausência de uma expressiva virtú política da presidente, o resultado pode ser um curto-circuito no enredo recebido de Lula. Em segundo lugar, uma negociação extremamente flexível entre todos os atores e todas as demandas pode desfigurar, na perspectiva de Lula, a herança por ele deixada, o que poderá torná-lo um fator de turbulência ao reclamar a preservação do sentido e do alcance da trama imaginada por ele como início de um novo Brasil. Em terceiro lugar, a cena política do governo Dilma será constituída por atores políticos dotados de maior ambição e dispostos a fixar, com clareza maior, alternativas à administração da herança lulista.

Uma operação de rotinização do carisma implica sempre a hermenêutica do enredo inventado pelo líder, a busca de uma ortodoxia que permita a sua manipulação por homens comuns e a adaptação tática ao mundo concreto. Essa é uma ocasião para a organização de uma “teoria”, não no sentido puramente acadêmico, mas prático. O grande problema é que, nas nossas circunstâncias, esta tentativa tem tudo para dar errado, mesmo se der certo. Lula foi um improvisador audacioso, e sua trajetória presidencial dependeu decisivamente de sua virtú pessoal. Difícil fazer uma hermenêutica produtiva, no sentido de se retirar uma ortodoxia qualquer, da ação virtuosa de um presidente que abandonou a idéia de uma reflexividade mais larga e sistemática. Mas admitamos que isso venha a ser feito: estaremos confirmando, sem a exuberância de Lula, a história brasileira como sucessão de tempos fechados que se esgotam no decorrer do tempo. Há, certamente, uma terceira alternativa, e não apenas para Dilma: e de abandonar o projeto do tempo monárquico, de inventar uma tradição republicana tendo o povo como sujeito – e não como ator de uma peça qualquer, por mais generosa que seja a sua trama – e a Constituição como a origem desse povo. Uma Constituição feita para encerrar o regime militar e autoritário, mas também a Constituição do povo brasileiro e de todas as suas gerações. Será pedir demais que nossa República seja efetiva?

*Professor titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF

Dezoito anos depois:: José Eisenberg*

DEU NO BOLETIM CEDES – DEZEMBRO-JANEIRO

Em 2002, todas as previsões de descontinuidade, ruptura e desordem após a eleição de Lula provaram-se equivocadas. Não porque os receios não fossem justificados. Afinal, tratava-se de um candidato advindo da esquerda, três vezes derrotado em eleições anteriores com um discurso de ruptura com a ordem “neoliberal” que havia dominado a Nova República, e cuja campanha presidencial naquele ano, apesar da maquiagem de paz e amor, mantinha uma postura de confronto com as forças conservadoras que haviam se aglutinados ao redor dos governos anteriores.

Veio a Carta aos Brasileiros, é verdade, no fundo uma carta ao empresariado e aos bancos estrangeiros, e com ela um sinal de que, governando, Lula seria menos intransigente com as classes dominantes do que demonstrara ser nas campanhas anteriores.

O primeiro ano do governo Lula teve o sentido simbólico de uma transição e o efeito real de uma reorientação no Partido dos Trabalhadores (PT). Deu continuidade ao governo de Fernando Henrique Cardoso em praticamente todas as políticas, fazendo modestos ajustes de gestão. A esquerda do PT não aceitou e abandonou o partido. Agregou-se às razões para tanto a opção de Lula por um modelo de coalizão parlamentar baseado em um varejo de corrupção junto aos partidos conservadores menores que ele tanto havia criticado por anos. Até o PP de Maluf, nêmese do PT paulista, entrou na roda. O episódio do mensalão foi apenas uma
decorrência inevitável deste jogo.

No primeiro mandato, Lula não ousou mexer na macroeconomia. E nunca antes na história desse país o Banco Central foi tão “monetarista” e gozou de tanta autonomia. Ademais, o presidente realizou a consolidação dos tímidos programas sociais do governo anterior, assistencialistas e focalizados, sinônimos de clientelismo e descriminação. O Fome Zero, mais ambicioso, morreu na praia, e o Bolsa Família virou a bandeira de Lula, símbolo de sua atenção para com os menos favorecidos. Consolidação de programas já existentes, injetado com mais recursos, o Bolsa Família conseguiu atingir metas modestas de erradicação de miseráveis, já que 58% de seus recipientes permanecem miseráveis. O modelo assistencialista, quase desnecessário mencionar, mantém os recipientes hipossuficientes e dependentes do Estado. Foi um primeiro passo; curto e tímido demais, entretanto. O seguinte, no plano da educação básica, nunca foi dado com determinação. A ampliação do FUNDEF para o FUNDEB não conseguiu produzir efeitos tangíveis na base da pirâmide educacional. “Andar com as próprias pernas”, como se diz, ficou para depois, e os milhões de empregos que foram gerados com a graciosa ajuda do prosperidade da economia mundial ficaram para os educacionalmente aptos e treinados, e para as universidades federais e privadas, topo da pirâmide educacional brasileira.

O primeiro mandato terminou implementando políticas pouco distintas das executadas pelo governo anterior. A expectativa de uma transição para um modelo mais universal nas suas preocupações sociais e mais republicano na sua gerência do poder público era grande ainda. Havia uma dívida com os votos que elegeram Lula em 2002.

O segundo mandato, obtido de forma contundente contra um candidato fraco e mais conservador que o partido ao qual pertence, e contando com uma economia ainda próspera aqui e alhures, permitiu a Lula adotar políticas sociais mais agressivas e, em particular, a mobilização de gastos públicos em infraestrutura para incentivar o crescimento da indústria nacional. Lula entregou o mercado financeiro às delicias da especulação do capital internacional, enquanto monopolizou, através do PAC, a organização da grão-burguesia nacional, dando-lhe isenções fiscais e subsídios, além de amplo acesso aos juros subsidiados do BNDES.

O resultado dessas políticas foram taxas de crescimento elevadas e uma distribuição de renda modesta pela via de programas sociais e de geração de emprego, principalmente para as classes C e D. O modelo de coalizão político-parlamentar ganhou novo contorno, com um parceiro protagonista, o PMDB, capaz de dar a sustentação política que o PT – mais fisiológico, fragmentado e menos potente – já não era capaz de prover sozinho. A corrupção permaneceu em níveis elevados com o novo aliado. Mas o carisma de Lula se multiplicou com o sucesso econômico brasileiro e com sua capacidade de expurgar tudo e todos no caminho de sua autoproclamação como o melhor presidente que o Brasil já teve.

Pessoalmente, desliguei-me afetivamente do PT no primeiro mês do primeiro mandato, depois de duas décadas de militância e simpatia. Por que, me pergunto, se a transição parecia ter sido tão boa? Errei, então, na avaliação do que viria, ou meu erro ocorre agora, ao avaliar “positivamente” os oito anos de governo Lula?

Governos pretéritos contam com o benefício, ao serem avaliados, de estarem acima das lutas políticas e da cadência dos conflitos que os cercam no momento em que ocorrem. Por oito anos, exceto no primeiro mês, tornei-me um crítico voraz do governo Lula. Faria e diria tudo de novo. Mas agora que já passou, não há como negar que, dezoito anos depois (dois de Itamar, oito de FHC e oito de Lula), e não oito anos depois, o Brasil é um país melhor do que antes. Era difícil piorar, mas não é difícil perceber, em retrospectiva, que se trata de duas décadas de continuidade de políticas conservadoras do ponto de vista fiscal e monetário; tímidas, mas em evolução, no plano social, acopladas a investimentos estatais baixos, mas crescentes, em infraestrutura.

Atentemos, entretanto, que foram dezoito anos, reitero, e não dois mandatos de Lula que fizeram isso. A ruptura que eu e parcela da esquerda queríamos nunca aconteceu. Nas três frentes de análise que expus aqui, “nós” (a) perdemos o debate macroeconômico, (b) fomos derrotados por um modelo assistencialista de política social a que sempre nos opusemos, e (c) os investimentos estatais nunca chegaram na proporção do PIB que gostaríamos. Mas a trajetória do Brasil, há que se reconhecer, teve seus êxitos, mesmo que não se reconheça, em geral, que as continuidades destes dezoito anos são bem maiores que as rupturas.

Nesse contexto temporalmente mais dilatado de análise, as perspectivas para o governo Dilma Rousseff são de continuidade, pelo menos enquanto a economia mundial permitir. No plano político, entretanto, sem a personagem carismática de Lula para amalgamar forças políticas polares, a aliança renovada com o PMDB, PSB e demais partidos do guarda-chuva da coalizão que Lula criou para eleger sua ministra, os riscos de instabilidade e paralisia são maiores, e o processo de composição do ministério já demonstra isto, agradando a poucos. Na verdade, desagradando a quase todos. Este será também um governo pleno de protagonismo para os quadros da burocracia do PT, sem a sombra de Lula para ofuscar seus desejos de brilho próprio.

Creio, entretanto, que a presença de Lula no cenário político pode acabar sendo um imperativo de “governabilidade”, sob risco de a nova presidente perder controle sobre a base aliada com a qual governará e sobre o partido que nunca foi o seu. O ex-presidente que a república brasileira terá em 2011 pode, portanto, acabar por ser um protagonista e um fiador da aliança PT/PMDB que se instaura com Rousseff. Mas se Lula agir demais e com eficácia, corre o risco de ser um candidato natural para um terceiro mandato e ofuscar sua escolhida para sucedê-lo. Se não o fizer, porém, o governo de Dilma pode naufragar nas entranhas da democracia representativa e do jogo de clientela que estrutura a relação executivo-legislativo em nosso país.

Dilma é uma mulher. Este fato em si só é razão para celebrarmos. Seu valor simbólico não pode ser desprezado. Meu receio, no entanto, é que seja só isso; que dezoito anos depois, a construção de um Brasil melhor sofra um retrocesso exatamente nas mãos de um partido que parecia ser a maior promessa de transformação social em nosso país quando tudo isso começou. Tudo isso, sabemos, vai depender da economia mundial e de seus protagonistas. E nesse jogo, a nova presidente, como Lula, ainda será bagre pequeno. Afinal, o Brasil ainda é bagre pequeno. Se a maré estiver a nosso favor, e torçamos por isso, creio que os próximos quatro anos devem ser tranquilos, sem sobressaltos positivos ou negativos. Se a maré não estiver para peixe, porém, tenho dúvidas se estas são as melhores mãos para nos conduzir por uma crise mais profunda da economia mundial.

*Professor Adjunto da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Avaliação e Perspectivas Futuras, na área da segurança pública: Luiz Eduardo Soares*

DEU NO BOLETIM CEDES – DEZEMBRO-JANEIRO

Em fevereiro de 2002, foi lançado pelo ainda pré-candidato, Lula, e pelos autores do documento, um plano nacional de segurança pública, em cerimônia no Congresso Nacional, de que participaram o então ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, e os presidentes da Câmara, Aécio Neves, e do Senado, Ramez Tevet.
Era a primeira vez que uma campanha presidencial ousava investir tanta energia na produção e na divulgação de um compromisso ambicioso e extenso em área geralmente negligenciada ou reduzida a platitudes e bordões retóricos. O plano formulou diagnóstico, identificou objetivos prioritários e apontou meios e modos para atingi-los, em sucessão modular. Os pontos chave eram os seguintes: (A) partia-se da consideração de que a insegurança pública, em sua multiplicidade de manifestações, constituía uma problemática complexa, porque multidimensional, envolvendo os fatores mais diversos (sociais, econômicos, educacionais, culturais, psicológicos, etc...). Por isso, as políticas preventivas ou destinadas à interceptação das dinâmicas facilitadoras dos fenômenos a evitar deveriam ser inter-setoriais, o que, por sua vez, exigiria a reconfiguração do sujeito da gestão pública, em suas distintas esferas, para que se promovessem ações integradas e territorializadas, isto é, variáveis segundo especificidades locais. (B) Afirmava-se que a arquitetura institucional da segurança pública, legada pela ditadura e consagrada na Constituição de 1988 –particularmente no artigo 144--, é incompatível com o novo quadro democrático e inadequada ao cumprimento de seu mandato constitucional, uma vez que priva a União de maiores responsabilidades, exclui os municípios e condena as polícias estaduais (reduzidas a meias polícias, tanto as civis quanto as militares), em função da estrutura organizacional, à reatividade, à fragmentação, à repetição inercial de velhos padrões autoritários e discricionários fixados na cultura corporativa, ao voluntarismo espasmódico, à ineficiência e ao descontrole. O modelo policial determina a impossibilidade de que se estabeleça uma governança legalista e efetiva. Por isso, firmava-se o compromisso de levar ao Congresso uma proposta de PEC, visando alterar o artigo 144. (C) Paralelamente às reformas institucionais, que se implementariam gradualmente, a médio e longo prazos, postulava-se a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), compreendido como um conjunto de protocolos nacionais regulando e qualificando, sem camisa de força centralizadora, alguns pontos estratégicos para as instituições da segurança pública: formação, capacitação e treinamento dos profissionais, que seriam também valorizados pela fixação de um piso nacional; gestão do conhecimento; gestão institucional com base em dados consistentes, diagnósticos, planejamento, avaliação do executado e monitoramento corretivo; perícia; articulação com políticas preventivas inter-setoriais; controle externo; integração dos municípios ao âmbito da segurança; mudanças no sistema penitenciário; articulação com as demais entidades da Justiça criminal (D) Entendendo-se que a proteção da vida representava a meta suprema e urgente, as armas, a brutalidade policial letal extra-judicial, e o crime organizado, em suas distintas conformações, foram definidos como focos prioritários, a exigir ação integrada e coordenada, sem prejuízo de vários outros focos e metas.

Na medida em que o plano começou a ser implantado, em 2003, o governo federal avaliou que o processo atribuiria ao presidente da República inaudito protagonismo na área da segurança pública, uma vez que lhe caberia liderar uma repactuação de grande vulto. Posto que esse destaque e essa liderança implicariam assunção de novas responsabilidades, concluiu-se que os riscos de desgaste político seriam superiores aos eventuais benefícios, até porque atua, nesse terreno, a contradição entre o ciclo eleitoral (bienal) e o tempo (longo) de maturação de políticas públicas estruturantes, cuja primeira etapa provoca desarranjos e desfuncionalidades, além de resistências corporativas –os frutos sendo colhidos apenas pelos sucessores. Tal análise levou à decisão de desistir do plano e substituí-lo pela performance midiática da polícia federal, voltada, agora, para suspeitos de colarinho branco.

O primeiro mandato terminou com saldo insignificante na segurança, mas o segundo retomou algumas propostas contidas no primeiro plano, ainda que em outras bases. O ministro da Justiça, Tarso Genro, elaborou e implantou o Pronasci (programa nacional de segurança com cidadania), reiterando valores e algum vocabulário conceitual enfatizados no plano anterior, e ampliando a parte do primeiro plano destinada à prevenção --redefinindo-a, detalhando-a e a dotando de recursos mais expressivos. Na secretaria nacional de segurança pública, Ricardo Balestreri criou a Renaesp (rede nacional de especialização em segurança pública), que veio a se constituir no maior e mais exitoso esforço de qualificação dos profissionais da área, em larga escala.

As reformas institucionais, entretanto, centrais no primeiro plano, permaneceram afastadas do discurso e das práticas, a despeito de movimentos isolados de Balestreri. O SUSP, todavia, voltou a ser evocado e apresentado como horizonte e referência para as políticas de segurança, mas não foi, de fato, implantado.

Por esses motivos, o saldo do segundo mandato, em matéria de segurança pública, é positivo, ainda que muito distante do que teria sido necessário para que se tornasse viável um salto de qualidade. Talvez a virtude mais importante tenha sido a reafirmação de um discurso legalista, em cujo contexto o respeito aos direitos humanos, por um lado, e a eficiência policial, por outro, aparecem como complementares em vez de mutuamente excludentes. Outros dois itens já destacados foram a valorização da formação policial e de políticas preventivas, envolvendo todas as esferas governamentais, especialmente os municípios.

É difícil elaborar um prognóstico para o governo Dilma Roussef, porque a campanha não se comprometeu com nenhum plano para a área. Os indícios apontam, pelo menos na conjuntura da transição, para a preservação do status quo, ou seja, manutenção tanto das virtudes, quanto das deficiências, entre as quais se destaca a recusa a assumir compromissos relativos a mudanças institucionais. Observe-se que a conferência nacional de segurança pública, promovida pelo ministério da Justiça ao longo de 2009 e antecedida por conferências municipais e estaduais, foi orientada, deliberadamente, para o impasse, uma vez que suas regras vetaram votações e determinaram o aproveitamento, nas resoluções finais, de todas as propostas formuladas no âmbito do encontro final. Como era previsível, o documento conclusivo propunha a mudança do artigo 144 e a preservação inalterada deste mesmo artigo. Pesquisa que realizei com Marcos Rolim e Silvia Ramos, em 2009, com o patrocínio do MJ e do PNUD, ouvindo 64.130 policiais e profissionais da segurança pública, em todo o país, demonstrou que 70% desejam a reforma do modelo policial, o que significa alteração do artigo citado. Ou seja, apenas se houvesse unanimidade na sociedade e nas corporações policiais o relatório da conferência nacional incluiria uma proposta que não se auto-anulasse, liberando o ministro para não agir e o protegendo, por consequência, dos desgastes políticos implicados em iniciativas polêmicas.

Deduz-se quão esquivos têm sido os governos federais –sem exceção. O desvio dessa rota não é provável, considerando-se que ela é ditada pela racionalidade do ator político pautado pelo mercado de votos (a quem não interessa sacrificar seu capital político em nome de benefícios a serem colhidos pelos sucessores). O mais provável é que se cozinhe o problema em banho-maria, deixando a bomba no colo dos governadores e mantendo intocada a arquitetura institucional e o modelo de polícia –nossa amarga jabuticaba: a pesada, anti-democrática e disfuncional herança da ditadura. A menos que a sociedade pressione pela formação de uma ampla aliança política, capaz de dividir os custos das mudanças.
* Professor da UERJ e da Universidade EstácLegalidade Libertária (Lumen-Juris, 2006).

BC prudente:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

De um ano para o outro, foram US$20 bilhões de diferença nas posições dos bancos. No fim de 2009, eles estavam comprados em US$3 bilhões. No fim de 2010, vendidos em US$17 bi. Isso significa que eles pegam recursos no exterior, onde há fartura de dólar, e trazem para cá. Imagine se o câmbio sobe de repente, os bancos teriam que correr atrás da moeda americana e ela poderia disparar.

Nada parece que vai inverter a tendência fraca do dólar, que é meio universal, mas a boa prudência manda que o mercado não fique assim tão exposto a esse risco. Em 2007, até setembro de 2008, o Brasil estava na mesma situação: nadando em dólar e a moeda americana só enfraquecendo. Os bancos aumentaram esse movimento de trazer dinheiro de fora, emprestar para empresas aqui. No mercado futuro, derivativos em moeda estrangeira, apostando que o dólar permaneceria baixo, viraram grandes fontes de lucro fácil. Até que, de repente, tudo mudou. O Lehman Brothers quebrou, o dólar disparou, o mercado secou e algumas empresas brasileiras entraram em dificuldade.

Não há sinal de uma reversão assim, mas por que não ser prudente? É nesta linha que o Banco Central trabalhou. Claro, que como efeito indireto ele pode colher uma redução da valorização excessiva da moeda brasileira. Ontem, o economista Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco, me disse que acha que o real já está caro demais e que não há muito espaço para continuar se apreciando. Mas o que o real já subiu foi o suficiente para alguns setores das empresas, principalmente manufaturas, estarem em dificuldades.

O dilema do Banco Central é que ele sabe que não tem poderes para determinar o preço da moeda. Nem quer. Ontem, em sua primeira entrevista coletiva, o novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, repetiu a crença de que o câmbio flutuante é o melhor dos sistemas, e que ele flutua em qualquer direção. Se o BC dissesse que a medida era para tentar segurar uma cotação, ela seria menos efetiva. Por isso, ele mira na redução dos riscos aos quais o mercado está exposto e cria uma punição na língua que os bancos entendem: dinheiro. Qualquer banco pode ter mais do que US$3 bilhões ou o valor estabelecido pela norma do Patrimônio de Referência, o que for menor, de posição em moeda americana. Poder, pode, mas custa caro. A decisão anunciada ontem é que a instituição terá que recolher o equivalente a 60% dessa posição ao Banco Central e sem remuneração nem correção monetária. Ou seja, dinheiro sem remuneração banco só gosta quando a grana é dos outros, como sabemos todos nós, os clientes.

Assim o BC, com um tiro, atinge dois alvos: reduz o risco da economia e pode afetar a tendência contínua de valorização do real. Nesse segundo ponto, a regulação não tem tanto poder de fogo assim. Mas é como disse Ilan: ele está passando um recado de que fez uma medida, outra, e poderá fazer outra. O BC, primeiro, tomou medidas para enxugar o excesso de dinheiro em circulação no fim do ano passado e disse que era uma ação prudencial também. Agora, está evitando o excesso de posição vendida de dólar também por razões de prudência. Nada impede que ele estabeleça uma nova norma no futuro. Isso se chama impactar as expectativas. Fontes do BC me informam que sim, no futuro, outros anúncios podem ser feitos. Mas o recado que a autoridade monetária está passando é que prefere agir dentro de regras clássicas de proteção contra risco e de política monetária. Um Banco Central ativo, mas não intervencionista. Que tenta direcionar tendência, mas não fixar preços.

Nathan Blanche, da Tendências consultoria, acha que a medida pode encarecer o crédito ao exportador, mas admite que o Banco Central agiu dentro das regras do jogo de mercado. Ele acha que é positivo principalmente diante das alternativas, como quarentena ou outras regras mais intervencionistas. Segundo Blanche, o mercado estava tenso diante das declarações do ministro Guido Mantega, que avisou que algo seria feito, mas não disse o quê. O BC, como se sabe, convocou uma coletiva para as oito da manhã, antes de o mercado abrir, e aí deu tempo para todos entenderem. Inclusive deu tempo também para que os bancos se adaptem: eles terão três meses. É por isso que a alta de ontem do dólar foi bem pequena. O BC quer dar a direção, mas não quer movimentos bruscos.

Mas a medida adianta? Um jornalista quis saber ontem de Tombini se ele não estava enxugando gelo. Há tantas razões para os dólares virem para o Brasil e uma delas é, sem dúvida, o nível dos juros muito acima dos de outros países. Tombini lembrou que mesmo em países emergentes que estão com juros baixos as moedas locais estão subindo em relação ao dólar.

No Brasil, os outros motivos que atraem dólares também estão presentes: o país está crescendo, há boas perspectivas de crescimento futuro, as empresas parecem lucrativas, o comércio é superavitário. Por isso, é difícil imaginar que - a não ser num contexto de crise externa - o dólar suba muito.

E há fatores que ninguém controla: a fragilidade da economia americana, que emite o dólar, ou o fato de que o grande exportador do mundo, a China, segue outra política cambial em vez do flutuante. Esse é um problema mundial, e recentemente Cingapura, Tailândia e Coreia do Sul adotaram medidas para conter o excesso de entrada de dólar. O Chile aumentou o volume das compras da moeda. Todo mundo tenta conter a queda. No Brasil, o BC do novo governo fez um movimento e mostrou seu estilo: prudência e dentro das regras do câmbio flutuante.

Esperança em movimento::Fernando Gabeira

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao avaliar as perspectivas de 2011, The Economist afirma que a esperança está em movimento, ventos favoráveis sopram dos países emergentes: China, Índia e Brasil. Um dado que inspirou a afirmação foi uma pesquisa do Pew Research Center segundo a qual 87% dos chineses, 50% dos brasileiros e 45% dos indianos acham que seus países marcham na direção correta.

Esperança em movimento, ressalta o artigo, significa mais confiança dos consumidores e dos empresários que investem. Não há dúvida quanto a isso, e as pesquisas brasileiras apontavam, no fim do ano, um índice de aprovação do governo bem próximo do contentamento chinês: 83%.

No entanto, olhando de perto, há algo de perturbador nesses dados sobre China e Brasil. Cai por terra a ilusão de que o avanço econômico produz automaticamente democracia, ou, no mínimo, melhora a qualidade dela. O extraordinário crescimento material vai tornar o Partido Comunista Chinês dramaticamente anacrônico - eram as previsões. Mas, no momento, a cúpula chinesa não apenas está forte, mas estrutura uma espécie de frente antidemocrática em torno dela. Assim foram interpretadas as 17 cadeiras vazias na cerimônia de entrega do Nobel da Paz ao dissidente Liu Xiaobo, em Oslo. Os ausentes, influenciados pela China, eram quase todos países autoritários, uma espécie de clube de ditadores, como o classificou um jornalista alemão.

A satisfação no Brasil é medida pelo aumento do consumo, pelos ganhos salariais, pelo entusiasmo de grandes empresas e investidores estrangeiros. No entanto, isso ocorre num contexto político desolador. Uma das marcas da desolação é o estado do Parlamento, dominado pelo governo e distante da opinião pública.

Não temos aqui a Lei Habilitante, de Chávez, que o autoriza a tomar decisões sem consultar o Congresso. Mas estamos tão perigosamente próximos que em Minas surgiu algo parecido na forma de Lei Delegada. Apesar das diferenças essenciais entre Chávez e Anastasia, ambas suprimem uma fração do poder parlamentar, ambas mutilam a democracia.

A neutralização do Congresso não se faz apenas pela troca de favores, o decantado fisiologismo. Ela se faz também pelas medidas provisórias. É quase impossível rejeitá-las; chegam ao Congresso e são acrescidas de inúmeros penduricalhos pelos próprios deputados. De um modo geral, são propostas escusas, conhecidas na gíria parlamentar como jabutis, nome que é uma alusão à frase "jabuti não sobe em árvore, se está lá, alguém o colocou". É tão árdua a tarefa de derrubar jabutis que a simples aprovação do texto do governo acaba sendo sentida como uma vitória.

Já o distanciamento, que era grande, tornou-se gigantesco com o passo dado neste fim de ano por deputados e senadores ao aumentarem os próprios salários, numa sessão relâmpago. Eles sabiam que há otimismo com o crescimento, e sabiam também que isso se intensifica nas vésperas de Natal.

Tudo se passa como se os entusiastas do governo, embalados pelo consumo, considerassem a política apenas um preço a pagar pelo avanço econômico. Talvez contabilizem mais nesse preço os milhões destinados aos parlamentares, e os milhões desviados nos periódicos escândalos de corrupção. Nem todos se dão conta de que a submissão do Congresso mutila a democracia.

O próprio governo parece não compreender que paga um preço alto. Em certos momentos, paga com a perda da racionalidade. Como explicar que em tempos de preparação da Copa e da Olimpíada o escolhido para o Ministério do Turismo seja um deputado de 80 anos que jamais teve ligação com o setor? Um simples movimento para satisfazer o senador Sarney desarma o País diante de um teste internacional.

A escolha de um dissidente chinês para o Nobel é a afirmação de que o crescimento econômico não é um valor absoluto. O prêmio revela também que há um preço pagar. Um preço de outra natureza - a cadeira vazia e a prisão de Liu Xiaobo simbolizam isso.

No Brasil democrático, há um preço mais suave: nadar contra a imensa corrente que concilia crescimento econômico com decadência política.

Não se trata de negar a esperança em movimento. No caso brasileiro, é preciso apenas dotá-la de um mínimo de audácia para que abarque poder aquisitivo e democracia, juntos e misturados, como se diz na gíria.

Quando o Congresso decidiu aumentar os próprios salários, acima do padrão dos países mais ricos, Tiririca, eleito deputado, apareceu de sapato na mão, dizendo que era um dia de sorte. Muitos brasileiros, nesse dia, não acreditariam que os ventos planetários da esperança estavam soprando do Brasil.

Não há saída para esse impasse fora da política. Será preciso escolher o preço certo a pagar. Se a oposição considerasse esta hipótese e declarasse absurdo o preço que se paga hoje, talvez pudesse, gradativamente, convencer a maioria e, quem sabe, atrair uma área do governo que, por experiência própria, perceba o fardo negativo dos arranjos atuais.

O que hoje me parece claro é que a democracia não decorre do crescimento, como se fosse um fenômeno natural, estações se sucedendo ao longo do ano. A decadência do Congresso torna mais fascinante a ideia de democracia plebiscitária e nos aproxima, ainda que isso seja negado, da experiência bolivariana. É sempre bom lembrar que se o crescimento, por si próprio, não traz a democracia, não é também um apêndice do autoritarismo. Na cerimônia de entrega do Nobel, duas cadeiras vazias correspondiam a Venezuela e Cuba. A primeira registra crescimento negativo; a segunda, a julgar pelos óbvios vazamentos do WikiLeaks, não suporta mais três anos de pobreza.

Se para a Europa e os EUA foi um ano de desencanto, restou apenas o lugar-comum como traço de união planetário: a esperança é a última que morre.

Jornalista

Editoral: Passaportes antirrepublicanos

DEU NO PORTAL DO PPS

Já não é nenhuma novidade a mistura de assuntos públicos e privados que marcaram a era Lula, principalmente no tocante a seus dois filhos, Luiz Cláudio, o Lulinha, e Marcos Cláudio. Não é por ser costumeira, no entanto, que a prática deve deixar de escandalizar aqueles que prezam pelos valores republicanos e pela ética e correção no trato da coisa pública.

Antes que envelhecessem as notícias dando conta de que os dois irmãos – que têm por sócia a empresa de telefonia Oi – são donos de seis empresas de fachada, o jornal Folha de São Paulo revela que o Itamaraty concedeu passaportes diplomáticos a ambos dos filhos do ex-presidente.

Pior: como dependentes de autoridades só podem obter o documento até os 21 anos, e ambos já ultrapassaram essa idade, o Itamaraty refugiou-se em incabíveis justificativas de “caráter excepcional” e “em função dos interesses do país”para emitir os passaportes. Fez isso no penúltimo dia de governo.

Um órgão da República arranja um meio de cumprir os caprichos do presidente, que pediu os passaportes, e deixa o país na posição de último a saber.

Sobrou a pergunta que não quer calar: Quais interesses do país estão por trás da emissão indevida de passaportes diplomáticos para os filhos de Lula? Essa questão não está respondida na justificativa – ou melhor na falta dela – da concessão.

Pode-se até especular qual ligação esse episódio teria com a cidadania italiana que a ex-primeira-dama Marisa Letícia pediu e conseguiu. Estariam os filhos de Lula – ou a família – interessados numa vida no exterior e, para garantir tratamento diferenciado como tem direito o pai, pediram os passaportes diplomáticos?

Terminaram seus dois mandatos e Lula saiu do governo sem noção de respeito aos princípios republicanos. Deixou no rastro de sua passagem o a privatização do Estado brasileiro para alcançar fins partidários ou próprios. O caso dos passaportes é mais uma vergonha no rol de seus delírios absolutista.

Interesse nacional não seria uma investigação sobre os negócios de Lulinha e sua nebulosa relação com a fusão da Oi com a Brasil Telecom?

BC anuncia medidas para conter alta do real

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Banco Central anunciou ontem as primeiras medidas do governo Dilma Rousseff para segurar a queda do dó1ar. Foram criadas regras que tornam menos atraentes as apostas dos bancos na valorização do real. O foco são as chamadas posições vendidas, um crédito em dó1ar tomado no exterior pelas instituições financeiras. O presidente do BC, Alexandre Tombini, fez um alerta a pessoas e empresas que contraem dívidas em moeda estrangeira. “É sempre bom lembrar que uma tendência de curto prazo não quer dizer que vai se prolongar no tempo. Essa coisa pode mudar", afirmou.

Tombini alerta para dívidas em dólar

Ao lançar sua primeira medida para tentar frear alta do real, presidente do BC pede cautela a pessoas e empresas que se endividam em moeda estrangeira

Renato Andrade

BRASÍLIA - O presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, fez um alerta nesta quinta-feira para quem segue apostando na valorização do real em relação ao dólar: cuidado, o cenário pode mudar. "É sempre bom lembrar que uma tendência de curto prazo não quer dizer que vai se prolongar no tempo. Essa coisa pode mudar", avisou, horas depois de o BC ter lançado a primeira medida para frear a alta da moeda brasileira sob seu comando.

Na avaliação de Tombini, não há garantias de que o excesso de dinheiro em circulação atualmente pelo globo, e que tem desembocado nas economias emergentes como o Brasil, continuará assim indefinidamente. Por isso, sugeriu cautela às empresas e pessoas que têm assumido compromissos em moedas internacionais.

"Da mesma forma que o ambiente hoje é amplamente favorável em termos de liquidez em moeda estrangeira, ele não necessariamente fica dessa forma ao longo do tempo. Quando assumir compromisso em moeda diferente daquela que as pessoas e empresas têm seus rendimentos, essa assunção tem de ser com cautela, com segurança."

Razões

O BC tem razões para fazer o alerta. Em 2008, empresas como Sadia, Votorantim e Aracruz sofreram fortes perdas por causa do uso indevido de instrumentos de proteção contra variações da taxa de câmbio. As apostas na valorização do real foram exageradas, e quando a moeda passou a perder terreno em relação ao dólar essas companhias acabaram no vermelho. Cerca de 200 exportadoras perderam aproximadamente R$ 40 bilhões por causa das apostas. A Sadia teve um prejuízo de R$ 760 milhões. O rombo da Aracruz foi de mais de R$ 2 bilhões.

Tombini fez questão de lembrar esse cenário ao pedir ontem cautela, durante sua primeira entrevista no cargo de presidente do Banco Central. Segundo ele, a diretoria do BC fez em meados de 2007 e meados de 2008 o mesmo alerta: o câmbio não segue apenas uma direção. "O câmbio flutuante pode ir para outro lado e nós temos de assegurar que, em acontecendo isso, por razões diversas, inclusive externas, isso não gere problemas de instabilidade financeira", acrescentou.

Para tentar diminuir o volume de apostas na valorização do real ante o dólar, o Banco Central determinou que os bancos que tiverem esse tipo de operação terão de depositar compulsoriamente no BC o equivalente a 60% do valor que exceder US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência da instituição.

Tombini aproveitou sua primeira conversa com jornalistas para detalhar a discussão sobre o corte da meta de inflação, mencionado por ele na segunda-feira, durante o discurso de posse.

Mais uma vez, o presidente do BC disse que é preciso ter a "ambição" de discutir o tema, mas deixou claro que não está comprometido com nenhum prazo. "A minha discussão sobre meta de inflação não tem prazo de validade, não está vinculada a uma decisão agora em junho ou em qualquer ponto no tempo indefinido."

Oficialmente, a definição sobre a meta é feita nas reuniões de meio de ano do Conselho Monetário Nacional. Dentro de cinco meses, o conselho, formado por Tombini e pelos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Míriam Belchior (Planejamento), se reunirá para fixar a meta de 2013 e confirmar a de 2012.

BC cria compulsório de 60% para deter dólar

DEU EM O GLOBO

Na primeira medida do governo Dilma para segurar o dólar, o BC criou um compulsório de 60% limitando operações dos bancos que apostam na queda da moeda. Com isso, eles terão que comprar US$ 7 bilhões no mercado. Em reação, o dólar subiu 0,77%, a R$1,688. O BC alertou que brasileiro deve ter cautela ao se endividar em dólar.

Ofensiva para puxar o dólar

Na 1ª medida do governo Dilma, BC cria compulsório de bancos, que devem retirar até US$7 bi do mercado

Patrícia Duarte

Ogoverno Dilma Rousseff moveu-se do discurso para a ação ao adotar, ontem, sua primeira medida concreta contra o derretimento do dólar. O Banco Central (BC) instituiu um compulsório inédito de 60% que vai, na prática, limitar operações dos bancos que representam apostas na queda do dólar frente ao real. A ação deve incentivar a compra de aproximadamente US$7 bilhões no mercado à vista pelos bancos nos próximos três meses, o que pode puxar para cima a cotação da moeda americana. Ontem, o dólar subiu 0,77%, para R$1,688.

Ainda que esse movimento de recomposição do valor do dólar venha a ser discreto, como preveem especialistas e equipe econômica, a regra do BC deixou os agentes financeiros mais atentos à resolução do governo de realmente atuar para conter a valorização excessiva do real, o que tem efeito na formação das expectativas e influencia os negócios. Na equipe econômica, estima-se que a cotação deve ficar mais próxima de R$1,70, sem ultrapassar R$1,75.

O compulsório incidirá sobre a posição vendida dos bancos, que, no jargão do mercado, significa que a instituição está fechando mais contratos de venda de dólares (a importadores, por exemplo) do que de compra de moeda. O banco aumenta esta operação porque acredita que a moeda americana ficará cada vez mais barata, ao passo que os reais que recebe em troca podem ser aplicados em títulos públicos, que rendem os juros reais mais elevados do mundo. O crescimento dessa aposta nos últimos meses é identificado como combustível para a contínua apreciação do real.

- A medida em si não afeta tanto as cotações, mas gera um efeito emocional. É uma postura nova do BC, de atuar no câmbio por outras vias - avaliou o superintendente de Tesouraria do banco Banif, Rodrigo Trotta, lembrando que ainda há muita liquidez no mercado externo, o que limita o efeito da ação.

"Mais emblemática do que prática"

Pela medida anunciada ontem, deverão ser recolhidos ao BC - a título de compulsório bancário, em espécie e sem remuneração - 60% do valor da posição de câmbio vendida que exceder o menor dos seguintes valores: US$3 bilhões ou o patrimônio de referência dos bancos.

Se um banco tem patrimônio de US$2 bilhões e uma posição vendida de US$6 bilhões, a taxa do compulsório recairá sobre a diferença, de US$4 bilhões. Ele teria, portanto, de depositar no BC US$2,4 bilhões em espécie, sem remuneração.

Essa ação é uma regra prudencial que não define as condições da operação, apenas eleva seu custo. Por isso, de acordo com o diretor de Política Monetária do BC, Aldo Mendes, a expectativa é que os bancos façam as contas e reduzam suas posições vendidas até o ponto em que não terão de recolher compulsório.

Segundo os dados de dezembro do BC, as posições vendidas atingiram US$16,8 bilhões. Para não pagar compulsório, teriam de ser de US$10 bilhões, ou seja, os bancos teriam de comprar no mercado cerca de US$7 bilhões para se desfazer de parte de suas posições. Quando há uma força compradora de uma moeda, a pressão é de alta em sua cotação.

- A medida, isoladamente, é um indutor de valorização do dólar (frente ao real) - afirmou Aldo Mendes.

Esta semana, a moeda americana atingiu a menor cotação desde 1º de setembro de 2008, R$1,65, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou na terça-feira que o governo adotaria medidas para não permitir que o dólar "derretesse", prejudicando as exportações. Apesar de sinalizar que haveria um cardápio de medidas, inclusive de controle de capitais, não anunciou qualquer uma. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, já havia puxado o coro na véspera.

A iniciativa do BC, segundo seu presidente, Alexandre Tombini, foi prudencial. O mercado brasileiro de dólares à vista, argumentou, movimenta cerca de US$2 bilhões ao dia. Caso houvesse algum problema, como uma crise financeira, não haveria como cobrir sem volatilidade a atual posição cambial dos bancos (entregar os dólares de todos os contratos).

- (As posições cambiais) estão superdimensionadas. Elas vão se adequar à realidade do mercado - afirmou o presidente do BC.

- Os R$10 bilhões (patamar que o BC calcula para as posições vendidas) são manejáveis e não trazem riscos ao sistema - disse Aldo Mendes.

Para o diretor de câmbio da corretora Fair, Mário Battistel, o mercado ainda avaliará melhor os impactos da medida, ainda mais que a tendência continua sendo de mais entrada de recursos externos no país também por causa da elevada taxa básica de juros, de 10,75% ao ano. E o mercado acredita que a Selic fechará o ano a 12,25%, melhorando ainda mais os rendimentos dos títulos públicos. Mas Battistel concorda que o governo tem dado sinais de que quer manter o real menos valorizado:

- Vejo a ação (de ontem) do BC mais emblemática do que prática.

Aldo Mendes disse que não há outras medidas cambiais no radar do BC, apesar de reconhecer que permanece a tendência mundial de desvalorização do dólar.

Peluso mantém Battisti preso até volta do STF

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mariângela Gallucci

O ex-ativista italiano Cesare Battisti permanecerá preso, conforme decidiu ontem o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso. O conteúdo do despacho é, na prática, o primeiro ataque à decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos argumentos usados pela Advocacia-Geral da União (AGU) para negar a extradição de Battisti.

Peluso negou o pedido feito pelos advogados de Battisti na segunda-feira para que o ex-ativista, condenado à prisão perpétua na Itália, fosse colocado imediatamente em liberdade, já que o ex-presidente Lula decidiu não entrega-lo ao governo italiano.

"Não tenho como, nesta estima superficial, provisória e de exceção, ver, provada, causa convencional autônoma que impusesse libertação imediata do ora requente", afirmou. O desfecho desse caso, assentou, dependerá de julgamento pelo plenário do tribunal, que volta a se reunir apenas no próximo mês.

Peluso ressaltou que o presidente da República, conforme decisão do STF, não teria discricionariedade absoluta para decidir se entregava ou não Battisti ao governo italiano e criticou o argumento de que a extradição poderia "agravar sua situação pessoal". Para ele, não há nenhum fato mencionado no parecer da AGU que seja suficiente para embasar a decisão de não mandar Battisti para a Itália.

Peluso afirmou ainda que o tribunal também restringiu ao tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália o poder do presidente de decidir pela entrega ou não de Battisti. Apesar do voto de quatro ministros pelo direito discricionário do presidente, ele disse que Lula deveria respeitar o tratado entre os dois países.

Por meio de nota, o advogado do italiano Battisti, Luís Roberto Barroso, criticou a decisão. "A manifestação do presidente do Supremo, sempre com o devido e merecido respeito, constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o País acreditava já ter se libertado." De acordo com Barroso, "em uma democracia, deve-se respeitar as decisões judiciais e presidenciais, mesmo quando não se concorde com elas".

Cargos de estatais do setor elétrico serão novo alvo da fome de aliados

DEU EM O GLOBO

Presidente Dilma quer substituir indicações políticas por nomes técnicos

Gerson Camarotti e Maria Lima

BRASÍLIA. Depois de mudanças no Ministério da Saúde e nos Correios, o próximo alvo de intervenções em postos críticos, alvos de escândalos de corrupção no segundo escalão, será o setor elétrico. A determinação partiu da presidente Dilma Rousseff, que deseja nomes técnicos para blindar as estatais do setor. Dilma só não efetivou mudanças imediatas para evitar a reação do PMDB e contaminar a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.

Esse poderá ser novo ponto de atrito com o PMDB, cuja relação como o PT esquentou nos últimos dias. Nos Correios, a diretoria ligada ao PMDB foi substituída por técnicos, para fugir de ingerências políticas e recuperar eficiência. Dilma quer agora o comando do setor elétrico - hoje com PMDB, PT e PSB.

- Se a reestruturação da Saúde está dando confusão, quero ver a hora que chegar no setor elétrico. Ali sim é um vespeiro - observou um integrante do governo Dilma.

O principal alvo é a Eletrobras, comandada por José Antonio Muniz, afilhado de José Sarney. A presidente deseja pôr lá Flávio Decat, que integrou a diretoria da estatal e tem o apoio do senador Delcídio Amaral (PT-MS). O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, aliado de Sarney, tem sido cauteloso. Diz que PT e PMDB convivem em harmonia no setor elétrico e tenta evitar grande mudança.

Também está na mira de Dilma a substituição em Furnas e no bilionário Fundo Real Grandeza, feudo do PMDB do Rio de Janeiro. O cargo do atual presidente de Furnas, Carlos Nadalutti Filho, é alvo de petistas, mas o PMDB não desistiu de permanecer no comando. O PMDB mineiro tenta ficar com a estatal, mas está dividido.

A bancada na Câmara tenta emplacar o deputado Marcos Lima (PMDB-MG), mas outro grupo liderado pelo deputado eleito Newton Cardoso faz lobby pelo senador Hélio Costa, derrotado na disputa ao governo mineiro.

PSB tenta manter controle da Chesf

O PMDB tenta reassumir a Eletronorte, comandada até o ano passado por um aliado de José Sarney, Jorge Palmeira, que faleceu em agosto. O atual presidente, Josias Matos de Araújo, não tem apoio político. O PT controla a Eletrosul, presidida por Eurides Luiz Mescolotto, e Itaipu Binacional, presidida por Jorge Samek, da cota pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que deve continuar no cargo. O PSB controla a Chesf, comandada por Dilton da Conti. E o governador Eduardo Campos (PSB-PE) se mobiliza para manter a estatal.

O ministro Alexandre Padilha, com aval de Dilma, interveio na Funasa. O presidente Faustino Lins, indicado pelo líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves(RN), deverá ser substituído por Gilson Queiroz, indicado pelo PT mineiro. De perfil técnico, ele foi diretor de Saneamento da Secretaria de Saúde de Minas Gerais e diretor de Obras da Sudecap, em Belo Horizonte. Segundo peemedebistas, Gilson é sócio-diretor da Carvalho Queiroz Engenharia, empreiteira que teria participado de obras na Funasa e é alvo de tomada de contas especiais no TCU. Segundo interlocutores do governo, se ele for "bichado", como dizem petistas, não será efetivado no cargo.

Fiel escudeiro de Henrique Eduardo Alves, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ironizou em sua página no Twitter ao comentar a crise dos cargos do segundo escalão: "Essa história de cargos está igual à pérola de que periquito come milho e papagaio leva a fama. E o papagaio é o PMDB, e periquito, o PT. Se é verdade o que O GLOBO publicou - o congelamento (das substituições no segundo escalão) - é só para os aliados. Já vai o PT atrás da Funasa. Que apetite".

Em São Paulo, o vice-presidente Michel Temer (PMDB), depois de um encontro com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), demonstrou insatisfação com a falta de integrantes do partido na reunião de coordenação do governo:

- Todos os partidos precisam estar representados. Afinal, é um governo de coalizão, não é? Vamos tratar disso (maior participação do PMDB) nessa semana e na semana que vem - disse ele, único representante do partido na reunião.

Projeto de Franklin não irá para o Congresso

DEU EM O GLOBO

O governo Dilma não encaminhará ao Congresso o anteprojeto da Lei de Comunicação Eletrônica coordenado pelo ex-ministro Franklin Martins. Segundo o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, o novo governo pretende reabrir o debate com a sociedade, sem prazo para decisão.

Projeto sobre mídia não deve ir para o Congresso

Proposta de controle deixada pelo governo Lula será discutida e submetida à sociedade, diz Paulo Bernardo

Flávia Barbosa e Mônica Tavares

BRASÍLIA. O governo Dilma Rousseff não vai encaminhar ao Congresso Nacional o anteprojeto para a Lei de Comunicação Eletrônica elaborado na gestão do ex-presidente Lula sob a coordenação do ex-ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social. A nova equipe pretende reabrir a discussão e até submeter à consulta pública a proposta, que prevê a regulamentação da mídia. O texto provocou forte reação da sociedade civil organizada, que teme controle prévio dos meios de comunicação e um cerco à liberdade de imprensa.

O novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse ao GLOBO que o projeto ainda será tema de discussão entre ele, a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Mas a intenção inicial é reabrir o debate com a sociedade - que era dado por encerrado no governo anterior.

- Eu já recebi o projeto, vou examinar, vou conversar com o Palocci e com a presidente para ver como a gente vai encaminhar isto - disse Paulo Bernardo. - Em conversa preliminar com ela (Dilma), aventei a possibilidade de fazermos uma consulta pública, de fazermos um amplo debate sobre isto e depois o governo formaria a sua posição final para mandar para o Congresso, onde com certeza vai ter um outro grande debate, um longo debate - acrescentou o ministro.

De acordo com Paulo Bernardo, não há um prazo definido para que a proposta seja finalizada, especialmente porque o tema é complexo. E também tem forte caráter econômico - por tratar da convergência de mídias, redefinindo, por exemplo, que empresas podem prestar quais tipos de serviço - e mexer com questões delicadas, pertinentes à democracia e à liberdade de expressão, "que todo mundo sabe que são importantes, fundamentais preservar", afirmou o ministro.

- Então, tudo vai ter que ser bem conciliado - disse Paulo Bernardo.

Regulamentação de três artigos da Constituição

O projeto polêmico do governo Lula tem o propósito de regulamentar três artigos da Constituição. O primeiro, o artigo 220, trata da liberdade de expressão e de criação, o artigo 221, que aborda programação e conteúdo, e o artigo 222, que estabelece limite de 30% ao capital estrangeiro em empresas jornalísticas e obriga que sejam brasileiros natos os dirigentes e responsáveis editoriais destes grupos.

O texto também prevê a criação de uma agência para regular o conteúdo veiculado pelas mídias - como monitoramento dos programas de rádio e TV para verificar, por exemplo, se há cumprimento das classificações por faixa etária e de cotas de produção nacional.

Aos filhos de Lula, mais quatro anos de privilégio

DEU EM O GLOBO

A 48 horas do fim do mandato de Lula, Itamaraty renovou os passaportes diplomáticos de dois dos seus filhos. De 25 e 39 anos, eles manterão o privilégio por quatro anos, mesmo estando acima da idade exigida e não exercendo função pública. O Itamaraty alegou "interesse do país".

Itamaraty deu privilégio a dois filhos de Lula

Dois dias antes de ex-presidente deixar o cargo, chanceler renovou passaportes diplomáticos e não explica o motivo

BRASÍLIA. A dois dias do fim do mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty renovou os passaportes diplomáticos de dois de seus filhos. Sem exercer cargo ou função pública, Luiz Cláudio Lula da Silva, de 25 anos, e Marcos Cláudio Lula da Silva, de 39, vão poder continuar desfrutando, por mais quatro anos, de tratamento privilegiado no desembarque em outros países. O governo não explicou os critérios para a concessão do benefício.

A decisão foi tomada pelo ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, segundo reportagem da "Folha de S. Paulo", "em caráter excepcional". Pelas regras do Itamaraty, têm direito a passaporte diplomático os dependentes do presidente com até 21 anos, ou 24, se estiverem estudando. Não há limite de idade se o beneficiário for portador de deficiência. Para estender o privilégio dos dois filhos de Lula, o ex-chanceler avocou o decreto 5.978/2006, que garante ao ministro o direito de conceder a autorização em caso de "interesse do país".

O Itamaraty não informou ontem qual o interesse da coletividade na expedição desses dois passaportes. Limitou-se a repetir o que informa o decreto. O tema causou visível constrangimento durante a posse do secretário-geral das Relações Exteriores, Ruy Nogueira, no fim da tarde. Embora tenham convocado a imprensa para o evento, tanto ele quanto o chanceler Antônio Patriota não falaram com jornalistas.

Demonstrando irritação, o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) Samuel Pinheiro Guimarães, que pertence aos quadros do Itamaraty, nem esperou o fim da pergunta para dizer que não comentaria o caso.

O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, foi o único a falar. Questionado se a decisão não favorece mais a interesses privados que públicos, minimizou o episódio:

- Acho o tema de uma irrelevância absoluta. Imagino que possa agradar aqueles 3% ou 4% que consideram o governo Lula ruim e péssimo.

Perguntado se a popularidade do ex-presidente justificava a atitude, respondeu:

- Não estou dizendo (isso). Existe uma coisa no Brasil que são as leis. Se isso está de acordo com a lei, não vejo nenhum problema.

Em nota, a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) criticou a expedição dos passaportes. "Fica a ideia de que ele está acima de todos, do bem e do mal e como se fosse um pequeno ditador".

Além de tirar o viajante da fila da imigração em aeroportos, o passaporte diplomático dispensa a apresentação de vistos em países que fazem essa exigência.

Também não é necessário pagar os R$190 cobrados pela Polícia Federal para a expedição.

Pastoral da Terra critica ''estagnação'' no campo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Balanço da comissão aponta queda nos assentamentos em 2010 e diz que Lula não cumpriu a promessa de ‘fazer a reforma agrária com uma canetada’

Roldão Arruda

Na avaliação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2010 foi o pior dos oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para a reforma agrária. De acordo com documento divulgado por agentes pastorais, o número de famílias assentadas caiu 44% em relação a 2009 e o total de terras adquiridas para novos assentamentos teve redução de 72%.

"Não é exagero afirmar que em 2010 houve intensa estagnação no processo de reforma agrária em todo o País", diz o texto. Na avaliação dos oito anos de governo, a conclusão da CPT também é bastante negativa. Recordando a promessa de campanha de Lula, de que a reforma agrária no País poderia ser resolvida com vontade política, o documento diz: "A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida." E mais: "É lamentável que o governo Lula tenha consumado uma surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio."

Um dos principais objetivos do documento é pressionar o governo Dilma Rousseff para dar mais atenção à reforma agrária. O texto concluiu apresentando uma série de reivindicações, entre elas mais verbas para a compra de terras, limite do tamanho da propriedade e atualização dos índices de produtividade rural.

No ano passado, em decorrências das eleições, o Movimento dos Sem-Terra (MST) e outras organizações ligadas à reforma agrária deram uma trégua ao governo, reduzindo o número de ocupações de terras - e, consequentemente, os efeitos políticos que esse tipo de ação provoca no eleitorado. Não houve, no entanto, nenhuma contrapartida. Sem responder oficialmente à nota da CPT, o Incra reconhece que 2010 foi de fato um dos piores anos do governo Lula.

Em 2006, logo após o escândalo do mensalão, quando estava preocupado em atrair o apoio de movimentos sociais, o governo destinou R$ 1,5 bilhão para a aquisição de terras destinadas à criação de assentamentos. No ano passado, o orçamento girou em torno de R$ 450 milhões. Enquanto em 2009 foram assentadas 55.498 famílias, dados preliminares indicam que em 2010 o total dificilmente chegará a 40 mil.

O documento de avaliação foi produzido pela CPT Nordeste 2, que abrange os Estados de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba - a região onde os movimentos sociais são mais ativos em todo o País. Indiretamente, ele reflete o pensamento global da CPT, que é vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ontem a CPT decidiu divulgar o texto em sua página na internet.

Deputado Estadual do Rio quer o PPS no governo Cabral

DEU NO JORNAL O DIA

Informe do dia

GOVERNISTA

O deputado André Correa (PPS) tentará levar seu partido para a base Cabral. Isto, afirma, mesmo que não venha a ser convidado para ser líder do governo na Alerj. Diz que, dos três integrantes da bancada, apenas Comte Bittencourt quer ficar na oposição.

ADEUS GABEIRA

Segundo Correa, José Luiz Nanci, o outro deputado estadual eleito pelo partido, não vê problema em passar para o lado do governador. O PPS, vale lembrar, apoiou Fernando Gabeira (PV) na disputa pelo governo do Estado.

Belo Belo II : Manuel Bandeira

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.

Petrópolis, fevereiro de 1947


Estes poemas belíssimos, de Manuel Bandeira — Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira, Brasil — foram inspiração (e homenagem a ele) para Soares Feitosa, "in" Do Belo-Belo.