domingo, 30 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Chico de Oliveira

"Mesmo porque o lulismo nos devora. Ele tira coelho da cartola o tempo todo. Não é o escravismo ou o patrimonialismo que explicam o atraso atual. Não se trata de uma herança de 500 anos. No livro, vou fazer a revisão da história para mostrar como essa formação do avesso se refere aos últimos 50 anos, a uma escolha das camadas dominantes. Houve uma opção pelo atraso. Cria-se a pobreza, que não é brasileira, como forma de controle e dominação. Lula tira benefício disso. Seu governo foi a culminância desse processo. Não houve avanço institucional nestes oito anos. Assim como as classes dominantes, Lula dança sobre a miséria para construir a sua popularidade.

Sobraram para o país os produtos baratos. É a euforia de quem chegou atrasado ao baile, a celebração da derrota da vitória. Todos estão contentes, mas sobre cultura e cidadania não temos nada. Chegou-se aos bens de consumo, mas não à civilidade. Estamos vivendo um fascismo do consumo. As pessoas se detestam, desapareceu qualquer traço de solidariedade pessoal e social. Os valores que a sociedade deveria cultivar, ela não cultiva. Há uma tensão fascista no ar. Sempre que um materialista começa a relacionar feitos sociais, pode desconfiar que atrás existe um cheiro de fascismo. Fizeram do Lula a imagem idealizada do anjo operário, o que ele não é. Faz muitas décadas que ele deixou de ser operário. A tragédia brasileira é imensa."

OLIVEIRA. Francisco. Lula virou história.Valor Econômico, 28/1/2011.

Sociedades maduras:: Merval Pereira

A revolução popular que derrubou a ditadura da Tunísia começou com um fato ocorrido no interior profundo do país, e que foi amplificado através de relatos no Facebook. Uma simples discussão, com agressões, entre uma feirante e uma policial acabou se transformando em um protesto dramático, com a feirante se imolando em praça pública em frente ao palácio do governo.

Sua imagem em chamas foi transmitida através do Facebook, e representou a revolta contra o tratamento humilhante dado pelas autoridades aos cidadãos. Como era um sentimento generalizado, o protesto espalhou-se pelo país.

Este ano o governo americano parece estar empenhado em defender a liberdade na internet como um instrumento político para espalhar a democracia em regiões como o mundo árabe.

O Egito, por exemplo, está tentando impedir que imagens das revoltas em diversas partes do país contra a ditadura de Hosni Mubarak sejam enviadas pelo Facebook ou pelos celulares, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um apelo para que fossem restabelecidos os serviços de internet (que classificou de ícone da liberdade), de telefonia celular e redes sociais.

A Secretária de Estado Hillary Clinton já havia anunciado no início do mês que os Estados Unidos apoiariam uma campanha internacional pela liberdade de acesso à informação, como resposta às dificuldades que países como o Irã e a China impõem ao uso do Google ou da Wikipedia; pelo direito dos cidadãos de produzirem suas próprias publicações, como, por exemplo, os ativistas de Burma; e pelo direito de trocar mensagens sem a interferência dos governos.

Recentemente o escritor brasileiro Paulo Coelho, um dos mais vendidos no mundo - "O Alquimista" está há três anos na lista de mais vendidos do "The New York Times" - teve uma experiência de como usar os novos meios tecnológicos para reagir a uma tentativa de censura do governo do Irã a seus livros.

A proibição de seus livros, depois de mais de dez anos entre os mais vendidos do país, acabou se transformando em um veto ao seu editor, que teve que deixar o país.

A maneira que Coelho encontrou de reagir à proibição foi liberar seus livros para serem baixados de graça pela internet.

Ele está tendo milhares de acessos por dia a seus livros e neste mês de janeiro já atingiu dois milhões de visitantes únicos em seu blog.

Paulo Coelho, que colabora com a comissão organizadora do Fórum Econômico aqui em Davos, esteve com o chanceler brasileiro Antonio Patriota para agradecer o empenho do governo brasileiro no caso.

Um dos mais seguidos do mundo no Twitter, segundo a revista Forbes, Coelho há muito tempo tem usado os novos meios tecnológicos para um contato mais frequente com seus leitores, e disponibiliza seus livros na internet de graça.

Nessa luta entre a cidadania e os governos autoritários na internet, há casos curiosos como o relatado pelo professor Shirky em um artigo do número de janeiro da Foreign Affairs.

Ele conta que o governo americano está empenhado em financiar pesquisas para desenvolver mecanismos que impeçam os governos de restringir a internet, ou que sejam capazes de reabrir o acesso à internet quando ele for bloqueado pela ação governamental.

Acontece que um dos mais eficientes mecanismos contra a censura da internet foi desenvolvido pela seita Falun Gong, justamente para evitar o controle do governo chinês.

E o governo dos Estados Unidos evita incentivar esse mecanismo por que não quer entrar em atrito com o governo chinês, que considera o Falun Gong um "culto pernicioso".

O poder da internet e das redes sociais, segundo Clay Shirky, professor de Novas Mídias da Universidade de Nova York, se baseia principalmente no seu apoio à sociedade civil e à esfera pública, processo que se se mede em anos ou décadas.

Por isso ele sugere que o governo americano, em vez de apoiar a liberdade na internet fora dos Estados Unidos como uma maneira de incentivar a democracia, promova campanhas a favor das liberdades civis como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito de livre associação. Com esses conceitos prevalecendo nos países, o trabalho de amplificação das redes sociais e da internet terá mais efeito, pois encontrará uma sociedade amadurecida e mais receptiva aos incentivos divulgados.

Shirky considera equivocada a idéia de que as redes sociais por si só levam à democracia, e lembra que muitos governos autoritários estão se aproveitando dos mesmos mecanismos para se fortalecer.

Na coluna de sexta-feira sobre o G-20, eu deveria ter sido mais específico na diferenciação dos dois grupos - o G-20 na Organização Mundial do Comércio (OMC), composto apenas por países em desenvolvimento, e o G-20 que reúne as maiores economias do mundo - e fiquei apenas no que há de semelhante, ou seja, a disposição de incluir países emergentes nas decisões internacionais.

FONTE: O GLOBO

Fato irrelevante:: Dora Kramer

Terça-feira toma posse o Congresso eleito em 2010, que no mesmo dia elege os presidentes da Câmara e do Senado para os próximos dois anos, sem que a sociedade possa reconhecer a mínima relevância no fato nem consiga se identificar com o que ali se discute a respeito do início de uma nova legislatura.

O distanciamento não ocorre por acaso nem é fruto só da alienação de um povo despolitizado, pouco informado, insuficientemente educado: é principalmente produto do comportamento do Parlamento que se aliena da Nação e segue indiferente à gravidade da própria situação de fragilidade e desmoralização.

E qual é o cenário hoje, 48 horas antes da posse e da eleição dos chefes do Poder Legislativo? No Senado, José Sarney eleito por consenso pela quarta vez apesar de todos os conhecidos pesares. Debate, só entre os partidos para a divisão dos cargos na Mesa Diretora.

Na Câmara, a preocupação é que o deputado Sandro Mabel e sua promessa de construir um novo prédio para acomodar os gabinetes das excelências não atrapalhe a eleição do petista Marco Maia, já no cargo desde que substituiu Michel Temer depois da eleição do colega para vice-presidente da República.

Limita-se a isso a discussão, embora seja ampla a agenda necessária. Nenhum partido gasta um minuto com os problemas do Legislativo.

O PSDB, que saiu derrotado da eleição presidencial prometendo fazer e acontecer, no momento polemiza sobre um abaixo-assinado da bancada tucana na Câmara para a recondução de Sérgio Guerra à presidência do partido em detrimento de José Serra. Um monumento à irrelevância. A exceção é o minúsculo PSOL. Sem poder de influir, o partido elaborou um elenco de temas aos quais urgiria o Parlamento se dedicar.

Tem-se, então, que os "grandes" se dedicam a questiúnculas, enquanto o pequeno vai aos pontos.

São eles:

1. Recuperação da atividade legislativa como protagonista do Poder de representação popular;

2. Criação de uma agenda de trabalho para o primeiro semestre, incluindo a reforma política;

3. Fim da submissão ao Executivo, notadamente no que diz respeito às medidas provisórias;

4. Garantias de atuação para as minorias e respeito aos critérios de proporcionalidade;

5. Cumprimento estrito do regimento, sem atropelos de prazos e procedimentos;

6. Fixação definitiva de critérios para a remuneração dos parlamentares e da alta hierarquia dos outros Poderes;
7. Divulgação de todos os gastos, inclusive relativos à verba indenizatória;

8. Facilitação de acesso popular às sessões plenárias e de comissões;

9. Fim da "privatização" dos espaços internos da Câmara;

10. Proibição da posse de suplentes no recesso parlamentar;

11. Melhoria dos critérios de escolha e funcionamento das empresas prestadoras de serviços; para concluir, a mãe de todas as regras:

12. Rigoroso zelo pela moralidade parlamentar.

A esses podem ser acrescentados outros pontos, como os suplentes de senadores, e ainda não teremos completo rol de temas bem mais relevantes que a renovação de feudos e a consolidação de privilégios corporativos.

Risco zero. Dilma cancelou ida a inauguração de usina por causa de protestos dos ambientalistas. Antes havia cancelado o envio de reformas estruturais do Congresso por causa das dificuldades em aprová-las.

São dois atos distintos; o que os une é o esboço de um estilo avesso a enfrentamentos.

Ainda a serra. Geólogo, Lázaro Zuquette escreve para discordar de que as ocorrências na região serrana do Rio sejam um "case" digno de estudo minucioso. "Qualquer estudante de geologia sabe que a extensão da serra do Mar voltada para o oceano evolui devido aos escorregamentos e processos erosivos".

Cita como exemplo a ocorrência de 15 mil escorregamentos nas serras do Mar e da Mantiqueira entre 2010 e 2011, cuja maioria não atingiu pessoas nem bem e, portanto, não se caracterizaram como desastres.

E conclui: "O que aconteceu foi normal para a área, o anormal é que os administradores autorizam a ocupação urbana na região".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Uma presidente, vários incêndios:: Eliane Cantanhêde

Dilma Rousseff enfrenta nesta semana sua primeira viagem internacional, a reabertura do Congresso e o reinício do Supremo, tudo com a crise no Egito -ou seria no mundo árabe?

Na Argentina, Dilma acertará com Cristina Kirchner a construção de um reator nuclear bilateral para fins civis e terá momentos de grande simbologia ao se encontrar com as Mães da Praça de Maio, dias depois de comparar vítimas de ditaduras a vítimas do Holocausto. Ou seja: vai sinalizar que seu governo dará passos firmes para investigar crimes do regime militar.

No Congresso, onde o salário mínimo será seu grande teste, o problema não são as oposições, desunidas e desnutridas, mas sim os próprios aliados, também desunidos, mas muito bem alimentados e ainda assim famintos. A guerra PT-PMDB foi devidamente resumida pelo peemedebista Eduardo Cunha: "Quem com ferro fere com ferro será ferido". Leia-se: é guerra!

No Supremo, a grande questão em pauta é a extradição ou não do ex-terrorista Cesare Battisti para a Itália. Lula disse não, mas parte dos ministros considera que o tratado Brasil-Itália não dá poderes discricionários aos presidentes.

Por esse entendimento, o Supremo é quem decide, e a Lula cabia apenas dizer quando e como Battisti seria entregue. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi (sim, esse mesmo) não dá tanta bola para o assunto, mas o presidente Giorgio Napolitano mantém a pressão.

E a cúpula América do Sul-países árabes vem aí, dia 16, em Lima, com as ditaduras árabes tremendo nas bases e o Brasil tentando fingir que não tem nada a ver com isso. Ou seja, em cima do muro. Até lá, pode ser compelido -até pela comunidade internacional- a descer para o lado de Mubarak ou da oposição. E lá se vai a cúpula peruana.

Viver não é fácil. Governar é pior ainda. Mas Dilma sabia muito bem onde estava se metendo. Ou melhor, onde Lula a estava metendo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Balanço breve:: Míriam Leitão

No primeiro mês, a presidente Dilma descansou o Brasil da intensidade torrencial do ex-presidente Lula. Falou como chefe do executivo e não como chefe de propaganda do governo em eterna campanha. Deu o tom certo - grave, solidário e objetivo - na visita ao pior desastre humano vivido no país. Errou nas relações políticas, assustou na decisão sobre Belo Monte.

Neste primeiro mês, deu para sentir mais uma vez a grande vantagem da regra democrática da alternância do poder. Mesmo quando é o mesmo grupo político, os estilos são diferentes e a mudança é sempre encantadora, ainda que seja na continuidade.

O saldo é sem dúvida positivo neste alvorecer do governo novo, mas há pontos de dúvida e preocupação em erros e omissões. Dilma sabe - e todos sabemos - que o Brasil se governa em coalizão e os partidos que ela tem são estes, são estes os líderes partidários. Talvez ela tenha errado na avaliação do poder de alguns. O ex-presidente José Sarney não é tão decisivo no controle da base partidária do PMDB para que mereça as donatarias que recebeu. Nas vésperas de eventos internacionais importantes, num país que tem um déficit de US$10 bilhões em turismo, a escolha de Pedro Novaes para atender a um coronel no seu ocaso é uma insensatez. A pasta do Turismo já é excessiva, mas ele teve ainda reafirmado o poder sobre o ministro das Minas e Energia, que sempre foi seu preposto. De Furnas, entregue às mesmas facções do PMDB, jamais se poderá esperar algo diferente das tenebrosas transações que o país já viu e teme a repetição.

No Itamaraty, começa a se respirar outro ar. O "celsismo" fraturou a Casa de Rio Branco de forma dolorosa. O Brasil perdeu bons talentos nos quais investiu, no momento mesmo em que estava para colher o melhor da sua maturidade. Foram muitos os que no ápice da carreira, na qual eles e o país investiram anos e esforços, foram deslocados, por mesquinharia, para funções que os subutilizaram. Se cada um dos talentos diplomáticos encostados na burocracia viveu seu drama pessoal, o maior prejudicado foi o próprio Brasil, que perdeu força e talento. Caberá a Antonio Patriota o reatamento das relações do Itamaraty com ele mesmo; caberá a ele também a correção de rumos estranhos à nossa tradição, como a cumplicidade com atentados aos direitos humanos, e a distorção da diplomacia bicéfala. Todo presidente tem assessor internacional; mas é esdrúxulo haver dois chanceleres.

No caso dos passaportes especiais, a ordem do governo foi clara e correta: rever toda a lista dos que receberam esse direito, e limitar essa concessão a quem está - e apenas no período em que está - a serviço do país. O benefício parece pequeno e é emblemático num país onde a ideia de que há fidalgos é tão antiga; onde o "sabe com quem está falando" é um cacoete tão arraigado. Uma limpeza na lista dos superpassaportes melhora o país.

A relação com a maioria das empresas de comunicação ficou muito tensa ao fim do governo Lula, porque o Planalto fez uma confusão entre o poder concedente e a vontade de controlar conteúdo. A primeira ideia que saiu do Ministério das Comunicações no atual governo sobre regulação da mídia era de uma estultice sem paralelo: proibir as empresas de terem ao mesmo tempo jornal ou televisão e rádio na mesma cidade. O primeiro erro da ideia é o de que jornal é concessão; nunca foi. TV e rádio são concessões. Sobre esses setores o governo tem o poder concedente e regulador; desde que não o use para censurar. O segundo erro foi pensar em veículos de comunicação como se fossem prisioneiros do espaço físico na era da internet. Felizmente, o ministro Paulo Bernardo foi socorrido pela lógica e passou a expressar ideias mais contemporâneas nessa delicada área, em que a tecnologia é fonte de mudança constante e em que a liberdade é valor permanente.

A presidente Dilma pode estar cometendo um erro político perigoso. Não ocupar a pauta do Congresso com propostas do Executivo significa ficar refém da pauta do Congresso e aprisionar o governo em batalhas laterais. Pelo que circulou nestes primeiros 30 dias, Dilma teme o desgaste de propor grandes reformas; quer mudanças incrementais. A falta de ambição inicial pode deixar a presidente ao sabor das escaramuças determinadas pelas brigas entre grupos de interesse de sua fragmentada base parlamentar.

Nesse começo de ano, de governo e de legislatura, dois tristes fatos não têm a ver com a presidente. São defeitos anteriores. Um é o escândalo das aposentadorias para ex-governadores. Acintosas, inconstitucionais. Há fatos até exóticos como o do governador de dez dias com ganho vitalício, mas o pior do evento é verificar a coalizão suprapartidária. Bons e maus políticos, integrantes de partidos do governo e da oposição, parlamentares apontados como exemplos éticos e velhas aves de rapina, todos foram igualados no mesmo usufruto de um privilégio inaceitável. O único alívio vem dos que não pediram a vantagem. O segundo fato é a quarta presidência do Senado para a mesma pessoa. Um seguidor do twitter escreveu tudo: "parece notícia velha". José Sarney comandar o Senado pela quarta vez ofende a democracia, revoga esperanças, convoca o desânimo cívico.

Um fato triste desse começo de governo tem a ver direta e integralmente com a presidente Dilma. Ela está inteiramente convencida de que Belo Monte é um projeto bom. E, no entanto, persistem dúvidas ambientais, climáticas, geológicas, hidrológicas, processuais, financeiras e fiscais no projeto. O caminho de fazer Belo Monte pela força do fato consumado e das licenças arrancadas ao arrepio da lei não fará bem à biografia da presidente e vai marcar seu governo.

FONTE: O GLOBO

Impressões iniciais::Sergio Fausto

A esta altura não é possível ter mais do que impressões a respeito do governo Dilma Rousseff. E elas não são ruins. Em especial por uma ausência notável: Lula. Sinto-me como quem se recupera de uma intoxicação alimentar depois de se ver forçado a engolir quantidades excessivas de uma comida de qualidade duvidosa. O silêncio inicial de Dilma é a bem-vinda dieta de chá com maçã raspada.

O ex-presidente merece reconhecimento. Em seu primeiro mandato deu respaldo político firme à política econômica não petista da dupla Palocci e Meirelles, protegendo-a do intenso "fogo amigo" disparado pelo PT, de fora e de dentro do governo.

Tivesse sido diferente, o panorama econômico seria outro, e pior. Também importante foi a substituição do Fome Zero, bandeira da campanha eleitoral, pelo Bolsa-Família. O primeiro trazia a marca da esquerda cristã, remanescente das origens do PT, e padecia de problemas conceituais e operacionais graves. Já o segundo faz parte da família de programas de transferência de renda que se espalharam na América Latina a partir dos anos 1990, sob os auspícios do Banco Mundial e do BID.

Não são uma panaceia, mas se mostraram razoavelmente bem-sucedidos na mitigação da pobreza. Mais uma prova de que o presidente não se deixou prender por dogmas ideológicos de seu partido.

No segundo mandato, porém, inebriado pelo sucesso, Lula desandou a dizer disparates (muitos e em quantidades cada vez maiores) e a cometer equívocos. Na política externa, o maior de todos foi a aproximação política com o Irã e o desastrado acordo que supostamente daria solução alternativa à imposição de sanções àquele país pelo Conselho de Segurança da ONU. Lula ergueu o braço de Ahmadinejad em Teerã, para no dia seguinte assistir aos Estados Unidos rechaçarem o acordo, com o apoio da China e da Rússia, que o ex-presidente ingenuamente imaginou atrair para a posição brasileira. Tratou-se de uma aventura em que Lula se deixou levar pelos maus conselhos de seu chanceler e pela imensidão de seu ego.

Lula fechou o segundo mandato com chave de ouro. Disse ser "gostoso" ver Europa e Estados Unidos em crise, enquanto o Brasil acelera o crescimento. E sentenciou que com ele "acabou esse negócio de governar só para um terço do País", em encontro com representantes do movimento sindical e movimentos sociais vinculados ao governo. Provocação tola no primeiro caso. Pura lorota - mais uma - no segundo.

Há explicação, embora não haja justificativa, para o comentário sobre a Europa e os Estados Unidos. Lula sentiu-se traído por Barack Obama no episódio que culminou no malfadado acordo em Teerã. Com o ego ferido pelo fracasso em cena pública, reagiu de maneira descabida.

Já a segunda afirmação, sobre o modo Lula de governar, revela a tendência do ex-presidente a mistificar a si próprio e distorcer a História do País em seu benefício. Para repor a verdade dos fatos não custa perguntar: terá o Plano Real beneficiado apenas o terço mais rico da população? E a privatização das telecomunicações, que universalizou o acesso aos celulares e hoje permite almejar a universalização da banda larga? E a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), que tornou viável o acesso de quase 100% das crianças entre 7 e 14 anos à escola? E a Lei de Responsabilidade Fiscal, que protege o País da propensão nacional ao descontrole das contas públicas? Nenhuma dessas medidas foi tomada no governo Lula. Todas elas sofreram a oposição do PT e do ex-presidente.

Por contraste, é bom ver Dilma em exercício, mais ocupada em bem administrar o País do que em animar permanentemente o distinto público de um imaginário auditório. Uma presidente que cumpre a sua agenda de trabalho, com disciplina e empenho, e parece de fato preocupada em assegurar o maior número possível de nomeações pautadas pela competência, e não apenas por indicação política. Não é fácil, sob a avalanche de pressões partidárias por cargos na máquina estatal.

Até quando veremos essa cena que degrada a atividade política e compromete a qualidade dos serviços prestados pelo Estado à população? Até quando barões e anões do atraso terão tanto peso na política brasileira, a ponto de obterem Ministérios e controlarem estatais importantes?

Fosse o problema apenas residual - o lento declínio de oligarquias regionais -, haveria menos razão para exasperação. Mas o descenso das oligarquias regionais em nada garante a melhoria da representação política. Temos assistido cada vez mais à emergência de novos personagens a operar a política como negócio. Dessa perspectiva, o PMDB apresenta um fascinante campo de observação, pela mistura de "velhos oligarcas" e "novos operadores", cada qual ou cada grupo jogando seu jogo. Já no PT a lógica é partidária, mesmo quando o veículo são os sindicatos.

Quando vejo no Ministério de Dilma quadros políticos como José Eduardo Cardozo, Fernando Pimentel e Antônio Palocci não consigo evitar a sensação de que em algum momento da história da redemocratização brasileira se deu um "desvio" que desafortunadamente empurrou o que de melhor há no PSDB e no PT para campos opostos, piorando a qualidade de cada um e colocando ambos os partidos na contingência de pagar um tributo excessivo para governar o País. Que haja dois partidos de maior conteúdo programático, distintos e competitivos entre si, é ótimo para o Brasil. Que essa polarização impeça o diálogo substantivo em torno de políticas e reformas que atendam ao interesse público é uma lástima de graves consequências para o País.

Tomara que esse estado de coisas se altere, juntamente com o afastamento de Lula do centro da arena política. Ninguém jogou mais contra o diálogo e a favor da estigmatização do que ele e José Dirceu.

Será ingenuidade acreditar nessa possibilidade?

Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A nova política econômica:: Amir Khair

Dilma enfrentará problemas sérios nos campos da inflação, câmbio, contas internas e externas, procurando conjugá-los com níveis de crescimento superiores a 5% ao ano, com distribuição de renda. Não será tarefa fácil e ela deve montar uma estratégia que melhor conduza ao sucesso desses desafios.

Algumas análises defendem um ajuste fiscal com redução das despesas de custeio para abrir espaço à elevação dos investimentos do governo federal e elevação da Selic para conter a inflação. Afirmam que a expansão das despesas do governo aumenta a demanda que pressiona a inflação e reduz a poupança do governo, que fica dependente da poupança externa para poder crescer 5% ao ano.

Outras análises recomendam que o ajuste fiscal seja feito com racionalização e priorização das despesas, com ênfase na redução das despesas com juros (redução da Selic) para elevar investimentos e poupança pública. Afirmam que 90% dos investimentos são de empresas, baseados principalmente em lucros e em forte ascensão com o crescimento do consumo. Para conter a inflação defendem políticas amplas com controle da oferta de crédito, estímulos à produção e investimentos e política de comércio exterior via tarifas e quotas para importação e exportação em casos de concorrência desleal e/ou de abuso nos preços internos por falta de concorrência. Consideram que as taxas de juros ao consumidor se descolaram da Selic, pois de abril a novembro caíram dois pontos ao passo que a Selic subiu 2 pontos. Para as empresas subiram 2,3 pontos. Assim a Selic, não altera a demanda e pune a oferta.

A despesa do governo é a soma de custeio, investimentos e juros. Se os investimentos mais os juros superarem a redução do custeio há aumento da demanda com pressão inflacionária. Além disso, 70% dos fatores que influenciam a inflação não dependem do Banco Central (BC). São os preços externos, choque de oferta, preços de alimentos e commodities, tarifas do transporte coletivo, energia e comunicações. Assim, a adoção da Selic para combater a inflação é inadequado e prejudicial, pois: a) aumenta as despesas com juros do governo federal e para o carregamento das reservas internacionais; b) em decorrência aumenta a demanda pressionando a inflação; c) não aumenta as taxas de juros ao consumidor, ou seja, não reduz a demanda; e) onera as pequenas e médias empresas cujos juros se elevam com a Selic; f) desestimula os investimentos privados e; g) atrai o capital especulativo internacional.

A nova política - tudo começou com a decisão do Conselho Monetário Nacional de reduzir a liquidez e encarecer o crédito para financiamentos superiores a 24 meses, que já produziram efeito para atenuar a demanda. Dados do BC mostram que essa decisão causou uma elevação de 4,5 pontos nas taxas de juros para o consumidor em duas semanas e reduziu o ritmo de expansão do crédito. Em sequência foram impostas exigências aos bancos para reduzir a posição vendida em dólares através de maior ônus nos depósitos compulsórios para atenuar a valorização cambial do real. Constituem as primeiras medidas da nova política e foram ministradas em dosagens brandas. Intensificação delas e novas medidas poderão ser usadas para controle da demanda via crédito e de redução da valorização cambial. O poder de fogo delas dependerá só do governo, sem passar pelo Congresso. Portanto, o governo pode pilotar a demanda e o câmbio como desejar.

Faz parte da nova política a redução da Selic para níveis internacionais. Isso irá proporcionar a elevação da poupança do setor público e privado e romper com a tradição do BC operar com as taxas básicas de juros mais elevadas do mundo - o triplo do segundo colocado! Portanto, não falta espaço para o ajuste fiscal e melhoria da poupança necessária à sustentação de níveis mais elevados de crescimento e menor dependência da poupança externa.

No combate à inflação é fundamental separar o impacto dos preços externos. A expansão dos países emergentes incorporou novos consumidores, ampliando a demanda por alimentos e commodities. Problemas com quebras de safras em alguns países agravaram o atendimento à demanda causando a elevação de preços destes bens. Outro agravante é a especulação em cima desses bens como reação ao forte aumento da liquidez internacional adotada pelos países desenvolvidos para o enfrentamento da crise. Em sentido oposto registra-se uma contenção/queda nos preços dos demais produtos importados devido à maior concorrência internacional, fruto da necessidade de colocação das produções chinesa, americana e europeia para superar a estagnação econômica dos países desenvolvidos e da perda de valor do dólar perante as outras moedas. Todos esses fatores continuarão repercutindo na inflação mundial.

No ano passado o país importou um volume 13,9% maior que o de 2008, mas o preço médio caiu 8%, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), mas a inflação de origem externa de alimentos e commodities predominou sobre a redução dos preços dos demais bens importados e começou a nos atingir a partir de setembro após inflações nulas de junho, julho e agosto - apesar da economia ser considerada aquecida. Só os alimentos foram responsáveis por 40% da inflação em 2010. Se considerarmos as commodities, mais da metade da inflação escapou do controle do governo.

Neste início de ano é de se esperar níveis elevados de inflação devido às fortes chuvas, material escolar, passagens de ônibus, IPTU, IPVA e outros, que irão se somar à inflação importada.

Isso servirá de pretexto adicional ao BC para elevações da Selic. Mas cada aumento de 0,5 ponto percentual na Selic ocasiona uma elevação das despesas e da demanda do governo de 0,2% do PIB. Supondo que a série de elevações da Selic neste ano atinja 2,0 ponto porcentual, o dano fiscal alcançaria 0,8% do PIB (R$ 30 bilhões) num ano!

O mercado financeiro está atribuindo essa nova elevação inflacionária ao excesso da demanda e pressionam o BC a elevar a Selic, como se isso resolvesse o problema de baixar a inflação. O que causa estranheza é que, segundo o BC, a alteração da Selic leva nove (!) meses para fazer efeito, mas é imediato na elevação das despesas/demanda do governo com juros que decorrem da dívida interna e no custo do carregamento das reservas internacionais, este último estimado em R$ 50 bilhões (1,4% do PIB) em 2010. Ou seja, o BC acaba causando o oposto do que se deseja na contenção da demanda e no ajuste fiscal necessário ao manter a Selic elevada.

Nas contas externas é necessário considerar o efeito danoso da valorização do real devido à atração que a Selic exerce sobre os especuladores internacionais, causa apontada pelo setor real da economia como principal indutor do processo de desindustrialização. A manchete do Estado do dia 10 destaca o estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) no qual a indústria perdeu R$ 17,3 bilhões e 46 mil postos de trabalho em apenas nove meses de 2010, com importação.

A estratégia adotada pelo BC, desde o Plano Real, para controlar a inflação baseada na Selic elevada (âncora cambial) está sendo anulada pelo Ministério da Fazenda que elevou o IOF para 6% e poderá elevar ainda mais, para anular os ganhos especulativos dos investidores estrangeiros com títulos do governo. Se subir a Selic, subirá o IOF. Enquanto houver ganhos nessas aplicações elas permanecerão no País, mas caso sejam anulados ocorrerá saída líquida de dólares com lucros aos capitais aplicados e consequente desvalorização do real.

Nesse caso a importação diminuirá, pois ficará mais cara. Isso poderá causar inflação, mas o governo poderá combatê-la com políticas articuladas fiscais, monetárias, alfandegárias, de abastecimento e outras. Por outro lado, aumentarão as exportações elevando a balança comercial e reduzindo as perdas com balança de serviços (remessa de lucros e dividendos, royalties, viagens internacionais, etc) contribuindo para melhor desempenho das contas externas.

Perspectivas: crescimentos de 5%, com redução de um ponto porcentual da Selic por ano e superávit primário de 1,9% do PIB, permite obter ao final de 2014, equilíbrio fiscal e dívida líquida de 30% do PIB. Se o crescimento for de 4%, basta superávit primário de 2,2% do PIB. Nos dois casos a despesa com juros em 2014 seria de 2,1% do PIB, portanto, próximo do nível internacional.

Mantendo políticas de estímulo ao consumo para ampliar o mercado interno, se garante nível adequado de crescimento econômico. Reduzindo a Selic ao nível internacional fica garantida de forma eficaz e rápida a maior parte do ajuste fiscal e, racionalizando e priorizando despesas, se completa o ajuste. Tributando os investimentos estrangeiros especulativos, reduz-se a apreciação do real, o rombo nas contas externas e aumenta a arrecadação. Resta ver se o governo vai fazer o que ainda resta a ser feito. Vamos aguardar.

Mestre em Finanças Públicas pela FGV

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Democracia ou revolução? :: Luiz Carlos Bresser-Pereira

Neste começo de ano, o mundo voltou sua atenção para a Tunísia, onde, pela primeira vez na história do mundo árabe, um governo ditatorial foi derrubado por uma rebelião popular.

Não sabemos o que resultará dessa manifestação do povo, mas os analistas de todas as tendências desejam que seja a democracia. Não compartilho dessa opinião bem comportada.

É claro que desejo que a Tunísia se torne uma nação próspera e democrática, mas para seu povo será mais estratégico garantir as liberdades civis ou o Estado de direito e realizar a sua revolução nacional e capitalista.

Só depois disso poderá se tornar uma democracia consolidada que, adicionalmente ao Estado de direito, garanta o sufrágio universal e a alternância de partidos políticos no poder (requisitos mínimos da democracia).

Não preciso argumentar a favor do Estado de direito. Mas por que atribuo também prioridade à revolução nacional e capitalista? Porque só a partir do momento em que uma sociedade se torna uma verdadeira nação, realiza sua revolução industrial, e, assim, completa sua transformação em uma sociedade moderna, tem ela condições de se tornar uma democracia consolidada.

Pretender inverter a ordem é quase impossível. Não conheço país que tenha se tornado uma democracia estável sem antes fazer sua revolução nacional, e só conheço um país -a Índia- que completou sua revolução capitalista industrializando-se no quadro de um regime democrático, mas esse país já havia realizado antes sua revolução nacional.

O ditador da Tunísia, Zine el-Abidine Ben Ali, estava no poder há 23 anos com pleno apoio da França e dos EUA. Um apoio firme que permitia aos analistas de direita apresentar a Tunísia como um exemplo para os demais países árabes do Oriente Médio.

Era "exemplar" como o foram, nos anos 1990, os governos igualmente "aliados""de Carlos Menem na Argentina e de Bóris Yeltsin na Rússia.

Com base em um regime dessa natureza, semicolonial, não havia possibilidade de um verdadeiro desenvolvimento econômico, do surgimento de uma grande classe de empresários, de uma classe média profissional competente, e de uma classe operária bem organizada.

Só havia espaço para a mais deslavada corrupção em benefício da família da mulher e dos amigos do governante, além, naturalmente, de um ambiente "acolhedor" para os interesses dos países ricos.

A tragédia dos países pobres é que não há um caminho seguro para eles. Os regimes autoritários que geralmente os governam não representam garantia que a revolução capitalista ocorra.

Para isso é necessário, adicionalmente, que sejam nacionalistas -que entendam que é seu dever defender os interesses do trabalho, do conhecimento e do capital nacionais- enfrentando, sempre que necessário, os interesses multinacionais. É isto que fazem os governos dos países ricos e dos países de renda média (como o Brasil) para competir internacionalmente.

Mas não basta isso. É preciso que o nacionalismo seja competente, promova a revolução capitalista, e assim abra espaço para uma democracia consolidada. Que neste caso não é um meio. É o objetivo a ser alcançado.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Regime se aferra ao superado 'contrato social' de Nasser::Yasser El-Shinny

Mubarak insiste em governar por lei marcial coercitiva e com base em uma rede restrita de clientelismo para a elite civil e militar

Segundo um clássico provérbio árabe, uma inundação começa com uma gota. Para os cidadãos de todo o Oriente Médio que aspiram à liberdade, a Tunísia foi a primeira chuva. Há duas semanas, ninguém poderia prever a derrubada do regime repressivo de Zine el-Abidine Ben Ali naquele país.

Hoje, cidadãos e autoridades de todo o Oriente Médio perguntam-se quando, e não se, o "cenário da Tunísia" poderá aplicar-se completamente ao Egito. Os egípcios enfrentam há décadas um regime autoritário cujo governo se caracteriza pela repressão, corrupção e estagnação política e econômica.

O contrato social que o ex-presidente Gamal Abdel Nasser tinha com os egípcios - libertar as terras árabes das potências coloniais, subsidiar os gêneros de primeira necessidade e garantir o emprego aos jovens - vem sendo aplicado há 30 anos. O Egito mantém um tratado de paz com Israel, embora este continue ocupando territórios palestinos, sírios e libaneses. O governo também pôs em prática uma liberalização econômica sem se preocupar com as consequências para o povo egípcio. Apesar de obter um moderado crescimento econômico, a estratégia empobreceu milhões, tirando-lhes o emprego.

A desigualdade atingiu níveis nunca vistos na história moderna do Egito. Segundo a ONU, pelo menos 23% da população vive abaixo da linha de pobreza (ganhando US$ 2 ao dia). Até 2020, a população egípcia chegará aos 100 milhões de habitantes - a maioria jovens de menos de 30 anos: a receita para a agitação social. Entretanto, o regime de Hosni Mubarak se recusa a oferecer aos egípcios um novo contrato social com representação democrática e liberdade política. Ele opta por governar principalmente por meio de uma lei marcial coercitiva e por uma rede restrita de clientelismo político civil e militar.

Há alguns anos o Egito está agitado, mas o levante na Tunísia ofereceu aos egípcios a prova viva de que, se quiserem mudança, deverão fazê-la com as próprias mãos. Enquanto milhares de egípcios vibravam com as multidões na Tunísia, alguns jovens ativistas convocaram um "dia de revolta contra a corrupção, injustiça, desemprego e tortura". O protesto que se iniciou no Facebook e pretendia coincidir com um feriado que homenageava a polícia, foi menosprezado pelo governo e pela oposição "oficial".

Os partidos Wafd e Tagammu, bem como a Irmandade Muçulmana - assim como o dissidente Mohamed ElBaradei -, decidiram não participar dos protestos. O Ministério do Interior, procurando desesperadamente reabilitar sua imagem, resolveu tolerar as manifestações - prevendo o comparecimento de apenas algumas centenas de ativistas. No entanto, dezenas de milhares de cidadãos apolíticos uniram-se às manifestações. Os protestos se espalharam a outras cidades. "Mubarak, o avião está esperando por você", muitos gritavam, referindo-se à fuga de Ben Ali para a Arábia Saudita. Os islâmicos, principalmente a Irmandade Muçulmana, não participaram oficialmente das primeiras manifestações. Como a Tunísia, o Egito flerta com a revolução democrática, e não com a tomada do poder pelo Islã.

Tradicionalmente, os regimes autoritários entram em colapso quando as pessoas têm a possibilidade de sustentar seus protestos por muito tempo e num amplo território geográfico. Também caem quando as forças de segurança desobedecem às ordens de matar manifestantes pacíficos. No caso da Tunísia, 78 tunisianos foram mortos antes que os militares se recusassem a continuar. No da revolução iraniana de 1979, as forças do xá mataram milhares antes de se render.

Em termos históricos, a pressão externa é fundamental para isolar os ditadores e provocar divisões nos regimes. Este fator deveria ser motivo de preocupação entre os bravos manifestantes nas ruas do Egito. Os EUA investiram significativamente na sobrevivência de Mubarak, que consideram vital para os interesses americanos na região. Até o momento, Washington tem se mostrado tímido. Apesar do apoio retórico dos EUA à democratização no Oriente Médio, muitas vezes eles se mostram míopes e não enxergam além dos seus interesses correntes. Por exemplo, o governo de George W. Bush desistiu de sua "Agenda da Liberdade" na região depois que a Irmandade Muçulmana ganhou algumas cadeiras no Parlamento nas eleições de 2005 e o Hamas registrou ganhos entre os palestinos em 2006.

Observando o desenrolar dos acontecimentos a partir de Washington, as autoridades americanas devem ter em mente que, quando ocorrem mudanças de regime, as populações frequentemente não esquecem dos que trabalharam para sustentar a velha guarda. Os EUA agora devem prestar mais atenção às reivindicações dos egípcios. Como os iranianos, talvez os egípcios nunca esqueçam nem perdoem os que os mantiveram sob o controle de um regime opressor. (Tradução de Anna Capovilla)

É Conferencista da Universidade Católica da América

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Rubens Bueno: Vamos defender os trabalhadores que o PT abandonou

Entrevista com o novo líder do PPS na Câmara

Foto: Tuca Pinheiro

Bancada também atuará pela aprovação de reformas estruturais

Diógenes Botelho

Salário mínimo de R$ 600, correção da tabela do Imposto de Renda e reajuste de 10% para os aposentados que ganham acima do salário mínimo. Essas são as primeiras propostas que o PPS vai defender na retomada dos trabalhos do Congresso Nacional. Segundo o novo líder do partido, deputado federal Rubens Bueno (PR), o PPS não abre mão de lutar pelo trabalhadores. "Vamos defender os trabalhadores que o PT abandonou", afirmou.

Nesta entrevista, Bueno fala também sobre a necessidade de aprovação das reformas política e tributária, cobra a regulamentação da Emenda 29, que destina mais recursos para a saúde, e defende que o Congresso Nacional e o governo federal se dediquem a projetos de longo prazo. "Precisamos pensar o país a longo prazo e não ficar apenas no remendo do dia a dia", alertou.

Paranaense de Sertanópolis, Rubens Bueno assume pela terceira vez o mandato de deputado federal. Foi prefeito de Campo Mourão, secretário de Trabalho do Paraná e diretor da Itaipu Binacional. Disputou a prefeitura de Curitiba em 2004 e o governo do Paraná em 2006. Atualmente, além de deputado federal eleito, é presidente do PPS no Paraná e secretário-geral da Executiva Nacional do partido. Confira a entrevista:

Portal do PPS - Em 2011, o PPS vai ter 12 deputados federais na Câmara e o senhor vai liderar a bancada. Neste início de trabalho parlamentar, quais são as principais metas e projetos do partido? Como será a linha de atuação da bancada na Casa?Rubens Bueno - Ao assumir a liderança é preciso destacar o trabalho realizado pelo nosso líder, que deixa o mandato agora, Fernando Coruja (PPS-SC), que não só comandou a bancada com muita competência, mas, sobretudo, atuou na articulação para manter unida a bancada do PPS. Nosso trabalho agora começa pelo salário mínimo. Coruja foi um dos que lutou em defesa dos R$ 600, uma das bandeiras da campanha eleitoral e que nós, como oposição, defendemos. Então, nós continuamos a defender essa proposta. O presidente Lula, na campanha, vinha sempre exaltando os valores de correção acima do salário mínimo e, agora, terminada a eleição, muda o discurso, com seu partido apresentando uma proposta abaixo daquilo que seria o mínimo da correção. Continuaremos a defender os R$ 600 para mostrar que os trabalhadores precisam de apoio neste importante momento de suas vidas, que é a busca para melhorar a sua renda. Ao contrário do PT, somos coerentes. A proposta não é apenas discurso de campanha.

Portal - A presidente Dilma quer impedir um reajuste maior para o salário mínimo, inclusive, tentou cooptar as centrais sindicais trocando o aumento de R$ 580, defendido por elas, pelo correção da tabela do Imposto de Renda. Tudo para manter o mínimo nos R$ 545 oferecidos pelo governo. A presidente já começou a misturar as coisas?

Rubens Bueno - E muito, porque quando há interesse do governo e não dos trabalhadores acontece esse tipo de proposta para misturar e confundir. É importante destacar que quando é algo para os trabalhadores há uma dificuldade imensa, quando é para o aposentado aí nem se fala. Agora, quando é para aumentar alguma coisa que diga respeito aos grandes, especialmente aos banqueiros, como aumento de juros, então, o governo faz com uma pressa, uma rapidez e com uma unanimidade impressionantes. E são aqueles (o PT) que se diziam defensores dos trabalhadores. Então, vamos mostrar claramente nossa posição dentro do elenco de matérias que serão apreciadas a partir de fevereiro deste ano. Salário mínimo de R$ 600. Nós vamos insistir nessa proposta porque essa é a defesa do nosso discurso, do nosso palanque, e no governo estaríamos fazendo isso. Vamos defender os trabalhadores que o PT abandonou. A questão da correção da tabela do Imposto de Renda é outra coisa, outra situação que já defendemos ao longo de muitos anos. A correção tem de ser anual, não pode deixar isso acumular de tal forma que está prejudicando, e muito, a sociedade brasileira.

Portal - Hoje, por exemplo, segundo cálculo do Sindifisco, a tabela do Imposto de Renda está defasada em 71,5%. Existem casos de contribuintes que, sem a correção, vão pagar até 800% a mais porque a tabela não foi corrigida...

Rubens Bueno - E você sabe que o Imposto de Renda pega o assalariado. Então, é muito importante que essa correção da tabela seja feita para trazer justiça, principalmente, aos assalariados. É importante destacar que quando é o governo que cobra, faz-se todo o tipo de correção a seu favor. Quando é a favor do contribuinte, ele joga com o tempo, empurrando com a barriga, sem nenhuma preocupação com o prejuízo que isso causa aos contribuintes. Isso é ruim também para o país, porque deixa-se de ter efetivamente algo que chame a atenção daquilo que nós chamamos de círculo virtuoso da economia. Ou seja, fazer girar o dinheiro e não colocar nas mãos do governo que arrecada demais e gasta mal, não gasta para atender àquilo que é necessidade do povo brasileiro.

Portal - No Brasil, salário é considerado renda. Já o especulador que vem de fora é isento...

Rubens Bueno - É isso mesmo. De outro lado, você vê que os grandes negócios, sejam eles quais forem, estão sempre embutindo os valores do imposto no preço. Quem paga imposto é quem recebe salário, o assalariado. E quando não há correção ( na tabela), o prejuízo é de quem trabalha. Precisa ficar claro isso para a sociedade para não ficar aqui a impressão de que é um discurso eleitoreiro ou algo parecido. A falta de correção na tabela do Imposto de Renda é um prejuízo enorme para quem ganha salário no Brasil.

Portal - Falando em quem trabalha e em quem já trabalhou muito, outra questão que o PPS vem defendendo ao logo dos anos é um reajuste melhor para os aposentados. Como o partido vai levar este assunto, já que o governo sempre se nega a conceder um aumento maior para quem ganha acima de um salário mínimo. Esses aposentados vêm tendo um achatamento de seus vencimentos. O PPS vinha defendendo 10% de reajuste, vai continuar nessa linha?

Rubens Bueno - Na mesma linha, porque a luta é para que a economia conte com aqueles que tenham capacidade de ganhar um pouco mais para fazê-la girar, crescer um pouco mais. Só assim cria-se mais emprego, mais tributo para o próprio governo arrecadar. É preciso deixar isso claro: o aposentado, que ao longo de sua vida trabalhou, não pode, lá na frente, depois de ajudar a construir um patrimônio para a sociedade, não pode ser minimamente pago na sua aposentadoria. Então, temos que lutar pela correção e convencer o governo e sua base no Congresso que isso é importante também para o país.

Portal - Fora esses assuntos que vão entrar de imediato na pauta do Congresso, o PPS também vem trabalhando ao longo dos anos por reformas estruturais e pela regulamentação da Emenda 29, que prevê a destinação de cerca de R$ 30 bilhões a mais, por ano, para a área da saúde. O senhor acredita que o Congresso, que vem empurrando estes temas com a barriga, irá botar as matérias em pauta neste ano ou nesta legislatura?

Rubens Bueno - Não tenha dúvida. Apenas como exemplo vou citar uma audiência que participei com o governador (do Paraná, Beto Richa) e segmentos organizados da sociedade paranaense. E lá pediam: "O meu hospital regional precisa de tanto"; "preciso de um posto de saúde, porque não dá para pagar?". Quer dizer, em nenhum momento se discutiu a questão da Emenda 29, que vai botar ordem nas finanças da saúde pública no Brasil. E o governo Lula, que se dizia tão cuidadoso com relação à saúde pública, cumpriu oito anos e nesse período não mexeu na questão da Emenda 29, não deixou aprovar a regulamentação. Então, todos nós, sociedade, precisamos nos mobilizar para que a proposta seja aprovada e venha efetivamente para contribuir com mais recursos para a saúde, para oferecer uma assistência digna para a população. E no Brasil, lamentavelmente, esse é um dos grandes gargalos, uma crise permanente. Faltam recursos, milhares de pessoas nos corredores dos hospitais, nas filas. Quando a pessoa precisa de uma especialidade qualquer leva meses, e até anos, na fila, para ser atendida. Como se você pudesse agendar o aparecimento da doença um ano, dois anos antes.

Portal – O problema é que o governo só aceita regulamentar a Emenda 29, se for ressuscitada a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Com a desculpa de financiar a saúde, quer criar a CSS (Contribuição Social para a Saúde). O PPS concorda com isso?

Rubens Bueno - Evidentemente que não. Você não pode aprovar a emenda para trazer mais um tributo, mais uma carga para a população. Queremos a Emenda 29 para redistribuir recursos da União para estados e municípios. Os municípios já contribuem, os estados já contribuem, já tem teto para isso. E a União até hoje, sem a regulamentação, não dá sua contribuição para descentralizar recursos para quem efetivamente atende à população, que são os estados e municípios.

Portal - E as reformas política e tributária também são uma necessidade urgente para o país?

Rubens Bueno - A reforma política é a mãe de todas as reformas. Sem ela como é que nós vamos saber o tamanho do Estado, como teremos a ideia de como efetivamente contribuir para arejar a política, oxigenar devidamente o novo momento da vida política do país? A cada eleição, a cada ano, nós estamos vendo os escândalos explodirem, a política cada vez mais custosa. E pessoas preparadas, qualificadas, com ideologia e pensamento positivo sobre o país não disputam porque não têm nem recursos para concorrer tamanha a barganha que hoje se faz com as verbas públicas. Quando o PT ganhou a eleição, nós pensávamos no primeiro momento que viria a reforma política. E trabalhamos para isso. Tanto é que apoiamos o Lula no segundo turno em 2002. Mas a reforma não veio. As emendas parlamentares, que deveriam ser emendas de infraestrutura para o país, emendas regionais de bancada, passaram a ser um troca-troca de negócios no Congresso Nacional. É o dinheiro público jogado no lixo. Isso gera denúncias de todo tipo de corrupção. Então, nós temos que trabalhar por uma reforma política à altura, que debata qual o sistema e forma de governo que devemos adotar. Nós defendemos o parlamentarismo por ser a forma mais moderna, mais ágil. Tem um plano de governo, tem a maioria consolidada para eleger o primeiro-ministro e governar o país. Tem o presidente como chefe de -estado contribuindo para manter essa harmonia e também sendo o grande representante do Brasil no mundo. Nós temos que trabalhar de uma forma que a reforma política venha ajudar. Aí tem o voto em lista ou não, o voto distrital, misto ou não. Enfim, temos que discutir uma reforma política para atender às necessidades urgentes do país. Ela é que vai trazer de volta o respeito à política brasileira.

Portal - E na área econômica, a reforma tributária é outro grande gargalo do nosso país, com o empresariado cobrando esta medida há mais de uma década para desonerar a produção e diminuir a carga de impostos sobre o contribuinte. Será possível votar isso também? O senhor acredita que o governo está disposto a abrir mão de receitas?

Rubens Bueno - Possível é, fácil não. Temos que ter claro isso porque mexe com estado, com município, com pequeno, com médio, com grande, enfim, mexe com o país como um todo, especialmente com a União, que é dona da maior parte do bolo da receita. Então, é algo que não é tão simples. Mas de qualquer maneira, é possível iniciar uma grande discussão para uma transição no tempo, seja de cinco anos, 10 anos. Uma transição onde você possa dizer assim: olha, quanto mais trabalharmos isso aqui, diminuir a carga de impostos e a parafernália de tributos no Brasil, mais o país vai ganhar. É muito importante que tenhamos uma modernização, uma simplificação e uma diminuição da carga tributária, especialmente para o setor produtivo, porque é ele que gera imposto, emprego, renda e faz a economia girar. Ou seja, precisamos pensar o país a longo prazo e não ficarmos apenas no remendo do dia a dia. Este remendo traz mais dificuldade, pois depois tem que se inventar um novo remendo para tapar o buraco que ficou lá atrás. Então, a redução da carga é possível. Veja por exemplo a crise (2008) que o país inventou. Se diminuiu imposto. Quer dizer que isso é uma forma de equilíbrio, pois se diminuiu imposto sem reduzir a arrecadação que estava em andamento. Pode ter diminuído ali repentinamente, mas logo voltou ao normal. Isso mostra que é possível se trabalhar de uma certa forma para que tenhamos impostos claros, como alguns países do mundo que têm dois três impostos importantes. O resto liquida com tudo. É o imposto de consumo, o Imposto de Renda e mais alguma coisa de estado e município. Nós temos que trabalhar por isso, o Brasil tem que simplificar a parafernália tributária, que confunde muito, que traz muita dificuldade. Trabalha-se muito no Brasil para pagar a conta que não é devida.

FONTE: PORTAL DO PPS

Fim de privilégios é dívida herdada por novo Congresso

Projetos que limitam ou acabam com prerrogativas de parlamentares empacam há anos no Legislativo, sem perspectiva de ir a plenário

Daniel Bramatti

O Congresso que será empossado na terça-feira receberá como herança da legislatura anterior uma série de projetos "empacados" que limitam ou acabam com privilégios de deputados e senadores. Sem perspectiva de votação em plenário, são propostas que tramitam há anos, a maioria fruto de iniciativas individuais e sem respaldo das cúpulas do Senado e da Câmara.

Segundo levantamento feito pelo Estado, a legislatura 2007-2010 termina com pelo menos quatro projetos em tramitação nas duas Casas que proíbem a posse de suplentes durante os recessos legislativos.

A aprovação de uma dessas propostas teria evitado a "farra das suplências" registrada no fim de 2010, quando tomaram posse quase duas dezenas de substitutos de deputados que deixaram a Câmara para assumir cargos no governo federal e nos Estados.

Cada um desses suplentes recebe, em pleno período de férias do Congresso, salário integral e um pacote de benefícios que, caso utilizado na íntegra, pode custar até R$ 114 mil para os cofres públicos.

Há outros exemplos: 12 projetos estabelecem novas regras para evitar que o Senado emposse suplentes sem votos - atualmente eles são eleitos na mesma chapa dos titulares, sem passar diretamente pelo crivos dos eleitores. A "bancada dos sem-voto" chegou a ocupar 20 das 81 vagas do Senado em determinado momento da legislatura passada.

O fim do foro privilegiado, que assegura a deputados e senadores o direito de ser julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e não por instâncias inferiores da Justiça, é o objetivo de cinco propostas que tramitam no Congresso - a mais antiga é de 2005.

Também está parada há quatro anos - depois de ser aprovada em primeiro turno na Câmara - a proposta de emenda constitucional que acaba com o voto secreto em todas as deliberações do Congresso. Atualmente, não há como saber, por exemplo, como os parlamentares se posicionam sobre cassações de mandato e eleição de integrantes das Mesas.

Mobilização. Cientistas políticos consultados pelo Estado manifestaram ceticismo quanto à possibilidade de o Congresso limitar seus próprios privilégios - a menos que haja forte pressão externa.

"A lei que ficou conhecida como Ficha Limpa jamais seria aprovada, nem sequer debatida, se não viesse de iniciativa popular e do clamor das ruas", disse Lúcio Rennó, professor da Universidade de Brasília (UnB). "Mudanças moralizadoras da atuação do Poder Legislativo só ocorrerão com pressão da sociedade civil."

"O principal privilégio dos parlamentares é poder definir seus próprios privilégios, o que exige responsabilidade redobrada", observou Bruno Speck, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembrando que os legisladores definem seus próprios salários e até a forma de financiamento de partidos e candidatos. "Os parlamentares devem ponderar o que é razoável em nome da independência e do exercício do cargo e começar a definir limites para os privilégios."

Para Carlos Melo, do Insper, cada congressista "parece mais motivado por estratégias individuais" do que pela defesa da imagem do Congresso. "Quando cada um procura o melhor apenas para si, pode acabar construindo o pior coletivo."

Ressalvas. O deputado Flávio Dino (PC do B-MA), autor de um dos projetos que proíbem a posse de suplentes durante os recessos parlamentares, disse discordar das críticas de que o Congresso é incapaz de se reformar. Ele citou a Lei da Ficha Limpa como exemplo de iniciativa aprovada que contraria os interesses de políticos fisiológicos. "Mas isso só acontece quando há uma grande mobilização externa e interna."

Luiza Erundina (PSB-SP), uma das líderes da frente parlamentar que se mobilizou para derrubar o voto secreto em 2006, também contestou a tese de que os congressistas não tomam iniciativas que os contrariem. "O problema é que são iniciativas individuais, que não prosperam por falta de respaldo da Mesa e do colégio de líderes", afirmou.

Para a deputada, há uma "ditadura" da cúpula parlamentar na Câmara. "Não há democracia interna, os líderes decidem tudo e nem sequer discutem a pauta com seus partidos."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Raul Jungmann: ''Transparência é mau negócio para deputados governistas''

Raul Jungmann, ex-deputado-federal – Entrevista

O ex-deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que se despede da Câmara após dois mandatos, vê no clientelismo a chave para entender as resistências de parlamentares às pressões da sociedade por menos privilégios e por mais transparência no Congresso.

É viável esperar que o Congresso elimine seus próprios privilégios?

Fiz parte de uma frente que lutou muito contra esses privilégios, e tivemos algumas vitórias. Por exemplo, contestamos no Supremo Tribunal Federal a concessão de aumento salarial para os deputados sem votação no plenário, e vencemos. Mas a corporação é fortíssima. Nosso grupo era, de forma jocosa e pejorativa, chamado pelos demais deputados de bancada dos éticos, dos honestos.

Os parlamentares são sensíveis às novas formas de manifestação do eleitorado, como as redes sociais?

Existem dois tipos de mandato, o do deputado de opinião e o do que sobrevive graças ao governo. O deputado de opinião é sensibilíssimo à opinião pública. Os outros estão se lixando para isso, pois se reproduzem através das emendas, dos cargos. Esses têm eleitores altamente vulneráveis, que dependem de uma atuação clientelista. O parlamentar governista se reproduz através do dinheiro que pega do governo e que repassa para sua clientela. Em geral é um bem individualizado: eu lhe dou uma laqueadura, um emprego, e você me dá o voto.

É um eleitorado que não cobra posturas éticas?

Quem sofre pressão e controle nesse sentido é o deputado urbano, de opinião, ligado a causas. Para quem se elege lá em Guaxupé de Dentro, isso não existe. É por isso que há parlamentares que foram líderes com Collor, com Fernando Henrique, com Lula, com Dilma. Para eles não tem ideologia, só não podem é deixar de ser governo, porque aí estão mortos.

E a questão da corrupção?

Quem vive pendurado nas tetas do governo precisa de opacidade, não de transparência. Em alguns casos, do dinheiro que o parlamentar repassa para a ponte, para a quadra poliesportiva, um pedaço fica para ele, para fazer caixa de campanha. Transparência para ele não é negócio. Não digo que os parlamentares de opinião sejam todos santos, mas eles precisam ter compromisso com transparência porque a base exige.

FONTE: O ESTDO DE S. PAULO

Vice põe em dúvida votação de uma reforma política

Temer sugere proposta simples, que estabeleça o voto majoritário; minirreforma tributária deve ser a 1ª apreciada por Congresso, diz

Malu Delgado e Felipe Machado / TV ESTADÃO

O governo dará prioridade à votação de uma minirreforma tributária no Congresso no início dos trabalhos do Legislativo, afirmou o vice-presidente da República, Michel Temer, em entrevista ao Estadão.com. O realismo de seis mandatos de deputado federal, com o acúmulo de ter conduzido a presidência da Câmara por três vezes, levam o peemedebista a colocar dúvidas sobre a votação de uma reforma política no Congresso, ainda que essa tenha sido mencionada pela presidente Dilma Rousseff como prioridade.

"A primeira (reforma) que se tem falado muito no governo é uma reforma tributária parcial - a desoneração da folha de pagamentos, a redução de tributos sobre investimentos, que visam precisamente ao desenvolvimento do País. Essa é uma minirreforma tributária fundamental para que o Brasil continue a gerar empregos", disse. "Essa eu creio que será a primeira delas", acrescentou.

Já em relação à reforma política, Temer não demonstra muito otimismo. Sugere que seja elaborada uma proposta de emenda constitucional (PEC) "singelíssima", com dois ou três artigos para garantir a aprovação. Temas como financiamento público de campanhas eleitorais e lista fechada de candidatos, diz, não passam no Congresso.

"Fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados e em duas ocasiões pelo menos eu tentei fazer a reforma política. É uma reforma muito difícil, porque há muitos interesses eleitorais legítimos. A reforma política não é uma questão apenas partidária. Ela é uma questão praticamente individual. Cada deputado e senador pensa precisamente - e legitimamente - no seu futuro", disse.

O vice, constitucionalista, já tem inclusive uma espécie de minuta da PEC elaborada mentalmente. Acha que deve ser instituído, "no artigo primeiro", o voto majoritário. No Estado democrático de direito, enfatiza, prevalece a vontade da maioria.

Para Temer, o fundamental na reforma política é acabar com as distorções criadas pelo coeficiente eleitoral, que permite que nem sempre os mais votados sejam empossados. "Um colega do PMDB teve 128 mil votos, e pelo coeficiente eleitoral não foi eleito. Uma outra legenda, em que um dos candidatos foi muito bem votado, levou um com 345 votos com ele."

"Creio que a solução ideal seria o chamado voto majoritário para deputados federais, estaduais e vereadores. Em São Paulo, por exemplo, há 70 vagas, Os 70 mais votados são eleitos", simplifica.

Temer reconhece que a consequência desta medida seria o fim das coligações proporcionais e, portanto, de pequenos partidos que muitas vezes fazem alianças com legendas maiores para sobreviver eleitoralmente.

"É a reforma política implícita, porque acabaria com as coligações partidárias. Automaticamente reduz o núcleo de partidos políticos. Hoje temos 30. (...) Reduziria para sete, oito partidos", raciocina.

Kassab. No momento em que articula a migração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do DEM para o PMDB, Temer pensa numa reforma política em que "quem for eleito por um partido deve permanecer nele por três anos e meio". "Ou seja, o mandato é do partido. Ele pode sair, na minha ideia, nos seis meses anteriores do registro para uma nova candidatura", diz.

Sem tergiversar, Temer afirma que "não é improvável que ele (Kassab) acabe vindo (para o PMDB) provavelmente no mês de março". Para não perder o mandato, Kassab teria de negociar uma saída diplomática com o DEM. Temer, porém, faz um outro comentário, singelo, que mostra a dificuldade do Democratas: "O vice-prefeito é a Alda Marco Antônio, do PMDB, que não faria nenhum movimento para pedir o mandato".

Animado com a reformulação do PMDB paulista, admite, ainda, que também a filiação de Paulo Skaf (PSB) vem sendo negociada. "Iremos fazer o partido crescer bastante em São Paulo (...) O Skaf é uma possibilidade."

Apesar do ritmo intenso das articulações políticas nos bastidores, Temer diz sentir a diferença do atual posto com o de presidente da Câmara, onde ninguém precisava "marcar audiência".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

''Preciso desencarnar da Presidência'', diz Lula

Na primeira viagem com evento público após deixar o cargo, ex-presidente evita fazer manifestações políticas e afirma que silêncio é "melhor para todos"

Eduardo Kattah

Empenhado em não fazer declarações de conteúdo político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que precisa "desencarnar da Presidência" e "reencarnar como cidadão brasileiro".

Depois de receber o título de doutor honoris causa na Universidade Federal de Viçosa (UFV), na noite de sexta-feira, o ex-presidente foi agraciado ontem com uma comenda oferecida pela prefeitura de Ubá, em Minas.

Durante uma rápida cerimônia no aeroporto da cidade, Lula evitou responder às abordagens de jornalistas e reiterou que pretende se manter em "férias" até o fim do carnaval.

"É a minha primeira atividade depois que eu deixei a Presidência. Eu, na verdade, não quero ter atividade até março, vou esperar o carnaval. A companheira Dilma (Rousseff) está montando seu time e eu preciso desencarnar da Presidência. Então, quanto mais quieto eu ficar, quanto menos falar, melhor será para todos nós", disse o ex-presidente.

Questionado pelo Estado, ele não quis fazer nenhum prognóstico em relação ao caso do ex-ativista italiano Cesare Battisti. No seu último dia de mandato, o ex-presidente negou a extradição pedida pela Itália. A defesa de Battisti, condenado por assassinatos em seu país, já pediu sua libertação, o que deverá ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro. Lula também evitou falar sobre o governo de sua sucessora.

Críticas. Menos comedido que o ex-presidente, a quem acompanhou na visita a Minas, o ministro da Educação, Fernando Haddad, reagiu às recentes críticas do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB), que usou o Twitter para criticar o "vexame" do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e os problemas verificados no portal do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Haddad não escondeu a irritação com o ataque feito na rede de microblogs pelo ex-candidato do PSDB à Presidência. "Serra tem de responder pela administração dele", rebateu o ministro da Educação. "Acho pequeno a pessoa que pretendeu governar o País se aliar ao que tem de menor para fazer uma crítica desse tipo. Está havendo enchente em São Paulo, as pessoas estão morrendo na zona leste (da capital) há anos. Acho que é muito mais grave isso."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Sobrevivência política afasta Serra de Kassab

Provável ida do prefeito para o governista PMDB o distancia do padrinho, agora interessado em se aproximar de Alckmin

Julia Duailibi

A aliança entre o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e o ex-governador José Serra (PSDB), forjada na eleição municipal de 2004 e repetida com sucesso na disputa de 2008, começa a dar os primeiros sinais de esgarçamento.

Com "os dois pés no PMDB", segundo definiu um aliado, o prefeito paulistano tem se aproximado cada vez mais do governo federal e está prestes a integrar a base governista da presidente Dilma Rousseff (PT).

O movimento de Kassab acontece no momento em que Serra aumenta o tom das críticas à gestão Dilma, até como forma de se cacifar na condição de principal liderança da oposição, e tenta uma parceria estratégica com o governador tucano Geraldo Alckmin para fazer frente ao senador eleito Aécio Neves na disputa pelo controle do PSDB.

Herdeiro político de Serra ao assumir a prefeitura de São Paulo em 2006, quando o tucano renunciou ao cargo para disputar o Palácio dos Bandeirantes, Kassab articula a ida para o PMDB pelas mãos do vice-presidente da República, Michel Temer. "Ele vem com o apoio total e irrestrito do governo Dilma", afirma um peemedebista. "A única dificuldade é tocar isso com o Serra", desabafou o prefeito a um interlocutor.

Empecilho. Embora Kassab tenha se mantido até agora leal ao padrinho político, inclusive abrigando em seu secretariado serristas "expatriados" do governo paulista por Alckmin, e o mantenha informado sobre a ida para o PMDB, a fidelidade do prefeito ao projeto tucano no Estado se tornou um empecilho ao futuro político de Serra.

No PMDB, Kassab pretende disputar o Palácio dos Bandeirantes em 2014. Ocorre que Alckmin é candidato natural à reeleição e não pretende ver o afilhado de Serra disputando espaço com ele nos próximos quatro anos.

De seu lado, em busca da sobrevivência política, num momento em que os aliados de Aécio tentam isolá-lo no partido, Serra procura jogar alinhado com Alckmin. Serristas mais exaltados já falam em uma aliança Serra-Alckmin em 2014 para derrotar o grupo mineiro.

Por essa composição, qualquer um dos dois poderia encabeçar a chapa presidencial. O outro ficaria com a disputa pelo Bandeirantes. Para Kassab, alegam, haveria vaga como candidato a vice-governador ou a uma cadeira no Senado.

De acordo com essa lógica, para manter a aliança com os tucanos, Kassab teria de enterrar o sonho de disputar o governo paulista em 2014. Lideranças do PSDB, no entanto, veem com desconfiança uma aliança Serra-Alckmin. "Alckmin é de escorpião, não dá para saber nunca o que ele está pensando", diz um dos principais nomes do partido, para quem o governador atua "com um pé em cada canoa".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Bancada federal do Rio mostra pouca sintonia

Parlamentares da nova legislatura no Congresso não têm, em sua maioria, prioridades comuns para o estado

Cássio Bruno e Juliana Castro

A bancada federal do Rio assumirá a nova legislatura na próxima terça-feira com um desafio: unir-se em torno de uma prioridade em prol do estado. Levantamento realizado pelo GLOBO com 42 dos 46 deputados eleitos e reeleitos - quatro não responderam - revela que não há, até o momento, um tema em comum para atuação em conjunto no Congresso. Os parlamentares, além dos três senadores, citaram 26 áreas diferentes como as principais preocupações. A defesa dos royalties do petróleo foi a mais lembrada, maspor apenas sete deles; seis mencionaram a Saúde e quatro, a Segurança Pública.

O GLOBO perguntou aos deputados e aos senadores qual será a urgência de cada um para o Rio nos próximos quatro anos e os projetos de lei e emendas a serem elaboradas para que os assuntos escolhidos por eles saiam do papel. Eles tiveram de optar por uma única prioridade. Adilson Soares (PR) e Vitor Paulo (PRB) não informaram. Francisco Floriano (PR) e Walney Rocha (PTB) não foram localizados.

Apenas um deputado e um suplente - Glauber Braga (PSB) e Fernando Jordão (PMDB), respectivamente - mostraram-se preocupados em prevenir tragédias causadas pelas chuvas, como a da Região Serrana, onde 847 pessoas morreram até a última sexta-feira. Braga tem base eleitoral em Nova Friburgo e Jordão, em Angra dos Reis. No ano passado, a cidade do Sul Fluminense teve 53 mortos.

Para Ricardo Ismael, professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, há uma desunião histórica:

- Deputados e senadores do Rio pouco se mobilizam em ações prioritárias para agir de maneira integrada. Com a fragmentação, não há uma agenda em comum.

Sete titulares pedirão licença e suplentes assumirão

Dos 46 deputados, 23 pertencem à atual legislatura. Ou seja: há uma renovação de 50% da bancada. Trinta e um integram os partidos que fizeram parte da coligação que elegeu a presidente Dilma Rousseff. O PMDB e o PR terão o maior número de parlamentares, com oito em cada legenda. Em seguida, está o PT, com cinco. PDT e PSC ficam com três. DEM, PP, PV, PSDB, PSOL e PSB terão dois deputados cada. Outros sete serão representantes do PRB, PCdoB, PPS, PTB, PHS, PRTB e PMN.

Sete suplentes assumirão no dia seguinte à posse, depois que os titulares se licenciam. São eles: Nelson Bornier, Fernando Jordão e Solange Almeida, do PMDB; Chico D"Ângelo e Eliane Rolim, do PT; Deley (PSC) e Carlos Alberto (PMN). Eles vão substituir Leonardo Picciani, Pedro Paulo e Rodrigo Bethlem, do PMDB; Luiz Sérgio e Jorge Bittar, do PT; Júlio Lopes (PP) e Alexandre Cardoso (PSB), que já ocupam cargos nos governos federal, estadual e municipal.

Nos bastidores, as articulações políticas começaram. Os ex-aliados Anthony Garotinho (PR) e Eduardo Cunha (PMDB), que nos últimos dias trocaram acusações pelo Twitter, tentam costurar acordos. Em seu blog, Garotinho ameaça deputados do próprio partido:

"Se o grupo ligado ao governador Sérgio Cabral (PMDB) e liderado por (Jorge) Picciani (ex-presidente da Assembleia Legislativa) conseguir cooptar qualquer integrante do nosso partido, seja ele deputado federal, estadual, prefeito ou até mesmo vereador, quem por ventura aceitar fazer esse jogo será submetido à Comissão de Ética e desligado (do partido)".

Cunha trabalha para indicar um nome do PMDB do Rio para presidir a Comissão de Minas e Energia da Câmara. Alessandro Molon (PT), pela primeira vez deputado federal, tentará participar das Comissões de Constituição de Justiça e Cidadania, de Segurança Pública, Educação e Cultura e Direitos Humanos.

FONTE: O GLOBO

Protestos aumentam e Egito conta 100 mortos em um dia

Anúncio de reforma ministerial não acalma população, que desafia tanques nas ruas e exige saída de ditador

A reforma ministerial anunciada pelo ditador Hosni Mubarak não acalmou a população e os protestos contra o governo se intensificaram em todo o Egito. Mais de cem mortos foram identificados apenas ontem, resultado dos confrontos entre os manifestantes que pedem mais democracia e as forças de repressão. A população nas ruas desafiava os tanques e exigia a saída de Mubarak, que governa o país há 30 anos e é aliado dos EUA. O governo fechou os bancos e, com medo de saques, comerciantes transferiram mercadorias para mesquitas.

Protestos saem de controle e Egito conta mais de 100 mortos só no sábado

Jamil Chade
Enviado Especial
Cairo

A reforma ministerial proposta pelo presidente egípcio, Hosni Mubarak, não acalmou a população, e os protestos se ampliaram por todo o Egito, assim como a repressão do governo. Só ontem, mais de cem mortos já haviam sido identificads como resultados dos conflitos que vêm ocorrendo em várias cidades do país e dezenas estavam desaparecidos.

“Ficaremos nas ruas até Murabak sair”, gritavam os manifestantes desafiando os tanques do Exército. Ontem, o governo inteiro apresentou sua demissão, a pedido do presidente, que tentou um gesto na esperança de que a população se acalmasse.

Mubarak nomeou para o até agora esvaziado cardo de primeiro-ministro o chefe de serviço de inteligência e seu braço direito, Omã Suleyman. A indicação causou especulações de que Mubarak estaria preparando Suleyman para uma espécie de "governo de transição", abrindo caminho para sua saída do poder. Suleyman tem bom trânsito entre a atual elite política e militar, e seria uma alternativa a uma mudança de nomes com a manutenção do status quo.

"Acham que somos tolos?", questionou Khaled Omar, editor do jornal de oposição Al Massry Al-Youm. "A ira das pessoas só vai acabar quando Mubarak cair e acabar com seu reinado de 30 anos", disse o jornalista.

Nas ruas, a meta dos manifestantes era demonstrar ao governo que as reformas não seriam aceitas e que a mera substituição dos ministros não bastaria. "Deixaremos nossa alma e nosso sangue pela liberdade", dizia um dos cartazes levados pela população em uma das ruas que beiram o Nilo, no Cairo.

Um dos momentos mais tensos dos protestos ontem foi uma procissão no centro da capital egípcia que levava o corpo de um dos mortos durante as manifestações, vítima da violência da polícia. O morto era um estudante de Direito, de 22 anos. Seu pai, três irmãos e inúmeros desconhecidos pediam justiça enquanto carregavam, em um pano branco, o corpo ainda ensanguentado do jovem.

"Mubarak: bem-vindo à Tunísia", dizia um outro cartaz, escrito em inglês, que buscava comunicar à imprensa internacional de que a queda do governo em Túnis deve servir de exemplo ao Egito.

A sede da legenda de Mubarak, o Partido Nacional Democrático (PND), prédios de propriedade de seu filho, shopping centers, casas de comércio e dezenas de outros lugares foram incendiados pela população. O cheiro de gás lacrimogêneo de sexta-feira foi substituído neste sábado pelo cheiro de queimado. A fumaça tomava conta das ruas e, à noite, era possível ver vários focos de incêndio no centro da capital.

A TV nacional do Egito também foi atacada, por manifestantes que tentaram invadir o local. Centenas de policiais cercavam o local e impediram a população de entrar. Na rua do Ministério do Interior, policiais abriram fogo - com munição real, segundo os manifestantes - contra uma multidão que marchava na direção do edifício. Trocas de tiro também foram registradas em vários pontos do Cairo e de outras cidades egípcias.

Para tentar frear a revolta, o governo anunciou que o toque de recolher entraria em vigor às 16 horas de ontem. Quem descumprisse estaria sujeito à prisão e sanções legais, afirmou o governo em um comunicado oficial. Mais uma vez, porém, as ordens foram ignoradas.

"O governo já não existe. Há poucas semanas, era impensável ver essas imagens no Egito. Hoje vemos que a população perdeu o medo", disse ao Estado um dos colunistas mais importantes do país, Mohammed Tharwat. Segundo ele, a grande questão agora será a reação do Exército aos protestos. "Isso é o que definirá o futuro de Mubarak. Os militares sabem que não poderão simplesmente abrir fogo ou manter a repressão por muitos dias. Seria um banho de sangue", disse o colunista.

Os conflitos se espalharam por várias regiões do Cairo neste sábado. Em um centro de detenção da capital egípcia, os presos realizaram uma rebelião. Caixas eletrônicos de diversos bancos foram atacados.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Circulação de jornais aumentou 2% no país em 2010

A circulação de jornais voltou a crescer no Brasil em 2010, depois que a crise financeira internacional, em 2009, havia interrompido um período de três anos de ascensão nas vendas. De acordo com dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), no ano passado foram vendidos no país 4.314.425 exemplares por dia. Na média, representou um número 2% superior ao de um ano antes, com 4.228.214 diários.

No ranking dos jornais mais vendidos do país, a principal mudança envolveu a "Folha de S.Paulo", que deixou a liderança depois de 25 anos, cedendo lugar, por uma estreita margem, ao título popular "Super Notícia", de Belo Horizonte, que alcançou 295.701 exemplares de vendas médias, contra 294.498 do diário paulista. Em relação a 2009, a tiragem média da "Folha" recuou 0,36%, enquanto a do "Super Notícia" cresceu 2,16%.

Quando se considera o ranking de dezembro, contudo, a "Folha de S.Paulo" mantém-se no topo, com circulação média diária de 301.243, ante 297.048 do título mineiro. Muito próximo, na terceira posição em dezembro, ficou O GLOBO, com 296.960 exemplares vendidos por dia, na média.

Participação dos populares não se alterou

Ainda de acordo com o IVC, a participação de mercado (market share) dos jornais populares não se alterou em relação à fatia dos chamados jornais qualificados. É uma situação que vem se consolidando nos últimos anos.

- Isso demonstra que, apesar de algumas dúvidas em relação ao futuro do jornal impresso, o mercado brasileiro ainda é bastante promissor para os leitores, anunciantes e editores - diz Alexandre Kabarite, gerente-geral de Mercado Leitor da Infoglobo, empresa que edita os jornais O GLOBO, "Extra" e "Expresso da Informação".

No ranking acumulado de janeiro a dezembro, O GLOBO também manteve-se na terceira posição, com tiragem média diária de 262.435 exemplares, número 2,01% maior que sua circulação média de 2009.

Ainda de acordo com os dados do IVC, entre os jornais que tiveram os maiores aumentos de circulação no ano passado estão o "Expresso da Informação", com alta de 17,39%, e "O Estado de S.Paulo", cujas vendas diárias cresceram 11,05%.

O "Expresso" alcançou 84.285 exemplares diários em média, o que lhe garantiu o avanço de uma posição no ranking, passando do 15 para o 14 posto.

"O Estado de S.Paulo" manteve-se no quinto lugar do ranking dos títulos mais vendidos, mas aumentou a distância para o sexto colocado, o gaúcho "Zero Hora", cuja circulação avançou 0,62% no ano, para 184.663 exemplares diários.

Entre os principais títulos que tiveram perdas de circulação, de acordo com os dados do IVC, estão o "Diário de S.Paulo", com queda de 27,69% nas vendas médias diárias, o "Lance!" (-24,28%), "O Dia" (-16,28%), o "Meia Hora" (-15,14%), e o "Extra" (- 3,23%).

No mercado do Rio de Janeiro, a Infoglobo consolidou a sua liderança e aumentou a participação de mercado. Passou de 69%, em 2009, para 73% no ano passado. Por título, a participação do GLOBO subiu de 30,8% para 32,7%, a do "Extra" manteve-se em 29,7%, enquanto que a do "Expresso da Informação" passou de 8,6% para 10,5%.

O jornal mineiro Super Notícia foi a publicação de maior circulação nacional em 2010, desbancando a liderança da Folha de S. Paulo, que encabeça o ranking desde 1986.

Os números oficiais do balanço do meio jornal do IVC (Instituto Verificador de Circulação) de 2010 serão divulgados no último dia de janeiro ou no primeiro dia de fevereiro, com comparativos de desempenho das publicações em relação ao ano de 2009.

Abaixo, o ranking da circulação média dos primeiros 20 jornais filiados ao IVC, de janeiro a dezembro de 2010:

Nome do Jornal / Participação de mercado / Média de exemplares

1- Super Notícia 6,93% 295.701
2- Folha de S. Paulo 6,90% 294.498
3 - O Globo 6,15% 262.435
4- Extra 5,58% 238.236
5- O Estado de S. Paulo 5,54% 236.369
6- Zero Hora 4,33% 184.663
7- Meia Hora 3,69% 157.654
8- Correio do Povo 3,69% 157.409
9- Diário Gaúcho 3,53% 150.744
10- Aqui (Consolidado) 2,94% 125.676
11- Lance! 2,22% 94.683
12- Agora São Paulo 2,18% 92.863
13- Daqui 2,12% 90.342
14- Expresso da Informação 1,97% 84.285
15 - Dez Minutos 1,95% 83.210
16- O Amarelinho 1,88% 80.116
17- Estado de Minas 1,83% 78.281
18- A Tribuna 1,49% 63.716
19- O Dia 1,41% 60.057
20- Correio Braziliense 1,34% 57.300

FONTE: O GLOBO

Soneto oco:: Carlos Pena Filho

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.