quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Opinião do dia – Juca Kfouri; seis por meia dúzia

Orlando Silva Jr. não é mais ministro do Esporte. E isso não tem a menor importância.

Importante é saber quem irá para o lugar dele.

Se for alguém do PCdoB, como tudo indica, a presidente Dilma Rousseff terá apenas trocado seis por meia dúzia, porque certamente a necessária limpeza no ministério não vai ser feita.

Se, ao contrário, escolher alguém que não seja do partido que há nove anos aparelhou o esporte nacional, a primeira vítima será o governador do Distrito Federal, ex-ministro do Esporte e ex-membro do PCdoB, o agora petista Agnelo Queiroz, que foi quem começou tudo isso que fulminou Orlando Silva Jr e que muito provavelmente virará alvo de vinganças.

Mas o preço, diante de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada no Brasil, vale a pena pagar.

Porque o mundo precisa achar um interlocutor confiável no Brasil — e o presidente do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014, Ricardo Teixeira, está neste momento no centro de dois inquéritos da Polícia Federal por lavagem de dinheiro.

A hora é agora, de pensar grande, de ser estadista.

Fácil não será, certamente, mas se Dilma Rousseff quisesse uma vida fácil não teria a vida que tem desde muito jovem.

Comentário para o Jornal da CBN desta quinta-feira, 27 de outubro de 2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil



O GLOBO
Orlando sai, mas PCdoB fica
Comissão da Verdade passa no Senado e vai à sanção de Dilma
Vazamento anula prova do Enem no CE
7 bilhões em ação

FOLHA DE S. PAULO
Sob suspeita, ministro do Esporte deixa o governo
Comissão da Verdade passa no Senado e vai à sanção
Senadores aprovam proibição ao Ibama de multar desmate
MEC anula Enem de alunos cuja escola antecipou questões
Dança europeia

O ESTADO DE S. PAULO
Sem Orlando Silva, Dilma se reúne com PC do B para definir substituto
Comissão da Verdade é aprovada no Senado e texto segue para Dilma
Zona do euro consegue acordo para reduzir dívida da Grécia pela metade
Argentina condena 18 militares por tortura e homicídio de 86 pessoas


VALOR ECONÔMICO
Câmbio faz rentabilidade da exportação crescer 15%
Klabin terá fábrica de R$ 6 bi no PR
Brasil espera "boa vontade" em troca de financiamento
Argentina age contra fuga de capitais
Dilma pretende criar fundo do servidor até o fim do ano
Jorge Viana incluirá normas urbanas no Código Florestal
Orlando Silva, ministro do Esporte, deixa o governo
UE adia negociação com Mercosul

BRASIL ECONÔMICO
“Quero comprar o Maracanã”
Orlando Silva é o sexto ministro demitido na gestão Dilma
Peugeot investirá R$ 2,3 bi no Brasil
A novela continua

CORREIO BRAZILIENSE
Fora do jogo
OAB: Exame da Ordem é aprovado pelo STF
Enem: Procurador pede a anulação de provas

ESTADO DE MINAS
Fora do jogo
Grande BH: Emprego em alta e salário em queda
Direito: Supremo mantém exame da OAB como obrigatório

ZERO HORA (RS)
Sucessão de crises na gestão Dilma abate um ministro a cada 50 dias
Credibilidade do Enem é abalada pela quarta vez
Supremo ratifica exame da OAB
MST irrita cientistas da Fepagro

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Enem vaza novamente
Cai o sexto ministro da Era Dilma
ANS avalia mal 40% dos planos
STF diz que exame da OAB é constitucional

Orlando sai, mas PCdoB fica

Ministro do Esporte, 5º a cair por denúncias de corrupção, deve ser substituído por Aldo

Doze dias depois da denúncia de desvio de recursos do Ministério do Esporte para irrigar campanhas eleitorais do PCdoB, Orlando Silva, que se considerava "indestrutível", teve de deixar a pasta. A denúncia de que ele recebera propina não foi provada, mas os desvios de dinheiro público por ONGs ligadas ao PCdoB já tinham levado a Controladoria Geral da União a pedir a devolução de R$ 49 milhões e o Supremo Tribunal Federal a abriu, anteontem, inquérito para apurar as acusações contra Orlando, que atingem também o ex-ministro do Esporte e atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT, ex-PCdoB). Estimulado pelo ex-presidente Lula, o PCdoB resistiu a aceitar a saída de Orlando, que era dada como certa desde a semana passada. Com a abertura do inquérito no STF, porém, a situação dele ficou insustentável. Mesmo assim, o partido conseguiu manter a pasta, o que provocou críticas pesadas da oposição. Hoje o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, vai se reunir com a presidente Dilma, e eles devem anunciar o nome do deputado Aldo Rebelo. Ex-presidente da UNE como Orlando, Aldo sofreu resistências por sua atuação como relator do Código Florestal, mas já teria sido escolhido. Orlando é o sexto ministro demitido na gestão Dilma, sendo o quinto por denúncias de corrupção. Segundo a Procuradoria Geral, as investigações sobre Orlando vão continuar, agora no STJ.

No Esporte, uma troca de guarda

Orlando sai, mas PCdoB manterá ministério e nome de Aldo Rebelo deve ser anunciado hoje

Gerson Camarotti, Luiza Damé e Chico de Gois

Após resistir por 12 dias, Orlando Silva acabou saindo ontem do Ministério do Esporte, mas a presidente Dilma Rousseff manterá o PCdoB no comando da pasta, controlada pelo partido desde 2003, primeiro ano do primeiro governo Lula. Dilma pensou em tirar o partido aliado do Esporte, para desmontar o esquema de corrupção que teria sido montado envolvendo ONGs conveniadas do Programa Segundo Tempo. Mas "a relação de intimidade e de identidade" que o partido tem com o governo petista, como frisou ontem no Planalto o presidente da legenda, Renato Rabelo, deve garantir hoje a nomeação do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) no lugar de Orlando.

Dilma e Renato Rabelo vão se reunir esta manhã para bater o martelo sobre a sucessão no Esporte. Dirigentes do PCdoB garantiram à noite que, embora não sugerido oficialmente, o nome de Aldo foi discutido na reunião de ontem entre Dilma, Orlando e Renato Rabelo. E que a presidente já teria aprovado a indicação, mas decidiram deixar para hoje a definição.

Ao adiar a decisão, cresceu no meio político a especulação de que Dilma teria resistência a Aldo Rebelo, por causa de seu papel como relator do Código Florestal. Ele atendeu aos interesses da bancada ruralista, impondo uma derrota ao governo. O Planalto não soltou comunicado oficial informando que, interinamente, responderá pelo ministério o secretário-executivo Waldemar Manoel Silva de Souza.

Após reuniões que entraram pela noite de terça-feira e a madrugada de ontem, dirigentes e líderes do PCdoB foram ao Planalto dizer a Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência, que Orlando deixaria o cargo, frisando que o partido desejava ficar com o ministério. Gilberto teria garantido que Dilma manteria o ministério na cota do PCdoB.

PCdoB pressiona para manter pasta

O PCdoB, com o histórico de ser o mais antigo aliado do PT e dos governos petistas, queria a garantia de uma solução rápida para a sucessão de Orlando. Temia-se que uma demora na substituição pudesse levar a legenda a perder o ministério, numa eventual reforma ministerial de janeiro.

Orlando chegou ao Palácio do Planalto pouco depois das 18h e ficou uma hora e 20 minutos reunido com Dilma e Renato Rabelo. Não entregou uma carta demissão, mas anunciou sua decisão de sair do cargo, repetindo o discurso do encontro da última sexta-feira, quando Dilma o manteve, diante das alegações de que as denúncias eram caluniosas.

Antes de Dilma se reunir com o PCdoB, Gilberto Carvalho voltou a dizer, à tarde, que a tendência era a de o partido manter o ministério. Salientou, porém, que, para isso, era preciso resolver logo a situação de Orlando:

- Comuniquei a eles que era preciso dar um passo além. O Orlando teve uma atitude madura de compreender a situação - disse.

Na reunião com Dilma, Orlando fez um balanço de seu trabalho e avaliou a crise causada pelas denúncias do policial militar João Dias. Demonstrando tranquilidade e até bom humor, Orlando voltou a dizer que não haverá provas contra ele:

- Examinamos esta crise que foi criada nos últimos dias. Reafirmei para a presidente que não há, não houve e não haverá quaisquer provas que me incriminem porque fato nenhum houve que possa comprometer minha honra, minha conduta ética. Fui mais uma vez firme e indignado. Falei mais uma vez com a presidente da minha revolta com esse linchamento público que vivi, mas a tranquilizei, dizendo que em poucos dias, poucas semanas, a verdade virá á tona.

Segundo Orlando, o PCdoB não poderia servir de instrumento para ataques ao governo e, por isso, o melhor caminho era sua saída.

- O resultado da reunião que tive com a presidente foi de que a melhor solução seria eu me afastar do governo. Essa é uma decisão consciente que tomei, que a presidente acatou por entender que, dessa maneira, primeiro posso defender com mais ênfase a minha honra, que foi ferida sem nenhuma prova cabal. Segundo, vou poder continuar defendendo como militante e dirigente político o meu governo. Considero este o meu governo e vou defender o seu sucesso até o final.

Renato Rabelo disse que o PCdoB e Orlando são vítimas de uma montagem sórdida e de calúnias:

- Defendemos nosso ministro porque sabemos que ele é honesto, competente e sincero.

FONTE: O GLOBO

Sucessão de crises na gestão Dilma abate um ministro a cada 50 dias

Em 10 meses de governo, Orlando Silva, do Esporte, é o sexto ministro da presidente a deixar o posto, o quinto por suspeita de envolvimento em corrupção

Escândalos desafiam Dilma

Fabiano Costa e Fábio Schaffner

Brasília - Com uma gestão aprovada pelos brasileiros, segundo as pesquisas de opinião, e uma economia ainda pouco afetada pelos efeitos da crise mundial, Dilma Rousseff viu denúncias de corrupção carregar cinco ministros em 10 meses de mandato – uma marca histórica que desafia a credibilidade de governo.

Com seis ministros demitidos em 10 meses de mandato, a presidente Dilma Rousseff inaugura uma galeria insólita na história da República.

Nunca um inquilino do Palácio do Planalto em primeiro mandato perdeu tantos integrantes do primeiro escalão em tão curto espaço de tempo.

Da queda de Antonio Palocci (Casa Civil), em junho, até a saída de Orlando Silva (Esporte), Dilma se viu forçada a afastar um subordinado a cada 23 dias. De 1º de janeiro até agora, foi um a cada 49,8 dias. Ao mesmo tempo em que conduz um governo aprovado pela população e pouco afetado pela crise internacional, ela tenta estancar uma sucessão de denúncias que ameaçam minar a credibilidade de sua gestão.

– Daqui a 30 anos, quando algum historiador estiver escrevendo sobre 2011, vai ficar assombrado com o número de escândalos colecionados nesse início de governo – afirma o historiador Marco Antonio Villa.

Dos seis ministros afastados, apenas um deixou a Esplanada sem estar acossado por suspeitas de irregularidades, Nelson Jobim (Defesa). A queda de Orlando representa para Dilma a ampliação do próprio recorde. Nesse cipoal de malfeitorias, houve desde quem saiu porque pagava a governanta com dinheiro público (Pedro Novais) a quem se viu acusado de comandar esquemas milionários (Alfredo Nascimento).

Orlando seria "esquartejado", diz senador

Somente nos ministérios do Esporte e dos Transportes, os desvios somam mais de R$ 700 milhões – mesmo valor que Dilma pretende investir para erradicar e miséria no Nordeste. Para especialistas ouvidos por ZH, na origem da rapinagem estão o loteamento político dos ministérios e a voracidade dos partidos, que usam a máquina estatal para financiamento eleitoral.

– A corrupção tem a ver com ocupações dentro dos ministérios. Há verdadeiras quadrilhas – avalia o cientista político Jairo Nicolau, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

No vale dos caídos do governo Dilma, estão quatro ministros remanescentes da gestão do ex-presidente Lula. Nos oito anos de mandato, Lula sempre admitiu a dificuldade para demitir seus subordinados. Embora tenha se dobrado aos pedidos do padrinho político, mantendo no ministério pessoas nas quais não confiava, bastaram surgir as primeiras denúncias para Dilma romper com esse modelo.

O único que contou com a paciência da presidente foi Palocci, até então seu mais influente e poderoso auxiliar. Nas crises seguintes, Dilma conduziu a saída dos suspeitos com frieza, esvaziando as atribuições e isolando cada ministro enrascado até levá-los a pedir demissão. Foi assim com Nascimento, Novais e Orlando, por exemplo.

– Não podíamos deixar Orlando ser esquartejado – desabafa o senador Inácio Arruda (PC do B-CE).

O cientista político Marcus Figueiredo, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, afirma que Dilma está tomando providências na medida em que as irregularidades aparecem:

– Ela não passa a mão na cabeça de subordinado.

FONTE: ZERO HORA (RS)

Sérgio Guerra já prevê um novo escândalo

Tucano calcula que em breve surgirá um novo escândalo no governo. E defende que denúncias no Esporte tenham continuidade

Cláudia Vasconcelos

“Não dou 30 dias para o próximo escândalo. Nada garante que isso vai parar no Esporte.” A previsão sobre o futuro dos ministérios da presidente Dilma Rousseff é do presidente do maior partido de oposição no Brasil, o PSDB, deputado federal Sérgio Guerra (PE). Na avaliação dele, a “faxina” anticorrupção que o governo federal estaria empreendendo, na verdade, atingiu verdadeiramente apenas o PR – legenda de pouca tradição, ao contrário do PCdoB, e cuja aliança com o PT tem menor peso estratégico do que a firmada com o PMDB, sigla de três dos seis ministros limados este ano.

Para Guerra, o pedido de demissão do ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB), não pode pôr uma pá de cal nas denúncias a respeito de desvio de verba na pasta, a exemplo do que ocorreu com outros ministros. Por isso, prevê mais capítulos para a crise ministerial. “A oposição vai continuar insistindo na investigação e exigindo punição. Essa crise não vai acabar porque não houve limpeza nenhuma. É só encenação. Depois do que houve hoje (ontem, com a continuidade do PCdoB na pasta), ficou claro que a prioridade de Dilma era atingir só o PR”, disparou.

O tucano criticou o que chama de “aparelhamento” do Ministério do Esporte pelo PCdoB. “Vai ser um arranjo imprudente. De que serve tirar um ministro e botar outro do mesmo partido? O aparelho continua.”

Colega de Sérgio Guerra na Câmara Federal, a deputada pernambucana Luciana Santos está cotada para assumir o único ministério ainda nas mãos dos comunistas. Perguntado sobre que opinião tem a respeito, o presidente nacional do PSDB preferiu não polemizar. “Luciana é boa gente, mas não estou questionando as pessoas. Se a culpa do ministro não está provada, temos provas suficientes de que há o aparelhamento”, contemporizou.

Sem entrar em detalhes sobre as estratégias da oposição nesta nova crise do governo Dilma Rousseff, Sérgio Guerra diz apenas que o grupo estuda a “forma mais adequada” de cavar punição para os envolvidos nas recentes denúncias.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Para analistas, coalizão 'suja' dificulta faxina

Segundo eles, mudanças têm esbarrado na governabilidade, que depende das alianças e da divisão de cargos

Alessandra Duarte

CAXAMBU (MG).Um governo que passou a ser associado à faxina, mas tem de conciliá-la com alianças "sujas" justamente para funcionar. Para cientistas políticos e sociólogos presentes ao 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG), a queda do quinto ministro da presidente Dilma Rousseff por denúncias de irregularidades é um sinal da contradição do governo atual entre uma imagem de limpeza e uma coalizão não tão limpa assim.

"Uma tentativa de combinar governo limpo com política suja" foi a definição dada pelo professor da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel.

Segundo Miguel, o governo Dilma, apesar de ter mostrado "mais intolerância" com a corrupção do que seu antecessor, precisaria lidar com disputas que passaram a ocorrer mais dentro do arco de alianças:

- É disputa por fatias de poder do Estado - afirmou Miguel. - O que o governo tem feito é dizer: "A gente afasta a corrupção do Executivo, pune, mas ao mesmo tempo a governabilidade depende do apoio dos partidos, que depende da concessão a congressistas, que depende do loteamento de cargos". O PT abandonou sua trajetória de tentar criar novas formas de fazer política.

Dilma tenta um "divórcio ético" do governo Lula

Também apontando para as disputas dentro das próprias alianças do governo, o cientista político Renato Lessa, da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmou que estariam aí os motivos para a onda de crise nos ministérios de Dilma:

- Não é porque aumentou a investigação, ou porque aumentou a sensibilidade social para esse tipo de conduta, mas porque algo não foi cumprido em algum lugar, aí vêm as denúncias.

- Com menos partidos, poderia haver governabilidade com alianças mais reduzidas. Não haveria essa loteria dos ministérios que se tornou a ocupação das pastas - avaliou o sociólogo do Iesp/Uerj Glaucio Soares, destacando que Dilma tenta fazer uma espécie de "divórcio ético" com o antecessor.

- Há um divórcio ético entre o presidente que saiu e a que entrou, que se reflete na não aceitação por parte da presidente atual de deslizes, talvez crimes.

Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina, Yan Carreirão diz que o mal maior, na crise no Esporte, não seria o governo dar o comando da pasta para um partido, mas ter entregado a pasta inteira "de porteira fechada":

- Convidar para participar de ministérios partidos que são de sua coalizão é algo que ocorre em outros países democráticos. O que parece ter acontecido, porém, ao longo do governo Lula e continuando agora, é a prática do ministério de porteira fechada. E, aí, o governo passa a ter menos controle sobre o que acontece no ministério. Um caminho para melhorar esse quadro, além de compor um ministério não só com indicações partidárias mas também pelo conhecimento técnico, é tentar o fim dessa prática da porta fechada - disse Carreirão, para quem "seria mais prudente" que o substituto de Orlando Silva não seja do PCdoB: - As denúncias não foram só contra ele, mas contra a sigla.

Para Renato Lessa, trocar o partido que conduz o do Esporte não teria o efeito de livrar a pasta de novos esquemas de corrupção - pelo fato de que o problema principal não está no PCdoB, mas no próprio modelo de funcionamento do governo:

- É um sistema de coalizão que leva a uma política predatória, de apropriação. Nesse sistema, o PCdoB passou a se comportar como mais um partido. Agora, é a vez dele. Mas é da lógica dessa coalizão que esse tipo de conduta ocorra. Faz parte do modelo do experimento político brasileiro atual, que é a grande coalizão, com um número de ministérios inteiramente desproporcional às necessidades práticas do governo.

O abandono, pelo PCdoB, de seu perfil histórico ideológico também foi destacado por Glaucio Soares:

- O PCdoB acabou no Araguaia. O que se tem agora é um monte de contador de histórias. Nesse presidencialismo de coalizão, os ministérios foram partidarizados, e este (Esporte) caiu nas mãos de um partido bem ruizinho, que agora tem uma área que passa a ter importância, pelos eventos que o Brasil sediará (Copa e Olimpíadas). Hoje, a implantação do que é fisicamente necessário para esses eventos está atrasada. Se não melhorar, o atraso fica irremediável.

FONTE: O GLOBO

A lógica é de governo limpo com política suja", diz analista

Cristian Klein

Caxambu - Diferente de Luiz Inácio Lula da Silva, no estilo, na simpatia que desperta nas elites, mas chefe de um governo de continuidade e conservador. Foi assim que o cientista político Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília (UnB), sintetizou os dez primeiros meses da presidente Dilma Rousseff, no debate de anteontem à noite sobre a conjuntura política, no encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).

"A principal qualidade da presidente em relação ao antecessor é sua reação aos escândalos. É sua marca distintiva. Todos que caem são homens do Lula. Mas as demissões seguem a lógica de um governo limpo com política suja que depende do loteamento de cargos", disse Miguel.

O professor da UnB afirmou que Dilma enfrenta pouca oposição, seja pelo enfraquecimento dos partidos ou por ter origem na classe média. Enquanto Lula ainda causava temor ou teria pouca identificação com as elites, Dilma não seria alvo da mesma antipatia. Mostra disso seria o destaque dado pela imprensa a suas visitas a museus nas viagens ao exterior, em contraste com o anti-intelectualismo do ex-presidente.

Essa característica que a diferenciaria de Lula, porém, não altera, defendeu Miguel, o caráter de continuidade de seu governo, que também estaria sendo marcado mais por políticas de inclusão do que de transformação.

"Por isso, Dilma é lulista, apesar das diferenças de estilo. É um lulismo que traz a vantagem de não exigir que se engulam sapos. É um lulismo, podemos dizer assim, frogless [sem sapo]", ironizou, em menção ao apelido de sapo barbudo, dado a Lula pelo governador do Rio, Leonel Brizola, morto em 2004.

Renato Lessa, da Universidade Federal Fluminense, criticou a coalizão de governo que viveria em estado de natureza, de uma luta de todos contra todos, como descreveu o filósofo inglês Thomas Hobbes (1558-1679), no clássico "Leviatã".

"Hoje vemos a política como predação, o que naturaliza o fogo amigo e práticas mafiosas, expressas em frases como "vou contar para todo mundo"", disse, em referência às chantagens dos aliados para manter ou ampliar o poder. Lessa considerou a demissão de Orlando Silva como consequência desse modelo: "Foi a vez do PCdoB. É lamentável porque os comunistas deram o sangue na ditadura. É uma erosão do patrimônio democrático brasileiro."

O repórter viajou a convite da Anpocs

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Orlando continua sendo investigado, diz Gurgel

Segundo procurador-geral da República, inquérito a que ex-ministro do Esporte responde no STF irá para o STJ

Carolina Brígido

BRASÍLIA. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse ontem que Orlando Silva continuará sendo investigado, mesmo após deixar o cargo de ministro do Esporte. Orlando responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar sua eventual participação em desvios de verba do Programa Segundo Tempo, destinado ao incentivo da prática esportiva entre crianças e adolescentes. Os autos deverão ser transferidos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e unidos ao inquérito que tramita lá contra o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), suspeito de integrar o mesmo esquema.

- A gente tem que investigar, independentemente. A saída eventual dele (Orlando) do ministério não altera a necessidade de investigação, porque a primeira aparência é a de que todo esse Programa Segundo Tempo tem sérios problemas de irregularidades em todo o país - disse o procurador, pouco antes de Orlando deixar o cargo.

Na última sexta-feira, Gurgel pediu abertura de inquérito no STF sobre Orlando. Também pediu que o STJ enviasse o inquérito que investiga Agnelo, sobre os mesmos fatos. O procurador considera os dois casos suficientemente ligados para que sejam apurados em conjunto. Agnelo foi ministro do Esporte entre 2003 e 2006. Com a queda de Orlando, o inquérito sobre ele será enviado ao STJ. Isso porque Agnelo, pelo cargo que ocupa, tem direito ao foro especial.

- Caso o ministro deixe o cargo, o inquérito ao qual ele responde no STF será enviado ao STJ, porque permanecerá ainda a investigação sobre o governador Agnelo, que possui foro privilegiado - explicou Gurgel.

STF pediu cópia de convênios

Anteontem, a relatora do inquérito no STF, ministra Cármen Lúcia, pediu que o STJ enviasse o inquérito aberto sobre Agnelo para analisar se o melhor é unir as duas apurações. Ela também deu prazo de dez dias ao Ministério do Esporte para enviar cópias de procedimentos abertos para apurar contratos da pasta com a Federação Brasiliense de Kung Fu (Febrak), a Associação João Dias de Kung Fu, o Instituto Contato e a ONG Pra Frente Brasil.

Cármen Lúcia também pediu ao ministério cópia de todos os convênios firmados no Programa Segundo Tempo, com o nome do responsável, o dinheiro transferido e a situação da prestação de contas. A ministra também deu dez dias de prazo para que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU) enviem cópias de procedimentos abertos para investigar irregularidades nos contratos do programa.

Esses documentos serão enviados ao STJ, junto com o inquérito. Gurgel também pedira o depoimento de doze pessoas - entre elas, o ex-ministro e o governador. Cármen Lúcia negou o pedido. Disse que, antes, verificaria quais pessoas foram ouvidas, para evitar repetição.

FONTE: O GLOBO

Oposição critica manutenção do PCdoB no controle do Esporte

Deputados pedem que as investigações das denúncias de corrupção na pasta sejam aprofundadas

André de Souza e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Mesmo com a demissão de Orlando Silva, o fato de o PCdoB ser mantido à frente do Ministério do Esporte foi duramente criticado ontem pela oposição, que tenta descolar do governo Dilma a imagem de que ela é intolerante com os malfeitos e faz uma faxina de verdade. Seus líderes afirmam que não adianta tirar Orlando Silva e pôr como substituto um outro integrante do PCdoB, partido que está há quase nove anos no comando da pasta. Houve ainda cobrança para a continuidade das investigações das denúncias de corrupção no ministério.

- Podia ser Orlando ou Francisco o ministro. O que não pode é o ministério ser aparelho de um partido. A Copa vai mal, o nosso futebol, também. Há conflitos em todos os lados. É uma irresponsabilidade aparelhar a pasta numa situação dessa - disparou o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE). - Isso é um absurdo. Orlando sair já é uma decisão atrasada. Pôr outro indicado do PCdoB é inaceitável.

Na Câmara, os líderes do PSDB, Duarte Nogueira (SP), e do PPS, Rubens Bueno (PR), também disseram que a saída de Orlando Silva não é suficiente.

- Queremos o aprofundamento das investigações e o desmonte completo do aparelho de corrupção montado no Ministério do Esporte - afirmou o líder do PPS.

- As denúncias são de que há um esquema de distribuição de recursos por meio de ONGs. Isso precisa ser investigado, os envolvidos afastados e os recursos devolvidos - emendou o tucano Duarte Nogueira.

Para o presidente do DEM, senador José Agripino (RN), a queda de Orlando Silva deve ser apenas um primeiro passo.

- A saída dele não deve estancar a investigação.

Já o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que Orlando Silva deixou o cargo para ter condições de se explicar, argumentando que nenhuma denúncia foi comprovada.

Presidente do PPS, o deputado Roberto Freire (SP) fez coro às críticas dos colegas e falou da dependência de Dilma em relação a Lula:

- A queda do ministro é a demonstração cabal de dois aspectos profundamente negativos do governo: primeiro, é um ministério feito à imagem e semelhança de Lula, e que ela subalternamente aceitou, e segundo, sua incapacidade de coibir malfeitorias.

FONTE: O GLOBO

Senado cria Comissão da Verdade sobre violações a direitos humanos

Projeto segue para sanção de Dilma, que indicará 7 conselheiros

João Carlos Magalhães e Márcio Falcão

BRASÍLIA - O Senado aprovou ontem o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade, grupo governamental que investigará e narrará violações a direitos humanos entre 1946 e 1988.

O Congresso manteve o centro do texto enviado pelo Executivo em 2010, permitindo uma tramitação rápida, como queria o governo. Agora, ele segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff.

Há a expectativa de que Dilma escolha os sete conselheiros até dezembro, quando se festeja o dia internacional dos direitos humanos. Há muita especulação, mas nenhuma definição sobre eles.

Uma vez nomeados, os sete terão seis meses para estabelecer um plano de trabalho, e só depois a comissão passará de fato a funcionar. Ao final de seus dois anos, o grupo entregará um relatório detalhando as violações.

No Brasil, essa será a terceira comissão a revisitar os acontecimentos do regime militar (uma sobre mortos e desaparecidos políticos e outra de anistia), e a primeira criada na era petista.

A maior novidade da Comissão da Verdade será a possibilidade de, por meio de acesso irrestrito a documentos, identificar as pessoas e instituições estatais responsáveis pelas mortes, desaparecimentos e torturas.

Até hoje não há uma lista oficial desse tipo. Mas a comissão não poderá julgar ninguém. Todos os agentes estatais estão livres de punição devido à Lei da Anistia (1979).

Militantes de direitos humanos também esperam que o grupo investigue a relação de empresas e entidades civis com a ditadura e a participação do Brasil na Operação Condor, que aglutinou regimes do Cone Sul no combate a movimentos insurgentes.

Além disso, os conselheiros poderão elucidar fatos ainda não desvendados, como o atentado no Riocentro em 1981, e as violações ocorridas no interior do país.

O projeto chegou ao Congresso como resultado de um acordo com as Forças Armadas, que aprovaram o texto antes de ele ser enviado ao Congresso. Em nenhum momento sofreu resistências importantes dos parlamentares.

As maiores críticas vieram de parte dos familiares de mortos e desaparecidos, para quem o texto aprovado cria uma comissão "da mentira".

Dentre os problemas apontados estão os períodos de análise (longo demais) e de trabalho (muito curto).

Em reunião no mês passado, Dilma concordou com os perfis gerais propostos: um religioso, um político conservador, um artista, dois intelectuais (um moderado e outro de esquerda), um defensor histórico dos direitos humanos e um jurista. Não deve haver militares nem notórios perseguidos políticos.

Alguns nomes citados: o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, o ex-vice-presidente Marco Maciel, a filósofa Marilena Chauí, o pesquisador Jair Krichke e o procurador Marlon Weichert e o ex-presidente da OAB Cezar Britto.

FRASE

"Virar a página do passado é conveniente não para esquecê-lo, mas não deixarmo-nos aprisionados para sempre"

Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), relator do projeto de lei que cria a Comissão da Verdade

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

PSD mostra poder de fogo

Festa de apresentação confirma sigla como a terceira bancada da Câmara, com 55 deputados, e alinhamento ao PSB

Guilherme Amado

Quem passasse ontem pela festa de apresentação do recém-nascido PSD, no Senado, poderia pensar que se tratava de uma corriqueira sessão do plenário: um a um, os partidos da base aliada — e até alguns da oposição, como o PSDB e o PPS — estavam ali para prestigiar e afagar a nova sigla, dona da terceira maior bancada da Câmara de Deputados. O partido chega ao Congresso com 48 deputados — ou 55, se levados em conta os sete licenciados — e dois senadores. Mas, além da vantagem numérica, foram as alianças potenciais que ilustraram o poder de fogo do partido idealizado e presidido pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. No topo da lista, o PSB.

Tanto que o primeiro a discursar no evento foi o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), saudado por Kassab como o "grande incentivador" da nova legenda. Entre declarações de estima e apoio, o governador se apressou em declarar seu partido como um aliado preferencial do PSD nas eleições municipais do próximo ano. "PSB e PSD vão estar juntos em muitas lutas agora em 2012. Onde um não puder ter candidato, vamos fazer todo o esforço para estarmos juntos, para que cresçamos juntos", disse Campos. Principal padrinho político do PSD em Pernambuco, o governador articulou adesões à nova legenda e chegou a ensaiar a formação de um bloco partidário entre as duas.

Filiação

A lista de convidados de outros partidos a entoar louvores ao PSD foi longa. O mais entusiasmado, no entanto, foi o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que afirmou se identificar com o partido de Kassab e, em tom de brincadeira, disse ter sentido uma "coceirinha na mão" ao avistar a pilha de fichas para filiação ao novo partido. O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), também elogiou a nova legenda. "Hegemonias não ajudam a democracia. Precisamos de novos partidos", disse. O presidente do PT, Rui Falcão, também indicou que a legenda terá diálogo fácil com o Planalto. "O PSD vem não para se alinhar automaticamente, mas para apoiar as causas do governo em favor do povo brasileiro", disse.

Nascido como uma costela do DEM, foi justamente da sigla que o PSD mais tirou deputados: 19. Em seguida estão PSB, PPS e PP, que perderam quatro cada. Nem o PT, maior partido da Câmara com 84 parlamentares, escapou de perder um dos seus. O deputado catarinense Jorge Boeira, petista desde 2001, anunciou sua saída alegando interesses políticos e eleitorais. Boeira acusou o PT de impedi-lo de votar de acordo com suas convicções, em temas como a reforma política e a legalização do aborto.

"Fiz tudo que era possível para não ter que sair. Fiquei durante dez anos tentando construir uma forma de ser visto como uma pessoa de confiança do partido. Não consegui e estendi a toalha. O PT nunca me viu como um petista", criticou Boeira. Como pano de fundo para a troca, no entanto, está o interesse do deputado em se aproximar do governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, também fundador do PSD.

A força da legenda

150 mil filiados
2 governadores
6 vice-governadores
2 senadores
55 deputados federais
102 deputados estaduais

Origem partidária dos deputados

DEM - 19
PP - 4
PPS - 4
PR - 4
PMDB - 3
PMN - 3
PSC - 3
PDT - 3
PSDB - 3
PTB - 2
PV - 2
PRB - 1
PHS - 1
PT - 1
PSL - 1

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Decifra-me ou te devoro :: José Serra

"Decifra-me ou te devoro". Esse era o desafio da Esfinge de Tebas. Ela eliminava aqueles que se mostrassem incapazes de responder a um enigma: "Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?". Todos os que ensaiaram a resposta haviam sido estrangulados. Édipo acertou: "É o ser humano! Engatinha quando bebê, anda sobre dois pés quando adulto e recorre a uma bengala na velhice". A Grécia traz hoje um novo enigma. Existe uma Esfinge de Tebas simbólica a assombrar a União Europeia (UE). Quem der a resposta errada será estrangulado, como no mito.

"O fracasso da Grécia seria o fracasso de toda a Europa. Não é possível deixá-la cair". São palavras de Nicolas Sarkozy, presidente da França. A quebra de um país que representa menos de 3% da economia europeia pode empurrar a Eurolândia para uma depressão profunda e, mais do que isso, desorganizá-la. Como é possível?

A Grécia abusou do gasto público desde que aderiu ao euro. Seu déficit fiscal em 2009 superava os 15% do PIB; o déficit primário, 10%! A dívida pública grega, que em 2009 chegava a 130% do PIB, cresceu ainda mais em decorrência da crise, estimada em 150% neste ano e 170% em 2012.

Pior, em vista de aumentos salariais além da produtividade e de inflação acima da média europeia, o país perdeu 27% de competitividade em relação à região sem ter, em razão da moeda comum, taxa de câmbio nominal para ajustar: seu déficit externo em conta corrente superou os 8% do PIB.

Mas os gregos não carregam toda a culpa. No fim de 2009 o país pediu ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O spread dos seus títulos em relação aos alemães era só de 2%. Naquele momento, a UE e o Banco Central Europeu (BCE) foram contra a ajuda do FMI. Por quê? Razões corporativas do BCE, falta de descortino e excesso de oba-oba dos líderes europeus. Seis meses de discussões estéreis, com a economia grega rolando num tobogã, até que a necessidade do acordo se impôs, só que em muito piores condições.

Quando o FMI fez o empréstimo, o spread já era de 9% e a deterioração da economia, galopante: o PIB, que já caíra 2% em 2009, declinou 4,5% em 2010 e em 2011, mais 4%. Compôs-se o círculo vicioso: enfraquecimento do setor privado, aumento do desemprego, queda da receita tributária, pressão sobre o déficit... Como nas tragédias gregas, depois da excitação da vitória, que traz consigo a irresponsabilidade, aconteceu a reversão do destino.

Reestruturar a dívida grega não bastaria, dado o tamanho do déficit fiscal. Daí também a imposição de um brutal ajuste, à procura de um superávit primário de 6% do PIB. Assim, em dois anos o governo grego deveria reduzir seus gastos primários em cerca de 16% do PIB! Isso com atividade econômica em queda. Mais ainda, sem uma taxa de câmbio para desvalorizar, o enfrentamento do desequilíbrio externo exigiria também uma inflação menor do que a média europeia, fortes redução de custos e aumentos da produtividade.

Parte da reestruturação da dívida grega já se fez, mas o desconto do valor presente dos títulos em mãos privadas tem de passar dos 20% de hoje para mais de 60%. O precedente, os impasses e a sensação de que se trata de um buraco sem fundo já contaminaram as expectativas em relação a outros países, como Espanha e Itália, que detêm perto de um terço do PIB da união monetária. E boa parte dos créditos à Grécia e a esses países tem origem em bancos de países da UE. A reestruturação abre o precedente para as demais economias em dificuldades, representando um caso exemplar de risco moral (moral hazard), além de ser financeiramente inviável no caso das economias grandes.

A Argentina, em situação parecida com a da Grécia, no início da década passada declarou o default, desvalorizou sua moeda, recuperou o nível de emprego e obteve melhora nas suas contas correntes com o exterior à custa de cortes de financiamento externo privado e da instabilidade de preços. Para a Grécia esse caminho implicaria o abandono da moeda única e a hiperinflação a curto prazo, sem que dispusesse do boom de preços de commodities que tanto beneficiou a Argentina pós-calote. Deixaria escombros terríveis para a UE, que teria de convencer o mundo de que não haveria efeito dominó.

Mas por que a UE não foi capaz de corrigir desequilíbrios localizados que, ao subsistirem, trazem perigo para todo o sistema? O problema é a rigidez provocada pela decisão política de criar uma moeda única no início dos anos 1990, forçando o caminho para a criação do que Churchill chamou de Estados Unidos da Europa. A nobre razão política chocou-se com a racionalidade econômica e a criação do euro resultou no maior erro de política econômica da segunda metade do século 20.

Moeda única exige uma economia nacional, com plena mobilidade de mão de obra e de capitais, o que não existe na Europa, onde tampouco há política comum de previdência e benefícios sociais. União monetária exige união fiscal, mas o orçamento da UE é de 1% do PIB, quando no Brasil ou nos EUA a União (governo federal) detém mais de 20% do PIB - instrumento poderoso de compensações econômicas e sociais.

É fácil também compreender que, não existindo um Tesouro Nacional Europeu, nem um BCE que seja emprestador de última instância, a elasticidade da insegurança de credores dos governos e do setor privado da UE seja altíssima diante de situações de maior incerteza.

A União Europeia, que engatinhou durante tanto tempo, de forma promissora, já está de bengala. O abandono do euro pioraria as condições econômicas de todos e representaria um retrocesso político de consequências incalculáveis, numa região que fez duas guerras mundiais no último século. Mas manter euro, e fazer a economia navegar de forma mais segura, exige saltos políticos bem maiores do que parecem exequíveis a curto e médio prazos. Eis um impasse que, à moda dos enigmas de Tebas, pode devorar a Europa.

José Serra, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Serial crise:: Dora Kramer

A quantidade recorde de seis ministros afastados em menos de dez meses de governo quer dizer o quê?

Depende. O governo certamente gostaria que a interpretação lhe fosse a mais favorável possível. Adoraria que as pessoas concluíssem que a presidente Dilma Rousseff não aceita "malfeitos".

A cena, porém, pode ser vista por outros ângulos. Um deles indica que a presidente não sabe escolher auxiliares.

Outro mostra que ela falha visivelmente no quesito imposição de critérios para nomeações, com a evidência de que o governo não faz nenhuma triagem nos nomes que lhe são submetidos como política e partidariamente mais convenientes.

Há ainda a infeliz coincidência de todos os demitidos até agora terem sido indicações sustentadas pelo ex-presidente Lula, o que não alivia a responsabilidade de quem deve, de fato e de direito, responder pelo bom andamento dos trabalhos governamentais.

A hipótese mais plausível, no entanto, é a mais simples: o governo nasceu velho, carcomido de vícios herdados e que foram aprofundados ao longo dos oito anos de gestão Lula e mantidos inalterados.

À força da inércia juntou-se a convicção de que a vitória eleitoral acrescida da aprovação popular ao desempenho dos governos Lula e Dilma indicavam que nada precisava ser mudado. Ou, por outra: era necessário que nada fosse mudado.

A realidade está mostrando o quanto de autoengano há nessa conclusão. Apoio popular expresso em pesquisas de opinião não quer dizer que tudo vá bem.

Significa que as pessoas se sentem satisfeitas quando olham a situação como um todo, mas não pode ser interpretado como um aval para que a administração seja tocada de qualquer maneira, sem a observância de parâmetros mínimos de legalidade.

Até porque o público não dispõe de todas as informações. Já o governo, melhor do que ninguém, sabe como as coisas funcionam (ou não funcionam).

Governos sabem que se rouba e quando não tomam providências para desmontar as "igrejinhas" cujos dízimos são as verbas públicas, francamente, não há outra conclusão possível: é porque deixam roubar.

Muito já se falou sobre isso, mas é bom repetir: demitir Orlando, João ou José não resolve o problema, que não está só nas pessoas físicas. O diabo mora mesmo é nas jurídicas que, pela lógica da troca de seis por meia dúzia, seguem sem ser importunadas.

Motivação. É possível que a presidente Dilma tenha saudade do tempo (não faz muito) em que demitia gente por crime de opinião.

Como ocorreu no início do governo com Pedro Abramovay, demitido da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas por defender penas alternativas para criminosos de pequeno porte.

Hoje, com tanta gente caindo por denúncias de corrupção, algo parecido soaria risível.

Documento. Tancredo, a Travessia - dirigido por Silvio Tendler e produzido por Roberto D’Ávila - remete a uma época em que política era coisa de profissional, no bom sentido.

Havia líderes, engajamento, articulação, propósitos, causas e, sobretudo, partidos interessados em algo além de dinheiro público: seja na forma de emendas ao Orçamento, de verbas para financiar fundos e programas de televisão ou na modalidade "heavy metal" da tomada de assalto a ministérios.

Não fosse por outros, o documentário, que entra no circuito amanhã, já teria o mérito de mostrar à juventude que outra forma de fazer política é possível.

Gato comeu. A nota Inglês ver saiu ontem sem a parte final. Desprovida, portanto, de conclusão e de sentido. Eis a íntegra: "Veja o leitor como o Congresso dança conforme a música que toca o Palácio do Planalto: há pouco mais de dois meses senadores lançaram a Frente Suprapartidária contra a Corrupção e a Impunidade, em apoio à dita "faxina" ética da presidente. O governo tomou outro rumo e a Frente emudeceu. É a desmoralização das boas intenções”.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quem será o próximo? :: Eliane Cantanhêde

Na manchete do UOL, Orlando Silva dizia que não ia pedir demissão coisa nenhuma. No Planalto, o ministro pau para toda obra Gilberto Carvalho anunciava simultaneamente que ele já era.

Foi assim, sob enorme constrangimento, que Orlando Silva finalmente caiu do Ministério do Esporte. Ele lutou o quanto pôde, expôs-se três vezes à humilhação no Congresso, julgou-se protegido por Dilma e respaldado pelo PC do B. Foi o último a jogar a toalha. Quando olhou em volta, estava sozinho.

Com a queda do sexto ministro no primeiro ano de governo, cinco deles herdados de Lula e cinco enrolados com denúncias de irregularidades, Dilma consegue, provavelmente, um recorde internacional. Fosse o regime parlamentarista, o gabinete inteiro já teria caído -talvez até ela própria, se primeira-ministra.

Vão-se os ministros, ficam os dedos dos partidos nos ministérios. Mas Dilma, é verdade, tenta acabar com os "feudos" e a tal "porteira fechada". Livrar-se dos "partidos aliados" ela não vai, menos ainda do PC do B, o verniz de esquerda que ainda resta. Mas deve -e pode- reduzir a margem de risco e de desvios.

É mais difícil haver desvios quando as indicações políticas são mescladas com as técnicas. E mais fácil se um partido toma conta da pasta inteira, fazendo caixa de campanha e se autoprotegendo.

A reforma ministerial vai se fazendo aos borbotões sem esperar janeiro de 2012, quando Dilma esperava, aí sim, fazer uma faxina na equipe herdada (ou imposta) por Lula e, enfim, montar o próprio governo. Até lá, porém, ainda há tempo suficiente para novos e suculentos escândalos, novas e constrangedoras quedas.

A pergunta que não quer calar em Brasília é: quem, e quando, será o próximo a entrar no foco e a cair sob denúncias? É sinal de que, no mínimo, Dilma errou a mão ao nomear boa parte da sua equipe (Ih! É melhor nem lembrar de Erenice Guerra...)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Mercado que investe nos bons meninos:: Cristian Klein

Enquanto os jornalistas vão ao mundo procurar o excepcional, o sonho de economistas e cientistas políticos é encontrar a regularidade, de preferência algo que se assemelhe a uma lei. É uma esperança de se aproximar das chamadas ciências duras, exatas - a química, a física - e de prever acontecimentos. O pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) Bruno Speck não é astrônomo, mas acredita ter descoberto um fenômeno natural no calendário da agenda pública brasileira, tal qual seria a passagem de um cometa. "É algo muito previsível. Você pode afirmar com toda a certeza que entre janeiro e julho, em anos ímpares, vai haver uma onda de discussão sobre reforma política", afirma Speck, defensor de mudanças no modelo de financiamento de campanha.

A lógica é simples. Depois de passar por uma das eleições mais competitivas do mundo, nas quais precisam arrecadar volumes cada vez maiores de dinheiro, os deputados eleitos voltam ao Congresso Nacional e iniciam um processo de catarse coletiva para expurgar os defeitos do sistema. "É uma grande macumba para desfazer os males do financiamento de campanha", diz o cientista político.

O debate, porém, vai desaparecendo do horizonte tão logo chegue o recesso parlamentar, em julho, e, principalmente, o prazo limite de um ano de antecedência para que qualquer alteração entre em vigor nas eleições seguintes. No ano par, eleitoral, voltados para a mobilização de suas bases, é que os deputados não conseguem mesmo se dedicar ao assunto. Até que, desgastados, os sobreviventes (apenas 50% em média se reelegem) retomam, mais uma vez, seu realejo de lamúrias.

Licitações não seriam mais o canal de suborno político

O modelo de votação é o pretexto para a angústia financeira maior. Como se vê na proposta que o PT há anos insiste em aprovar: a lista fechada, pela qual o eleitor passaria a votar apenas nas legendas. É a saída mais fácil para se justificar a criação do financiamento exclusivamente público de campanha. O dinheiro não iria para o benefício individual dos políticos, mas supostamente para o fortalecimento dos partidos e da democracia - justificativa que acabou sendo flexibilizada no malfadado projeto do deputado Henrique Fontana (PT-RS). A proposta fez uma salada mista ao reunir lista partidária fechada com uma corrida maluca individual do "quem chegar primeiro leva" (distritão) e previa cotas de recursos para os candidatos.

Não vingou, pela terceira vez. A "lei" de Speck, pelo menos até agora, se confirma. Depois das tentativas petistas de 2007 e 2009, o fenômeno se repete em 2011. "Com esse calendário há pouco tempo para a reforma", lamenta.

A constatação do pesquisador foi feita em um dos grupos de trabalho do 35º encontro anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que tradicionalmente é realizada em Caxambu (MG) e termina amanhã.

Da conversa, que tomou literalmente a forma de uma roda de especialistas, participava também o pesquisador Bruno Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), contrário a mudanças mais drásticas, como a proibição das doações de empresas. "Os candidatos a deputado e a vereador, pelas declarações deles, sofrem um ritual de humilhação diante do poder econômico. Eles têm de pedir e prometer ser bons meninos. Por outro lado, talvez os candidatos a presidente e a governador sejam capazes de extorquir os empresários", pondera Reis.

Os incentivos à doação podem ser de outra natureza. Emerson Cerri, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), relata a reclamação de um dos maiores empresários de seu Estado, Joel Malucelli, que teria dito publicamente achar um absurdo precisar doar, mas que não teria outra alternativa, pois um concorrente, em seu lugar, poderia contribuir e levar vantagem. Para todos os efeitos, Malucelli filiou-se neste mês ao PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Bruno Speck, no entanto, afirma que metade das mil maiores empresas brasileiras não costumam financiar campanhas políticas. E que há casos em que uma empresa do mesmo ramo, como o de bebida, doa, mas sua concorrente não.
Os mecanismos por trás do comportamento das empresas, seja voluntário ou fruto de coação, ainda são um mistério. Mas os dados até agora levantados levam o pesquisador Wagner Pralon, da Universidade de São Paulo (USP), a destacar o peso gigantesco das empresas no financiamento das campanhas brasileiras. Em seu trabalho, ele mostra que 75% do dinheiro vêm de pessoas jurídicas. Mais 15% são de empresários que doam como pessoa física e 10% correspondem a recursos próprios, o que inclui a figura do candidato-empresário.

Pralon e seus alunos de pós-graduação estão empenhados em mapear qual é o retorno obtido pelas empresas doadoras. "Certamente não é de graça", diz. Entre as suspeitas estão o recebimento de benefícios tributários. Um dos trabalhos tentou verificar se haveria critério político que ligasse a concessão de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as principais empresas que doam para o PT. A relação não foi encontrada.

Vitor Peixoto, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), lembra da dificuldade de se provar a intermediação de interesses quando o objetivo das empresas é deixar de perder. Nestes casos, as manobras se concentram, por exemplo, em abortar projetos de lei.

Bruno Speck concorda e menciona conversas informais com consultores legislativos que afirmam não ser mais o favorecimento em licitações o principal meio de pagamento dos políticos. "Licitação está muito visada. A troca se dá onde o Estado regula", diz o pesquisador.

No lado da demanda das doações, os partidos políticos, Mauro Macedo Campos (Uenf) analisou como eles captam e distribuem internamente os recursos. O PT é o que arrecada de forma mais homogênea e o PMDB, o que distribui de modo mais igualitário entre sua federação de caciques estaduais.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Orlando na Estação Finlândia :: Demétrio Magnoli

A Igreja da Libertação anunciou uma opção preferencial pelos pobres. O PCdoB definiu uma opção preferencial pelo Esporte. Brasil afora, nas esferas federal, estadual e municipal, o partido almeja o controle do ministério e das secretarias do Esporte. Não é o Homem Novo, mente sã em corpo são, que os comunistas fieis à herança stalino-maoísta pretendem fabricar. A preferência obsessiva obedece a uma estratégia centralizada de financiamento do aparato partidário com dinheiro público. O jogo funciona assim: os gestores públicos do partido repassam recursos a ONGs de fachada, administradas por militantes subordinados ao partido, que pagam pedágio ao partido. Orlando Silva não é uma ilha isolada, mas apenas o ponto focal de um arquipélago assentado sobre uma vasta plataforma submarina.

O Ministério do Esporte funciona como duto de desvios ilegais de dinheiro público para recipientes particulares. As eventuais responsabilidades criminais do ministro só podem ser estabelecidas no curso de um processo, mas suas responsabilidades políticas estão à vista de todos. Por menos, caíram os ministros Antonio Palocci (PT), Wagner Rossi (PMDB), Pedro Novais (PMDB) e Alfredo Nascimento (PR). Qual é o motivo da longa sobrevida de Orlando Silva?

O governo cedeu à máfia chamada Fifa no principal, que é a legislação de licitações, mas simula uma resistência em temas periféricos, como a meia-entrada e as proibições estaduais à venda de cerveja nos estádios. O PCdoB e a camarilha de porta-vozes informais financiados pelo lulismo na internet exibem Orlando Silva como um paladino da luta contra Joseph Blatter e seus asseclas nativos. A patética encenação só ilude os tolos: se Dilma Rousseff quisesse proteger a soberania nacional das forças de ocupação da Fifa bastaria declarar que as leis do país não estão em negociação.

Agnelo Queiroz comandou o Ministério do Esporte, tendo seu correligionário Orlando Silva como secretário-executivo, antes de trocar (ao menos formalmente) o PCdoB pelo PT e se eleger governador do Distrito Federal. Toda a meada do esquema de desvios de recursos, cujas raízes se encontram na gestão de Queiroz, poderia ser desenrolada a partir da demissão do atual ministro. Nos bastidores, circulam ameaças de exposição do governador na trama de seu antigo partido. A extensão das repercussões do escândalo é uma causa circunstancial, secundária, da resiliência de Orlando Silva.

O PT inscreveu-se na paisagem política brasileira como desaguadouro recente da tradição da esquerda. A marca de origem, sua fonte insubstituível de legitimidade, reflete-se na aliança histórica com o PCdoB, o único remanescente significativo da árvore do "socialismo real" no país. Hoje, o PT faz coligações com qualquer partido conservador disposto a intercambiar seu apoio ao projeto de poder petista por cargos no aparato estatal. Contudo, justamente por compartilhar os palácios com Sarney, Barbalho, Calheiros, Collor et caterva, o PT precisa conservar a narrativa mitológica que desempenha funções identitárias cruciais. Os congressos petistas devem mencionar o "socialismo" com ênfase tanto maior quanto mais próximo do grande empresariado estiver o governo. A aliança com o PCdoB deve ser preservada mesmo à custa da imagem de "faxineira da corrupção" construída pela presidente em desgastantes atritos com o PMDB e o PR. As motivações simbólicas são a liga do sólido alicerce que sustenta Orlando Silva.

Uma conferência estadual do PCdoB, no Rio de Janeiro, sexta passada, serviu como palco para a articulação partidária em torno da defesa do ministro. No evento, em meio a cartazes de protesto contra a "mídia golpista", o presidente do partido, Renato Rabelo, comunicou que recebera um telefonema no qual Lula transmitiu o grito de guerra: "Vocês têm que resistir, o ministro tem que resistir." O ex-presidente expressou solidariedade prévia a todos os ministros afastados do governo Dilma sob suspeitas de corrupção, mas em nenhum dos casos anteriores operou como agitador público. No affaire Orlando Silva, ele não age em proveito de uma personalidade ou um partido, mas no interesse de um princípio político.

A corrupção estatal tem a finalidade invariável de produzir fidelidades políticas, soldando um bloco de poder. No Brasil, a corrupção tradicional se realiza na moldura arcaica do patrimonialismo, transferindo dinheiro dos cidadãos para o patrimônio de particulares. O lulo-petismo aprendeu a conviver harmoniosamente com esse padrão de corrupção, mas tende a desprezá-lo. Poucas vozes se ergueram em defesa de Palocci, suspeito de traficar influência para multiplicar seus bens privados. Em compensação, o poder lulo-petista estimula uma nova modalidade de corrupção: a transferência de recursos públicos para partidos e entidades que prometem conduzir o povo ao porto do futuro. Segundo a tese implícita, a administração do Estado deve se subordinar ao primado da política, traduzida como um movimento rumo à realização de uma verdade histórica superior. Obviamente, as engrenagens da corrupção de novo tipo também enriquecem operadores tradicionais, mas tal fenômeno é interpretado como um dano colateral inevitável.

De volta do exílio, em abril de 1917, Lênin desembarcou do vagão de um trem na Estação Finlândia, em Petrogrado, para anunciar a chegada da revolução proletária. Há tempo, o PCdoB renunciou de fato ao socialismo. Entretanto, fatos não importam nos domínios da mitologia política. Numa mensagem à conferência do PCdoB, Orlando Silva mencionou a guerrilha do Araguaia e citou uma carta do poeta stalinista Pablo Neruda ao PC chileno: "Neste momento, me sinto indestrutível, porque contigo, meu partido, não termino em mim mesmo." O ministro faz parte dos homens da Estação Finlândia. Por isso, o lulo-petismo tentou declará-lo "indestrutível" e sua demissão decorreu da intervenção do STF.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP

FONTE: O GLOBO

Seis por meia dúzia? Ricardo Melo

A crise no Ministério do Esporte deve traçar os limites nos quais a presidente Dilma pretende se mover em seu governo. A vingar o nome de outro membro do PC do B para o cargo, teremos mais um exemplo da vigência do lema: mudar para deixar tudo como está.

Desde a gestão de Agnelo Queiroz, antes no PC do B e agora no PT, a pasta serviu de posto avançado para o aparelhamento de uma parte da Esplanada. É puro cinismo afirmar que tudo não passa de um raio em céu azul. As denúncias de instrumentalização de convênios são antigas e de conhecimento geral.

A liberdade administrativa conferida a esses supostos comunistas sempre foi a contrapartida ao apoio político-eleitoral assegurado pela legenda. Em público, chamam a isso de acordos de governabilidade, negociação política e coisas do gênero.

Na realpolitik, trata-se do bom, velho e tosco toma lá, dá cá, celebrizado pela saia justa entre a presidente e uma apresentadora de TV num programa dominical. Semelhante, de resto, ao que ocorre em todo governo assentado numa coalizão ampla e disforme, como a das sucessivas administrações do PT no plano federal.

Mas certas diferenças pesam na balança. Por circunstâncias próprias a uma organização como o PC do B, a identificação do ministério com a estrutura partidária chegou a um ponto de quase simbiose.

Há sempre o risco de queimar a língua, concordo. Dificilmente, porém, a roubalheira atual propiciará a descoberta de espertalhões que, individualmente, tenham enriquecido na mesma proporção e visibilidade verificadas em escândalos como o da privatização da telefonia ou do mensalão. No caso dos pretensos comunistas, cabe sobretudo ao aparelho a fatia mais gorda do butim.

Se quiser pôr ordem na casa, Dilma terá que abandonar o princípio de reserva de mercado e profissionalizar a gestão do Esporte. Certo, seria uma ruptura e tanto -por isso mesmo, com pouca chance de acontecer.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Lá vem o Patto!:: Urbano Patto

Mais um ministro, agora o dos Esportes, Orlando Silva, do PCdoB, está na rota da guilhotina da presidente Dilma e, mais uma vez, é um dos ministros que vieram da administração do presidente Lula. E, de novo, os “malfeitos” são originados no governo anterior, com outro ministro que agora está filiado ao PT e que na época era do mesmo partido do atual, o qual por sua vez era o Secretário Executivo do Ministério do Esporte, e que tudo isso, por determinação do presidente, era coordenado, supervisionado e fiscalizado pela Casa Civil da Presidência da República, cuja titular era -“surpresinha?” - a tão insensada “gerente do PAC e coordenadora geral do governo”, a atual presidente Dilma Roussef.

Outra coisa que se repete é o jeito “atento” de acompanhar e fiscalizar contratos e os convênios. Da mesma forma que no caso das obras do DNIT executadas por empresas de diretores do órgão - ou de seus parentes; da riqueza meteórica da empresa do Palocci; do lobista que tinha sala no Ministério da Agricultura - perto da sala do ministro; dos cursos para agentes de turismo patrocinados pelo Ministério do Turismo - em lugares onde não há turismo algum, só se descobre que há problemas depois do dinheiro pago, anos depois de começados e, cúmulo dos absurdos, depois de firmados novos convênios, contratos ou termos aditivos com as mesmas empresas e/ou ONGs. E, mais significativo ainda, depois de denunciados pela imprensa.

Não estamos falando de dinheiro miúdo, mas de milhões de reais. Será que alguém ou alguma empresa, em sã consciência ou de boa fé, pagaria e renovaria tais contratos?

Nesse caso específico do Ministério do Esporte somente pediram ressarcimento de aproximadamente R$ 3.000.000,00 ao final do convênio. Perguntas que não querem calar:

Não houve acompanhamento?

Não existiam etapas e fases para a liberação de recursos, como é a praxe?

Não se liberariam as verbas para as etapas seguintes após prestação de contas das etapas anteriores, como determinam a boa administração e as normas legais?

São situações, ao meu ver, mais sérias e mais delapidadoras dos recursos públicos, porque persistentes, permanentes e difusas que criam métodos e práticas criminosas gerais e institucionalizadas. Mais graves que a já gravíssima denúncia de que o ministro ou altos funcionários tiriam recebido caixa de palelão com pacotes dinheiro no estacionamento do Ministério.

Um ato desse tipo dá até cena de novela e de filme policial: na penumbra do estacionamento uma figura de terno bem cortado e alinhado recebe do cúmplice do policial corrupto a propina numa ensebada caixa de palelão. Os outros atos, no silêncio e na cegueira da burocracia, são invisíveis, não causam comoção e dificilmente aparecerão sob os holofotes de uma CPI ou serviriam de roteiro de uma peça de teatro mambembe.

Urbano Patto, Arquiteto Urbanista e Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista -PPS- do Estado de São Paulo. Comentários, sugestões e críticas para urbanopatto@hotmail.com.

Eleição diferente :: Alberto Almeida

O sucesso recente na política nacional premia os líderes que combinam ousadia pessoal, a defesa de alguma ideologia e o apoio de uma organização partidária densa. Lula começou a sua carreira sendo ousado e defendendo uma ideologia clara que até hoje serve de guia para o seu partido. Lula não tinha uma organização, ele a construiu, o PT. Não foi por acaso que Lula exerceu a presidência por oito anos e elegeu a sua sucessora. Aliás, seu último grande ato de ousadia no exercício do mandato foi escolher Dilma para sucedê-lo.

Collor foi ousado e defendeu uma ideologia clara, mas nunca teve consigo uma organização que lhe desse suporte político real, o PRN nunca foi um verdadeiro partido político. Fernando Henrique tinha uma ideologia clara e uma grande organização com ele, o PSDB, mas como todo tucano (com a exceção de Mário Covas) não foi ousado, não teve ousadia para fortalecer ainda mais o seu partido e conduzir a sua sucessão em 2002 de tal maneira a ter um candidato carismático, leve e agregador.

Garotinho sempre foi ousado e em momentos sucessivos de sua carreira política teve a organização do PDT e do PSB lhe apoiando. Porém, Garotinho nunca teve uma ideologia, um conjunto de ideias (mesmo que difusas) que servissem de orientação tanto para ele quanto para seus seguidores. Ciro Gomes foi usado, mas não teve uma ideologia clara nem um partido. O mesmo pode ser dito de Marina Silva, que ao deixar o PT e fazer uma campanha liberal ficou sem identidade, ficou sem o guia da ideologia.

Dilma tem ideologia, pertence ao PT e foi ousada o suficiente para disputar na sua primeira eleição a Presidência da República. Ela e Lula estarão juntos mais uma vez na eleição de 2014, no PT, defendendo políticas de redistribuição de renda que favoreçam os mais pobres. Seus adversários precisam levar em conta que ter ideologia e um partido político pujante não é suficiente para vencer nacionalmente, é preciso também ser ousado.

Aliás, levando-se em consideração estes três atributos e refletindo sobre a movimentação dos principais líderes do Rio de Janeiro visando a 2014 (eles só pensam naquilo) é possível antever uma disputa acirrada. Tanto Sérgio Cabral quanto Lindberg Farias são ousados, têm ideologia e contam com uma importante máquina partidária ao seu dispor.

Por enquanto, a principal dificuldade do governador é quem ele irá apoiar. Pezão não tem o carisma, o charme e a juventude de Lindberg e, além disso, ousadia não se transfere. Do lado de Lindberg a principal dificuldade é fazer com que o PT tenha candidato próprio à sucessão de Cabral. Lula colocou Lindberg no conselho do Instituto Lula com a clara finalidade de ter o enfant terrible ao seu lado para melhor controlá-lo. Lula já fracassou outras vezes neste intento, mas ainda assim a prioridade do ex-presidente é preservar a benéfica aliança com atual governador do Rio de Janeiro.

Lindberg já demonstrou em outras ocasiões que derrotá-lo não é tarefa fácil. Além disso, ele já foi votado em todo o estado e tem forte apoio na populosa Baixada Fluminense. A eleição está distante, mas a novidade do PT coloca na disputa um importante fator de imprevisibilidade que fará de 2014 uma eleição bem diferente das anteriores.

Alberto Almeida é sociólogo.

FONTE: O GLOBO

Lei da Informação é vitória do cidadão contra o Estado, avalia historiador

*Entrevista: Marco Antonio Villa, historiador

Daniel Bramatti

Para o historiador Marco Antonio Villa, a aprovação da Lei de Acesso às Informações Públicas é uma "vitória do cidadão contra o Estado".

Como o senhor avalia a nova legislação?

Temos uma tradição no Brasil de Estado forte e sociedade civil frágil. Houve uma inversão nessa aprovação. A lei dá ao cidadão um poder de fiscalização sobre o Estado que nós não tínhamos. Isso é muito importante e deve ser saudado. Foi uma vitória do cidadão contra o Estado.

Como historiador, sua expectativa é de que se abra logo o acesso a documentos antigos?

Uma questão chave é ver como será implementada a lei. Não pode ser uma lei só para inglês ver. O governo pode transformar tudo em ultrassecreto, e aí abrir só daqui a 50 anos. Isso seria um golpe. O acompanhamento da implementação da lei é tão importante quanto sua aprovação.

Houve reações ao projeto no Senado...

O ex-presidente Fernando Collor (de Mello) teme que se faça revelações ainda mais amplas sobre seu período na Presidência da República. O atual presidente do Senado, José Sarney, também colocou inúmeros obstáculos para a aprovação do projeto, porque quer evitar revelações sobre seu quinquênio no governo, que todos sabemos que foi desastroso. A lei é uma das mais avançadas que devem existir nas democracias ocidentais, mas o receio é a implementação. É preciso acompanhar de perto esse processo. Teremos de mudar hábitos péssimos da elite política brasileira, que não gosta de prestar contas aos cidadãos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Uruguai revê crimes da ditadura militar

Maioria governista deve tornar imprescritíveis delitos contra os direitos humanos

Tatiana Sabadini

O Uruguai estava ontem próximo de retomar o julgamento dos crimes de tortura e contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura militar de 1973-1985. Os delitos prescreveriam na semana que vem, mas uma lei em discussão na Câmara dos Deputados, depois de aprovada no Senado, deve tornar os delitos imprescritíveis.

Assim como chilenos e argentinos, que também passaram por regimes militares nos anos 1970 e 1980, os uruguaios devem reabrir arquivos secretos e retomar os processos contra militares envolvidos em sequestro, morte e desaparecimento de opositores — ao contrário do que ocorre no Brasil, onde não há sinais de que a anistia aos repressores seja revista.

A decisão dos deputados uruguaios pode abrir caminho para que os casos não sejam arquivados, 26 anos após a volta à democracia. O governo do presidente José Mujica, ex-guerrilheiro que foi preso político por 13 anos, pressionou o Congresso para que habilitasse a Justiça retomar os julgamentos. Uma dezena de militares são acusados de tortura. Os ex-ditadores Gregório Alvarez e o Juan María Bordaberry, que morreu em junho deste ano, chegaram a ser condenados por homicídio qualificado, porém restam processos em andamento e casos que nem chegaram à Justiça.

A Lei da Caducidade, que trata dos crimes da ditadura, anistiou os militares e policiais uruguaios que violaram direitos humanos durante a ditadura. Nos últimos 20 anos, governos controlados por partidos tradicionais não mudaram a legislação. Com a chegada da esquerda ao poder, em 2005, a Frente Ampla reabriu a discussão política. Em maio, Mujica fracassou ao tentar revogar a lei, mas agora deve ter maioria na Câmara. Uma comissão de militares reformados informou que deve entrar na Suprema Corte de Justiça contra a eventual reabertura dos processos, sob o argumento de que seria inconstitucional. Os crimes de tortura não devem prescrever, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que chegou a pressionar o Uruguai a investigar os delitos.

O Chile e a Argentina estão passando pelo mesmo processo, e muitos acusados estão sob julgamento. "A discussão que está ocorrendo no Uruguai tem amparo legal e, no caráter internacional, os crimes já são imprescritíveis. Todos os países democráticos deveriam seguir o mesmo curso.

Infelizmente, no Brasil não temos uma legitimidade nesse sentido: estamos fechados no obscurantismo da ditadura", afirma Mário Sérgio Soares, historiador e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância da Universidade de São Paulo (USP). Segundo o especialista, os governos latino-americanos precisam apostar na investigação e na abertura dos arquivos. "Os documentos, sendo públicos, levantam a memória do povo e referendam o sentido de justiça segundo o qual quem torturou precisa ser punido. No cenário internacional, é impossível pensar que esses crimes possam ficar impunes", completa Soares.

Adeus às armas

José Mujica já era um veterano no fim dos anos 1960, quando ingressou na luta armada com o Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros. Guerrilha emblemática nos anos de chumbo da América do Sul, pela composição intelectual e pelas ações ousadas, os "tupas" se rearticularam na prisão e reingressaram com sucesso na vida civil. Depois de se tornarem espinha dorsal da coligação Frente Ampla, elegeram o presidente em 2009.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE