sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

OPINIÃO DO DIA – Ricardo Noblat: A tigresa

Dilma peitou a recomendação da Comissão de Ética Pública. Depois de se reunir, esta manhã, com Lupi, anunciou que pedirá à Comissão a documentação em que ela se baseou para sugerir a saída do ministro. Está disposta a analisar a documentação antes de decidir a sorte de Lupi.

Como se fosse politicamente possível a Dilma ignorar a recomendação da Comissão e conservar Lupi ao seu lado! Se procedesse assim, na prática Dilma estaria dissolvendo a Comissão. Aos membros da Comissão não restaria outra alternativa senão a demissão.

Em menos de 10 meses de governo, Dilma demitiu ou aceitou o pedido de demissão de cinco ministros enrascados com denúncias de malfeitos. Foi apresentada ao país como "a faxineira ética". E sua popularidade cresceu, conforme atestaram pesquisas de opinião

Foi apenas um tremendo erro de cálculo o que levou Dilma a se enrolar com Lupi, a se enrolar mais, e a se enrolar completamente? Por que Lupi parece intimidar a presidente? O que foi feito da tigresa que no caso de Lupi só tem miado?

A "faxineira ética" jaz na lixeira. A tigresa ronda a lixeira.

Ricardo Noblat, jornalista. Dilma aposenta fantasias. O Globo, 2/12/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Dilma não demite Lupi e cobra explicação da Comissão de Ética
Menos impostos para mais consumo
Gás tóxico faz ANP fechar poço da Chevron
Expectativa de vida sobe no Brasil: 73,5 anos

FOLHA DE S. PAULO
Crise faz governo acelerar pacote para ativar economia
Dilma diz que Lupi só fica se explicar duplo cargo público
Expectativa de vida do brasileiro atinge quase 73 anos e meio
Em MG, deputados votam em sessão mesmo ausentes

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma desafia Comissão de Ética e Lupi é mantido
TCU: 24 obras da Copa sem licitação
Governo corta impostos para elevar consumo
Em busca de dinheiro, FMI ouve exigências
Chevron será multada por gás clandestino

VALOR ECONÔMICO
Governo lança pacote de estímulo de baixo impacto
Chefia da ANP abre disputa política
Aviso prévio pode custar R$ 3,7 bilhões
Petrobras faz licitação de R$ 2 bilhões
Água é problema na construção de parques eólicos no Nordeste

CORREIO BRAZILIENSE
Preços caem até 20% após pacote de Dilma
Reajuste para servidor abala a economia, avisa Mantega
Contra o caos aéreo, só papel
Lupi cada vez mais isolado no Planalto
Abono para o deputado viajar bem
Bola fora, Ronaldo
Desafio de um país maduro

ESTADO DE MINAS
Pacote pró-consumo já derruba preços
Dilma fica com Lupi. Por enquanto...

ZERO HORA (RS)
CEEE projeta verão com energia no limite
Pacote de Natal estimula consumo
Expectativa de vida cresce 11 anos em 30
Por que Dilma adia solução para Lupi

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O Natal dos preços baixos
Violência bate a meta do Pacto da Vida
Dilma mantém Lupi e causa insatisfação

Dilma não demite Lupi e cobra explicação da Comissão de Ética

Em vez de demitir Carlos Lupi do Ministério do Trabalho, como recomendou por unanimidade a Comissão de Ética Pública da Presidência da República, a presidente Dilma Rousseff preferiu ontem mantê-lo no cargo e pedir ao colegiado detalhes do julgamento da véspera. Até pedetistas apelaram abertamente pela saída de Lupi, mas Dilma viajou para a Venezuela deixando-o na pasta. Para a oposição, a presidente desmoralizou a Comissão de Ética, cuja função é zelar pela moralidade no governo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que Lupi cometeu crime e que a recomendação da Comissão e "extremamente relevante" do ponto de vista ético

Sobrou para a Comissão de Ética

Presidente mantém Lupi e pede explicações ao colegiado sobre recomendação de demissão

Luiza Damé, Gerson Camarotti

A presidente Dilma Rousseff conseguiu causar constrangimento no meio político ontem ao manter no cargo o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, mesmo após recomendação unânime da Comissão de Ética Pública para demiti-lo. Em vez de afastar Lupi, a presidente pediu detalhes da decisão da Comissão de Ética: quer conhecer o processo e os argumentos da relatora do caso, Marília Muricy. Nem mesmo pedetistas entenderam a decisão da presidente e pediram expressamente a saída de Lupi, para evitar ainda mais desgaste.

O ministro também recorreu da punição recomendada pela Comissão de Ética, mas a relatora do caso no colegiado afirmou que não mudará seu parecer. Interlocutores de Dilma afirmaram ao GLOBO que a presidente - que viajou ontem para a Venezuela - deve demitir Lupi na semana que vem.

A presidente decidiu pedir mais informações à Comissão ontem de manhã, depois de se reunir com os ministros Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Dilma também recebeu, em seu gabinete, o ministro do Trabalho. Lupi chegou ao Palácio do Planalto antes da presidente, pouco depois das 9h.

- (A presidente recebeu a decisão) Com naturalidade, mas vai pedir elementos. Ela recebeu apenas um ofício curto e quer saber quais são os elementos e subsídios que embasaram a decisão da Comissão de Ética - afirmou a ministra da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas.

Dilma teria temido perder poder

Mesmo com o desgaste político, Dilma adiou sua decisão para não ficar a reboque da Comissão de Ética, segundo explicação de auxiliares diretos da presidente. Por esse raciocínio, se tivesse demitido Lupi ontem, Dilma estaria abrindo um precedente que esvaziaria o seu poder presidencial. Mas a Comissão de Ética Pública é justamente um órgão de assessoramento da Presidência da República para zelar pela ética em todo o governo.

A melhor solução seria o próprio Lupi ter pedido demissão ontem mesmo, na avaliação de governistas. Como isso não aconteceu, Dilma optou pela decisão desgastante e constrangedora, mesmo pretendendo tirar o ministro semana que vem, após analisar todo o processo contra ele, como revelaram fontes do governo.

- A presidente Dilma é ciosa de seu poder e de suas responsabilidades. Não vai repassar suas atribuições para a Comissão de Ética - disse um dos interlocutores políticos da presidente. - Ela ficaria enfraquecida politicamente se tomasse a decisão a reboque da recomendação da Comissão de Ética. Isso seria muito ruim. Mas, a partir de agora, não. Ela terá tempo para analisar e tomar uma decisão que será dela.

Anteontem à noite, após o anúncio da recomendação da Comissão de Ética, além da expectativa de que o próprio Lupi se antecipasse e pedisse demissão antes que Dilma embarcasse para Caracas, esperava-se também que o PDT, partido de Lupi, tomasse essa decisão.

O problema é que o PDT é o próprio Lupi, que controla mais de 80% do partido, e o ministro resolveu enfrentar a Comissão de Ética, pedindo mais tempo a Dilma. Esse comportamento de Lupi surpreendeu não apenas os palacianos, mas até mesmo pedetistas.

Lupi resiste a deixar o cargo, e Dilma vem aceitando essa resistência, o que deixou de ser compreendido no meio político. Antes, a presidente alegava internamente que faria a mudança em janeiro. Mas, diante da recomendação da Comissão de Ética, sua negativa em aceitá-la de imediato não só surpreendeu como decepcionou setores aliados.

Segundo relatos, a conversa de Dilma com Lupi, ontem de manhã no Planalto, foi seca e protocolar, e durou cerca de 20 minutos. Os próprios auxiliares da presidente foram surpreendidos com a "ousadia" de Lupi de assegurar que daria as novas explicações solicitadas sobre mais uma denúncia envolvendo o ministro - a do duplo emprego público, na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal do Rio.

Ao ser informado do recurso, o presidente da Comissão de Ética, Sepúlveda Pertence, admitiu ontem que a decisão pode "em tese" ser revista. Adiantou, porém, que uma outra reunião do grupo, para nova decisão sobre o caso, só acontecerá no ano que vem. Já a relatora Marília foi taxativa quando informada de que o ministro vai recorrer:

- Não há nenhuma hipótese de mudança do relatório, e nem eu acredito que a presidente pretenda isso. Não está em cogitação. Se o ministro pede reconsideração, a Comissão pode fazer a reconsideração. Se a Comissão entender que a força dos meus argumentos já não é mais a mesma, e mudar de posição, será a Comissão. Do meu relatório, estou absolutamente convencida de que não há o que modificar - afirmou a conselheira.

A relatora disse não se sentir desconfortável com o questionamento da presidente, nem com o recurso de Lupi. Para ela, o recurso "faz parte do jogo institucional":

- Alguém que é atingido por aplicação de uma sanção se considera, digamos assim, carecedor de um outro tratamento e vai à luta. Faz parte do jogo democrático. Eu não me sinto absolutamente desconfortável. Sinto isso como parte do jogo e entendo que as razões que adotei em meu relatório são razões fortes, que convenceram a minha consciência e a consciência dos demais membros da Comissão - disse Marília.

Embora demonstrasse irritação, Sepúlveda evitou polemizar. Segundo ele, a presidente poderia simplesmente ter mandado arquivar a recomendação da Comissão de Ética, que não tem poder para demitir o ministro:

- É um fato novo e há de ser examinado com tranquilidade.

FONTE: O GLOBO

'É inequívoca a falta de zelo na conduta'

Relatora da Comissão de Ética afirma que Lupi ignorou acusações e fez declarações irresponsáveis

Luiza Damé, Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. No parecer em que pede a demissão do ministro Carlos Lupi, a Comissão de Ética da Presidência da República acusou o ministro de fazer vistas grossas diante da "enxurrada" de denúncias de fraudes de ONGs financiadas com recursos do Ministério do Trabalho. No relatório, escrito por Marília Muricy e aprovado pelos demais conselheiros, o colegiado sustenta que o ministro errou, ao ignorar as acusações e ao tentar se livrar de qualquer responsabilidade pelos supostos desvios. Para os conselheiros, a inexistência de indícios de suborno não exime o ministro das supostas irregularidades.

Para a relatora, é de "concluir-se que a conduta do senhor Carlos Lupi, seja por suas inquestionáveis e graves falhas como gestor, seja pela irresponsabilidade de seus pronunciamentos públicos, não se coaduna com os preceitos éticos estabelecidos para a alta administração federal" estabelecidos no Código de Conduta da Alta Adminstração Federal. Com base nesses argumentos, Marília recomendou a demissão do ministro. A comissão aprovou a sugestão.

"São muitas, segundo investigações da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União, bem como de auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União, as irregularidades ocorridas dentro da esfera de atuação do senhor Carlos Lupi, ministro do Trabalho, ainda que sua vinculação direta com o pagamento e recebimento de propinas não haja ficado evidenciada", disse Marília no relatório. Segundo ela, apesar da gravidade das acusações, repassadas ao ministério antes mesmo da divulgação de alguns casos pelos jornais, Lupi não tomou nenhuma providência para coibir os desmandos com dinheiro público.

"É inequívoca a falta de zelo na conduta do denunciado que, mesmo alertado pelos órgãos de controle, não tomou medidas para evitar as ocorrências, que hoje culminam com uma enxurrada de denúncias que abalam a administração pública federal como um todo", afirma a relatora. Para ela, a justificativa do ministro de que não assinou convênios marcados por irregularidades e de que confiava nos assessores não o livra de responsabilidade. "Estando à frente do ministério possuía não somente o poder necessário, como o dever de zelar pelo cumprimento dos preceitos éticos no âmbito da sua pasta", argumentou.

Para Marília, ao invés de tentar corrigir as falhas, Lupi tentou demonstrar valentia pessoal. O ministro disse que "duvidava" que seria demitido pela presidente Dilma Rousseff e que só deixaria o cargo "abatido à bala". Para a relatora, declarações dessa ordem não cabem no figurino de um ministro de Estado. "O mal, todavia, estava consumado, e, para nosso pesar, indelével. E não só pela gravidade das acusações, que não logrou, satisfatoriamente repelir, mas pela postura que adotou ao enfrentá-las, valendo-se publicamente de valentia pessoal, que é vedada às altas autoridades da República, pela natureza do cargo que ocupam".

A Comissão de Ética abriu processo com base em reportagens do GLOBO, da revista "Veja" e do jornal "O Estado de S.Paulo".

FONTE: O GLOBO

Função da Comissão da Presidência é zelar pela ética na gestão pública

Colegiado já havia punido Lupi, mas ele abriu mão da direção do PDT

Luiza Damé

BRASÍLIA. A Comissão de Ética Pública é um órgão colegiado, de assessoramento da Presidência da República, independente e que tem se manifestado sobre todos os casos que lhe foram levados. Nem sempre com a rapidez da decisão em relação ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, ou com a dureza da recomendação: a exoneração pura e simples. Os ex-ministros Antonio Palocci (Casa Civil), Wagner Rossi (Agricultura) e Orlando Silva (Esportes) foram demitidos antes de a comissão se pronunciar.

Criada em maio de 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, não tem poder de demitir, mas pode aplicar censura ética e advertência e recomendar a demissão. Uma das primeiras missões da Comissão foi elaborar o Código de Conduta da Alta Administração Federal.

Em 2007, quando recomendou, pela primeira vez, a demissão de Lupi, que se recusava a optar entre o cargo de ministro do Trabalho e a presidência do PDT, permitiu uma saída negociada. Lupi se licenciou do comando do PDT, embora, de fato, continue mandando na sigla.

O colegiado tem sete vagas; há uma aberta, com a saída do advogado Hermann Baeta, que cumpriu dois mandatos de três anos, tempo máximo para integrar a comissão. Os membros fazem trabalho voluntário: são ressarcidos só das despesas de locomoção, alimentação e hospedagem.

Este ano, o colegiado aplicou censura ética a Palocci, com base em denúncias de que o apartamento onde ele morava era alugado de uma empresa fantasma. Ainda está em análise o processo contra Orlando Silva, acusado de participar de esquema de desvio de dinheiro público por meio de ONGs. A denúncia contra Rossi foi arquivada.

A comissão já advertira o então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, por desvio ético. E, em 2007, puniu com censura o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, flagrado comemorando reportagem da TV Globo sobre falhas no avião da TAM no acidente que matou 187, em Congonhas.

FONTE: O GLOBO

Os integrantes do colegiado

JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE: Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), é o presidente da Comissão de Ética Pública desde o governo Lula. Sepúlveda foi indicado para comandar o grupo em dezembro de 2007 e imprimiu um ritual mais judicial às decisões do colegiado. Mineiro, tem formação de esquerda e foi cassado pelo AI-5, quando era membro do Ministério Público do Distrito Federal, para o qual foi aprovado por concurso, em primeiro lugar. Foi procurador-geral da República no governo Sarney. Chegou ao Supremo em 1989, nomeado pelo ex-presidente José Sarney, e se aposentou em 2007.

ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS: Advogado, está na Comissão de Ética desde junho de 2006. É ligado ao governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), e já teve seu nome cogitado para o Supremo Tribunal Federal (STF). Especialista em Direito do Trabalho, é consultor jurídico de entidades sindicais e associativas nacionais. Há mais de 20 anos atua como advogado em causas no STF e nos tribunais superiores. É especialista em ética. Formou-se em Direito na Universidade de Brasília (UnB), em 1984, e fez mestrado em Direito Público. Seu mandato na Comissão de Ética vai até junho de 2012.

PADRE JOSÉ ERNANNE PINHEIRO: Está na Comissão de Ética desde junho de 2006. Seu mandato acaba em junho de 2012. Assessor político da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Padre Ernanne é formado em Filosofia e Teologia. Na década de 60, fez estágio como operário numa metalúrgica, integrando a equipe de padres operários da Mission de France, na cidade de Chauny (França). Tem publicados livros sobre ética e dignidade na política.

HUMBERTO GOMES DE BARROS: Nomeado para a Comissão de Ética em julho de 2007, tem mandato até o próximo ano. Faz parte do grupo dos novos conselheiros que defende mais transparência, rapidez e rigor nas ações do colegiado. Foi presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Bastante doente, tem estado afastado das reuniões da comissão.

MARÍLIA MURICY MACHADO PINTO: Mestre em Ciências Humanas e doutora em Filosofia, é professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Tem mandato na Comissão de Ética até julho do próximo ano. É procuradora aposentada do Estado da Bahia, onde foi secretária de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Também faz parte do grupo dos novos conselheiros que defende mais transparência, rapidez e rigor nas ações do colegiado.

FABIO DE SOUSA COUTINHO: Foi relator do processo da ex-ministra-chefe da Casa Civil Erenice Guerra, que acabou punida com censura ética porque não entregou a declaração de confidencialidade (documento que as autoridades têm de entregar à Comissão de Ética com informações sobre patrimônio). Carioca, tem oito livros publicados. É advogado e foi subsecretário de Justiça e Interior do Estado do Rio de Janeiro.

A Comissão de Ética Pública tem sete vagas de conselheiros, mas uma delas não está preenchida.

FONTE: O GLOBO

Procurador: pedido é 'extremamente relevante'

"No plano ético, afirmou-se a inconveniência da permanência dele (Lupi)", diz Gurgel, destacando que decisão é de Dilma

Carolina Brígido

BRASÍLIA. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse ontem que a decisão da Comissão de Ética da Presidência, que recomendou a demissão do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, deixa claro que, do ponto de vista ético, ele não pode permanecer no cargo. Gurgel elogiou a atitude da Comissão. O colegiado considerou inconveniente e insatisfatória a explicação do ministro sobre as denúncias de irregularidades.

- Eu tomo na mais alta conta essa deliberação. Claro que é no plano ético. A comissão não avança sobre outros aspectos, mas, no plano ético, o que mais se afirmou é a inconveniência da permanência dele.

Gurgel ressaltou, no entanto, que a palavra final é da presidente Dilma Rousseff.

- A manifestação da Comissão de Ética é extremamente relevante, seja pela qualidade dos seus componentes, pela isenção e pela prudência com que ela sempre tem atuado. É uma decisão, sem dúvida alguma, de grande relevância. Caberá à presidente da República examinar - disse.

Lupi é acusado de ter usado um avião particular pago por um dirigente de ONG que mantém contrato com o ministério. Também há suspeita de existência de um esquema de arrecadação de propinas junto a ONGs que mantêm convênios com a pasta. O dinheiro obtido teria sido transferido para o PDT.

O procurador informou que vai encaminhar ao Ministério Público Federal no Distrito Federal as representações com pedidos de investigação contra Lupi. Será verificada a eventual presença de indícios de improbidade administrativa.

Sobre a notícia de que Lupi teria acumulado dois cargos de assessor parlamentar em órgãos públicos distintos, a Câmara dos Deputados e a Câmara Municipal do Rio, Gurgel afirmou que, em tese, a prática configura peculato.

- Em tese (para ser enquadrado no crime), bastaria o fato de perceber a remuneração do cargo sem prestar o serviço. Essa é uma das formas de peculato - disse Gurgel. - O que se tem que ver é se havia percepção de remuneração sem a prestação do serviço, que é mais relevante para a questão penal. Pode também haver alguma coisa na área de improbidade.

FONTE: O GLOBO

Para oposição, um ataque à ética

Já base defende Lupi e diz que demissão é decisão da presidente

BRASÍLIA. Para a oposição, a presidente Dilma Rousseff desautorizou recomendação unânime da Comissão de Ética Pública, prejudicou o trabalho dos conselheiros e atacou a ética. Em plenário, o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), cobrou de Dilma respeito à decisão:

- Estamos diante de uma situação que exige da Presidência uma decisão: ou aceita a recomendação da Comissão de Ética e demite o ministro ou desfaz essa comissão. Ela não terá mais sentido de existir se sua recomendação, diante de fatos grave, não for aceita.

Na Câmara, o líder tucano Duarte Nogueira (PSDB-SP) emendou:

- A situação ficou absolutamente insustentável. A presidente, pela primeira vez, tem a chance de demitir um ministro.

O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), disparou:

- Mantendo Lupi, a presidente ignora uma recomendação unânime de um órgão auxiliar da Presidência responsável por zelar pela imagem do governo. É uma postura antiética. Dilma está demitindo a Comissão Ética.

Ontem de manhã, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) - antes de assumir interinamente a Presidência da República - disse que solicitaria à Mesa Diretora da Casa a abertura de sindicância para verificar a denúncia de que Lupi, antes de assumir o ministério, teria acumulado cargos públicos e recebido dois salários: como funcionário da Câmara dos Deputados e da Câmara de Vereadores do Rio.

Reservadamente, o desconforto era claro entre parlamentares aliados do governo. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), manteve a defesa de Lupi e afirmou que cabe à presidente tomar a decisão de mantê-lo ou não no cargo.

Vaccarezza disse que queria ler o parecer da Comissão de Ética antes de dar opinião.

- Tenho Lupi na conta de um homem honesto. Se for comprovado algo diferente, mudo minha opinião.

FONTE: O GLOBO

'Só vejo uma opção para ela: demite ou demite'

Para especialistas em ética, presidente está numa situação constrangedora e não pode demorar para tomar atitude

Silvia Amorim

SÃO PAULO. Sob o risco de ter abalada a popularidade que conquistou no início de governo, a presidente Dilma Rousseff não tem outra alternativa a não ser seguir a recomendação da Comissão de Ética Pública da Presidência da República e demitir o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Essa é a opinião de estudiosos em ética pública ouvidos ontem pelo GLOBO. Eles avaliaram que a decisão da Comissão colocou Dilma numa situação constrangedora.

- A imagem que a Dilma tem na sociedade é de que é mais rigorosa do que foi o Lula. Mas, especificamente no caso do Lupi, ela está demorando para tomar atitude. A situação está se complicando, e eu só vejo uma opção para Dilma: demite ou demite - avaliou a professora de Administração da PUC-SP e autora do livro "Responsabilidade Social e Ética", Elisabete Adami Pereira dos Santos.

- Do ponto de vista da ética pública, a retidão tem que ser levada a sério. Mas esse caso, assim como muitos outros, serve para mostrar como a ética no Brasil é muito flexível. Depois da postura e das declarações dele (Lupi), totalmente inadequadas para um ocupante de cargo público, já nem era para estar no governo. Foram desculpas esfarrapadas e cínicas. Ele zombou do cidadão - disse a professora.

O professor de Ciência Política da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas (FGV) Claudio Couto diz que o pronunciamento da Comissão de Ética cria um constrangimento novo para Dilma:

- Manter alguém com restrições éticas é sempre muito custoso. A situação do Lupi foi ficando muito complicada, principalmente após as notícias de que acumulou cargos ilegalmente na Câmara dos Deputados e na Câmara de Vereadores no Rio. Acho que ela (Dilma) vai ter que rever a posição de só trocar o Lupi na reforma ministerial.

O jornal "Folha de S.Paulo" noticiou ontem que Lupi ocupou simultaneamente, entre 2000 e 2005, cargos de assessor na Câmara dos Deputados e na de Vereadores do Rio de Janeiro. Para a professora e pesquisadora do Grupo Ética e Filosofia Política da PUC-SP Salma Tannus Muchail, sustentar o ministro no cargo para não tornar as coisas mais difíceis na reforma ministerial é "falta de pudor":

- A presidente Dilma tem todo o aval da sociedade para tomar decisões como essa (proposta pela Comissão) agora. Seria falta de pudor adiar isso para 2012. Se errou, tem que sair.

Para especialista, Dilma já não tem escolha

Um dos motivos apontados para a demora de Dilma em tomar uma decisão no caso de Lupi é que a presidente gostaria de tirar o Ministério do Trabalho do comando do PDT, dando à sigla outro espaço no governo. E isso seria mais conveniente e fácil de ser feito no bojo da reforma ministerial.

Salma considera que Dilma não tem escolha, caso queira manter a imagem que conquistou, a de que é pouco tolerante com casos de corrupção no governo.

- Agora com a recomendação da Comissão de Ética, não me passa pela cabeça que ela não vai demiti-lo. Não tem como - avaliou Salma.

FONTE: O GLOBO

TCU: 24 obras da Copa sem licitação

A pouco mais de dois anos e meio da Copa, o Tribunal de Contas da União divulgou ontem um relatório apontando que apenas 8 dos 49 projetos de obras de transporte nas 12 cidades-sede tiveram contratos assinados e 24 nem lançaram licitação. A área de mobilidade urbana exigirá a maior fatia de investimentos da União e é a que mais preocupa. O documento cita entre as obras que não saíram do papel o VLT de Cuiabá

TCU diz que Copa pode legar herança indesejável

Segundo relatório do tribunal, das 49 obras de mobilidade urbana, apenas 8 tiveram contratos assinados e 24 sequer entraram na fase de licitação

Marta Salomon

BRASÍLIA - Relatório de avaliação das obras da Copa do Mundo de 2014 aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) alerta para o risco de as obras da Copa se transformarem em "herança" indesejável. A pouco mais de dois anos e meio do início do torneio, apenas 8 dos 49 projetos de obras para transportar torcedores e turistas nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo tiveram contratos assinados e 24 nem sequer lançaram licitação.

A área de mobilidade urbana é a que mais preocupa no cardápio de obras financiadas com dinheiro público. É também a que exigirá a maior fatia de investimentos da União: R$ 7,9 bilhões só em financiamentos da Caixa Econômica Federal (CEF), segundo a matriz de responsabilidade, que estabelece o custo das obras e quem faz o quê.

"Temo que essas intervenções de mobilidade, a serem inevitavelmente realizadas às pressas, baseiem-se em projetos sem o devido amadurecimento quanto ao seu detalhamento técnico; e mesmo quanto à sua viabilidade. Preocupa-me o risco de conceber uma herança que não corresponda às reais necessidades da população ao término dos jogos", diz o relator Valmir Campelo, responsável pelo acompanhamento das obras da Copa.

O relatório divulgado ontem menciona entre as obras que nem começaram a sair do papel o polêmico veículo leve sobre trilhos (VLT) de Cuiabá, orçado em R$ 1,2 bilhão.

O Estado revelou na semana passada que a obra foi aprovada pelo Ministério das Cidades mediante um documento fraudado. O projeto original era o BRT, uma linha rápida de ônibus, que custava R$ 489 milhões.

Um acordo político do governo federal com o estadual alterou o projeto. Só que uma análise técnica feita pela pasta vetava a mudança imediata. Com o aval do ministro Mário Negromonte, a diretora de Mobilidade Urbana, Luiza Vianna, adulterou o parecer original, deixando a conclusão a favor do VLT.

Como as demais obras de mobilidade urbana, o VLT deveria ter as obras concluídas até dezembro de 2013, mas não passou ainda por licitação, como outras 23 obras do setor de mobilidade. O TCU registra que o governo do Mato Grosso conseguiu substituir o projeto, daí o atraso nos contratos de financiamento.

Em junho, a presidente Dilma Rousseff havia estabelecido o mês de dezembro como data limite para o início das obras de construção dos corredores de BRT (do inglês Bus Rapid Transit), faixas preferenciais, e monotrilhos. As obras que não tivessem sido contratadas poderiam ser excluídas da matriz de responsabilidade da Copa.

O levantamento do TCU mostra que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já desembolsou R$ 273 milhões para a construção e reforma dos estádios nas cidades-sede da Copa. E alerta que as arenas de Porto Alegre e Curitiba, sob responsabilidade dos clubes de futebol, têm as obras "interrompidas ou não iniciadas".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Crise faz governo acelerar pacote para ativar economia

Com o agravamento da crise externa e temendo forte desaceleração em 2012, o governo Dilma anunciou ontem um pacote de redução de tributos. O objetivo foi se antecipar ao PIB ruim, que será divulgado na terça, e conter o clima de desânimo. Entre as medidas apresentadas estão a redução do IPI sobre eletrodomésticos da linha branca e do IOF em financiamentos à pessoa física.

Medo da crise faz governo apressar pacote de estímulo

Medidas tentam evitar que desânimo de empresários e consumidores esfrie demais a economia no próximo ano

Redução de impostos para eletrodomésticos e crédito ao consumidor pode reativar demanda durante alguns meses

Sheila D’Amorim, Lorenna Rodrigues, Priscilla Oliveira, Mariana Carneiro e Mariana Schreiber

BRASÍLIA - SÃO PAULO - O agravamento da crise externa fez o governo apressar um pacote de medidas de estímulo da economia para tentar reverter o clima de desânimo que começa a se alastrar entre empresários e consumidores.

O objetivo das medidas é reverter o desaquecimento sofrido pela economia brasileira no fim deste ano e criar condições para que o país volte a crescer num ritmo mais acelerado nos primeiros meses do próximo ano.

O governo reduziu impostos cobrados nos empréstimos a pessoas físicas, aplicações de investidores estrangeiros em ações e outros títulos, e vendas de fogões, geladeiras e lavadoras de roupas.

Ao apresentar as medidas ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que elas serão suficientes para garantir uma taxa de crescimento de 5% para a economia brasileira no ano que vem.

Mas os economistas não acreditam que isso seja possível, num ano em que a atividade econômica deve desacelerar no mundo inteiro e a Europa se prepara para enfrentar uma nova recessão.

"Não é aquele presentão gordo de Natal", comparou o economista Wemerson França, da consultoria LCA. "É uma ajuda, um ajuste fino para estimular a economia".

Analistas que tentaram calcular o impacto das medidas concluíram que elas garantem um refresco para o comércio e a indústria por alguns meses, mas não têm força para sustentar a atividade econômica por muito tempo.

"A recuperação da economia no ano que vem será gradual, levando em consideração o ritmo moderado da atividade econômica", disse o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros.

Projeções do governo e do mercado financeiro indicam que o país deve crescer algo ao redor de 3% neste e no próximo ano, uma freada brusca diante dos 7,5% de 2010.

Os economistas acreditam que a economia ficou estagnada ou pode até mesmo ter sofrido uma pequena contração no terceiro trimestre e o governo quer evitar que isso se repita nos últimos meses do ano.

Como os números do IBGE sobre o desempenho da economia no terceiro trimestre serão divulgados na semana que vem, o governo quis se antecipar com as medidas anunciadas ontem.

Mantega chamou empresários de vários setores a Brasília e fez um discurso recheado de frases de efeito, numa tentativa de encorajar investimentos e afastar o medo de que o Brasil seja contaminado pela crise mundial.

O custo do pacote foi estimado pelo governo em R$ 7,6 bilhões até o final do ano que vem, incluindo R$ 4,9 bilhões em impostos que poderão ser devolvidos num programa de estímulo às exportações de produtos industriais, anunciado em agosto e que só entrou em vigor ontem.
A redução do IPI dos eletrodomésticos da linha branca é válida até o fim de março. Uma medida que reduziu neste ano impostos para a farinha de trigo e o pãozinho foi prorrogada até o fim de 2012.

Redes de varejo e bancos aproveitaram para anunciar preços mais baratos e juros mais baixos. A Caixa Econômica Federal, controlada pelo governo, anunciou ter R$ 5 bilhões para novos empréstimos, reciclando um informe da semana passada em que oferecera R$ 10 bilhões.

"Mesmo que algumas medidas sejam temporárias, elas reativam a demanda num momento ruim, evitando demissões e gerando um ciclo virtuoso na economia", disse o economista Luis Otavio Leal, do Banco ABC Brasil.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Medida visa dólar para investimentos e mexe pouco em consumo::Vinicius Torres Freire

Pacote de estímulo ao consumo deve ter efeito apenas marginal; sucesso depende da crise lá fora

A crise será amainada com juro menor, se o governo não inflacionar a economia com medidas desesperadas

"Governo lança pacote contra a crise", ouvia-se ontem a respeito daquela meia dúzia de decisões díspares num conjunto improvisado.

Mal o "pacote" não vai fazer. Daí a dizer que o país vai crescer décimos a mais ou vai evitar "a crise" (qual delas?) cabem as probabilidades de se ganhar numa loteria.

De mais importante e novo, o governo abriu algumas porteiras fechadas ao capital externo. Eliminou o imposto (IOF) sobre compras estrangeiras de ações e sobre um tipo de empréstimo externo para empresas. O governo parece preocupado com o risco crescente de seca braba de dólares. Mas não apenas.

Apesar do tumulto econômico mundial, multinacionais têm gastado bilhões na compra de empresas brasileiras: há interesse no país.

Ao eliminar impostos sobre aquisições de ações (também para aumento de capital) e empréstimos de médio prazo, o governo está, pois, também eliminando uma restrição ao investimento. Investimento que porém pode não vir se a crise lá fora piorar.

Outra parte grande do "pacote" é medida "velha", regulamentada agora. O governo vai devolver logo parte dos impostos que exportadores pagam. Vai melhorar a rentabilidade dessas empresas, que apanharam muito com o real forte. Deve estimular alguma exportação. Pouca. Ainda menos se a economia mundial for para o vinagre.

Outras reduções de impostos barateiam pão e massas. Melhoram um pouco a vida dos mais pobres, mas são irrelevantes para "combater a crise" ou estimular o PIB.

A redução do imposto sobre "linha branca" é um presente para um setor industrial e injeção de ânimo no comércio. As vendas sobem um pouco; há o efeito psicológico. O efeito real é pequeno.

Note-se, claro, que a produção de linha branca quase não cresceu nos últimos 12 meses. Mas vários setores apanham e não receberam seu quinhão de estímulo.

O crescimento no Brasil caiu rápido porque:

1) O efeito da alta de juros e restrições outras ao crédito decididas no início do ano foi sentido mais agora;

2) O governo conteve gastos (até agora, neste ano, gastou 3% mais que em 2010, quando gastou 11% mais que em 2009). No caso do investimento federal, houve mesmo queda, de 9%;

3) A confiança do empresário tombou, dada a crise lá fora. Investe-se menos, contrata-se menos, demite-se.

A crise será amainada mesmo é com juro menor, o que será possível se o governo não inflacionar a economia com medidas desesperadas de estímulo ao crédito e de aumento de gasto.

Mas nem isso é certo. O grosso do problema de 2012 (que será de qualquer modo crítico) depende da solução para a crise de governos e bancos europeus, do câmbio ou da desaceleração chinesa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Mais um arremedo:: Míriam Leitão

O problema do conjunto de medidas de ontem do Ministério da Fazenda para estimular a economia é que ele é desconjuntado. Há algumas iniciativas inteligentes, há velharias, há revogações de decisões tomadas e a mesma tendência de atender aos lobbies. A pior de todas as medidas é o "Reintegra", que dará, segundo a Fazenda, R$4,5 bilhões por ano aos exportadores.

Esse benefício já havia sido anunciado antes: exportadores de manufaturados receberão 3% do valor das suas exportações. Segundo o secretário-executivo-adjunto do Ministério da Fazenda, Dyogo Oliveira, o programa Reintegra somará R$372 milhões em dezembro.

A medida é muito parecida, até no nome, com o "Reintegro", da Argentina; lembra também o crédito-prêmio de IPI com o qual o Brasil premiou exportadores nos anos 1970. O instrumento foi condenado pela OMC e suspenso. Alguns empresários acharam que tinham direito vitalício a ele e entraram no Supremo requerendo o pagamento de uma suposta dívida do Tesouro com eles. O Supremo derrubou o pedido dos exportadores.

É uma velharia sem tamanho. Os seus defensores dizem que é desoneração das exportações, mas se for isso tinha que ter sido feita de forma mais sofisticada: tirando-se mesmo os impostos ainda incidentes sobre as vendas ao exterior. Do jeito que foi desenhada pode enfrentar de novo problemas na OMC.

Política industrial eficiente é aquela que reduz o Custo Brasil e prepara o país para os desafios futuros. Esse monte de remendo é apenas o atendimento aos lobbies que batem sempre em Brasília. Alguns governos são mais vulneráveis a essas pressões; outros, mais insensíveis. O atual faz parte do primeiro grupo.

O Brasil precisa de reduções mais fortes da carga de impostos através de uma verdadeira reforma tributária - sempre adiada. Precisa cortar custos que incidem sobre a folha salarial. Precisa dos investimentos certos na infraestrutura que aumentem a eficiência logística do país. A lista é longa, é sempre a mesma. Está terminando o primeiro ano do governo Dilma e não há agenda de reformas no Congresso. O capital político do início do mandato foi queimado sem que se soubesse qual é o projeto do governo.

Algumas medidas fazem sentido, como as reduções ou eliminação do IOF sobre investimento estrangeiro, seja em ações seja em títulos públicos de longo prazo. Num período em que o mundo se aproxima do risco de um travamento global do crédito (Credit Crunch), nada melhor do que atraí-los para cá. Como as bolsas estão voláteis e com tendência negativa no mundo, não faz sentido taxar os investidores que escolham a Bovespa ou negócios com papéis de empresas brasileiras. É inteligente retirar o IOF de 6% sobre o capital estrangeiro que aceite comprar títulos públicos de quatro anos. Assim, o Brasil induz o alongamento da dívida e barra o capital que vem por pouco tempo apenas para fazer a arbitragem de juros.

A redução do IOF de 3% para 2,5% para as operações de crédito para pessoas físicas é boa mas moderada. Os juros já são altos demais no Brasil, os spreads bancários, abusivos, os impostos sobre intermediação financeira são excessivos. Tudo isso faz com que o Brasil tenha o dinheiro mais caro do mundo. Em algumas modalidades, como a do crédito rotativo do cartão de crédito, as taxas são bizarras e, além disso, perigosas. O Banco Central recuou recentemente de uma medida acertadíssima que era elevar o pagamento mínimo exigido para o cartão de crédito. O Ministério da Fazenda e o Banco Central deveriam estimular as modalidades mais baratas de crédito e, aos poucos, ir desestimulando o endividamento mais perigoso.

Afinal, como lembrou ontem a economista Monica de Bolle, em texto da Galanto Consultoria, foi o modelo de medidas de incentivo ao consumo e estímulo ao endividamento excessivo que levou os EUA à bancarrota.

O pacote não é pacote, disse o ministro da Fazenda. É um conjunto de medidas e outras poderão ser tomadas - "agora que a inflação está controlada" - para se atingir o objetivo de crescer entre 4,5% e 5%.

O ano que vem deve ser o inverso de 2011, em que a economia entrou acelerada e foi perdendo fôlego. O país iria crescer 5% em 2011, na previsão feita por Mantega no começo do ano. O melhor cenário agora é de que termina em 3%. No ano que vem o país entrará com a economia mais fria e pode aumentar o ritmo ao longo do ano se a situação externa não se deteriorar ainda mais. A inflação ainda está acima do teto da meta, deve cair nos próximos meses e as previsões para 2012 estão sendo reduzidas porque foi mudado o sistema de pesos do IPCA.

A propósito, alguns dos itens beneficiados ontem, como bens de consumo duráveis e os que já haviam sido beneficiados em outro momento, como automóveis, passarão a ter maior peso no IPCA. Se a queda do imposto permitir o reajuste menor de preço isso ajudará no cálculo da inflação.

A queda das taxas de juros pelo Banco Central e algumas das novas medidas ajudam a manter o crescimento num momento de crise externa profunda. Mas a solução não é uma nova gambiarra, nem uma velha benesse. O país precisa de reformas com efeito permanente.

FONTE: O GLOBO

A bolinha que valeu 1 banco :: Roberto Freire

A descoberta de uma bilionária fraude contábil levou o grupo Silvio Santos a fazer um aporte de R$ 2,5 bilhões no Banco Pan-Americano, que tem como sócia minoritária a Caixa Econômica Federal.

O dinheiro que propiciou a cobertura do rombo foi obtido por meio de um empréstimo ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC), criado em 1995 com objetivo de proteger os depósitos dos clientes do sistema financeiro no país.

Hoje se sabe que esse rombo é resultado de ativos e créditos fictícios registrados por diretores do Pan-Americano visando inflar os resultados e, suspeita-se, melhorar os bônus dos executivos.

O que não se sabia é o que levou o governo federal a entrar nessa história, por meio da Caixa Econômica Federal, que pouco antes de se constatar um rombo bilionário, pagou mais de R$ 500 milhões por uma parte do Pan-Americano de um banco podre. Mas, recentemente, como em um romance policial de péssima categoria, raios de luz começam a iluminar a trama. Uma doação de R$ 500 mil do Banco Pan-Americano para Lula em 2006 foi descoberta por acaso e vem a público cinco anos depois. O repasse foi mantido em sigilo por todo este tempo porque o banco usou empresas de seus dirigentes para disfarçar a origem das contribuições.

Segundo um relatório feito por auditores que examinaram os livros do banco no início deste ano, sete empresas foram usadas para repassar recursos da administradora de cartões de crédito do Pan-Americano para o PT. A operação só foi descoberta agora em março, depois que o banco BTG Pactual assumiu o controle do Pan-Americano e seus auditores começaram a analisar o que os antigos proprietários tinham feito na instituição.

Como é seu dever, a PF abriu inquérito para investigar suspeitas de ocorrência de crimes eleitorais.

Coincidências à parte, o fato é que durante a campanha de 2010, enquanto fazia uma passeata na Zona Oeste do Rio de Janeiro, há menos de uma semana para o fim da campanha, José Serra foi intimidado por um grupo de militantes do PT que lhe encurralou e lhe jogou objetos, um deles acertou a cabeça do candidato.

Tal incidente ganhou uma versão estapafúrdia na rede de televisão de Silvio Santos, o SBT, que dedicou horas de seu noticiário para tentar minimizar o fato e desmoralizar o candidato, que, na época, concorria com a presidente Dilma, afilhada política de Lula. A versão apresentada pelos jornais do SBT visava mostrar que Serra não havia sido atingido por objeto capaz de causar qualquer dano e sim por uma bolinha de papel.

O que não se sabia, à época, era a estreita ligação entre o governo do PT e o SBT e que a versão da bolinha de papel guardava uma concordância profunda e silenciosa entre a empresa de comunicação e o governo do PT na busca de ridicularizar e denegrir a imagem de seus opositores.

Passadas as eleições, podemos melhor aquilatar o custo para a sociedade brasileira daquela famosa bolinha de papel, e quanto foi lucrativo para os diretores do Pan-Americano ajudar Lula seu partido. Mesmo com pontos obscuros, ainda sobre o manto negro dos negócios escusos, mais uma vez o nome e a impávida figura do ex-presidente Lula aparece em um negócio mal-explicado, cheio de reentrâncias, voltas e labirintos, típico da forma petista de governar.

Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

A mansidão da leoa:: Dora Kramer

"Senta que o leão é manso", pede o dono do circo à plateia, numa recomendação que, mal comparando, serviria também ao público que assiste ao espetáculo em cartaz na Esplanada dos Ministérios, Praça dos Três Poderes e adjacências.

No caso, a mansidão é da presidente da República que pede muita calma nessa hora em que a Comissão de Ética Pública aconselha a demissão do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, cujo currículo revelado em capítulos conta a história de uma vida dedicada à transgressão.

Da mentira à improbidade, há de tudo um pouco.

Nessa altura o ministro pode até ser ex-ministro. Pode vir a deixar de sê-lo amanhã, depois, na semana que vem, em janeiro, quando o carnaval chegar ou no dia de são nunca.

Não importa. A presidente Dilma Rousseff, de qualquer modo, outra vez perdeu o timing da demissão, deixando a coisa chegar ao patamar da impossibilidade completa de Lupi dirigir um carrinho de mão que seja na administração pública. O que dirá ministério.

Se de pretexto a Presidência ainda precisasse, a Comissão de Ética deu o melhor deles. Tão bom que por um momento o movimento até pareceu coordenado.

A decisão dos conselheiros saiu na véspera da divulgação de mais uma transgressão: a Folha de S. Paulo de ontem contou que Lupi ocupou simultaneamente os cargos de assessor na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, entre os anos de 2000 e 2005.

A primeira reação da presidente foi convocar uma reunião para discutir os efeitos políticos da decisão da comissão e depois cobrar dos conselheiros encarregados de zelar pela observância da ética no primeiro escalão da administração federal uma explicação pormenorizada sobre o motivo pelo qual sugeriram a demissão do ministro do Trabalho.

Dilma não faz jus à fama. Ou talvez seja só boato essa história de que com a presidente não tem conversa mole: escreveu não leu, é bronca, é insulto, é tapa da mesa, é irritação, é cobrança de correção.

Ou, quem sabe, a presidente só compre brigas "para baixo" e na hora de enfrentar as feras da base prefira ouvir os conselhos de seu mentor, vestir uma casca grossa e fazer de conta que não é com ela.

Não é bem a Comissão de Ética quem deve explicações. Nessa altura, nem mais o ministro Lupi as deve. Deu todas as que podia dar e não convenceu.

Os motivos da sugestão de demissão são claros: ocorrências de extorsão, cobrança de propina e aparelhamento no ministério do Trabalho, mentiras, declarações de baixíssima categoria.

Como a coroar o cenário torpezas, temos - com perdão da má palavra - a cafajestada do notório deputado pedetista Paulo Pereira da Silva chamando de "gagás" os integrantes da comissão.

Quis dizer que são velhos caducos? Ora por quem sois, pois quem o diz carrega a decrepitude na alma.

Em suma, nada explica a insistência de Dilma em bancar a permanência Lupi. Nem a hipótese de que esteja fazendo um cabo de guerra com a imprensa. Jornais e jornalistas não ganham ou perdem coisa alguma o ministro ficando ou saindo, inclusive porque não há objeto em disputa.

Já a presidente perde credibilidade que, ao contrário de popularidade, é difícil conquistar e dificílimo recuperar.

Vida real. As posses de parlamentares que num primeiro momento não passaram pelo crivo da Lei da Ficha Limpa podem parecer desapreço à legislação, embora signifiquem apenas o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal de não reconhecer a validade da lei para a eleição de 2010.

O problema residiu no retardo. Tanto do Congresso, em só aprovar em maio de 2010 uma emenda que já tramitava desde o ano anterior, quanto do Judiciário, ao julgar a questão só após as eleições.

Mal passada. Quem usa o termo nem se dá conta, mas falar em "rodízio" para qualificar o conceito da reforma ministerial em vista remete ao sistema de churrascaria.

A depender do critério que venha a ser usado, porém, pode acabar sendo o termo mais adequado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Funeral da Ética :: Eliane Cantanhêde

O embaixador Marcílio Marques Moreira deu adeus à presidência da Comissão de Ética Pública depois que Lula e Carlos Lupi não deram a menor bola para o parecer do órgão contra o acúmulo de funções - Lupi era, simultaneamente, ministro e presidente do PDT. É proibido, mas só depois de meses ele se licenciou do partido.

Perguntei na quarta-feira ao atual presidente da comissão, Sepúlveda Pertence, que já presidiu o Supremo:

"E se Dilma fizer como Lula e não acatar a recomendação da comissão para exonerar Lupi?"

"Eu não sei, mas estou preparado para enfrentar o que der e vier. A recomendação é o máximo que podemos fazer. O poder é da presidente, não da comissão. Ela é que vai sopesar a conveniência ética e política de manter o ministro."

Pois é. Dilma "sopesou" e decidiu manter Lupi mais um pouco, sabe-se lá até quando, apesar...

...do parecer da comissão;

...das acusações de que o Ministério do Trabalho cobra propinas, repassa recursos para ONGs desaconselhadas por órgãos do próprio governo e desvia verbas para o partido e para partidários;

...de o próprio Lupi ter mentido sobre o jatinho e as relações com um empresário esquisitão;

...de ter sido duplo funcionário-fantasma, na Câmara, em Brasília, e na Câmara Municipal do Rio;

...da falta de compostura: "Só saio abatido a bala", "Te amo, Dilma!". (Isso pesou particularmente na recomendação da comissão.)

A decisão da presidente da República mata a Comissão de Ética, enterra a autoridade dos seus integrantes e realça o quanto os órgãos de controle (e a própria CGU) são tratados como balangandãs.

A opinião pública sabe perfeitamente por que a comissão pediu a demissão, mas não por que a presidente insiste (ou insistia até ontem, pelo menos) em manter o ministro. A faxina acabou, mas o lixo continua.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dilma aposenta fantasias:: Ricardo Noblat

A essa altura, pouco importa que na próxima semana, de volta da Venezuela, a presidente Dilma Rousseff demita Carlos Lupi do Ministério do Trabalho, como recomendou anteontem a Comissão de Ética da Presidência da República. O estrago na imagem dela já está feito.

O estrago na imagem de Lupi foi feito há mais tempo. Ele é um ministro que agoniza sob o sol há mais de um mês. Descobriu-se que alguns dos seus auxiliares cobravam comissões de ONGs a serviço do Ministério do Trabalho. Que ele, Lupi, mentiu ao Congresso ao negar que tivesse viajado em jatinho de empresário.

Ficou-se sabendo que Lupi foi funcionário-fantasma do PDT na Câmara dos Deputados por mais de cinco anos. E que nesse mesmo período foi funcionário da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. A Constituição proíbe a acumulação remunerada de cargos públicos.

Lupi cheira mal.

Dilma peitou a recomendação da Comissão de Ética Pública. Depois de se reunir, ontem de manhã, com Lupi, anunciou que pedirá à Comissão a documentação em que ela se baseou para sugerir a saída do ministro. Está disposta a analisar a documentação antes de decidir a sorte de Lupi.

Como se fosse politicamente possível a Dilma ignorar a recomendação da Comissão e conservar Lupi ao seu lado! Se procedesse assim, na prática Dilma estaria dissolvendo a Comissão. Aos membros da Comissão, não restaria outra alternativa senão a demissão.

Em menos de dez meses de governo, Dilma demitiu ou aceitou o pedido de demissão de cinco ministros enrascados com denúncias de malfeitos. Foi apresentada ao país como "a faxineira ética". E sua popularidade cresceu, conforme atestaram pesquisas de opinião.

Os malfeitos de Lupi, a ele e ao seu partido pertencem - mas quem se enrascou foi Dilma. Jogou fora a fantasia de "faxineira ética". Confiou que a fantasia já lhe dera o que podia. E - sabe-se bem lá por quê - decidiu afrontar o bom senso acreditando ou fingindo acreditar nas mentiras de Lupi.

Lupi jura ser inocente. Lupi disse a Dilma que pedirá a gravação da reunião da Comissão que o condenou. E que em seguida tentará convencer a Comissão a dar o dito pelo não dito. Algo do tipo: "Pensando melhor, o ministro não feriu a ética. Deve ser mantido no governo".

Assessores da presidente confidenciam que ela pretendia demitir Lupi por ocasião da reforma ministerial prevista para janeiro. E que não queria dar à imprensa o gosto de ter derrubado mais um ministro com as suas denúncias. Sim, porque não foi o governo que se deu conta das maracutaias promovidas pelos caídos. Foi a imprensa.

Agora, assessores de Dilma garantem que ela demitirá Lupi até o meio da próxima semana. Não o fez ontem "para ganhar tempo". Não esclarecem por que ela precisa ganhar tempo. Lupi deveria ter sido demitido ontem, tão logo Dilma recebeu a recomendação da Comissão. Que ela nomeasse um ministro interino. E voasse a Caracas.

Foi apenas um tremendo erro de cálculo o que levou Dilma a se enrolar com Lupi, a se enrolar mais, e a se enrolar completamente? Por que Lupi parece intimidar a presidente? O que foi feito da tigresa que, no caso de Lupi, só tem miado?

A "faxineira ética" jaz na lixeira. A tigresa ronda a lixeira.

FONTE: O GLOBO

Pairar acima dos partidos e por eles ser derrotado:: Maria Cristina Fernandes

Inspirado por Marina Silva, já começa a circular nas redes sociais movimento pelo veto da presidente Dilma Rousseff ao Código Florestal que ainda está por ser votado.

Dada a concordância governista com a maior parte do relatório do senador Jorge Viana (PT-AC), é pouco provável que o movimento seja bem sucedido.

A iminente derrota ambientalista na próxima semana não pode ser dissociada da neutralidade de Marina Silva no segundo turno da eleição presidencial do ano passado.

Não que o apoio de Marina a Dilma ou a José Serra fosse capaz de evitar o que já parece uma derrota certa do ambientalismo no Congresso.

O placar da Câmara (410 votos) que referendou o relatório do agora ministro Aldo Rebelo (PCdoB) já havia deixado claro que é a disposição em retirar amarras à produção agropecuária que domina os ânimos parlamentares.

Está claro que não foram 20 milhões de votos pintados de verde que Marina obteve, mas este patrimônio eleitoral a autorizava a negociar os pontos mais caros ao ambientalismo com maior grau de compromisso dos candidatos em disputa.
Tivesse anunciado apoio a José Serra, Marina Silva disporia de laços com a oposição com os quais poderia costurar um discurso alternativo ao bloco ruralista. Ainda que minoritário no plenário, esse bloco, mesmo derrotado, não amargaria o isolamento a que a votação do Código está para submeter os ambientalistas no Congresso.

O apoio de Marina a Dilma Rousseff tampouco asseguraria vitória aos verdes, mas além de lhes dar melhores condições de negociar a tramitação do projeto, também faria com que a cobrança que hoje se faz à Dilma por um veto extrapolasse as redes sociais e envolvesse um maior compromisso partidário.

Poderia ter evitado, por exemplo, que a primeira relatoria do projeto caísse nas mãos de um senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) que governou por oito anos o Estado cujo padrão de ocupação leva a desastres anuais de grandes proporções no período de chuvas.

A neutralidade do segundo turno ajudou a revestir a imagem de Marina da aura de quem paira acima dos partidos e daquela raivosa disputa do segundo turno. Se a decisão beneficiou a imagem da ex-candidata, talvez não se possa afirmar o mesmo da causa ambiental.

Quanto mais se aprofunda a crise mundial mais cresce o apelo para que o Brasil mantenha sua economia a salvo da turbulência com atração de investimentos, fomento à produção e ao consumo.

É, portanto, uma conjuntura desfavorável a que se discuta se a margem dos rios a ser preservada deve ser de 10, 20 ou 30 metros.
É essa rajada contrária aos ambientalistas que os obriga a ampliar seu espectro político de atuação, mas o movimento parece dominado pela ideia de que o Brasil entrou na cadeia de mobilização popular pelas causas justas que ocupa as praças, de Zucotti a Tahir.

Um desses manifestantes globais estendeu uma faixa no Congresso na semana passada com o slogan "Jorge Viana trocou Chico Mendes por Kátia Abreu".

Dercy Teles de Carvalho Cunha é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, fundado por Chico Mendes. Elegeu-se em 2009 quando a vasilha de 18 litros de castanha chegou a ser vendida a R$ 13 reais e o quilo de látex não conseguia mercado a preço nenhum.

Os filiados do sindicato trocaram o extrativismo pela pecuária. Hoje a reserva Chico Mendes, criada para preservar o modo de produção de seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco, populações ribeirinhas e todos os povos da floresta defendidos pelo líder morto em 1988, tem 10 mil cabeças de gado.

Se os manifestantes de Xapuri fossem hoje reunidos numa praça o recado que se ouviria talvez fosse bem diferente daquele que Marina gostaria de ouvir. E é possível que também fosse diferente daquele que Chico Mendes um dia verbalizou. Uma parte deles se manifestou no ano passado quando o Acre natal da candidata do PV a derrotou.

Dercy somou as multas que o Ibama aplicou a 16 dos seus produtores e chegou à conta de R$ 1, 4 milhão. Ela diz que o texto beneficia os grandes produtores e exige demais da agricultura familiar.

Até Kátia Abreu faria mais rodeios para dizer aquilo que Dercy abre de bate pronto numa conversa por telefone. Reclama que seus filiados (4 mil e poucos na última conta) não podem mais queimar a roça, a exemplo do que faziam os primeiros habitantes do país cinco séculos atrás.

Enquanto Marina acha que fizeram-se concessões demais na anistia aos desmatadores, Dercy reclama que os produtores tenham sido obrigados a recompor áreas de floresta para ficarem quites com o Ibama. E diz que ninguém cumpre a determinação de desmatar apenas 20% das propriedades rurais, tal como é exigido no texto para a região amazônica.

O sindicato de Dercy é um dos 30 signatários da Carta do Acre, que critica a coalizão política que, liderada pelo PT, governa o Acre há 13 anos. O documento a acusa de ter promovido, em nome de Chico Mendes, um capitalismo verde que só beneficia madeireiros.

Até os ambientalistas concordam que o texto que vai à voto na próxima semana no plenário do Senado é melhor para seus interesses do que aquele que saiu da Câmara. Criou, por exemplo, a obrigatoriedade de um cadastro para acompanhar se as propriedades cumprem ou não as exigências do código e restringir o acesso ao crédito daquelas que o infringirem.

Mas o código não é fruto do consenso entre ruralistas e ambientalistas, como pretende Viana. Em relação à legislação atual, quem ganha são os ruralistas.

É bem verdade que a lei hoje em vigor não é cumprida e decretos com anistias vêm sendo renovados por sucessivos governos. Mas sem rechaçar a tese do falso consenso, que sempre colocou as mudanças do país em marcha lenta, não há mobilização na política.

Os ambientalistas devem perder porque não foram souberam mobilizar uma coalizão capaz de reunir num mesmo discurso os barulhentos estudantes das galerias e os muitos brasis de Xapuri. E tão equivocado quanto apostar no código como filho do consenso é acreditar que o veto virá pelo twitter.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Sinais de alerta:: Merval Pereira

No momento em que universidades tunisianas entraram em greve contra a influência islâmica, após religiosos radicais terem ocupado um campus para pedir a separação entre estudantes homens e mulheres, anuncia-se o adiamento da apuração da eleição no Egito, com informações oficiosas de que a Irmandade Muçulmana teria obtido nas urnas cerca de 45% dos votos, resultado acima do que seus próprios dirigentes previam.

Aqui em Hammamet, cidade a cerca de 40 minutos de Túnis onde se realiza a conferência da Academia da Latinidade sobre "os novos imaginários democráticos" provocados pela Primavera Árabe, dois palestrantes foram além da euforia natural com a abertura democrática na região para fazer advertências importantes.

O ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González destacou que é preciso criar condições para que o país receba investimentos que possibilitem seu desenvolvimento.

Ele se referia especialmente à Constituinte que foi eleita em outubro e tem um ano para aprovar as novas leis do país e convocar eleições presidenciais.

González ressaltou que justamente as razões que desencadearam os protestos iniciados na Tunísia devem ser objeto de cuidado dos constituintes, como criação de empregos para a juventude, melhores condições para as mulheres.

A proteção aos direitos dos cidadãos é questão ainda muito sensível, depois de anos de governo ditatorial que expôs a população ao arbítrio de qualquer autoridade, até mesmo o fiscal da esquina, cujos achaques levaram o jovem verdureiro a tocar fogo às roupas, imolação pública que foi o gatilho para a mobilização da maioria silenciosa oprimida.

Ele chamou a atenção para o perigo de frustrar os cidadãos que se mobilizaram para a "Revolução de Jasmim" e hoje jogam na futura Constituição suas esperanças de um país melhor.

Felipe González lembrou que quando assumiu a Presidência do governo espanhol, em 1982, na redemocratização, levou exatos 10 anos com investimentos negativos, até que conseguisse convencer os investidores de que o projeto espanhol era estável e tinha futuro.

O ex-primeiro-ministro espanhol chamou a atenção para o fato de que a falta de liderança política é a causa da crise da democracia representativa no mundo atual, pois os governos, em que pese continuam tendo a capacidade administrativa de atuar, não têm capacidade política para implementar seus projetos.

Ele se referiu especificamente à incapacidade do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de superar o impasse político que divide republicanos e democratas, paralisando o governo norte-americano.

Já o professor de Ciências Políticas Samir Nair, argelino que exerce funções de conselheiro do governo francês, destacou o perigo de as revoltas nos países árabes se transformarem em movimentos religiosos comandados por partidos islâmicos.

Na Tunísia, assim como no Marrocos e tudo indica no Egito, os partidos islâmicos tiveram a maioria dos votos, mas até o momento o discurso oficial de todos eles é que o governo será laico.

O partido islâmico Ennahda, que lidera a coalizão vencedora das eleições na Tunísia, se espelha, pelo menos nas declarações oficiais, no partido turco do primeiro-ministro Recep Erdogan, que, embora islâmico, lidera um governo laico como condição primordial para a manutenção da democracia.

Samir Nair considera que a "Revolução de Jasmim", que deu início à Primavera Árabe, tem a responsabilidade do exemplo, pois a revolução tunisiana quebrou "o paradigma mental sobre o qual vivia o mundo árabe".

Para ele, a Tunísia representava o elo frágil, e o Egito o elo forte do encadeamento dos países árabes antes da Primavera Árabe. Frágil a Tunísia por que o governo ditatorial transformara-se em um governo mafioso, assim como no Egito e na Síria os governos passaram a ser uma "máfia hereditária".

Ao mesmo tempo, por ser o Estado mais forte do mundo árabe, dos movimentos do Egito dependeria a evolução dos outros países árabes. Quando houve a revolução na Tunísia, raciocina Samir Nair, o povo egípcio viu logo que era possível fazer o mesmo lá, e com maior repercussão.

Por isso ele atribui à Tunísia um papel fundamental nos movimentos que se desenrolam nos países árabes.

O professor Nair deixou claro em sua palestra que não foi o islamismo que venceu o que ele classifica de "Estado autoritário degenerescente": "Foi a totalidade da sociedade que o fez, à base de uma mobilização pacífica não-religiosa".

Ele ressalta que tanto na Tunísia quanto no Egito, não houve reivindicações que não fossem sobre a cidadania, sem conotação religiosa: dignidade da pessoa (contra a corrupção); direitos do homem (contra a arbitrariedade policial); distribuição de rendas (contra a desigualdade); trabalho (contra o desemprego); democracia (por uma sociedade de méritos e não de privilégios).

Com os partidos islâmicos surgindo como grandes forças eleitorais nos países da Primavera Árabe, o professor Nair pergunta: "A democracia não passa de um meio de as forças islâmicas tomarem o poder para mudar as regras do jogo?".

A alternativa seria essas forças se mostrarem realmente democráticas, aceitando a alternância de poder e também o pluralismo na sociedade civil.

Para ele, a resposta não está nas declarações oficiais ou nas promessas, mas sim nas instituições que resultarem da mudança, "os únicos mecanismos reais de proteção da liberdade".

Ou bem as instituições são republicanas, baseadas na separação público-privada, ou a democracia se tornará sinônimo da hegemonia totalitária de forças religiosas, adverte Samir Nair.

FONTE: O GLOBO

Dez anos de Brics:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Nos próximos dez anos, o PIB dos Brics continuará crescendo em relação ao de países desenvolvidos

Estamos completando dez anos da criação, pelo economista da Goldman Sachs Jim O"Neill, da expressão Bric para definir o grupo de quatro países que ele via como o centro de um novo mundo nas décadas seguintes.

Brasil, Rússia, Índia e China, principalmente pela incorporação de centenas de milhões de novos consumidores em seus mercados, ultrapassariam em poucas décadas os países desenvolvidos. A data mais provável em que esse fenômeno ocorreria seria, ainda segundo ele, na passagem da segunda para a terceira década do novo século.

Tomei conhecimento do fenômeno Bric no início de 2005, quando participava de apresentação sobre a economia brasileira em São Paulo. Paulo Miguel, meu sócio, e eu ficamos espantados com a projeção feita pelos economistas do Credit Suisse na qual, naquele ano, o saldo da balança comercial do Brasil chegaria a US$ 45 bilhões.

De volta à sede da Quest, usamos as premissas do Credit Suisse e projetamos o saldo comercial e outras variáveis econômicas externas do Brasil até o final da década.

Para nossa surpresa, nos deparamos, já em 2009, com um Brasil novo, no qual o saldo das reservas cambiais seria superior ao seu endividamento externo total (setor privado e público). Em outras palavras, depois de várias décadas, o Brasil passava a ser um país credor nas suas relações com o mundo exterior.

Imediatamente chegamos à conclusão de que o real deixaria o grupo de moedas fracas, e sujeitas a crises recorrentes, e seria incorporado ao de moedas emergentes confiáveis e estáveis. E isso mudaria a economia brasileira. O principal fator por trás dessa mudança era o aumento dos preços dos principais produtos primários nos mercados internacionais, fortalecendo os termos de troca da economia brasileira. Pela primeira vez, os preços desses produtos subiam mais do que os dos bens industriais, principalmente devido ao aumento da demanda dos países emergentes.

A partir daí, passei a entender o que O"Neill queria dizer com sua aposta nos Brics. Faz mais de cinco anos que venho sempre manifestando minha crença em uma nova economia no Brasil derivada da nova dinâmica criada pelos Brics.

Quando olhamos com mais cuidado para os dados econômicos desses países entre 2002 e agora, podemos ver de maneira clara o acerto da hipótese de O"Neill.

O quadro à esquerda mostra o que aconteceu na relação entre o PIB (Produto Interno Bruto) dos Brics e o de um grupo de nações desenvolvidas.

A informação mais interessante é a de que o PIB dos Brics, em relação ao dos países desenvolvidos, cresceu a uma velocidade duas vezes maior, tanto no agregado do grupo como individualmente. Ou seja, existe uma homogeneidade de dinâmica econômica entre eles maior do que a grande maioria dos analistas consegue perceber.

Afinal, perguntam-se os mais incrédulos, o que une esses países tão diferentes entre si?

A resposta está clara: o que os une é a dinâmica de crescimento econômico comum, o que faz com que cresçam constantemente acima do mundo desenvolvido.

Olhando para os próximos dez anos, é razoável esperar que esse comportamento dos Brics continue, embora com intensidade menor.

Se o Brasil crescer à taxa média de 3,5% ao ano na próxima década -projeção da equipe de economistas da Quest- e a Alemanha crescer a 2%, a relação entre seus PIBs deve passar dos 65% atuais para algo próximo a 80%.

No caso do PIB conjunto dos Brics e o de Alemanha, Estados Unidos, Japão e França, a relação deve passar dos atuais 46% para algo próximo de 60%. Ou será que vamos novamente nos surpreender com esses números?

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 69, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO