quarta-feira, 23 de maio de 2012

Cachoeira se cala e CPI mira Delta

O contraventor Carlinhos Cachoeira negou-se ontem a responder às perguntas elaboradas pela CPI que se dedica a investigar o escândalo do qual é pivô. O impasse gerado por sua falta de colaboração teve um efeito colateral indesejado pela base aliada: colocou a Delta no alvo da CPI, que deve avançar na quebra de sigilo nacional da empreiteira. Com ar irônico, que beirou o deboche, Cachoeira repetiu que só vai falar após sua audiência judicial, marcada para 31 de maio e 1º de junho. Quarenta perguntas depois, a CPI acatou a sugestão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) para encerrar a sessão. "Estamos aqui perguntando a uma múmia. Não vou ficar dando ouro para bandido", disse. Ainda assim, houve embate entre governo e oposição: de um lado, os aliados do Planalto e o PT, que tentaram envolver o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, no esquema de Cachoeira; de outro, os tucanos, que fizeram perguntas que citavam o governador do Distrito Federal, o - petista Agnelo Queiroz, que teve assessores flagrados em negociações com Cachoeira

Cachoeira se recusa a depor, repete "não" 48 vezes, e CPI agora mira Delta

Boca fechada. Contraventor, pivô de duas operações da Polícia Federal e personagem central da comissão mista do Congresso, comparece a depoimento, mas se cala diante das perguntas dos parlamentares no mesmo dia em que STF nega seu pedido de liberdade

Alana Rizzo Eugênia Lopes Fábio Fabrini

BRASÍLIA - Personagem principal da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira, o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, disse "não" 48 vezes para os deputados e senadores ontem, ao se recusar a responder às questões da CPI. Com um ar irônico, que às vezes beirou o deboche, Cachoeira repetiu que só vai falar depois de sua audiência, marcada para os dias 31 de maio e 1.º de junho, na 11.ª Vara de Justiça Federal, em Goiânia. A falta de colaboração teve um efeito colateral indesejado pela base aliada: colocou a Delta Construções no alvo da CPI, que, diante da paralisia provocada por Cachoeira, deve avançar na quebra de sigilo da empreiteira em todo o País, e não apenas na região Centro-Oeste. "Não vou falar. Pedimos para reavaliar nossa vinda aqui. Quem forçou para eu vir aqui foram os senhores", reclamou Cachoeira, ao fim das cinco perguntas feitas pelo relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG).

Depois desse momento, ele adotou uma postura entre impaciente e entediado. Cabisbaixo, passou a maior parte da sessão rabiscando um papel à sua frente e repetindo: "Por instrução dos meus advogados, permanecerei calado"; "Só falo depois da minha audiência"; "Posso ajudar muito, mas depois". Passada uma hora e meia, a CPI capitulou e decidiu acatar a sugestão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) para que a ses- são fosse encerrada. "Estamos aqui perguntando a uma múmia. Não vou ficar aqui dando ouro para bandido", disse a senadora. O depoimento de Cachoeira seria o primeiro grande momento da CPI. Mas nem mesmo diante do anticlímax fugiu ao script de embate entre governo e oposição. De um lado, os aliados do Planalto e o PT que, a todo custo, tentaram com suas perguntas envolver o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), no esquema ilegal de Cachoeira. De outro, os tucanos, que fizeram perguntas direcionadas ao governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz. Provocado pela oposição, o relator Odair Cunha contrariou a estratégia de blindagem da base governista e defendeu a quebra do sigilo bancário da construtora Delta em âmbito nacional, além de seu principal acionista, Fernando Cavendish.

O argumento é que a Operação Saint- Michel – deflagrada pelo Ministério Público do DF, como continuidade à Monte Carlo – trouxe indícios do envolvimento da cúpula da empreiteira com o esquema de Cachoeira. Segundo integrantes da CPI, documentos obtidos na Saint- Michel mostram que os ex-diretores da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, e no Sudeste, Heraldo Puccini, tinham procuração para movimentar dinheiro em contas nacionais da constru- tora, e não apenas em suas re- giões de atuação, o que implica a autorização prévia da cúpula da empresa, no Rio. A quebra de sigilo, nacionalmente, poderá arrastar novos personagens graduados da política para os holofotes da CPI. "A possibilidade de quebra aumentou muito a partir das informações que recebemos hoje", acrescentou. Segundo o relator, o ex-diretor lidava com ao menos dez contas bancárias. Como a Justiça do DF já autorizou a quebra, uma ideia é apressar o compartilhamento dos dados. A investida de Cunha se deu após o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) citar ontem, durante a sessão, as informações da Saint-Michel. "O que precisamos é quebrar a barreira que a aliança PT-PMDB criou à quebra do sigilo da Delta", criticou. Monitorando o desgaste da Delta, o Planalto avisou que quer distância da crise: "Espero que haja a mais profunda investiga- ção", disse, no Senado, o minis- tro da Fazenda, Guido Mantega, sobre a negociação da empreitei- ra com o grupo J&F. Lorenzoni sugeriu acareações entre Cachoeira e o ex-diretor-geral do Dnit Luiz Antonio Pagot, que deixou o cargo em meio a denúncias de irregularidades no órgão. Pagot se diz vítima de um complô arquitetado pelo contraventor. A acareação também foi proposta pelo depu- tado Carlos Sampaio (PSDB- SP), que insistiu ainda num con- fronto entre Cachoeira e Waldomiro Diniz, ex-assessor do petista José Dirceu. Em 2004, Diniz presidia a Loterj e foi filmado cobrando propina de Cachoeira.

Supremo. Longe da CPI, Cachoeira foi derrotado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o pedido de liberdade. O advogado de Cachoeira, Márcio Thomaz Bastos, adiantou que repetirá o pedido no Supremo Tribunal Federal (STF).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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