segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Esquerda e direita – onde estão? - Zander Navarro


Examinados os fatos da vida social depois de 1989, sabemos que o significado da antinomia acima foi perdendo seu significado. A esquerda tem sido pressionada a revelar o imperscrutável sentido de sua ação política que, renovado, transformaria a ordem. Já a direita, saboreando os rumos da História, dedica-se a tertúlias, pois nunca almejou mudar nada.

Não obstante ser uma discussão fascinante, não é meu propósito adentrar o debate e suas nuances infindáveis. Mas ilustro a profunda confusão reinante, sugerindo, com o fato relatado, que aquela antítese, provavelmente, esteja mesmo perdendo a sua relevância.

Em agosto foi realizado em Brasília o Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, reunindo organizações supostamente representativas dos segmentos sociais que habitam tais ambientes. A declaração final do evento é uma das mais vivas evidências do abastardamento de muitos setores da esquerda. Aferida por qualquer ângulo mínimo de sensatez é um texto lunático e produto de primária ideologização, desconhecendo por completo a natureza e as tendências do desenvolvimento agrário brasileiro. Causa perplexidade que, ao lado de muitas organizações signatárias quase fantasmas, a CUT e a Contag tenham endossado tal despautério verborrágico. Temos assim um segmento autointitulado de esquerda que deseja o progresso social do campo, mas é incapaz de submeter proposições, ainda que minimalistas, com alguma chance de concretização.

Por outro lado, pesquisas da Embrapa comandadas pelo lendário economista Eliseu Alves, usando os dados empíricos apurados pelo Censo Agropecuário, vêm alertando para a dramática velocidade de concentração da produção agropecuária, sugerindo que tal modelo produz níveis alarmantes de seletividade social, embora ao lado de volumes de produção total inéditos. Como sua equipe é formada de cientistas e não demagogos, refratários ao discurso fácil de cartilhas partidárias, demandam uma ação governamental rápida e urgente, a qual possa disseminar o melhor da tecnologia agrícola existente, como a derradeira tentativa de integrar economicamente o maior número de produtores mais pobres. Demonstram, irrefutavelmente, que o fator terra há muito deixou de ser decisivo para elevar a renda rural, pois em nossos dias apenas a ciência e sua materialização em técnicas modernas é que permitirão a um número expressivo de produtores a chance de deixar a pobreza que caracteriza a maior parte do campo brasileiro.

Alves, com os seus 81 anos e extraordinária capacidade analítica, é visto em certos setores da esquerda como um intratável conservador e insensível aos problemas sociais. É estranha a acusação, pois é ele quem mais consistentemente tem revelado a face real da pobreza rural e os caminhos efetivos e únicos para diminuí-la rapidamente.

A comparação é reveladora dos tempos bizarros que hoje marcam o país. Quem portaria o foco progressista, movido pelo sonho de uma sociedade mais igualitária? Qual a via que, de fato, garantirá mais igualdade e inclusão social nas empobrecidas regiões rurais? Como produzir conhecimento, se fingimos entender o que se passa e também situamos os atores sociais em falsas disposições no campo político? Ainda mais crucial: a quem interessa manter tal confusão sobre a realidade?

Zander Navarro é sociólogo e professor aposentado na UFRGS (Porto Alegre). Entre 2003 e 2010 foi professor e pesquisador no Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento (IDS), na Inglaterra.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

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