Examinados
os fatos da vida social depois de 1989, sabemos que o significado da antinomia
acima foi perdendo seu significado. A esquerda tem sido pressionada a revelar o
imperscrutável sentido de sua ação política que, renovado, transformaria a
ordem. Já a direita, saboreando os rumos da História, dedica-se a tertúlias,
pois nunca almejou mudar nada.
Não obstante
ser uma discussão fascinante, não é meu propósito adentrar o debate e suas
nuances infindáveis. Mas ilustro a profunda confusão reinante, sugerindo, com o
fato relatado, que aquela antítese, provavelmente, esteja mesmo perdendo a sua
relevância.
Em agosto
foi realizado em Brasília o Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e
Povos do Campo, das Águas e das Florestas, reunindo organizações supostamente
representativas dos segmentos sociais que habitam tais ambientes. A declaração
final do evento é uma das mais vivas evidências do abastardamento de muitos
setores da esquerda. Aferida por qualquer ângulo mínimo de sensatez é um texto
lunático e produto de primária ideologização, desconhecendo por completo a
natureza e as tendências do desenvolvimento agrário brasileiro. Causa
perplexidade que, ao lado de muitas organizações signatárias quase fantasmas, a
CUT e a Contag tenham endossado tal despautério verborrágico. Temos assim um
segmento autointitulado de esquerda que deseja o progresso social do campo, mas
é incapaz de submeter proposições, ainda que minimalistas, com alguma chance de
concretização.
Por outro
lado, pesquisas da Embrapa comandadas pelo lendário economista Eliseu Alves,
usando os dados empíricos apurados pelo Censo Agropecuário, vêm alertando para
a dramática velocidade de concentração da produção agropecuária, sugerindo que
tal modelo produz níveis alarmantes de seletividade social, embora ao lado de
volumes de produção total inéditos. Como sua equipe é formada de cientistas e
não demagogos, refratários ao discurso fácil de cartilhas partidárias, demandam
uma ação governamental rápida e urgente, a qual possa disseminar o melhor da
tecnologia agrícola existente, como a derradeira tentativa de integrar
economicamente o maior número de produtores mais pobres. Demonstram,
irrefutavelmente, que o fator terra há muito deixou de ser decisivo para elevar
a renda rural, pois em nossos dias apenas a ciência e sua materialização em
técnicas modernas é que permitirão a um número expressivo de produtores a
chance de deixar a pobreza que caracteriza a maior parte do campo brasileiro.
Alves, com
os seus 81 anos e extraordinária capacidade analítica, é visto em certos
setores da esquerda como um intratável conservador e insensível aos problemas
sociais. É estranha a acusação, pois é ele quem mais consistentemente tem
revelado a face real da pobreza rural e os caminhos efetivos e únicos para
diminuí-la rapidamente.
A comparação
é reveladora dos tempos bizarros que hoje marcam o país. Quem portaria o foco
progressista, movido pelo sonho de uma sociedade mais igualitária? Qual a via
que, de fato, garantirá mais igualdade e inclusão social nas empobrecidas
regiões rurais? Como produzir conhecimento, se fingimos entender o que se passa
e também situamos os atores sociais em falsas disposições no campo político?
Ainda mais crucial: a quem interessa manter tal confusão sobre a realidade?
Zander
Navarro é sociólogo e professor aposentado na UFRGS (Porto Alegre). Entre 2003
e 2010 foi professor e pesquisador no Instituto de Estudos sobre o
Desenvolvimento (IDS), na Inglaterra.
FONTE: GRAMSCI E O BRASIL
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