quinta-feira, 25 de outubro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: ‘o mensalão maculou a República’ (LXXII)


“A Carta de 1988 foi consagrada no julgamento da Ação Penal 470. A Constituição vinha sendo progressivamente assentada nas instituições, nas mentalidades e na cultura política. Esses três meses foram um seminário público que desnudou os mecanismos perversos. As referências à Constituição foram muito poderosas, especialmente no que diz respeito à vida republicana. Esse fato, de os controles republicanos terem sido fortes o suficiente para limitar o poder do Executivo, é inédito na nossa Historia

As pessoas podem protestar, mas não podem interromper o jogo. Vão interromper o jogo com quem? Com os militares? Os militares estão em outra, e mesmo os sindicatos estão fragmentados. ”

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, professor-pesquisador da PUC-Rio. O Globo, 25/10/2012.

Manchetes dos principais jornais do Brasil

O GLOBO 
40 anos de cadeia para o operador do mensalão
Carro oficial deixa de pagar pedágio
Brasileiros miram agora Portugal
Lucro da Vale recua 57%

FOLHA DE S. PAULO 
Na reta final, Haddad tem 49% e Serra, 34%
Serra e Haddad travam debate mais agressivo
Marcos Valério é condenado pelo STF a 40 anos de prisão
Bancos encontram brechas para cobrar tarifas irregulares
Lucro da Vale cai 58% no trimestre em relação a 2011
Governo admite erro de foco e amplia vacina contra gripe

O ESTADO DE S. PAULO 
Haddad mantém 49% e Serra chega a 36%, aponta Ibope
Temas federais e estaduais dominam debate tenso
Carro terá desconto no IPI até fim do ano
Relator diz que revisor advoga para réu no mensalão
Hillary quer ajuda do Brasil na Síria
Vale tem queda de 58% no lucro no 3º trimestre

VALOR ECONÔMICO 
União executa só 50% do investimento em rodovias
Valério é condenado a 40 anos
Modelo para aeroportos volta ao original
Bolsa brasileira teve apenas três empresas estreantes neste ano

BRASIL ECONÔMICO 
Fundos de pensão resgatam títulos públicos para aplicar R$ 60 bilhões
Governo prorroga o IPI reduzido de automóveis até 31 de dezembro
Juiz não reconhece a lei da Previdência
Denúncia vazia

CORREIO BRAZILIENSE
STF condena Valério a 40 anos de prisão
Mensalão leva juiz a favorecer pensionista
Demóstenes também pode ser demitido
Rodovias brasileiras estão piores, diz CNT
MPF prioriza crise indígena
Um milhão de alunos não volta à faculdade

ESTADO DE MINAS
No, we can't
IPI estendido acelera indústria
Linha de crédito usará recursos do FGTS para financiar construções e reformas
Pena parcial de Valério já ultrapassa 4 décadas
Juiz derruba reforma da Previdência
Eleições 2012: Montes Claros
Sem caixa, prefeituras decidem até demitir

ZERO HORA (RS) 
Estradas do Estado pioraram em um ano
Mensalão: Valério acumula penas de mais de 40 anos
Com descontos: Prorrogado IPI menor para o carro zero

JORNAL DO COMMERCIO (PE) 
Carro segue sem IPI e dívidas aumentam
Previdência de novo servidor vale em janeiro
Pena de Valério passa de 40 anos de cadeia
Pesquisa mostra piora na situação das estradas do Brasil

40 anos de cadeia para o operador do mensalão


O Supremo Tribunal Federal estipulou ontem pena de 40 anos, um mês e seis dias para Marcos Valério, que ficará pelo menos seis anos e oito meses atrás das grades. Os ministros decidiram que o operador do mensalão pagará multa de R$ 2,8 milhões e perderá bens para compensar o crime de lavagem de dinheiro. O relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, divergiram sobre o tamanho das penas de Valério que poderão afetar o caso do ex-ministro José Dirceu. Barbosa sugeriu que o colega estaria alinhado à defesa, enquanto o revisor indicou que o relator atuava na acusação. Mais tarde, Barbosa pediu desculpas

Prisão e multa para Valério

Operador do mensalão é condenado a 40 anos; cálculo da pena serve de parâmetro para outros réus

Carolina Brígido, André de Souza

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) fixou ontem pena de 40 anos, 1 mês e 6 dias de prisão ao operador do mensalão, Marcos Valério. Ele também vai pagar multa de R$ 2.783.800 em valores de 2003 e 2004, que serão corrigidos. O STF também determinou a perda dos bens para reparar o dinheiro que foi lavado, mas a indenização pelo dano causado por todos os crimes contra a administração pública só será decidida no final do julgamento.

A sessão de ontem também definiu parâmetros que poderão ser usados no caso do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Ele foi condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa nas mesmas circunstâncias de Valério. No caso do operador do esquema, a soma das penas dos dois crimes deu 10 anos e 7 meses. Isso é apenas um indicativo, já que o tribunal vai individualizar a dosimetria segundo as ações de cada réu.

- Essa pena robusta, exacerbada que está sendo aplicada a Marcos Valério é consequência natural da intensidade e da quantidade de delitos que ele praticou - explicou o relator do processo, Joaquim Barbosa.

Os ministros levaram duas sessões para calcular a pena de Valério. Ontem, em meio a discussões acaloradas, relator e o revisor Ricardo Lewandowski divergiram sobre o tamanho das penas de Valério, que poderão afetar o caso de Dirceu. Barbosa chegou a insinuar que o revisor estava de olho nas próximas dosimetrias:

- A tática do ministro Lewandowski é plantar neste momento o que ele quer colher daqui a pouco.

Como a pena de Valério é superior a oito anos, o réu cumprirá em regime fechado - ou seja, vai ficar na cadeia em tempo integral, sem a chance de ir para a rua durante o dia. Mas após cumprir um sexto da pena total - o equivalente a 6 anos, 8 meses e 6 dias - tem direito a progressão do regime. Após esse período, ele também pode ter direito à liberdade condicional. A concessão ou não dos benefícios depende do comportamento do preso, que será avaliado pelo juiz da execução penal de Minas Gerais, no caso de Valério.

Condenação por oito práticas ilícitas

Valério foi condenado por oito práticas ilícitas: formação de quadrilha, três episódios de corrupção ativa, dois peculatos, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Dos 25 condenados, o operador do esquema foi o que recebeu maior número de condenações e, por isso, deve ser a maior pena arbitrada pela Corte no processo.

Na terça-feira, o tribunal começou a calcular a pena de Valério e analisou apenas quadrilha, um dos peculatos e uma corrupção ativa. Ontem, concluiu os demais crimes. Na maior parte dos casos, venceu a proposta feita pelo relator, Joaquim Barbosa, que sugeriu penas mais altas do que o revisor, Ricardo Lewandowski. A posição do revisor foi vitoriosa em relação aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa praticada no pagamento de propina ao ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato.

Das oito condutas criminosas, Barbosa e Lewandowski divergiram em quatro na hora de calcular a pena, concordando apenas uma vez. Nos outros três casos, o revisor absolveu Valério e por isso não participou da dosimetria. Ao somar as quatro divergências, a diferença de pena proposta pelos dois foi alta: Barbosa sugeriu 11 anos e nove meses de cadeia a mais do que Lewandowski.

Uma das votações mais polêmicas de ontem foi para calcular a pena de lavagem de dinheiro - crime contabilizado 46 vezes em continuidade delitiva. Para fazer o cálculo, os ministros consideraram apenas um dos episódios e, depois, aumentaram a pena prevista no Código Penal, que é de 3 a 10 anos de reclusão. Barbosa sugeriu pena de 11 anos e 8 meses de prisão, mais multa de R$ 756.600. Lewandowski propôs 6 anos, 2 meses e 20 dias de prisão, mais multa de R$ 78 mil. A votação deu empate, com cinco ministros de cada lado. Com isso, a Corte decidiu a pena mais favorável ao réu, como determina a legislação brasileira.

- O próprio Supremo disse que o resultado está em aberto e que seriam reavaliados globalmente as decisões. Mas o que saiu, sem dúvida, é excessivamente severo e manifestamente injusto, no meu modo de ver - disse o advogado Marcelo Leonardo, que defende Valério.

Em todos os crimes examinados ontem, os ministros consideraram como agravante o fato de Valério comandar outros integrantes do núcleo publicitário, também condenados.

Em seguida, o STF votou peculato cometido por Valério no caso do Banco do Brasil. Também foi votada a pena para a corrupção ativa cometida na Câmara dos Deputados - ou seja, o pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. Foram nove episódios listados pelo Ministério Público. Para o relator, os motivos foram extremamente graves. Segundo ele, Valério agiu com "desprezo pelos mais claros princípios sobre os quais se apoiam o edifício republicano". Lewandowski não participou desta decisão.

A última parte da decisão foi o cálculo da pena pelo crime de evasão de divisas, em que Marcos Valério enviou dinheiro para uma conta no exterior para saldar dívida do PT com o publicitário Duda Mendonça. Mais uma vez, o voto de Barbosa saiu vitorioso.

Fonte: O Globo

Marcos Valério é condenado pelo STF a 40 anos de prisão


O STF estabeleceu ao empresário Marcos Valério, o operador do mensalão, penas que somadas chegam a 40 anos e um mês. As multas determinadas totalizam R$ 2,8 milhões e parte de seus bens será leiloada para ressarcir a União.

A pena total de Valério ultrapassa 30 anos, tempo máximo de prisão no país para uma condenação.

O advogado Marcelo Leonardo, que defende o empresário, afirmou que a sentença do tribunal é "absurda e desarrazoada".

Ao discordar de pena mais branda defendida pelo revisor, Ricardo Lewandowski, o relator, Joaquim Barbosa, insinuou que o colega advogava para Valério. Lewandowski reagiu perguntando se Barbosa representava a acusação

MENSALÃO - O JULGAMENTO

Valério é condenado a 40 anos de prisão

Ministros do Supremo definem a pena do operador do mensalão com base na sua condenação por seis crimes

Após 41 sessões, corte estabelece a punição do 1º dos 25 condenados; Valério terá que pagar multa de R$ 2,8 milhões

Felipe Seligman, Flávio Ferreira, Márcio Falcão e Nádia Guerlenda

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal estabeleceu ao empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o operador do mensalão, penas que, somadas, chegam a 40 anos de prisão.

As multas aplicadas somam quase R$ 2,8 milhões.

Pela legislação, Valério terá que cumprir parte de sua condenação na cadeia.

A lei estabelece que penas acima de oito anos devem ser cumpridas inicialmente em regime fechado.

A punição de Valério -40 anos e um mês- foi calculada pela soma de cinco crimes cometidos entre o início de 2003 e a metade de 2005, como a compra de apoio político no Congresso Nacional no governo Lula.

"A conduta neste caso [da compra dos parlamentares] é extremamente grave porque o PT não detinha a maioria na Câmara e ele [Valério] aceitou auxiliar a empreitada criminosa comandada por José Dirceu para dominar o poder político", afirmou ontem o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa.

A pena de Valério ultrapassa 30 anos, teto de cumprimento de condenações permitido pela lei brasileira.

Existe, porém, a possibilidade de uma redução da pena. Ontem, ao menos dois ministros (Celso de Mello e Marco Aurélio Mello) disseram que ainda vão analisar se os mesmos crimes, ocorridos em ocasiões distintas, podem ser considerados como a mesma coisa, sendo a mera continuidade do outro.

Isso poderia acontecer, por exemplo, nas condenações por corrupção em contratos com a Câmara dos Deputados e o Banco do Brasil.

Segundo a decisão do Supremo, Valério foi o responsável por distribuir os recursos aos parlamentares, organizar o esquema de lavagem de dinheiro, além de ser o elo entre os líderes dos núcleos político, José Dirceu, e o financeiro, Kátia Rabelo.

Balanço

O tribunal realizou ontem a 41ª sessão do processo do mensalão. Trata-se do maior julgamento de sua história, que condenou 25 pessoas por sete diferentes crimes -12 réus foram absolvidos.

Ontem, a principal polêmica foi a discussão de qual lei deveria ser aplicada para o crime de corrupção ativa e passiva, já que em novembro de 2003 o Código Penal foi alterado.

A modificação ampliou as penas mínimas e máximas -de 1 a 8 anos para 2 a 12 anos.

Assim como anteontem, os ministros tiveram que interromper a sessão para que Barbosa reavaliasse um de seus votos, apontado como equivocado por seus colegas.

O julgamento deve ser suspenso na próxima semana por conta de uma viagem do relator, Joaquim Barbosa, para Alemanha para tratamento de saúde.

Fonte: Folha de S. Paulo

Marcos Valério acumula penas de 40 anos de prisão

Mariângela Gallucci, Ricardo Brito

BRASÍLIA - As penas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, que somadas ultrapassam 40 anos, indicam que a Corte será rigorosa com os réus condenados no processo do mensalão, o que poderá levar muitos deles para a prisão.

O relator da ação, Joaquim Barbosa, alertou o plenário que se forem fixadas penas leves os réus ficarão apenas alguns meses na cadeia. Ele informou que recentemente a imprensa norte-americana veiculou notícia de que o sistema penal brasileiro é "risível". Além das penas de reclusão, o STF impôs a Marcos Valério multas que superam R$ 2,7 milhões. O Supremo definiu penas para o publicitário que, somadas, atingem 40 anos, 1 mês e 6 dias para cumprimento no regime inicialmente fechado.

As punições referem-se às condenações por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculatos, evasão de divisas e atos de corrupção ativa, entre os quais o relacionado à compra de apoio político de parlamentares para formar a base de apoio no Congresso do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pela compra dos deputados, foi estabelecida a pena de 7 anos e 8 meses de reclusão. Pela formação de quadrilha, foram fixados 2 anos e 11 meses de reclusão. No processo do mensalão, outros réus foram condenados por esses dois crimes, como o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. Mas as penas desses réus ainda não foram fixadas pelo STF. Se os mesmos patamares forem usados pelo tribunal, as penas deverão ser de mais de dez anos.

A intenção inicial do Supremo era concluir essa fase de dosimetria das penas de todos os condenados na sessão de hoje. Mas o andamento das últimas sessões indica que dificilmente essa previsão será confirmada. Se de fato o tribunal não conseguir fixar hoje as penas para os 25 réus condenados, o julgamento deverá sofrer uma interrupção na próxima semana, quando o relator pretende viajar para a Alemanha para se submeter a um tratamento de saúde.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Relator diz que revisor advoga para réu no mensalão


A definição das penas que serão impostas pelo STF aos 25 condenados do mensalão provocou ontem a mais grave discussão entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Barbosa chegou a afirmar que Lewandowski advogava para Marcos Valério. As discussões retardaram a sessão de ontem e confirmaram que o julgamento invadirá o mês de novembro. Na segunda sessão apenas para estabelecer as penas para Valério, o empresário foi condenado a 40 anos, um mês e seis dias.

Relator afirma que revisor advoga para réu

Em debate sobre penas, Lewandowski questiona se colega de Supremo é "promotor"; após novo bate-boca da dupla, Barbosa pede desculpas

Felipe Recondo, Eduardo Bresciani, Mariângela Gallucci, Ricardo Brito

BRASÍLIA - A definição das penas que serão impostas pelo Supremo Tribunal Federal aos 25 condenados do mensalão provocou ontem a mais grave das discussões entre o relator do processo, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski.

Barbosa chegou a afirmar que Lewandowski advogava para o empresário Marcos Valério. As discussões retardaram a sessão de ontem e confirmaram que o julgamento seguirá em ritmo paulatino e invadirá o mês de novembro.

O tribunal teve ontem a segunda sessão apenas para estabelecer as penas para os crimes cometidos apenas por Marcos Valério. Ainda não está definido o critério segundo o qual as punições serão calculadas - se haverá acúmulo por crimes iguais cometidos em situações diferentes do esquema, por exemplo.

A nova discussão entre relator e revisor - ambos já protagonizaram vários bate-bocas em plenário neste julgamento - ocorreu quando Barbosa impunha pena de 4 anos e 8 meses de reclusão mais multa de R$ 504 mil para Valério por ter oferecido propina ao ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato em troca da liberação de R$ 73 milhões para o esquema.

Lewandowski estipulou pena de 3 anos, 1 mês e 10 dias mais multa de R$ 117 mil. As duas propostas foram colocadas em julgamento e o cálculo feito pelo revisor foi acompanhado pela maioria dos integrantes do Supremo.

Barbosa, então, afirmou que o sistema penal brasileiro é "risível". "Estamos a discutir sobre a pena a ser aplicada a um homem que fez o que fez na engrenagem do Estado brasileiro. Ele vai ser condenado a 3 anos. Na prática, não cumprirá 6 meses, 3 meses ou 4 meses, no máximo", disse.

Lewandowski retrucou, lembrando que essa pena não será cumprida isoladamente e revelou que, por seus cálculos, a pena a Marcos Valério chegará "a um quarto de século". "Ele não vai cumprir as penas isoladamente. No meu cálculo, já passa de duas décadas", disse o revisor. Barbosa rebateu: "Três anos para quem desviou mais de R$ 70 milhões!". "Vossa Excelência acha pouco?", questionou Lewandowski. "Tenho certeza que não cumprirá mais de seis meses", respondeu o relator. "Vossa Excelência está sofismando", criticou Lewandowski. O relator então questionou as intervenções de Lewandowski. "Vossa Excelência advoga para ele?". "Vossa excelência faz parte da promotoria?" O presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, repreendeu: "Ministro Joaquim Barbosa, ninguém aqui advoga para ninguém". Barbosa, apontando para Lewandowski, reclamou. "Ele está sempre defendendo (os réus)."

Barbosa disse, apesar de ter acusado Lewandowski de defender os réus, que a crítica era ao sistema penal brasileiro. Lewandowski rebateu, afirmando que se quisesse mudar o sistema penal deveria ir ao Congresso. "Infelizmente vivemos no Brasil. Temos que mudar de lado e ir para o Congresso Nacional. Somos aplicadores da lei", respondeu. "Moro no País e lutarei para que ele mude", retrucou Barbosa.

O ministro Celso de Mello rebateu Barbosa. "Eu não seria tão crítico ao nosso sistema", afirmou, lembrando que a Noruega condenou a 21 anos de prisão o atirador Anders Behring que matou 77 pessoas em 2011. Marco Aurélio também repreendeu Barbosa: "A virulência não é produtiva".

No retorno à sessão e após ouvir as críticas dos colegas, Barbosa pediu desculpas. "Eu gostaria mais uma vez de externar a minha preocupação quanto ao ritmo da nossa dosimetria e dizer que estou muito preocupado. E isso tem me levado a me exceder ao me levar a rebater de uma forma exacerbada o ministro Ricardo Lewandowski", admitiu. "Quero pedir desculpas ao ministro Ricardo Lewandowski pelo excesso." Lewandowski aceitou, dizendo que as divergências técnicas entre ambos não desbordam para o lado pessoal.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Nos partidos, condenados pelo STF mantêm cargos de direção


Legendas ignoram condenações e estatutos que preveem expulsões

Diana Fernandes

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA - A serviço de seus partidos em atividades agora classificadas como crime no julgamento do mensalão, os políticos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não devem sofrer qualquer tipo de punição por parte dos comandos partidários. Mesmo nas legendas em que há essa previsão no estatuto, como é o caso do PT, a punição não deve ocorrer, por decisão política. Dos 11 políticos condenados pelo Supremo, pelo menos sete são integrantes da direção de seus partidos e não devem perder as funções se depender dos companheiros dirigentes.

Entre os partidos que têm políticos condenados no julgamento do mensalão, o PT é o único cujo estatuto prevê a pena de expulsão para os condenados em última instância. Os demais - PTB, PR e PP - estabelecem expulsão para casos de atos de improbidade ou atentado à lei vigente e às regras partidárias.

No PT, chegou-se a falar, informalmente, na possibilidade de reformar o estatuto, que prevê a expulsão daqueles que tiverem "condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado". Ou seja, com condenação final, como é a aplicada pelo STF a José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha, todos integrantes do Diretório Nacional do PT.

No PT, expulsão não é automática

O quarto político petista condenado, Delúbio Soares, chegou a ser expulso do partido no auge do mensalão e se filiou novamente em 2011, mas não consta como dirigente, embora seja o nome forte do PT em Goiás. Mas os petistas têm dado demonstrações de que não pretendem reformar o estatuto nem punir os companheiros condenados - consideram que já foram punidos injustamente pelo Supremo.

Segundo um dos titulares da Comissão de Ética e Disciplina do PT, Francisco Rocha da Silva, mais conhecido como Rochinha, a expulsão não é automática nem impositiva. Ressalvando que o PT não fez, até agora, qualquer discussão sobre o futuro dos condenados pelo STF, Rochinha nega mudança no estatuto.

- Primeiro, não é automático e nem é impositivo (a expulsão). Aqui se discute na política, não se discute como se discute no STF. Eu estou reivindicando a discussão exclusiva do julgamento como um todo, a maneira e a série de precedentes que o tribunal criou, o comportamento político do tribunal. E isso só depois de terminado o julgamento - disse Rochinha. - Para a Executiva tomar decisão, não precisa mudar o estatuto. A Executiva tem autonomia para tomar decisão, independentemente de pedido de filiado. Jamais mudar estatuto.

Rochinha disse que o processo de expulsão de um filiado é longo e pode ser iniciado a pedido de qualquer integrante do partido ou pela Executiva Nacional. Mas lembra que ninguém pediu, por exemplo, expulsão de Dirceu quando estourou o escândalo do mensalão. Sugere com isso que, dificilmente, ocorrerá um pedido neste sentido.

No PTB, Roberto Jefferson está licenciado da presidência, para tratamento de saúde. Segundo o deputado Arnaldo Faria de Sá (SP), integrante da Executiva Nacional do partido, não houve qualquer discussão sobre expulsão de Jefferson em razão da condenação. Ele vai além e diz que, se isso acontecer, será o primeiro a ser contra qualquer tipo de punição.

- Roberto Jefferson prestou um serviço à nação, foi um kamikaze. Politicamente não pode ser condenado. Se não tivesse feito o que fez, não teríamos chegado onde chegamos. Ele foi o estopim da mudança que o STF está provocando no país. Merece ser saudado, homenageado - afirmou Faria de Sá, deixando de lado o fato de que Jefferson também recebeu grandes quantias do esquema do mensalão.

Condenados do PP são da Executiva

A direção do PP, partido que tem dois políticos condenados pelo Supremo - Pedro Henry e Pedro Correa, ambos integrantes da Executiva Nacional -, informa que pretende examinar o futuro deles ao final do julgamento, mas igualmente não há disposição dos colegas de afastá-los do partido ou das funções que ocupam.

No caso do PR, o estatuto também prevê a expulsão, mas diz que isso depende de aprovação da maioria dos integrantes da Executiva Nacional. O partido, porém, já se antecipou e no domingo passado reconduziu como secretário-geral do PR o deputado Valdemar Costa Neto (SP), condenado pelo Supremo.

Os crimes atribuídos pelo STF aos políticos são: corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, peculato e formação de quadrilha.

Fonte: O Globo

Sociólogo: julgamento consolida democracia


Para Luiz Werneck Vianna, controles republicanos se afirmaram

Juliana dal Piva

ÁGUAS DE LINDÓIA, SP - Os significados do julgamento do mensalão para a política brasileira movimentaram mesas de debate e conversas pelos corredores no terceiro dia do encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo. Em entrevista ao GLOBO, o sociólogo da PUC-Rio Luiz Werneck Vianna é categórico ao dizer que o julgamento do mensalão significou a consolidação da democracia.

- A Carta de 1988 foi consagrada no julgamento da Ação Penal 470. A Constituição vinha sendo progressivamente assentada nas instituições, nas mentalidades e na cultura política. Esses três meses foram um seminário público que desnudou os mecanismos perversos. As referências à Constituição foram muito poderosas, especialmente no que diz respeito à vida republicana. Esse fato, de os controles republicanos terem sido fortes o suficiente para limitar o poder do Executivo, é inédito na nossa Historia - defendeu o pesquisador.

Para Vianna, as decisões no julgamento também foram o "batismo de fogo" da Lei da Ficha Limpa, e o Ministério Público saiu fortalecido, sem que outras instituições fossem ameaçadas. Por isso, de acordo com ele, é natural que os réus e o próprio PT protestem.

- As pessoas podem protestar, mas não podem interromper o jogo. Vão interromper o jogo com quem? Com os militares? Os militares estão em outra, e mesmo os sindicatos estão fragmentados - afirmou.

O sociólogo fez questão de ressaltar que, apesar de ser difícil de medir no momento, o efeito do julgamento foi pequeno nas eleições municipais. Para ele, o PT sai não só fortalecido das eleições, como deixa visível uma renovação partidária, com quadros distantes dos réus condenados:

- Olhando o dado bruto, o PT cresceu. São Paulo é um termômetro importante. Lula está introduzindo mudanças importantes ao elevar o Haddad e não os quadros que estão na raiz da Ação Penal 470. Esses estão deslocados. E, nos detendo em outro aspecto, a Dilma manteve-se numa posição de observação em relação ao julgamento.

Luiz Werneck Vianna também fez apostas para o cenário eleitoral de 2014. O sociólogo acredita, como outros pesquisadores, que ficou evidente na eleição municipal deste ano que há uma renovação geral da política brasileira em curso. O PSDB, por exemplo, poderá ter no senador Aécio Neves um candidato com forte potencial.

- A oposição vai ter um candidato (Aécio) com uma plataforma forte de lançamento, que é o estado de Minas, que tem radiação em São Paulo. Se tudo permanecer constante, ele concorrerá para perder em 2014, mas marcará posição e vai ganhar em 2018 - analisou o sociólogo, ao dizer que o cenário pode mudar se a economia "desandar".

Vianna acredita que as grandes incógnitas da próxima eleição presidencial são a posição a ser tomada pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e qual será o candidato da situação.

- O enigma real é quem será o candidato da situação: Lula ou Dilma? O Eduardo Campos tem muitas dificuldades do ponto de vista do futuro. Se ele não sair candidato à Presidência ou não vier como vice da Dilma, vai ficar sem posições fortes. Ele poderia se candidatar em 2014, impedindo que Aécio se credencie para 2018. Imagino que esse seja o jogo infernal que passa pela cabeça dele.

Fonte: O Globo

Condenações não mudarão história do Brasil, diz ex-presidente do STF

Pertence afirma que uma "reforma política corajosa" inibirá crimes

Fernando Rodrigues


BRASÍLIA - O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, Sepúlveda Pertence, 75, diz que as condenações do mensalão não vão inibir de maneira significativa a corrupção.


Para Pertence, o modelo de presidencialismo de coalizão e a sofisticação dos crimes de colarinho branco são fatores que continuarão a produzir uma conjuntura favorável para delitos como o mensalão.

Em entrevista à Folha e ao UOL, ele reconhece que "não é rotineiro no Brasil" um julgamento como o do STF: "Há um dado positivo. O mecanismo judiciário funcionou".

Mas fez uma ponderação: "Não creio que isso vá transformar a história do Brasil. O que se passa para o leitor de jornal, o telespectador ou o leitor de revistas é que é histórico porque se está condenando. Mas isso é relativo".

No início da década de 90, membro do STF, Pertence foi voto vencido quando defendeu a condenação do ex-presidente Fernando Collor, que sofreu impeachment.

Pertence diz que o julgamento "não inibirá a imaginação criadora do crime sofisticado de buscar outras formas". Para ele, a solução é uma "reforma política corajosa".

Pertence é amigo de alguns petistas condenados no julgamento do mensalão, como o ex-presidente do PT José Genoino. Por essa razão, não quis emitir opinião sobre casos específicos do processo.

Fonte: Folha de S. Paulo

Entrevista: Julgamento levou PT a se modernizar, diz Werneck Vianna

Chico Santos

ÁGUAS DE LINDOIA - O processo do mensalão e as eleições municipais que terminam no domingo estão associados para demonstrar que "é possível avançar [na democracia social] através dos procedimentos democráticos institucionais" e denunciar que "não há nenhuma Muralha da China entre a democracia social e a democracia política". E, mesmo com membros da sua cúpula julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o PT deverá sair fortalecido das eleições municipais, em pleno processo de renovação de quadros de liderança.

São análises do sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor e pesquisador da PUC-Rio, que vê na emergência de nomes como o candidato petista à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, e Marcio Pochmann, candidato em Campinas, a continuidade de um processo de renovação iniciado pelo próprio presidente de honra do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, ao indicar o nome de Dilma Rousseff para disputar, e vencer, sua sucessão na Presidência.

Nesta entrevista, concedida em um intervalo da sua participação no 36º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em Águas de Lindoia (SP), Werneck Vianna aponta para uma disputa entre o PT e o tucano Aécio Neves pela Presidência em 2014, com remotas possibilidades de o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) lançar-se como uma terceira via. No PT ele não crava se o nome será o da presidente Dilma ou do ex-presidente Lula, mas diz que ela quer a reeleição. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Como preservar a conquista que o senhor vê no julgamento da Ação Penal 470 [mensalão] que seria o surgimento de uma nova República, não mais sujeita ao poder da Administração do Estado?

Luiz Werneck Vianna: São dois processos: o julgamento da Ação Penal 470 e as eleições municipais. Praticamente encerrados os dois processos, saltam aos olhos as motivações e ações que levaram ao grande escândalo que o país viveu a partir das declarações do Roberto Jefferson denunciando a existência de uma conspiração contra as instituições republicanas. Enquanto isso, a sucessão municipal mostra, à saciedade, que é possível avançar através dos procedimentos democráticos institucionais. Talvez a melhor indicação disso ainda esteja por vir.

Valor: O resultado de São Paulo?

Vianna: A crer nas pesquisas, o [Fernando] Haddad ganha em São Paulo. Mesmo que não haja a vitória do Haddad, a votação do porte que ele terá, e que já teve no primeiro turno, denuncia como inepta a tentativa lá no começo da década de 2000, de se procurar se assenhorar dos controles da política por cima. A tentativa de controle das instituições pelo dinheiro e pelo poder, os desmandos que hoje estão em julgamento. Denuncia de maneira solar que não há nenhuma Muralha da China entre a democracia social e a democracia política.

Valor: A instituição, no caso o partido (PT) sobrevive a essa tentativa...

Vianna: Acho que não ficou ainda claro, mas o ponto é relevante. Dois processos: um que nos seus inícios foi formulado no sentido de partir da ação do poder administrativo e do poder do dinheiro pra se assenhorar do poder legislativo, com o pretexto, com a ideia implícita de que era para avançar mais no social. O que a sucessão municipal demonstra é que os avanços podem até ser mais profundos e amplos se eles forem percebidos por meio dos canais democráticos, pelas vias republicanas institucionais. O PT sai dessa sucessão muito fortalecido, embora houvesse sobre esse processo eleitoral a sombra do processo que tramitava no Supremo Tribunal Federal contra as lideranças partidárias, as lideranças do PT, que maquinaram essa tentativa de usurpação da vontade do poder soberano.

“Sai a velha elite política e entra outra sob o impacto da Lei da Ficha Limpa e do julgamento da Ação Penal 470 no STF"

Valor: A quem veja nesse resultado que o Haddad está obtendo mais uma vitória pessoal do personagem Lula. Isso macularia de algum modo esse raciocínio que o senhor acaba de fazer?

Vianna: Não, não. Porque, inclusive, se nós olharmos bem esse processo que está ocorrendo, vários observadores já apontaram isso, traz uma mudança geracional.

Valor: Tem também o [candidato do PT] Marcio Pochmann em Campinas...

Vianna: Dois quadros muito interessantes... O Haddad e o Pochmann foram alçados a um protagonismo político inesperado. Evidentemente que são duas novas personalidades que irão atuar nesse jogo que não tem mais nada a ver com as velhas práticas de controle da vida sindical que levaram a essa confusão entre governo e sindicatos, porque os sindicatos foram inteiramente absorvidos e apareceu até, não sei se isso é propriamente verdadeiro, mas alguma coisa disso é, quase uma nova classe, uma caracterização do [sociólogo] Francisco de Oliveira, essas elites sindicais se apropriando de posições importantes no sistema de Estado. Nós lembramos aqui do Pochmann e do Haddad, mas essa pesquisa precisa ser feita em todo o país: o que vem de novo nessa sucessão municipal. Está saindo uma velha elite política e entrando outra, e essa outra entra sob o impacto de dois extraordinários eventos, o primeiro foi a Lei da Ficha Limpa e o segundo, o julgamento da Ação Penal 470, com condenação de praticamente todos os réus, principalmente as grandes lideranças políticas, do PT e do governo [passado].

Valor: A própria eleição em 2010 da presidente Dilma Rousseff, ela mesma uma nova liderança, já seria um embrião desse fenômeno que o senhor está apontando?

Vianna: Eu não quero estabelecer uma relação de causa e efeito, mas acho que alguma coisa na eleição dela já significava isso. O que é um pouco misterioso porque, perceba por favor, Dilma, Haddad e Pochmann foram escolhas pessoais do Lula. Como se ele estivesse com isso anunciando o começo de um novo ciclo. Isso precisa ser melhor apurado.

Valor: Mas os adversários podem dizer que se trata de uma esperteza de velha raposa...

Vianna: Certamente a esperteza da velha raposa está presente, mas o fato de essa esperteza ter como resultado a mudança no sentido de opção por quadros mais modernos, como Dilma, como Haddad e Pochmann, mostra que algo mudou. Eu não estou querendo com isso insinuar que o Lula tenha tido plena consciência desse movimento e de no que isso importa. A Dilma, por exemplo, ela não é uma mulher da política, é uma mulher da administração, da gestão. E aí, as marcas de racionalização que ela vem procurando trazer ficaram muito claras a esta altura de dois anos de governo. Então, o que eu digo é o seguinte: embora haja um tom muito otimista nas coisas que estou falando e analisando, acho que há sinais por dentro, no interior do PT, de que haverá um "aggiornamento" (palavra italiana que simbolizou a modernização da igreja no Concílio Vaticano 2º, na década de 1960) aí.

Valor: Ou seja, independentemente da intenção do Lula, ele introduziu o novo...

Vianna: E com nomes muito atentos à questão social, especialmente o Pochmann, o que mostra que o tema da democracia social pode avançar perfeitamente no limpo terreno republicano, denunciando a prática anterior. A percepção desses dois processos que eu mencionei, a Ação Penal 470 e as eleições municipais, é de que um movimento denuncia o erro do outro.

“A emergência de Aécio e Eduardo realça temas regionais e mostra que vivemos numa Federação às vezes ocultada"

Valor: Extrapolando para fora do PT, como o senhor analisa a afirmação de nomes como o do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) nesse processo de renovação?

Vianna: É a consolidação dessa moderna ordem burguesa brasileira que faz com que a sociedade torne-se cada vez mais complexa e diferenciada. Além do mais, esse país, embora frequentemente oculte o fato, a significação do fato, é uma Federação. E o que nós estamos assistindo é a emergência de quadros com uma história muito regional. O Eduardo Campos em Pernambuco e o Aécio Neves em Minas. Os dois, herdeiros dinásticos de duas casas governantes, a de [Miguel] Arraes e a de Tancredo Neves. O que mostra que as raízes fundas da expressão atual política deles. Os temas regionais aparecem com eles muito fortemente.

Valor: Como o senhor acha que esse quadro que se desenha agora irá reproduzir-se na eleição presidencial de 2014?

Vianna: Isso vai depender muito, e eu não sou o primeiro a dizer, da situação econômica do país. Com um andamento favorável na economia, as possibilidades do quadro posto [o PT no poder] permanecer são muito altas. Aécio será candidato. Candidato em 2014 com vistas a 2018. Para consolidar uma posição nacional. Ele precisa sair de Minas. O Eduardo Campos, por sua vez, as circunstâncias econômicas lhe sendo desfavoráveis, isto é, crescimento da economia, ele vai se alinhar à coalizão majoritária. Em que posição? Terá forças para deslocar Michel Temer da vice-presidência? Muito difícil porque a essa altura o PMDB já deu seguras manifestações de que a âncora verdadeira dessa política é ele. Então, o Eduardo Campos, a meu ver, não terá acesso a vice. O que ele vai fazer? Não sei. Ele tem um movimento de alto risco: pode ficar fora da vice-presidência, ver seu antagonista, seu rival imediato, que é o Aécio, se lançar nacionalmente, e ficar sem lugar até 2018. É um movimento de alto risco. Ele pode ainda, calculando riscos, lançar-se como uma terceira via, imaginando que não ganha em 2014, mas que em 2018 estará em situação de forte competição com Aécio. De terceira força ele pode passar a segunda em 2018. São estratégias, são cálculos cuja materialização vai depender das circunstâncias.

Valor: Uma derrota domingo é o ocaso para José Serra (PSDB)?

Vianna: O Serra perdendo, pela idade, fica muito complicado. Liderança emergente no PSDB, com a derrota dele [Serra], é o Aécio.

Valor: Agora, jogando para 2018, supondo que a presidente Dilma se reeleja em 2014, o senhor imagina que o Lula queira retornar?

Vianna: Não, a questão para mim é outra, e essa questão não é minha, é de todos: quem é o candidato do PT em 2014, Dilma ou Lula? O Lula pode se afeiçoar a esse papel de dirigente partidário, no qual ele está se saindo muito bem agora em 2012.

Valor: O senhor acha que a presidente Dilma não se rebelaria contra um desejo dele de se candidatar?

Vianna: Rebelar, não. Resistir acho que ela está resistindo da forma que lhe é possível. Ela vem sinalizando claramente que quer a reeleição, não na retórica explícita, mas na forma como se resguarda. Ela se resguardou muito no processo da Ação Penal 470, como que dizendo: não tenho nada com isso.

Valor: Só para concluir esse assunto da Ação Penal: na segunda-feira, durante o debate sobre a conjuntura econômica aqui na Anpocs, o senhor foi muito claro ao dizer que não se deve confundir a Ação Penal 470 com a judicialização da política. A continuidade da judicialização da política é um obstáculo à instalação dessa nova república?

Vianna: Não, obstáculo não. Olhe, esse teme mereceria uma outra entrevista. A presença do Judiciário na cena política, que é uma marca da modernização burguesa brasileira - Justiça do Trabalho [anos 1930/1940], Justiça Eleitoral [anos 1930]... Com que intenção isso foi feito lá atrás? Tutelar e controlar a sociedade. Agora, essa marca ficou. O que a Carta [Constitucional] de 1988 disse foi o seguinte: eu vou preservar esse Judiciário que vem da tradição autoritária brasileira, mas vou democratizar as suas funções. O julgamento da Ação Penal 470 foi uma vitória da Carta de 1988.

Valor: Como fazer para preservar essa consagração da Carta que o senhor apontou, como assegurar a reforma política, por exemplo?

Vianna: Essa é a hora do legislador. É o legislador que tem que operar no sentido de tornar nossa legislação eleitoral mais adaptada às nossas circunstâncias.

Valor: E o Congresso Nacional está à altura dessa tarefa?

Vianna: Vai ser obrigado a ficar, porque o impacto do julgamento da Ação Penal 470 foi exatamente no sentido de produzir resultados nessa direção, chamando a atenção do legislador para a urgência da reforma política.

O repórter está em Águas de Lindoia a convite da organização da Anpocs

Fonte: Valor Econômico

Definições - Merval Pereira


O Supremo estabeleceu ontem os parâmetros básicos para a condenação do ex-ministro José Dirceu, considerado o "chefe da quadrilha" do mensalão. A maioria, à exceção costumeira dos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffolli, votou pela condenação do publicitário Marcos Valério proposta pelo relator Joaquim Barbosa a sete anos e oito meses pelo crime de corrupção ativa em regime de continuidade delitiva.

Anteriormente, Valério já havia sido condenado a dois anos e 11 meses por crime de quadrilha, os mesmos crimes de que é acusado Dirceu. A soma dos dois dá uma pena de dez anos e sete meses, suficiente para que a condenação seja cumprida em regime fechado pelo menos por um ano e sete meses. No entanto, a pena de Dirceu para os crimes de corrupção ativa deve ser maior, pois ele, além de chefiar todo o esquema, era o principal ministro do governo na ocasião dos crimes, o que só agrava sua situação.

De todo modo, Dirceu pegará pena bem menor que a de Valério, que ultrapassou o máximo permitido pela legislação brasileira que é de 30 anos.

A condenação de Valério a uma pena agravada pelos nove crimes de corrupção ativa foi possível graças a uma sugestão do ministro Celso de Mello, que induziu Barbosa a refazer seu voto dentro de novas bases que haviam sido suscitadas pelo revisor Lewandowski. Como que confirmando a acusação renovada de Barbosa de que o revisor "barateava" o crime com penas mais leves - afirmação pela qual o relator depois se desculpou -, Lewandowski chamou atenção corretamente sobre a existência da súmula 711 do STF, segundo a qual, nos crimes continuados, quando eles ocorrem além da data da promulgação de nova lei penal, deve ser utilizada a legislação que tem pena mais grave. Mesmo utilizando o método correto, que não havia sido utilizado pelo relator, Lewandowski propôs três anos de reclusão, pena mais branda que aquela que Barbosa propusera com base em legislação menos severa.

O julgamento de ontem teve novo bate-boca entre Barbosa e Lewandowski, e, a despeito de ter resvalado para clima de baixaria, acabou sendo útil para a definição de parâmetros da dosimetria. Saiu-se da discussão com a decisão de haver rigor nas penas, mas obedecendo estritamente à individualização e ao critério de benignidade quando cabível. Barbosa perdeu o controle a certa altura e acusou Lewandowski de estar advogando para o réu, o que provocou intervenção do próprio presidente do STF, Ayres Britto, que, alteando a voz como raramente sucede, afirmou: "Aqui ninguém advoga para ninguém, aqui somos todos juízes".

Barbosa queixava-se dos critérios do revisor, os quais considerou muito brandos para os crimes cometidos por Valério, e insinuou que Lewandowski estaria "plantando para colher mais adiante", uma indicação de que pretendia preparar o terreno para reduzir a pena de outros réus, provavelmente referindo-se a José Dirceu.

Declarando-se desgostoso, Barbosa chegou a citar um artigo recente do "New York Times" - "um jornal que costumo ler" - que classificava o sistema judicial brasileiro de "risível", com o que ele concordou. No ápice da discussão, Barbosa declarou que não concordava "com o sistema brasileiro", o que provocou reação da maioria do plenário. Na verdade, o que o relator está querendo, e perdeu-se em acusações graves que teve de retirar mais adiante, é reduzir a possibilidade de as condenações tornarem-se inúteis pela possibilidade de progressão das penas prevista na legislação brasileira.

Ele analisava cada crime individualmente, enquanto Lewandowski insistia em que o conjunto das penas deveria ser levado em conta. No caso de Valério, mesmo que em um dos itens o revisor tenha conseguido reduzir a pena sugerida pelo relator, a somatória das condenações ficará bem acima do máximo permitido pela legislação. Mas no caso de outros, Dirceu e José Genoino, que são acusados de apenas dois crimes - corrupção ativa e quadrilha - o critério terá de ser outro. Genoino poderá até mesmo contar com a condescendência de alguns juízes, pois até Ayres Britto já o citou como sendo menos importante no esquema que Dirceu.

Só Delúbio Soares deve ter pena correspondente à de Valério, pois está condenado em vários crimes.

Fonte: O Globo

Condições objetivas - Dora Kramer


Observado o sagrado direito ao esperneio, há que se considerar a lógica na análise da anunciada reação que estaria sendo preparada por PT e adjacências contra as condenações de José Dirceu e José Genoino, logo após as eleições.

De um lado existe o desejo, justo na perspectiva de quem o manifesta, de buscar algum tipo de saída menos desonrosa para se confrontar com a dura possibilidade da condenação de dois símbolos do partido à prisão por corrupção e formação de quadrilha.

Nesse cenário o PT já nem seria mais igual aos outros partidos, mas o único a ter dirigentes na cadeia. Compreende-se, portanto, a aflição, pois não se trata de mera derrota eleitoral, mas da perda da liberdade e do nivelamento ao patamar de criminosos comuns.

É dolorido, embora decorrência inexorável dos atos julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

De outro lado estão as condições objetivas para a eficácia dessas reações. Não parecem favoráveis. Nos últimos anos não foram poucas, não obstantes frustradas, as tentativas de transformar o mensalão em obra de ficção escrita pelos inimigos.

Se o PT não conseguiu "desmontar a farsa" antes nem durante o julgamento, muito menos agora terá capacidade de desmentir a palavra final da Justiça.

Não há manifesto que contradiga a fundamentação das sentenças, não há esforço de retórica que dê aos condenados o status de presos políticos, não há injúria que abale a credibilidade do Supremo. Não há ativismo que mobilize multidões em defesa dos presos, não há indignação capaz de obscurecer a indignidade cometida no uso partidário do patrimônio coletivo.

Não há, enfim, objetivamente o que fazer. E por isso acabará prevalecendo o discurso do "cumprimento democrático" da decisão. Apenas e tão somente porque não existe opção.

Antes tarde. O rigor do tratamento dado a Marcos Valério, seja pelo papel de protagonista na dita "organização criminosa", seja pelo volume das penas, ultrapassa em muito o esperado pelo empresário quando colaborou de maneira comedida com a Justiça na fase de instrução do processo.

Como ainda enfrenta várias ações em primeira instância, há quem veja interesse em colaborar mais ativamente de forma a se beneficiar do instituto da delação premiada. Recurso que, para ser concedido, precisa se mostrar comprovadamente eficaz.

Enquanto o cenário era de dúvida, Valério jogou com ameaças veladas. Agora a certeza do duro destino extingue as razões da dubiedade.

Crime e castigo. O publicitário Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério e condenado por peculato, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, escreveu um longo depoimento para o jornal Correio Braziliense.

Perplexo com o desfecho do caso, diz algo importante para a compreensão desse tipo de episódio: "Sou um criador publicitário que não soube enxergar os riscos".

Quais riscos? Pelo que se depreende do relato, não percebeu o perigo de embarcar em operações financeiras nebulosas, de fazer crescer a agência de publicidade mediante aproximação com o partido do poder como "uma porta certa" para campanhas eleitorais, de não pesar nem medir consequências a despeito dos sinais de que havia algo de profundamente errado nas negociações de sua empresa com o PT.

E por que não enxergou os riscos? Porque a tradição de condescendência no trato de crimes contra a administração pública dispensava a análise prévia do custo-benefício.

Ao conferir tratamento mais igualitário a esse tipo de ilícito, o Supremo introduz o fator de equilíbrio entre perdas e ganhos na decisão da freguesia interessada em se locupletar naquele conhecido balcão.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Outros crimes da política - Tereza Cruvinel

Para mudar de fato a cultura política, o STF terá que criminalizar muitas outras práticas correntes e condenar muitos outros agentes. Poderia começar pela liberação de emendas parlamentares para os partidos aliados, uma prática dos governos federal e estaduais
Com o fim do julgamento da ação penal do mensalão, proliferam louvores ao Supremo Tribunal Federeal (STF) e apregoa-se que estamos diante de um marco de mudança. O presidente da Corte, ministro Ayres Britto, dizia a esta coluna na segunda-feira que, apesar do sono fatiado pelo julgamento, conforta-se com a certeza de que ele terá um efeito salutar sobre a cultura política. Delitos diversos ocorreram, 25 réus foram condenados e pegarão penas pesadas. Recursos virão, mas não impedirão as prisões, quem sabe a exposição de punhos notórios algemados. Apesar dos excessos cometidos, que ainda serão debatidos, o STF sai fortalecido e reconhecido. Mas, "data vênia", como dizem seus ministros, entre o resultado do julgamento e a mudança da cultura política, continuará havendo distância oceânica. Para mudá-la de fato, o Supremo terá que criminalizar ainda muitas outras práticas correntes e condenar muitos outros agentes. Poderia começar considerando como peculato a liberação de emendas parlamentares para os partidos aliados, prática do governo federal e dos governos estaduais.

O dever de casa do STF, para continuar mudando o país, não é (apenas) julgar outros processos e mensalões que tramitam no Judiciário. É tornar permanente sua ação profilática contra a doença do sistema político. Não apenas contra essas metástases que afloram sob a forma de escândalos. Quem ouviu, ao longo de 41 sessões, a narrativa conduzida pelo relator Joaquim Barbosa e acolhida pela maioria dos ministros pode até achar que as penas estão sendo brandas. Há internautas dizendo isso. O porém da narrativa do relator é que ela e seus rascunhos (que tiveram como autores o relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio, e o então procurador-geral, Antonio Fernando) ignoram o contexto dos delitos: o funcionamento do sistema político-eleitoral e do presidencialismo de coalizão. O ministro Celso de Mello advertiu que voto não é salvo-conduto para o delito nem indulta criminosos. Forte e preciso. Mas o problema é que nosso sistema político estimula não apenas o caixa dois ou o financiamento irregular de campanhas, mas outros delitos, como a corrupção ativa e passiva e o peculato. E a lavagem de dinheiro, no sentido que lhe deu agora o STF. Político não põe a mão em dinheiro. Sempre usa terceiros. Estarão sempre "lavando", pela nova jurisprudência.

Para mudar mesmo a cultura política, o STF terá de criminalizar a distribuição de cargos entre partidos aliados. Qual o governo, nas três esferas da federação, que não faz isso? E o fazem buscando aquilo que o ministro Marco Aurélio definiu como objetivo do mensalão: fidelizar uma base aliada. Talvez seja mais um caso de peculato: uso de bens públicos com propósitos políticos específicos. Pode também ser peculato a liberação de emendas orçamentárias para partidos aliados. É dinheiro público como o da Visanet, embora este vá ser um ponto ainda muito contestado. A "auditoria" do jornalista Raimundo Pereira (Retrato do Brasil) no contrato indica que os R$ 73 milhões foram aplicados em ações publicitárias, e não usados para comprar deputados, como repetiu ontem o relator. A sentença é irrecorrível, mas se o PT um dia fizer sua narrativa verdadeira do caso, terá que abordar isso. Entretanto, o assunto aqui são as emendas, mecanismo que todos os governantes usam escandalosamente para "fidelizar aliados".

Sem fidelizar aliados, como ter maioria e governar? O STF teria uma resposta ou proposta? A mais elementar seria reduzindo o número de partidos. Mas quando foi tentada uma barreira, o STF rechaçou a mudança na lei.

Barbosa voltou a falar ontem da busca de uma "contribuição" junto à Portugal Telecom para resolver problemas do PT e garantir o repasse prometido ao PTB/Roberto Jefferson para o pleito de 2004. Ele talvez não saiba, mas todos os partidos buscam (e recebem) contribuições das empresas que têm negócios com o governo. Claro que é reprovável, mas tais contribuições nunca foram tidas como "vantagem indevida" pelos tribunais. No pleito deste ano, devem ter ocorrido fartamente, longe dos tribunais. Contra isso, adote-se o financiamento exclusivamente público e uma lei rigorosa para Barbosa e seus pares aplicarem aos que a transgredirem.

O espaço é curto para tantas outra práticas que precisam ser criminalizadas. São de amplo conhecimento. Talvez não apenas do Supremo.

O futuro do PT

Seguindo com o processo de dosimetria penal para os réus da Ação Penal 470, o Supremo deve começar hoje a fixar as penas do ex-ministro José Dirceu. Seja qual for a ordem de "apenamento" fixada pelo relator Joaquim Barbosa, o PT está mais uma vez na encruzilhada. Governa o país há 10 anos, a atual presidente é bem avaliada e, no domingo, o partido deve colher expressivas vitórias eleitorais. Mas o julgamento deixa uma ferida na história da sigla e de dois quadros importantes de sua elite dirigente.: Dirceu e José Genoino já foram condenados e estarão, como vem dizendo o próprio Dirceu, "politicamente mortos". Outro quadro importante, o ex-ministro Antonio Palocci, já queimou duas "vidas" em escândalos. Uma no caso do sigilo bancário de um caseiro, outra no episódio das consultorias e da evolução patrimonial. Não deve ter uma terceira chance.

Lula não apenas seguiu sua "intuição eleitoral" ao lançar Fernando Haddad candidato à Prefeitura de São Paulo, identificando anseios do eleitor por novidades. Certamente mirava também o futuro do PT, um partido que precisará produzir uma nova elite depois do julgamento do chamado mensalão.

Fonte: Correio Braziliense

A presença dos ausentes - Míriam Leitão


O troféu é leve, verde-água, em forma de meia-lua recortada. No primeiro olhar, a gente não entende os recortes na parte interna da meia-lua, até notar que eles desenham o contorno de um perfil: de Vladimir Herzog. O rosto dele não está na parte sólida. Pode-se vê-lo, mas ele não está ali. Num dia 25 de outubro, há 37 anos, o jornalista foi morto no II Exército.

A beleza delicada e profunda do troféu se deve ao artista plástico Elifas Andreato. Levá-lo para a estante é o sonho da maioria dos jornalistas brasileiros. Na premiação deste ano, havia profissionais de várias partes do Brasil e de várias gerações indo ao palco do Tuca receber o seu, numa festa que mostrava a diversidade que o tema de direitos humanos se desdobra. De índios ameaçados à repressão política no esporte, de meninos de rua aos desaparecidos políticos na ditadura. Histórias emocionantes, que juntas contam como a democracia é uma obra interminável. É preciso sempre avançar.

Aquele 25 de outubro de 1975 é um dia que só pode ser definido com a ajuda de Zuenir Ventura. Um dia que não acabou. No palco do teatro onde também se resistiu à ditadura, a ministra Maria do Rosário e a integrante da Comissão da Verdade Rosa Maria Cardoso entregaram a Clarice Herzog um cartaz que comemora a troca dos documentos oficiais de Herzog. Não mais "asfixia mecânica", que indicava suicídio, e sim morte causada por maus tratos, ou seja, tortura. Dos vários espantos desta história, um é o tempo ser tão elástico. Só 37 anos depois é que se corrige a mentira. Mas a verdade inteira não se tem.

Nem sobre Herzog, nem sobre Rubens Paiva. Os filhos Marcelo Rubens, Vera e Eliana estavam lá e subiram ao palco para entregar o troféu à Globonews pela reportagem "Uma história inacabada". Fizemos o máximo que pudemos nos meses da apuração e preparação da reportagem, mas o fato é que ainda não se sabe, 41 anos depois, o que houve naqueles dias de janeiro em que ele desapareceu após ser levado da Terceira Zona Aérea, perto do aeroporto Santos Dumont, para a Polícia do Exército, na Tijuca.

A Comissão da Verdade tem circulado o Brasil esbarrando em histórias incompletas. E as falhas no relato que deixamos para as próximas gerações estão em toda parte. Aos poucos, vão se encontrando peças perdidas, fotos escondidas, fragmentos de um tempo que ainda aflige quem o viveu, e espanta e confunde quem não viveu.

As perguntas que os jovens fazem mostram que ainda há muito a explicar, as perguntas que nós, os mais velhos, carregamos revelam a demora da democracia em investigar os fatos. No livro de Audálio Dantas "As duas guerras de Vlado Herzog", uma das epífrages escolhidas pelo autor é de Carlos Drummond de Andrade: "Mas ainda é tempo de viver e contar. Certas histórias não se perderam."

Nem podem se perder. Não para remexer em velhas feridas, mas porque da recuperação daqueles fatos é que se fará a história que será entregue às futuras gerações. E elas precisarão saber, por exemplo, do menino judeu Vlado, cujos pais fogem de Banja Luka, na Iugoslávia, em 6 de abril de 1941, invadida pelas tropas de Hitler. O menino e seus pais acabam vindo para o Brasil, onde ele vira o respeitado jornalista Vladimir Herzog, que morre prematuramente, aos 38 anos, naquele 25 de outubro de 1975.

Há tantas emergências no Brasil que alguém pode achar que todas essas histórias deveriam ficar no passado. O problema é que os mortos e os desaparecidos políticos são como o perfil escavado na obra de Elifas Andreato. Estão ausentes, mas podem ser vistos.

Fonte: O Globo

O marxismo de Armênio Guedes – Luiz Sérgio Henriques


Já está em circulação a coletânea de textos de Armênio Guedes, publicada pela Fundação A. Pereira em parceria com a editora CONTRAPONTO. Mais informações:  061 – 32184104 e 61-32242269.

*** Apresentação de Luiz Sergio Henriques

Com este livro, organizado por Raimundo Santos, começa a se delinear em sua inteireza o perfil do veterano dirigente comunista Armênio Guedes, uma das referências político-intelectuais decisivas de décadas da história do velho PCB, o Partidão, muito especialmente a partir dos duros anos de clandestinidade, ainda no Estado Novo, e em seguida do segundo pós-guerra.

De fato, a trajetória de Armênio está ligada a aspectos cruciais da trajetória daquele partido, como, por exemplo, aqueles que marcaram a grande crise do movimento no “inesquecível 1956”. Como se sabe, naquele já distante ano teve início o tímido, mas irreversível, processo de desestalinização na “pátria do socialismo”, com a denúncia dos crimes cometidos por Stalin durante a coletivização forçada e em outros momentos da construção do socialismo “num só país”. E, simultaneamente, no Brasil, a conjuntura política parecia se mover em sentido progressista, com o acelerado desenvolvimento econômico nos quadros da Constituição liberal de 1946.

Dinamizada por este duplo impulso, a política dos comunistas – mesmo na ilegalidade ou, no máximo, discretamente tolerados a partir do final da década de 1950 – buscava novo fôlego e novos horizontes: aí então encontramos, já definida, a figura de Armênio, um dos redatores da célebre “Declaração de Março de 1958” e um dos intelectuais que trabalharam com este singular Astrojildo Pereira em inúmeras iniciativas, como, entre outras, a revista Estudos sociais, expressão de um sopro de renovação da cultura da nossa esquerda.

Derrotada em 1964 a hipótese de reforma do capitalismo, segundo um padrão que deslocasse para o próprio país as decisões fundamentais (a questão nacional) e implicasse a incorporação da massa rural ao sistema econômico e social (a questão democrática, entendida “substantivamente”), eis que deparamos novamente com Armênio, explorando em profundidade, ao lado de outros grandes dirigentes, como Luiz Inácio Maranhão e Marco Antônio Coelho, as razões da dura derrota e os meios mais produtivos de chegar novamente à democracia.

Estas foram questões candentes no seu tempo: questões que levaram a maior parte do PCB, importantes dissidências à parte, a valorizar a política de frente democrática, bem como a apontar o rumo da resistência propriamente política ao regime ditatorial, tendo como referência a luta pela anistia, pela legalidade de todas as forças partidárias e, finalmente, pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Aquele tempo projeta sonhos, conquistas e, naturalmente, promessas ainda não cumpridas sobre o Brasil dos nossos dias. Restaurado o regime de liberdades, o velho Armênio mais uma vez inova radicalmente: nele, a expressão “comunismo democrático” perde o caráter de oximoro de difícil entendimento. Com Armênio, penetramos numa ordem nova de possibilidades de mudança social, enraizada no respeito à legalidade constitucional e no método do reformismo, palavra antes maldita no repertório clássico da esquerda de matriz bolchevique.

Na sua introdução ao volume, Raimundo Santos mergulha no passado da experiência comunista e, ao singularizar a personalidade de Armênio, mostra-nos que, em meio a um século dramático, como foi o século XX, inclusive no Brasil, é possível buscar um fio condutor para as lutas sociais nas condições muitas vezes inéditas em que vivemos.

A aposta do organizador deste livro – a nossa aposta – é que a figura de Armênio e tudo o que ela representa estão destinadas a se tornarem bem maiores com o aprofundamento da vida num regime de liberdades. Uma aposta a ser feita, coletivamente, por uma esquerda democrática e reformista ainda em construção, que trate, com atenção, o legado de Armênio.

***Luiz Sérgio Henriques É ensaísta e editor de Gramsci e o Brasil 

Lula poderá compensar bem em São Paulo derrotas do PT em BH e no Norte e Nordeste – Jarbas de Holanda


Com a eleição de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo – no cenário provável de confirmação das pesquisas – o ex-presidente Lula reafirmará sua liderança pessoal no PT e sua influência na condução política do governo de Dilma Rousseff; avançará no projeto de conquista do governo paulista, a ser reforça-do, ou não, pelos resultados de outras disputas esta-duais no 2º turno, sobretudo a de Campinas; e com-pensará as importantes derrotas do lulismo e do Palácio do Planalto em Belo Horizonte e no Recife, com provável repetição domingo próximo em várias capitais do Norte e do Nordeste. Assim, diluindo o forte desgaste que, sem a vitória paulistana, ele sofreria com o fracasso da imposição de escolhas pessoais, como a de Haddad, que fez de candidatos do PT para disputas no Recife, em Teresina e em várias cidades. Outra compensação dessas derrotas está sendo o aumento da votação do PT no conjunto do pleito municipal (à frente das do PMDB e do PSDB), bem como do número de prefeituras de municípios do interior que o partido ganhou no 1º turno, além de algumas de maior porte que ganhará no turno final.

Quanto ao golpe que Lula desferirá no PSDB com uma vitória de Fernando Haddad e com o crescimento do PT no estado de São Paulo, seu objetivo direto é preparar o enfrentamento da candidatura à reeleição do governador Geraldo Alckmin. Para a conquista do governo paulista (um dos dois baluartes da oposição, SP e Minas), que facilitaria a fragilização da candidatura presidencial do tucano Aécio Neves. Mas Alckmin manteve no 1º turno, com a perspectiva de preservação no 2º, peças básicas do seu sistema de apoio, liderado pelo PSDB.

Por outro lado, a precariedade do desempenho do PT e de suas alianças em disputas referenciais do Norte e do Nordeste (somada à derrota no pleito de Belo Horizonte), que tende a ser repetida no 2º turno, aponta para uma redução do desequilíbrio político entre as forças governistas e oposicionistas no próximo pleito presidencial. A oposição recuperou competitividade em Manaus, Belém, Teresina, Salvador, podendo nelas vencer as disputas finais; e participou da derrota do PT no Recife, sendo parte da coligação antipetista em Fortaleza agora; além de ter ganho as prefeituras de Maceió e de Aracajú.

PSD. Governismo troca acerto  com PSB por fusão com o PP

Mesmo ainda participando do 2º turno da campanha oposicionista de José Serra, o principal dirigente do PSD, Gilberto Kassab, tem dado passos no sentido de fusão da legenda com o PP, que começaria com a montagem de um novo bloco de apoio ao governo Dilma. A imprensa vem registrando que as articulações de Kassab com essa finalidade são feitas com segmentos do PP não alinhados ao presidente Francisco Dornelles, como o senador Caio Nogueira e o deputado Paulo Maluf. Tal bloco, se constituído, teria uma bancada na Câmara equivalente à do PMDB, o que qualificaria o novo partido a ocupar vários ministérios, além de propiciar-lhe tempo de televisão e repasse do Fundo Partidário bem maiores os das atuais legendas. Essas articulações deixam para trás, ou anulam, o plano inicial do PSD anunciado por Kassab (ao romper com o DEM) de um relacionamento estreito com o PSB do governador Eduardo Campos, visando aos objetivos, articulados ou alternativos, de integração diferenciada (em relação ao PT e ao PMDB), à base governista, ou preparo de uma terceira via na política nacional.

O descarte daquele relacionamento começou a manifestar-se na desigualdade de posturas dos dois partidos nas eleições municipais. Da parte do PSB, o confronto com os petistas em disputas importantes como as de Belo Horizonte, do Recife, de Fortaleza, de Campinas, no 1º turno, e no 2º também nas de Manaus e Uberaba, em vá-rios casos por meio de aliança com o PSDB. E da parte do PSD de Kassab – com exceção do pleito paulistano, em face de antigo compromisso pessoal dele com José Serra –composições predominantes com candidaturas do PT, bem exemplificadas pelos apoios a Patrus Ananias em BH (que só não se formalizou por causa de veto da Justiça Eleitoral), em Salvador, em Manaus, no estado de São Paulo (em grandes cidades do interior e da Região Metropolitana, como Santo André). Apoios acertados com o Palácio do Planalto e com o próprio ex-presidente Lula.

Jarbas de Holanda é jornalista