sexta-feira, 3 de abril de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

A crescente falta de confiança na presidente Dilma, bem como a reprovação da maioria dos brasileiros à sua conduta pessoal à frente do governo são prova de que ela e o seu partido falharam ao terem optado por manter um projeto de poder a todo e qualquer custo e em prejuízo do Brasil.

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Presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves

Impostos são dois terços do ajuste

Ajuste movido a impostos

• Com volta de taxação a empresas anunciada ontem, dois terços do esforço vêm de receitas

Marcello Corrêa, Cristiane Bonfanti – O Globo

RIO e BRASÍLIA - A mais recente medida do governo para melhorar as contas públicas do país foi um sinal de que o ajuste fiscal deste ano deve ser mais concentrado em aumento de impostos do que em cortes de gastos. É o que avaliaram especialistas, após o anúncio, ontem, do aumento do PIS/Cofins sobre aplicações financeiras de algumas empresas. O tributo, que estava com alíquota zerada desde 2004, passa a ser cobrado, em julho, com percentual de 4,65%. A Receita estima que a medida vá engordar a arrecadação em R$ 2,7 bilhões este ano. O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, calcula que as principais medidas para aumentar tributos somam até agora R$ 31,5 bilhões, quase dois terços das ações anunciadas. Já os ajustes baseados em corte de gastos devem gerar economia de R$ 19 bilhões neste ano.

- Isso (aumento de impostos) é o governo pagando a conta do passado. A via correta era discutir, no Congresso, o tamanho do gasto. Mas isso não foi feito em quatro anos - diz o economista.

Os cálculos de Mansueto ainda são preliminares e podem sofrer ajustes de valores, sujeitos às negociações entre governo e Congresso. No lado do aumento da arrecadação, ainda é incerto o destino do texto que revê a desoneração da folha de pagamento para alguns setores empresariais, concedida em 2011, que enfrenta forte resistência dos parlamentares. O fim dessa renúncia fiscal, calcula Mansueto, elevaria os ganhos do governo em R$ 2,4 bilhões. O mesmo ocorre com as medidas provisórias que alteram benefícios trabalhistas, também motivo de polêmica no Legislativo, como as restrições ao acesso ao seguro-desemprego e à pensão por morte. O economista desconsiderou o ganho de R$ 7 bilhões previsto com a mudança do abono salarial, porque a medida só deve gerar efeito em 2016. Os pagamentos deste ano estão sujeitos à regra antiga.

A necessidade de cortar mais despesas é defendida por outros analistas. O economista Felipe Salto, também especialista em contas públicas, avalia que o aumento de imposto anunciado ontem reforça a expectativa de um ajuste por meio de alta de impostos:

- Isso mostra que, ao contrário do que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy,, disse na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o ajuste vai ser pelo lado do aumento de imposto. É uma tentativa desesperada, estão buscando todas as brechas possíveis.

Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o governo vai fazer um "grande corte" no orçamento deste ano. Na entrevista, Dilma disse ainda que vai "fazer tudo para cumprir" a meta fiscal.

Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, acredita que os sinais apresentados até agora mostram que o ajuste está no caminho correto. Ela destaca, no entanto, que o raio de ação de Levy é limitado. Cerca de 90% do Orçamento correspondem a despesas obrigatórias e, portanto, demoram mais para serem feitos.

- Não tem muita alternativa. Os ajustes para corte de despesas precisam ser realizados no médio longo prazo - explica.

Segundo comunicado da Receita Federal, a elevação do PIS/Cofins anunciada ontem atingirá cerca de 80 mil empresas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa - basicamente grandes companhias do comércio e da indústria. É válida apenas para os rendimentos com aplicações financeiras As empresas do setor financeiro, como bancos e seguradoras, não são afetadas. No caso dos juros sobre capital próprio das empresas, a alíquota não chegou a ser alterada em 2004 e permanece em 9,25%.

- Empresas maiores suportam mais uma crise. Certamente, o governo está tentando minimizar o efeito nas menores - analisa Margarida.

A estimativa de R$ 2,7 bilhões em receitas é referente ao efeito da nova alíquota entre agosto e dezembro. Em 2016, quando valerá durante todo o ano, a arrecadação deve saltar para R$ 6,5 bilhões, estima o Fisco.

José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), pondera que calcular o efeito de medidas como essa é um risco no cenário, considerando que os números de arrecadação variam de acordo com a atividade econômica. O economista avalia ainda que elevar o PIS/Cofins dos ganhos das empresas com aplicação financeira é punir aquelas que têm liquidez (dinheiro em caixa) suficiente para investir.

- Na prática, estão tributando mais a liquidez das empresas. É como se reduzissem a taxa do CDI, um dos investimentos mais populares, em 4,65 pontos percentuais - compara.

Afonso também destaca que as projeções do governo se baseiam na arrecadação, uma variável difícil de prever:

- O governo está tomando medidas na direção certa. Mas a arrecadação é uma variável que não se controla. A conta que é preciso fazer é a de quem ganha e quem perde. Mas isso é difícil. É como trocar o pneu com a bicicleta andando.

A Receita Federal restabeleceu a cobrança de PIS/Pasep e Cofins sobre os ganhos financeiros dessas empresas por meio de decreto publicado ontem do Diário Oficial da União. As duas alíquotas estavam zeradas desde 2004. Do total fixado, 0,65 ponto percentual é da contribuição para o PIS/Pasep e os outros quatro pontos se referem à Cofins. No texto, a Receita destacou que o aumento foi parcial, uma vez que, há uma década, as alíquotas totalizavam 9,25%.

Setor público teve déficit
As alíquotas foram zeradas em 2004 em contrapartida à extinção de um benefício que as empresas tinham. Na época, ao ter despesas de juros decorrentes de empréstimos e financiamentos, os empresários tinham direito a um crédito junto ao Fisco que poderia ser descontado, por exemplo, do recolhimento de contribuições. A Receita destacou que restabeleceu a cobrança "para evitar abrir mão de importantes recursos para a seguridade social, sem que se vislumbre, hoje, motivação plausível para tal renúncia".

Com a medida, o governo pretende reforçar os cofres públicos e garantir o cumprimento da meta de superávit primário - a economia para o pagamento de juros da dívida pública - de R$ 66,3 bilhões ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.

Nesta semana, o Banco Central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) informou que o setor público registrou um déficit de R$ 2,3 bilhões em fevereiro - o pior desempenho para o mês desde 2013. O resultado no acumulado do primeiro bimestre ficou em R$ 18,8 bilhões. O valor representa uma queda de 14,9% na comparação com o apurado no primeiro bimestre de 2014 e equivale a 28,3% da economia estimada para todo o ano de 2015. Para 2016, a meta de superávit primário está fixada em 2% do PIB.

Governo eleva alíquotas do PIS e Cofins

Aumento do PIS e da Cofins deve elevar arrecadação deste ano em R$ 2,7 bilhões

• Aumento deve afetar 80 mil empresas e vale para aquelas que pagam os dois tributos pelo regime de cobrança não cumulativo

Adriana Fernandes - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Para reforçar o caixa, o governo prevê arrecadar, até o final do ano, R$ 2,7 bilhões com o aumento do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras de empresas em 2015. A medida afetará 80 mil empresas em todo o País, segundo nota da Receita Federal publicada nesta quinta-feira.

O aumento da arrecadação vai começar a entrar no caixa do governo em agosto por causa do período de noventena (prazo de três meses) exigido para elevação de tributo de contribuições. A medida vale para fatos geradores a partir de 1º de julho.

A vantagem para o governo dessa nova medida de ajuste fiscal é que não precisará passar pelo Congresso Nacional, já que o Executivo tem autorização por lei, segundo a Receita Federal, para restabelecer as alíquotas mais altas por meio de decreto.

O aumento da tributação vale para as empresas que pagam os dois tributos pelo regime de cobrança não cumulativo. O aumento do tributo ocorre dois dias depois de a equipe econômica anunciar um déficit nas contas do setor público - o primeiro da gestão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Na última terça-feira, o ministro, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, não descartou o aumento das alíquotas.

O decreto publicado hoje restabelece a incidência de PIS/Cofins sobre as receitas financeiras auferidas pelas empresas sujeitas ao regime de não cumulatividade. Segundo a Receita, a Lei nº 10.865, de abril de 2004, que instituiu incidência do PIS/Cofins na importação, autorizou o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas das mencionadas contribuições incidentes
sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade.

Com essa autorização, em julho de 2004, a Receita reduziu a zero as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre as receitas financeiras, exceto as oriundas de juros sobre capital próprio e as decorrentes de operações de hedge.

Mais tarde, em maio de 2005, outro decreto revogou o anterior e deu nova redação para estabelecer que a redução a zero das alíquotas destas contribuições aplicava-se sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas que tinham pelo menos parte de suas receitas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa das referidas contribuições e estabeleceu que a redução também se aplicava às operações realizadas para fins de hedge, mantendo a tributação sobre os juros sobre o capital próprio (9,25%).

De acordo com a Receita, a redução de alíquotas surgiu em contrapartida à extinção da possibilidade de apuração de créditos em relação às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos.

Para as empresas que apuram a cobrança pelo regime de apuração cumulativa, a Lei nº 11.941, de maio de 2009, estabeleceu que a base de cálculo fica restringida ao faturamento (receita bruta), que alcança apenas receitas decorrentes da venda de bens e serviços.

Deste modo, afirma a Receita, para "evitar abrir mão de importantes recursos para a seguridade social, sem que se vislumbre, hoje, motivação plausível para tal renúncia e valendo-se da prerrogativa legal de restabelecer as alíquotas em tela" para as pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa, concedida ao Poder Executivo, o decreto de hoje estabeleceu o porcentual de 4,65%, sendo 0,65% em relação à Contribuição para o PIS/Pasep e 4% em relação à Cofins.

A Receita afirma que o restabelecimento de alíquotas é apenas parcial, já que o teto legal permite que a elevação alcance o patamar de 9,25%, sendo 1,65% em relação ao PIS/Pasep e de 7,6% em relação à Cofins.

PT prega mudanças no ajuste fiscal

- O Globo

Documento apresentado pela ala majoritária do PT, para discussão no 5º Congresso do partido, que acontecerá em junho, prega mudanças no ajuste fiscal proposto pelo governo Dilma para que seu peso não recaia sobre os trabalhadores, mas rejeita que tenha havido "estelionato eleitoral". Também aponta como um dos erros do governo não ter consultado a sociedade sobre as medidas, "apenas informada a posteriori".

"Faltou explicar, no entanto, e no momento adequado (talvez antes mesmo do 1º de janeiro), que não era mais possível continuar aplicando, da mesma forma, as políticas contra cíclicas adotadas no primeiro mandato, que nos permitiram garantir emprego e renda dos trabalhadores em meio a uma conjuntura internacional desfavorável. Os problemas fiscais se agravavam e exigiam medidas corretivas", diz o texto, que faz uma autocrítica do partido: "Estamos sofrendo, há algum tempo, um processo de envelhecimento que não nos trouxe a maturidade suficiente. Apenas perdemos o frescor da juventude", diz trecho do documento apresentado pela chapa "O Partido Que Muda o Brasil", que elegeu o atual presidente Rui Falcão.

Levy sinaliza que governo está disposto a discutir redução de cargos e ministérios

• Titular da Fazenda avisa a partidos aliados que uma reforma administrativa, com cortes internos pontuais, pode ser ‘simbólica’ num momento de aperto das contas públicas

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

Em meio às negociações em torno da votação do pacote de ajuste fiscal no Congresso, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sinalizou que o governo está disposto a discutir a redução do número de ministérios e de cargos comissionados, ocupados por indicação política, na esfera do Executivo federal.

A realização de uma reforma administrativa foi tema de uma reunião entre o ministro e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na segunda-feira. Na ocasião, Levy esteve no Congresso para negociar o adiamento da votação do projeto que obriga o governo a regulamentar em 30 dias o novo indexador da dívida dos Estados. O ministro saiu do encontro com o acordo de adiamento do projeto e com o discurso de que iria elaborar um levantamento que indicasse possíveis cortes. Ele, no entanto, não deu nenhuma data para apresentá-lo. A Casa Civil do governo Dilma já elabora um estudo sobre uma possível redução dos atuais 39 ministérios.

A redução de cargos comissionados foi defendida publicamente dias antes por Renan, que vê na proposta uma forma de dar uma resposta a setores da sociedade descontentes com as medidas impopulares tomadas pelo Executivo na área econômica. O pacote inclui a redução de benefícios trabalhistas e previdenciários, além de um reajuste menor na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.

“A sociedade tem que ficar absolutamente convencida de que o poder público está fazendo a sua parte e que vai cortar”, afirmou Renan na ocasião.

Posição pública. A sinalização de Levy de fazer um levantamento das áreas do Executivo que poderiam passar por possíveis cortes no número de cargos de indicação política ocorre na mesma semana em que a presidente Dilma Rousseff passou a se posicionar sobre o tema.

“Não vamos reduzir a nossa política social, porque não é ela a responsável pela grande maioria dos gastos. O que vamos fazer é um enxugamento em todas as atividades administrativas do governo, um grande enxugamento. Vamos racionalizar e continuar fazendo o que a gente sempre faz”, disse a presidente em entrevista à agência Bloomberg, um dia depois do encontro entre Levy e Renan.

De acordo com integrantes do PT que se reuniram com o ministro em meio às negociações do ajuste fiscal no Congresso, Levy demonstrou de fato a intenção de realizar ajustes na máquina federal. Uma possível redução dos ministérios, entretanto, deve sofrer forte resistência de setores do partido da presidente que veem tal medida como algo demagógico.

Oficialmente, a Casa Civil do Palácio do Planalto afirma que o tema não tem sido alvo de discussões internas no governo.

Simbologia. Nas conversas com representantes do PT, Levy demonstrou que uma possível redução de cargos comissionados serviria mais como um gesto “simbólico” do que efetivo, uma vez que teria pouco impacto nos cofres federais. A preocupação maior do Palácio do Planalto, agora, é realizar um corte no Orçamento deste ano – que pode chegar a R$ 80 bilhões.

De acordo com dados do Ministério do Planejamento, o governo federal abriga atualmente 22.926 cargos de Direção e Assessoramento Superiores, os chamados DAS. Desse total, 74% são ocupados por servidores de carreira.

Nos casos dos DAS de nível 1 a 3, em que os salários variam de R$ 2.227,85 a R$ 4.688,79, há 4.530 cargos ocupados por pessoas não concursadas. Nessa faixa, o porcentual daqueles que não têm vínculo é de 23,89%. Esse valor está dentro do limite estabelecido de até 25%. Já os cargos de DAS nível 4, em que os rendimentos mensais chegam a R$ 8.554,70, há 937 pessoas sem vínculo. Esse número representa 24,19% do total, também abaixo do teto de 50% de ocupação, exigido para esse nível.

No caso dos cargos de DAS de nível 5 e 6, em que os salários variam de R$ 11.235 a R$ 13.974,20, não há porcentual estabelecido para ocupação de servidores concursados.

De acordo com o Planejamento, há 290 ocupantes sem vínculo e 761 concursados e, no DAS nível 6, são 64 sem vínculo e 140 concursados. A reportagem procurou Levy por meio da assessoria, mas até a conclusão desta edição não houve resposta às ligações e e-mail enviados.

Partidos de Marina e Kassab podem voltar à estaca zero

• Para ministros do TSE, assinaturas colhidas seriam invalidadas por nova lei

• Regras estabelecidas tornam mais difíceis a criação e fusão de novas legendas, prejudicando projetos da Rede e do PL

Ranier Bragon, Márcio Falcão - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A ex-senadora Marina Silva e o ministro Gilberto Kassab (Cidades), que tentam viabilizar na Justiça Eleitoral a criação de partidos, podem ter de recomeçar seus projetos políticos da estaca zero.

Ministros e ex-ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ouvidos pelaFolha avaliam que as duas novas siglas patrocinadas por eles se enquadram na nova legislação, sancionada no mês passado, que dificulta a criação e fusão de partidos.

Tanto o grupo político de Marina quanto o de Kassab pediram o registro das legendas antes de a lei entrar em vigor.

A avaliação de pelo menos dois atuais ministros e outros dois ex-ministros do TSE, porém, é de que apresentar o pedido não basta. Seria preciso que eles já estivessem aprovados pela Justiça Eleitoral.

A nova lei exige que, para registro de novos partidos, só sejam aceitos apoiamentos de eleitores não filiados a outra legenda. Para uma sigla ser reconhecida, são necessárias 485 mil assinaturas.

Marina Silva tenta formar desde 2013 a Rede Sustentabilidade. Naquele ano, o TSE negou registro porque 32 mil assinaturas foram invalidadas.

Agora, o grupo quer entregar, até o fim do mês, 80 mil apoiamentos à Justiça. A Rede diz que não será atingida pela lei e espera reaproveitar 450 mil assinaturas reconhecidas há mais de um ano.

"Se houve formação de um processo com apoiamento e esse desaguou no indeferimento do registro, fica tudo liquidado [...] e tem que começar, a rigor, da estaca zero", avalia Marco Aurélio Mello, que é ex-presidente do TSE.

"O que nos garante que aqueles eleitores que apoiaram à época continuam apoiando?", completou.

Kassab
O processo de recriação do Partido Liberal, patrocinado por Kassab, também corre risco. Aliados do ministro entraram com o pedido de registro no TSE um dia antes de Dilma sancionar a nova lei.

Foram apresentadas 167 mil assinaturas. O grupo diz que outros 484 mil apoiamentos estão em processo de certificação em cartórios.

O retorno do PL é tocado por um ex-deputado estadual amigo de Kassab. Sua ideia é fundir o PL com o PSD do ministro --o que também esbarra na nova lei, que só permite fusão de siglas cinco anos após serem criadas.

A ideia da união é atrair congressistas insatisfeitos com seus partidos e reforçar a base governista da presidente. O Planalto deu aval para a articulação, o que gerou reação do PMDB, que foi à Justiça tentar barrar o PL.

Apesar de ameaçados, tanto a Rede quanto o PL dizem que não pretendem questionar as novas regras no STF.

Lula pressiona por mais espaço ao PMDB

• Grupo do ex-presidente quer que Dilma entregue a articulação política do Planalto a aliados para aprovar ajuste fiscal

• Ex-deputado Henrique Eduardo Alves e Eliseu Padilha (Aviação Civil) são cotados para as Relações Institucionais

Valdo Cruz, Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O grupo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pressiona Dilma Rousseff a fechar, até a próxima semana, a reformulação de seu ministério para pôr fim à guerra entre governo e PMDB.

Segundo interlocutores de Lula e Dilma, a presidente deveria entregar imediatamente a articulação política a um peemedebista para envolver o partido de seu vice, Michel Temer, no comando das negociações do ajuste fiscal.

São citados dois candidatos ao posto, hoje nas mãos do ministro Pepe Vargas (Relações Institucionais): o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), peemedebista gaúcho.

Em reunião nesta semana, Lula avaliou com seu grupo de interlocutores que Dilma precisa compreender que a crise atual é mais política do que econômica, e que a solução passa por uma rápida composição com o PMDB.

Para Lula, tão logo o governo volte a se acertar com o comando peemedebista, a crise econômica começará a ser equacionada com a aprovação do ajuste fiscal.

Lulistas avaliam que Dilma errou ao acertar a nomeação de Henrique Eduardo Alves para o Ministério do Turismo sem definir a situação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fiador do atual titular da pasta, o alagoano Vinicius Lages.

Um interlocutor de Lula classificou de "ingenuidade" do Planalto a orientação de que cabia ao PMDB se acertar internamente para ela nomear Alves para o Turismo.

Segundo assessores presidenciais, mudar o destino de Alves poderia ser a solução, nomeando-o para o comando da articulação política.

Lula e seu grupo defendem uma solução rápida para a crise com o PMDB porque, na próxima semana, serão discutidos no Congresso temas com impacto direto nas contas da União.

O governo quer que o Senado confirme o adiamento da discussão da renegociação das dívidas dos Estados e municípios com a União. Há ainda a ameaça de Renan de avançar com proposta que dá autonomia ao Banco Central, além de projeto com mudanças no ICMS, principal imposto cobrado pelos Estados.

Já a Câmara pode decidir se eleva de R$ 380 milhões para R$ 2 bilhões os gastos previstos com funcionalismo.

Lula quer emplacar ‘deputado anti-impeachment’

• Wadih Damous, primeiro suplente do PT, é visto como nome certo para defender Dilma no Congresso e rebater de forma ‘técnica’ pedidos de ‘Fora Dilma’

Luciana Leal – O Estado de S. Paulo

RIO - Empenhado em intensificar a defesa do governo e da presidente Dilma Rousseff no Congresso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha para mudar a bancada do PT na Câmara. Em jantar com o prefeito Eduardo Paes e o governador Luiz Fernando Pezão,ambos do PMDB,anteontem, Lula pediu que um deles abra vaga no secretariado para um deputado federal petista do Rio,a fim de dar lugar na Câmara ao primeiro-suplente, Wadih Damous (PT-RJ).

Na avaliação de Lula, Damous, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ),poderá fazer uma sustentação não só política, mas jurídica e técnica, contra movimentos como o que pede o impeachment da presidente. Também poderá questionar os métodos da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobrás.

O ex-presidente diz que falta à bancada petista um parlamentar com o perfil de Damous.
No jantar, do qual participou o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), ficou acertado que Paes estudará como levar um petista para a prefeitura. Paes é aliado do PT, partido do vice- prefeito e secretário municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Adilson Pires.

Pezão, que enfrentou o PT na disputa pelo governo, ano passado, não está disposto a abrir espaço para o partido.

A primeira opção pensada por Lula era que a deputada Benedita da Silva(PT-RJ)assumisse uma secretaria. Benedita foi denunciada pelo Ministério Público Estadual por suspeita de improbidade administrativa quando ocupou a Secretaria de Assistência Social do Estado, entre 2007 e 2010. 

Anteontem, a Justiça do Rio, em liminar, determinou bloqueio de bens e quebra de sigilos fiscal e bancário da deputada e ex-governadora. Agora está sendo estudada a alternativa de levar para a prefeitura o deputado Chico D’Angelo, que é médico.

Elogios. No fim de fevereiro, durante ato em defesa da Petrobrás no Rio, Lula conversou com Damous e disse que gostaria de vê-lo na bancada petista. O ex-presidente petista elogiou as manifestações do advogado contra os pedidos de impeachment e as críticas ao que considera supervalorização das delações premiadas na Lava Jato.

Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, disse ontem não ter relação próxima com Lula. Mas admitiu que amigos comuns mencionaram a ideia de levá-lo a assumir o mandato de deputado. “Fico muito honrado. Tivemos um breve diálogo, o presidente Lula disse que seria bom ter um quadro jurídico (na bancada petista)”, afirmou.

O advogado repetiu que não há fundamentação jurídica para o impeachment. “Existe um componente político acentuado, mas não tem cabimento tratar impeachment como solução para a insatisfação com o governo. A regra democrática manda esperar quatro anos pela próxima eleição”, disse.

Damous também sustenta ser preciso cautela no uso das delações premiadas. “Nesta Operação Lava Jato, a delação premiada está sendo banalizada e usada como principal elemento de prova. Não se pode atribuir à delação o caráter de verdade absoluta.Fui muito criticado quando disse isso, mas ninguém delata outro senão for coagido”, afirmou.

No jantar com os aliados peemedebistas, na Gávea Pequena, residência oficial do prefeito, na zona sul, Lula voltou a reclamar da articulação política do governo. Ele evita criticar diretamente a presidente, mas se ressente por não ser ouvido.

Lula quer que Dilma não fique acuada diante da pressão dos aliados, das manifestações contra o governo e do baixo índice de popularidade e que vá para a rua defender a própria gestão

José Augusto Guilhon Albuquerque - O day after

- O Estado de S. Paulo

As manifestações de 15 de março, inesperadas por seu volume e seu alcance, confirmam o risco de apagão econômico, político e moral do atual governo. O mesmo se pode dizer da reação titubeante e autodestrutiva da Presidência e do PT. De forma cega e compulsiva a presidente Dilma repete a mesma trajetória: dobra as mesmas apostas equivocadas, culpa Deus e o diabo pelos efeitos desastrosos, nega que exista algum problema, redobra as mesmas apostas, e assim indefinidamente.

Com efeitos fulminantes na opinião pública, que já mostrou cabalmente que já não aceita Dilma como primeira mandatária da Nação. Mais que isso, a imensa maioria da sociedade brasileira já não tem paciência para aturar outros quatro anos de desgoverno.

Basta ver pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha em que a avaliação negativa de seu governo chegou a quase dois terços dos brasileiros, numa rejeição sem precedentes desde o impeachment do presidente Collor, a qual se reproduz em todas as regiões do País e em todas as categorias de renda e escolaridade. Os mesmos palacianos de sempre repetem a ladainha da fotografia, que mediria apenas o momento.

Na verdade, não é um retrato, mas uma série de radiografias em que uma mancha suspeita, inicialmente pequena, se revela uma massa em crescimento desordenado. A rejeição ao seu governo cresceu quase quatro vezes, de 17% para 62%, nos três primeiros meses de seu mandato e apenas nos dois primeiros dias após as manifestações aumentou quase 50%.

Mais preocupante foi o suposto vazamento de um documento palaciano, atribuído ao então ministro da Comunicação, que expõe impiedosamente as causas do enfraquecimento inexorável da presidente e apresenta um diagnóstico ainda mais sombrio de sua trajetória, mostrando seu isolamento e sua aparente incapacidade de aprender com os erros cometidos. O que espanta não é o documento revelar impudicamente o uso da máquina pública para fins partidários - isso já não surpreende ninguém -, mas que se recomende maior exposição da presidente e mais propaganda, apesar da reação de repúdio que suas aparições em público têm suscitado. O fato é que iniciativas do próprio governo (ministros da Educação e da Comunicação) e batalhões inteiros do "exército do Stédile" (no caso, o MST) coincidam em debilitar ainda mais a presidente em seu momento mais crítico.

A sociedade dá claros sinais de impaciência e quer resultados palpáveis, não aceita pagar a conta do desmando, enquanto o governo se poupa de arrumar a própria casa. Seria o caso de pedir sua renúncia, de propor seu impeachment ou de tentar virar a mesa, como uma ínfima minoria raivosa e desinformada pretende?

Ao PT e ao seu governo interessa fazer um grande amálgama entre a manifestação de insatisfação generalizada da sociedade com o governo, expressa em dezenas de palavras de ordem, convergentes, mas distintas, e um suposto golpismo. Mas se a presidente não recuperar rapidamente um mínimo de credibilidade e sangrar até o fim, o custo para a estabilidade da economia e da sociedade será demasiado.

A menos que os partidos de oposição insistam em brincar de esconde-esconde com o governo, um acobertando-se atrás das massas e outro, atrás dos "exércitos" paragovernamentais, está na hora de exercerem seu dever de liderar, oferecendo alternativas ao caos.

Do ponto de vista legal, o impeachment é previsto na Constituição e sua solicitação é prerrogativa de todo cidadão no gozo de seus direitos políticos. Sem base constitucional e sem um rigoroso processo de investigação e deliberação sobre sua conveniência política e moral, o impeachment só se presta a banalizar um instrumento constitucional destinado a solucionar crises de altíssima gravidade.

Por isso mesmo a opção popular pelo impeachment só constitui golpismo para os que consideram golpe discordar, manifestando seu julgamento moral e político sobre os governantes. Golpismo o PT sabe muito bem o que é, pois usou essa tática contra todos os chefes de Estado não petistas desde a redemocratização e neste mesmo instante contribui descaradamente para o desgaste da presidente.

Seria politicamente irresponsável levantar a bandeira do impeachment ou pedir sua renúncia sem levar a sério o atual contexto. O objetivo político do impeachment não é punir governantes, nem se esgota em afastar um mandatário. Consiste essencialmente em restabelecer a segurança institucional, isto é, preservar as condições políticas de sustentação do Estado Democrático de Direito e a capacidade governativa no day after.

Montesquieu, ao falar sobre a República, afirmava que o povo, embora não consiga ocupar-se da gestão direta do governo, porque é multidão, sabe muito bem distinguir os bons dos maus generais. Se quatro em cada cinco cidadãos não confiam na generala nem em seus lugar-tenentes, é muita prepotência tentar desqualificar esse julgamento do povo.

Dito isso, não nos iludamos, uma classe política - isto é, o conjunto dos eleitos para os diferentes níveis de governo e os executivos governamentais e partidários - não brota do nada. Deixadas a si mesmas, manifestações de massa podem seguir de impasse em impasse em direção a uma "primavera" ou uma "revolução colorida", e aos longos conflitos fratricidas que as seguiram.

É necessário que as lideranças nacionais definam seus objetivos com relação às eventuais saídas para a crise. Existem condições para uma ampla coalizão interpartidária para garantir uma maioria segura nas diferentes hipóteses de saída, como aconteceu na renúncia de Jânio, na morte de Tancredo e no impeachment de Collor?

Se não existem, é necessário criá-las. Uma frente parlamentar, reunindo setores moderados da oposição e os setores responsáveis da base do governo, que não se submetem ao hegemonismo autoritário do PT e estejam dispostos a salvar as instituições que juraram defender, é certamente muito difícil. Mas só é impossível se não for tentada.

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Professor titular da USP e pesquisador visitante na Unicamp

Bruno Araújo - Presidente, o Brasil merece desculpas

• Dilma Rousseff mentiu durante a campanha e na formação de seu governo. Mente ao não reconhecer a gravidade da situação

- Folha de S. Paulo

Em dois debates durante a campanha presidencial, Aécio Neves deu oportunidade para que a presidente Dilma Rousseff pedisse desculpas aos brasileiros por ter tirado a então maior empresa do país das páginas de economia e a levado para o noticiário policial. Dilma ironizou a proposta e negou qualquer relação com a crise na Petrobras.

O que se sabia, então, era pouco, quase nada. Menos de seis meses e algumas delações premiadas depois, ficou claro que o petrolão é o maior escândalo de corrupção da história deste país. Mas a crise não é só de corrupção.

É também política, já que a presidente não controla sua base política e perdeu o apoio até de parte de seu partido. É econômica, pois as contas públicas estão fora de controle, gerando inflação e ameaça de desemprego. E é, sobretudo, de confiança. A presidente mentiu durante a campanha e na formação de seu governo. Mente ao não reconhecer a gravidade da situação.

Assim, perde a confiança que a maioria dos brasileiros que foi às urnas lhe deu em outubro passado.

A última pesquisa do instituto Datafolha comprovou o que a rua já mostrava: os brasileiros não confiam mais na presidente e em sua equipe. Sua gestão é aprovada por apenas 13% dos eleitores. O pessimismo com a economia é impressionante: os brasileiros acham que a situação do país vai piorar, preveem que o desemprego aumentará e que a inflação vai crescer.

Dilma quebrou a confiança do brasileiro. Os erros e as mentiras do passado levaram à situação de insatisfação no presente e à desesperança com o futuro. Em todas as regiões, classes sociais e faixas etárias. O descontentamento é geral. Setores que pouco tempo atrás lhe deram a vitória, agora a desprezam.

No mesmo dia da divulgação da pesquisa Datafolha, o Brasil viu outra farsa desmoronar. Com a saída espetaculosa de Cid Gomes do Ministério da Educação, ficou evidente que a "pátria educadora" prometida na posse não passava de um slogan. Cid foi um ministro tampão.

Em sua gestão, o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) entrou em crise e as universidades federais começaram a parar por falta de recursos. A pasta teve um corte de R$ 7 bilhões e o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) deixou de pagar as instituições formadoras.

O fracasso é evidente. A verdade é que caminhamos em direção contrária ao slogan. Em menos de três meses, houve corte de 31% no Orçamento do ministério, 30% no Orçamento das universidades federais, houve atrasos no Pronatec, e milhares de alunos ficaram sem condições de renovar suas matrículas em seus cursos devido ao arrocho no Fies.

A educação andou para trás neste segundo mandato, assim como todo o país. É mais um setor que perde a confiança no governo.

Acuada, a presidente não consegue apontar caminhos para superar a crise. Prefere usar de cinismo ao lançar um pacote de combate à corrupção inócuo, com medidas recicladas e que já tinham sido apresentadas pelo então presidente Lula como cortina de fumaça no auge da crise do mensalão.

A presidente não precisa de pacotes, precisa da verdade. Precisa olhar nos olhos dos brasileiros e reconhecer os muitos erros que cometeu. É o primeiro passo da difícil caminhada para recuperar um mínimo de confiança da população.

Uso este nobre espaço para, repetindo Aécio Neves, fazer uma proposta à presidente: Dilma, minha cara, peça desculpas aos brasileiros por todos os seus erros e mentiras. O Brasil merece a verdade.

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Bruno Araújo, 43, advogado, é deputado federal pelo PSDB-PE e líder da oposição na Câmara

Merval Pereira - Brasil, Cuba e EUA

O Globo

Para o Itamaraty, o reatamento dos EUA com Cuba pode acontecer até 9 de abril, antes da Cúpula das Américas, que se realiza no Panamá no dia 10. Há como sempre alguns problemas de última hora a resolver, especialmente em direitos humanos e cooperação consular, mas a sensação entre os diplomatas que acompanham a negociação é que as duas partes têm a vontade política necessária para superar os últimos obstáculos ao reatamento antes daquela data.

A decisão será tomada não apenas porque já está madura, mas com o temor de que a crise da Venezuela e sua disputa com os Estados Unidos tomem todo o espaço da reunião. O clima político na reunião poderá ser afetado favoravelmente caso o presidente Barack Obama chegue com a relação com Cuba normalizada.

O Brasil está tendo uma atuação paralela importante no reatamento, não apenas porque foi, através de sua diplomacia, um dos países que mais pressionaram Cuba a aceitar a aproximação com os Estados Unidos, como está se propondo a auxiliar no que for preciso para ajudar no desdobramento do reatamento.

Ao contrário do que se gaba o governo brasileiro, o Porto de Mariel, o investimento mais visível e paradoxalmente mais secreto do governo brasileiro em Cuba, não terá nenhuma importância para o Brasil nessa nova fase. No máximo nos agregará prestígio num país onde já tínhamos uma importância política e econômica devido às proximidades ideológicas do PT com a ditadura cubana.

O Brasil não será dono do porto de Mariel, embora tenha emprestado mais de R$ 1 bilhão através de um acordo secreto com o BNDES para a Odebrecht ampliar e modernizar o porto, que continua sendo do governo cubano. E foi o governo cubano que escolheu para administrar o porto a PSA International, uma das maiores companhias de Cingapura.

Na transição de um país fechado para o mundo, para a abertura que proporcionará o reatamento com os Estados Unidos, mesmo com o embargo econômico ainda em vigor, o Brasil terá, sim, um papel importante. O Banco Central brasileiro já foi colocado à disposição de Havana para ajudar em detalhes técnicos para que Cuba reorganize suas finanças, a fim de se habilitar a empréstimos estrangeiros de bancos e organismos internacionais.

Um seminário com especialistas que tiveram a experiência da transição da URV para o Real na implantação do Plano Real está sendo programado para ser realizado em um centro de estudos cubanos, para preparar a transição do CUC para o peso, e amenizar os problemas da mudança de moeda, que será importante para facilitar o turismo após o reatamento.

O Peso Cubano Conversível (CUC) é uma das duas moedas oficiais em Cuba, juntamente com o Peso Cubano (CUP), dinheiro utilizado pelos locais, e empregado nas transações econômicas de exportação e importação.

O peso conversível (CUC), administrado pelo próprio governo, foi criado devido à desvalorização do peso cubano frente às moedas estrangeiras com o fim do bloco socialista. Até 2004, o dólar na ilha podia ser usado para desde o pagamento de corridas de táxi até refeições nos paladares, restaurantes frequentados por turistas estrangeiros.

Com isso, criou-se uma nova classe, a dos que ganhavam em dólar, e até mesmo trabalhadores na cadeia turística passaram a receber gorjetas em dólar, criando um problema político que acabou levando à proibição da circulação da moeda americana. Como é uma ficção cubana, o CUC não é reconhecido por nenhum banco central no mundo.

Há ainda uma dificuldade extra para os turistas estrangeiros: cartões de crédito americanos não são aceitos em Cuba. Por tudo isso, será preciso montar um esquema de transição para que os novos turistas americanos, que já começam a chegar, possam usufruir da ilha, e Cuba possa voltar a receber dólares sem criar problemas sociais adicionais.

Eliane Cantanhêde - Os militares e a crise

- O Estado de S. Paulo

Órgãos de inteligência do governo, principalmente das Forças Armadas, passaram o 31 de março em estado de alerta para detectar tanto provocações de "oficiais de pijama" quanto manobras do "exército do Stédile" e, assim, tentar evitar confrontos. E o que aconteceu? Nada. Poucas vezes antes neste país o 31 de março passou tão em branco. Desta vez, a crise corre ao largo dos militares.

O temor em Brasília era de que, neste clima político, com crises variadas, a popularidade de Dilma Rousseff no chinelo e depois de milhões de pessoas protestando no 15 de março, o aniversário do golpe militar de 1964 servisse de pretexto para novas demonstrações de força e embates de rua, com resultados imprevisíveis. O temor não se confirmou e, no final do dia, a sensação na capital da República era de alívio.

Foi como se tivesse havido um acordão entre os militares da reserva e os militantes de Lula/Stédile para ninguém botar mais lenha na fogueira, para os dois lados não saírem às ruas. Não houve acordo, obviamente, só uma avaliação fria de que não estão fortes o suficiente para mobilizar massas e provocar comparações.

Apesar de toda a insinuação prévia de que haveria novos atos públicos, o PT preferiu se trancar em "plenárias", lambendo as feridas, preparando o congresso de junho e tentando traçar o futuro numa frente com MST, CUT, UNE e acessórios que, em nome de uma guerra extemporânea entre "direita" e "esquerda", engolem qualquer coisa, até o indigesto desmanche da Petrobrás.

Essas plenárias do partido são como uma pausa para pensar, num momento em que a popularidade da presidente bate no fundo do poço (12% de aprovação?!) e ela reza para São Levy fazer chover e conseguir aprovar no Congresso as correções dos imensos erros que ela própria cometeu no primeiro mandato.

Do outro lado, o militar, o que houve foi mais do mesmo: almoço de oficiais da reserva no Clube Militar, uma meia dúzia gritando palavras de ordem do lado de fora e outra meia dúzia fazendo confusão em local fechado de São Paulo. Nada que mereça o título de "manifestação". Isso só reforça que, desta vez, as Forças Armadas não têm nenhum protagonismo. Mesmo nos bastidores, os militares debatem a crise como qualquer cidadão: com espanto. Sem intenções, sem objetivos.
São os agentes políticos que estão em retiro espiritual, não exatamente por causa da Semana Santa, mas para tentar entender a dramaticidade do momento, projetar os cenários possíveis e já se contorcendo para poder mais adiante se encaixar em diferentes hipóteses.

Dilma está em suspenso, à espera de Levy. Levy depende desesperadamente do Congresso. O Congresso é todo olhos e ouvidos para as ruas. Lula e o PT, atarantados, pedem socorro para as centrais e movimentos engajados. Os movimentos engajados descobrem que não é hora de medir forças com as classes médias irritadas. E a oposição, um tanto deslocada do centro da cena, fica atenta à panela de pressão para decidir a hora de aumentar ou de diminuir o fogo. Além de avaliar se poderá, ou não, assumir algum tipo de liderança nas manifestações de rua e se chegará, ou não, o momento de jogar algo, ou alguém, na fervura.

A próxima grande manifestação popular está prevista para 12 de abril, primeiro domingo após a Páscoa, e deve responder a uma pergunta que não quer calar, no governo, na oposição, muito particularmente no PMDB: se a explosão de 15 de março vai aumentar mais e mais, ou se aquele grito bastou e agora a maioria vai preferir ouvir pela janela, panelas à mão. Ou seja, se aqueles milhões foram às ruas e se recolheram, ou se foram para ficar.

Os militares estão quietos no canto deles, mas, além dos advogados, dos policiais federais, dos procuradores e dos jornalistas, outra categoria que vem trabalhando demais ultimamente são os agentes de inteligência do governo. Nem eles, porém, têm resposta para a grande pergunta da crise: no que tudo isso vai dar?

Bernardo Mello Franco - República das placas

- Folha de S. Paulo

O afã de se promover às custas de qualquer obra pública tem levado algumas autoridades brasileiras a flertar com o ridículo.

Em Brasília, os servidores do Senado ganharam há três anos um novo refeitório para o almoço. Entre uma garfada e outra, uma placa na parede não os deixa esquecer: o espaço foi inaugurado na gestão do ex-presidente José Sarney.

No Rio, quem frequenta a Lagoa Rodrigo de Freitas se depara desde o ano passado com um "banco panorâmico" decorado com pastilhas coloridas. Só há espaço para poucas pessoas se sentarem, mas foi o suficiente para que o município instalasse um letreiro com o nome do prefeito Eduardo Paes.

A desfaçatez dos políticos para falar de si mesmos não é novidade. O que espanta é que em pleno século 21 eles ainda teimem em espalhar seus nomes em placas e pedras fundamentais, mesmo que a obra a ser exaltada seja um mero banco de praça ou um bandejão.

Se prestar atenção, o leitor vai encontrar outros exemplos perto de casa. As placas estão por toda parte: viadutos, calçadas, estações de metrô. São pagas com o dinheiro de todos, o dinheiro dos impostos.

"Os governantes 'autografam' qualquer cômodo que mandam reformar, e não se envergonham disso", observa Eugênio Bucci em seu novo livro, "O Estado de Narciso".

O professor compara esses políticos a adolescentes que levam um canivete no bolso para gravar o apelido em bancos de madeira.

"Os ocupantes de cargos públicos rabiscam seus nomes e sobrenomes em todo lugar. Não percebem que fazer placa oficial com o próprio nome é uma forma legalizada de pichar o espaço público", critica.

Além do desperdício com placas e letrinhas, está em jogo um princípio constitucional: o da impessoalidade. Numa democracia, o que é feito pela administração pública deve pertencer ao público --e não aos administradores de plantão.

Míriam Leitão - Marketing da mentira

- O Globo

O que era julho de 1989? O país estava em plena hiperinflação. Três planos econômicos haviam fracassado, e os preços disparavam. O então presidente José Sarney, que lutara pelo quinto ano de mandato, estava inerte diante da crise. O governo era fortemente impopular. É a esse nível de reprovação que a presidente Dilma chegou. Mas ela ainda tem pela frente 45 meses de governo.

Como é que a presidente chegou a ponto tão baixo de aprovação, tão alto de rejeição em começo de mandato? O que está acontecendo deveria virar um caso de estudo para o marketing político. Isso prova que há um limite nas artimanhas, mentiras e ataques que uma campanha pode fazer para ganhar a eleição. A vitória a qualquer custo traz como resultado isso que está se vendo.

Na sua campanha, a presidente usou o argumento de que a crise não existia. Ela existe e mostrou suas garras. Disse que a inflação estava controlada. Os preços represados estão sendo corrigidos. A taxa está em 8%. Acusou adversários de quererem fazer um tarifaço de energia, apesar de a presidente estar preparando o tarifaço. E não é culpa da falta de chuvas. Quem acompanha o setor sabe que os aumentos de preços de energia estavam já nas planilhas das empresas com aval da Aneel. As distribuidoras pegaram empréstimos bancários e aportes do Tesouro e deram como garantia aos bancos a aprovação da Aneel de repassar esse custo ao consumidor.

No pior momento da campanha, foram feitos pequenos anúncios sórdidos contra a candidata Marina Silva, quando ela defendeu a independência do Banco Central. Os anúncios mostravam cenas de comida sumindo do prato das pessoas e de cadernos sumindo das mãos das crianças. A presidente Dilma passou o segundo turno acusando o PSDB de ser gente que "planta inflação para colher juros". O BC começou a subir os juros na primeira reunião após as eleições porque a inflação subia. A presidente Dilma sabe, ou devia saber, que em quase todos os países que adotam metas de inflação, o Banco Central é independente e isso o faz mais eficiente no combate à inflação. BC independente não é sinônimo de juros altos, pelo contrário.

Segundo Pesquisa Ibope-CNI, a taxa de reprovação do governo chegou ao ponto mais alto dos últimos 26 anos. A gestão da presidente Dilma é considerada ruim ou péssima por 64% dos brasileiros, índice igual ao do ex-presidente Sarney em julho de 1989. Só 12% disseram que a gestão é boa ou ótima.

A esta altura, o marqueteiro que conduziu a linha de campanha de mentiras e ataques já embolsou o seu dinheiro e colocou mais uma vitória no seu portfólio. O Brasil, contudo, tem um longo deserto a atravessar com uma crise que se agravou e uma governante enfraquecida. Como deve ser o marketing político? Quais os limites para o "diabo" que se pode fazer numa campanha? O marketing de resultados, mas sem ética, que usa qualquer argumento e qualquer ataque, sabendo que mente e manipula o eleitorado, é um perigo para a democracia. Esse desencanto que vem no momento seguinte, quando o eleitor se sente ludibriado, reduz a confiança nos políticos, no processo eleitoral.

Ao todo, 78% desaprovam a maneira de a presidente governar. E o risco agora é Dilma culpar o remédio, o ajuste fiscal. Se recuar da decisão que tomou, de tentar reduzir a devastação fiscal provocada pelo seu primeiro mandato, a crise vai se agravar. As medidas de aperto contrariam o que ela disse. Na campanha, ela afirmou na frente de qualquer jornalista que a entrevistou que o ajuste fiscal não era necessário. Ela sabia que era. Um país com 7% de déficit nominal, com déficit primário, e escalada da dívida bruta, se não fizer ajuste pode perder o grau de investimento, e isso afugentará investidores, encarecerá o crédito para o governo e suas empresas. A crise se aprofunda.

Como a presidente pode pedir sacrifícios ao país se ela fez uma campanha pintando o cenário econômico de cor-de-rosa? Ela perdeu aprovação até no eleitorado mais vulnerável à chantagem que a campanha fez, ameaçando os beneficiários do Bolsa Família de perderem o benefício caso ela não ganhasse. O marketing da mentira elegeu Dilma. E a encurralou.

Celso Ming - Taxação de fortunas

• A principal razão pela qual o Imposto Sobre Grandes Fortunas deixou de existir em muitos países foi a de que não vale a pena mantê-lo nem como instrumento de arrecadação nem como de distribuição de renda

- O Estado de S. Paulo

Certos críticos da atual política de ajuste querem que o governo coloque em prática o Imposto sobre Grandes Fortunas, já previsto na Constituição, para que o custo da crise não se concentre sobre o trabalhador, mas atinja mais pesadamente os mais ricos.

Esta Coluna (dia 22 de março) já mostrou que esse imposto não funciona, por arrecadar menos do que custa a estrutura de governo necessária para cobrá-lo. Hoje, a Coluna trata do que aconteceu com ele onde foi instituído e de outras dificuldades para seu funcionamento.

Ele já foi extinto no Japão (1950); na Itália (1992); na Áustria (1994); na Alemanha, Irlanda e Dinamarca (1997); na Finlândia (2006); na Suécia (2007); e na Grécia (2009). A principal razão pela qual deixou de existir foi a de que não vale a pena mantê-lo nem como instrumento de arrecadação nem como de distribuição de renda.

A Suprema Corte da Alemanha, por exemplo, entendeu, ainda no fim da década de 90, que não tinha cabimento mantê-lo nem com uma alíquota baixa, nem com uma alíquota alta. Se continuasse baixa, o Tesouro alemão arrecadaria menos do que gastaria para sustentar o aparato necessário para sua cobrança. Se a alíquota passasse a ser alta, o imposto se transformaria em instrumento confiscatório.

Está em vigor na França, onde foi adotado na década de 80. Hoje leva o nome de Imposto de Solidariedade Sobre Fortunas (Impôt de Solidarité sur la Fortune). Está sujeito à taxação anual patrimônio a partir de 1,3 milhão de euros (R$ 4,7 milhões). A alíquota varia de 0,5% a 1,5% – esta última, para patrimônios acima de 10 milhões de euros.

Os especialistas são unânimes em avisar que esse imposto dificulta a avaliação da base tributária que necessariamente tem de ser o valor de mercado de cada bem.

Esta é a principal razão pela qual, na França, obras de arte, antiguidades e “bens de uso profissional” não entram no cálculo. As questões judiciais se multiplicam a todo momento. Quem trabalha em casa (no regime conhecido por home office), por exemplo, pode deduzir o valor do imóvel? Como classificar uma peça: como obra de arte ou como antiguidade? E, nesse caso, como avaliá-la de forma adequada? O produto arrecadado na França não passa de alguma coisa entre 1,0% e 1,5% do total da receita anual.

No Brasil, a discussão sobre a regulamentação do imposto vem e reflui, como as fases da lua. O ex-secretário da Receita Federal e consultor tributário Everardo Maciel (foto) não vacila quando consultado sobre o assunto: “Este é um imposto complexo, ineficiente e ultrapassado. Só está previsto na Constituição brasileira de 1988 pelas influências do clima socialista francês que prevaleciam então. De lá para cá, ninguém teve coragem de colocá-lo para funcionar. Ficou como penduricalho”.

Ao todo, são 12 as propostas de regulamentação que tramitam na Câmara dos Deputados. A mais antiga delas é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 202/89, de autoria do ex-presidente e então senador Fernando Henrique Cardoso.

O valor da fortuna a ser taxado, assim como a alíquota do imposto, varia em cada proposta. Na apresentada por Fernando Henrique em 1989, por exemplo, patrimônios avaliados a partir de R$ 6,3 milhões seriam taxados em 0,3%. Mas há projetos que preveem taxação a partir de um patrimônio de R$ 2 milhões.

O pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF) e ex-consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) Isaias Coelho aponta outra distorção: a dupla taxação. Como o capital financeiro tem muita facilidade de fugir do país em que fosse cobrado, esse imposto tenderia a recair mais sobre bens cuja propriedade já é taxada por outros impostos, como veículos (IPVA), imóveis urbanos (IPTU) ou imóveis rurais (ITR). E, no entanto, imóveis podem aumentar de valor sem que tenha proporcionado renda a seu proprietário.

Não se pode confundir, no entanto, Imposto sobre Grandes Fortunas com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que é cobrado apenas uma vez, ou quando há a doação ou quando morre o proprietário da fortuna./Colaborou Laura Maia

Luiz Carlos Mendonça de Barros - As consequências de um erro

• Por um erro da Fazenda, os juros cobrados na renegociação com Estados foram elevados demais

- Folha de S. Paulo

Na conflituosa agenda legislativa de hoje, a questão da renegociação da dívida de Estados e municípios com o Tesouro Nacional ocupa lugar de honra. Em um esforço de última hora, o ministro da Fazenda negociou que as novas condições de pagamento entrem em vigor apenas em 2016.

Como tive uma participação relevante nas negociações que levaram à federalização das dívidas financeiras de quase todos os Estados brasileiros --e de alguns municípios-- em 1996, creio ser minha responsabilidade trazer ao leitor da Folha alguns fatos que ficaram perdidos nestes quase 20 anos já passados.

Em 1996, com o Plano Real consolidado, a equipe econômica liderada pelo então ministro Pedro Malan iniciou a construção do que se convencionou chamar de Lei da Responsabilidade Fiscal. Buscava-se então um arcabouço jurídico que evitasse no futuro a verdadeira "irresponsabilidade fiscal" que marcou os anos iniciais da Nova República, nascida em 1985 após as trevas da ditadura militar.

A Constituição de 1988 estabeleceu que as regras para a contratação de dívidas por Estados e municípios seriam definidas pela CAE, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Portanto, para que aumentassem seu endividamento, bastava uma autorização da CAE.

Vivia-se em 1996 uma verdadeira Festa da Uva nesse campo, pois essa comissão era formada, na sua maioria, por senadores que ou tinham sido governadores ou que ambicionavam ser governadores de seus Estados.

Diante das dificuldades políticas de alterar esse quadro legal, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, sugeriu o caminho da federalização das dívidas existentes, em condições favoráveis aos devedores. Isso seria feito por meio de um contrato entre as partes, aprovado nas Assembleias Legislativas de cada Estado, dando a esse mecanismo as garantias de cumprimento de suas cláusulas dentro de um arcabouço jurídico claro e definido na legislação brasileira. Mas uma das cláusulas estabelecidas seria a proibição por 30 anos de novos empréstimos.

Uma saída inteligente, tanto do ponto de vista legal como diante da realidade política de nossa democracia. Os devedores teriam um grande alívio no serviço da dívida, que pressionava seus Orçamentos, ao custo de não mais se endividarem no futuro. Como os políticos se movimentam olhando para o presente, e não para futuro, a adesão à proposta do governo federal foi total e entusiasmada.

Para fazer a federalização das dívidas ainda mais palatável, aos olhos dos governadores de então, foi criado um programa no BNDES para antecipar recursos de futuras privatizações de empresas públicas de propriedade dos Estados, principalmente nas áreas elétrica e bancária. Com isso adicionava-se à chamada responsabilidade fiscal de Estados e municípios uma lufada de responsabilidade econômica e financeira em estatais importantes.

O sucesso da adesão voluntária à federalização das dívidas estaduais foi um dos pilares mais importantes para que, algum tempo depois, o Congresso aprovasse o arcabouço definitivo das regras de gestão fiscal no Brasil de hoje. Para medir esse sucesso, basta olhar para os Orçamentos dos Estados brasileiros nestes 18 anos que nos separam daquele momento.

Mas, por um erro cometido pelo Ministério da Fazenda, os juros cobrados na renegociação foram elevados demais, o que fez com que os saldos devedores das novas dívidas, mesmo com os pagamentos anuais realizados, crescessem de forma insuportável.

Por isso a questão da renegociação das condições pactuadas em 1997 passou a fazer parte das pautas de reivindicações da classe política já há alguns anos. Uma obra quase perfeita ficou assim maculada pela visão eminentemente financeira da equipe de Malan.

Hoje, nas condições de fraqueza do Executivo, as tensões acumuladas ao longo dos anos pelo custo excessivo da dívida federalizada desembocaram no projeto de lei aprovado que corrige seu saldo devedor. Com isso o Tesouro Nacional terá uma perda significativa tanto no fluxo anual de recebimentos daqui para a frente como no volume de ativos a receber e que é descontado do total da dívida pública federal.

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Luiz Carlos Mendonça de Barros, 72, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Corrupção do petrolão contamina o PAC – Editorial / O Globo

• Modelo usado na Petrobras, em que empreiteiras ganhavam contratos e pagavam propinas a partidos e políticos, já foi detectado em Belo Monte e na Ferrovia Norte-Sul

Em um dos primeiros testemunhos prestados sob o regime de delação premiada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, ao Ministério Público e ao juiz Sérgio Moro, ele deixou registrado que o esquema de corrupção montado entre partidos (PT, PP, PMDB, no caso da estatal) e empreiteiras não se resumia à companhia, se espraiara pelos canteiros de grandes obras — usinas hidrelétricas, aeroportos etc.

Agora que as investigações sobre a roubalheira na Petrobras estão mais avançadas, alguns dos mesmos protagonistas do escândalo na estatal passam a falar também da corrupção em outros grandes projetos patrocinados pelo Estado.

Noticiou-se, primeiro, que a hidrelétrica Belo Monte gerara propinas para PT e PMDB — provavelmente lavados como doações “legais” — de 1% do valor do contrato fechado com a Camargo Corrêa. Cada legenda teria levado R$ 51,2 milhões, para a empreiteira ganhar o negócio, segundo o presidente da empresa, Dalton Avancini.

Agora, é a Ferrovia Norte-Sul, obra que se eterniza. O mesmo Avancini, em confissão também sob as normas da delação premiada, relatou a atuação do “clube de empreiteiras”, o mesmo do petrolão, para dividir entre si trechos da obra e o pagamento de propinas: 1% para cada um dos mesmos PT e PMDB; 5%, no caso de aditivos, muito usados para superfaturar ainda mais os contratos.

A história dessa ferrovia, ainda longe de ser completada, é um monumento à incúria do poder público. Lançada no governo Sayney (1985-1990), o projeto ganhou manchetes de denúncias em 87, quando a “Folha de S.Paulo” revelou o conluio entre empreiteiras para dividir 18 lotes da obra. Estavam lá a Camargo, a Odebrecht, Queiroz Galvão, Mendes Jr., entre outras. Ou seja, as de sempre.

Muito tempo depois, em 2012, no governo Dilma, um ex-presidente da Valec, estatal responsável pela construção de ferrovias, José Francisco das Neves, o Juquinha, chegou a ser preso pela Polícia Federal, numa operação de sugestivo nome: Trem Pagador. Juquinha tinha a proteção do PR, “dono” do Ministério dos Transportes desde Lula.

A ampliação do mesmo esquema de corrupção do petrolão a segmentos do PAC tem lógica: afinal, por que o PT e aliados (PMDB, PP...) que patrocinaram o assalto à Petrobras não fariam o mesmo em Belo Monte, na Norte-Sul e assim por diante? Até porque o outro lado, as empreiteiras contratadas, também é o mesmo.

Assim, a matriz da alta corrupção no Brasil envolvendo grandes obras públicas começa a ser desvendada a partir do petrolão. O PT não inventou o assalto aos cofres públicos, é certo, mas foi com ele que a roubalheira atingiria escala industrial, ficaria sistêmica. Como o PT se rendeu ao fisiologismo na montagem dos ministérios de Lula e Dilma e da base parlamentar, o que era artesanal virou ampla e veloz linha de montagem.

Um debate é possível – Editorial / Folha de S. Paulo

• Ministro da Fazenda tem sucesso ao negociar com o Congresso e mostra que, embora difícil, ajuste não está fora do alcance

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez nesta semana algo que, aos olhos dos responsáveis pela articulação política do governo, deve ter parecido uma proeza: negociou, com sucesso, um acordo entre o Executivo e o Legislativo.

Após falar à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado por mais de sete horas, Levy conseguiu que os congressistas adiassem a votação do projeto de lei que reduz as dívidas de Estados e municípios com a União. Se fosse aprovada, a medida levaria o Tesouro a perder R$ 3 bilhões neste ano e um valor ainda maior em 2016.

O governo não está em condições de abrir mão de receitas. Devido ao mau desempenho na arrecadação de impostos e ao estoque de despesas represadas (ou escondidas) no ano passado, o ajuste das contas públicas tem se revelado mais difícil do que se imaginava.

Os resultados de fevereiro ficaram bem aquém do esperado, com deficit de R$ 7,4 bilhões no saldo primário (receitas menos despesas, antes do pagamento de juros) das contas federais. Isso praticamente anula a poupança obtida em janeiro e mostra o quanto está distante a meta de economizar cerca de R$ 100 bilhões em 2015.

Daí a necessidade de convencer o Congresso sobre a importância das propostas do governo, como alterações no acesso a seguro desemprego e pensões por morte e a reversão das desonerações da folha de pagamento. Os debates precisam se restringir à dosagem desses remédios, não mais que isso.

Esses temas foram abordados por Levy em sua audiência na CAE, mas o ministro não se limitou a eles. Também apresentou um plano de médio prazo para retomar o crescimento, assumindo como ponto de partida a reconstrução da confiança na solvência do setor público --o que facilitará o trabalho do Banco Central para reduzir a inflação e permitirá a queda dos juros.

Será preciso também avançar nas concessões de infraestrutura e obter avanços palpáveis na agenda da simplificação tributária.

Nesse capítulo, aliás, Levy não só deixou para 2016 a mudança do indexador das dívidas como também atuou para desarmar a intenção do Congresso de convalidar os incentivos de ICMS.

O ministro apelou para os senadores chegarem a um acordo sobre a harmonização das alíquotas, ainda que com uma transição longa, e só depois oficializarem a legalidade de incentivos já concedidos.

Se o Senado responder favoravelmente e conseguir pôr fim à guerra fiscal --com a ajuda da União para compensar os Estados perdedores em montantes razoáveis, sem perder de vista o interesse nacional--, estará dando enorme contribuição para destravar o crescimento.

O verdadeiro terceiro turno – Editorial / O Estado de S. Paulo

Governos democráticos são eleitos para servir a sociedade e quando fracassam nessa missão entra em cena a opção pela alternância no poder. É o caminho natural que a democracia oferece para os cidadãos se livrarem de governantes nos quais perderam a confiança. Mas o que acontece quando essa falta de confiança é dramaticamente exteriorizada decorridos apenas três meses de um mandato com validade de quatro anos? É exatamente diante dessa grave e delicada questão que a última pesquisa de opinião pública CNI/Ibope coloca a consciência democrática do País.

Revela o Ibope que, evoluindo na tendência verificada em pesquisas anteriores, a avaliação de ruim/péssimo do governo Dilma subiu de 27% quatro meses atrás, em dezembro do ano passado, para o índice recorde de 64%, enquanto a de ótimo/bom despencou, no mesmo período, de 40% para 12%. Paralelamente, o índice de brasileiros que não confiam na presidente da República saltou, ainda no mesmo período, de 44% para alarmantes 74%. Ou seja: três em cada quatro brasileiros não confiam em Dilma Rousseff.

As más notícias para Dilma e para o PT não terminam aí. A desconfiança estendeu-se a setores da população até recentemente satisfeitos com o governo. Por exemplo, a aprovação caiu de 53% para 18% entre os que estudaram até a quarta série do ensino fundamental e diminuiu de 44% para 32% entre os que chegaram até a oitava série. O apoio ao governo no Nordeste despencou de 63% para 34%. E entre os eleitores que votaram em Dilma há menos de seis meses, a queda foi maior ainda: de 63% para 22%. Esse é o verdadeiro "terceiro turno" que o lulopetismo em desespero denuncia como golpe das elites.

Definitivamente, quando se coloca um quadro em que apenas pouco mais de um em cada cinco brasileiros que deram seu voto à candidata do PT em outubro continua confiando no governo - e isso decorridos apenas três meses do início do segundo mandato -, cria-se uma situação delicada e ameaçadora em que o Poder Executivo se deslegitima de fato, mas permanece absolutamente legítimo de direito, pelo menos até que se decida de modo diferente nas instâncias competentes, rigorosamente de acordo com a lei e os procedimentos legais. É imprescindível que a consciência democrática do País veja com muita clareza essa realidade institucional, porque essa é a garantia de que os brasileiros não cederão, como alternativa à grave crise que enfrentam, à tentação de aventuras antidemocráticas que configurariam um retrocesso intolerável.

Uma pesquisa de opinião pública reflete sempre e necessariamente um recorte temporal da realidade que investiga. Mas o quadro ora exposto é extremamente preocupante, porque indica claramente uma forte e continuada tendência de ampliação da distância que separa governo de governados. Mas, se a superação dessa crise é um desafio a ser enfrentado pelo conjunto da sociedade, cada um no seu papel e todos juntos na defesa da democracia, é óbvio que ao governo cabe papel relevante, até porque terá de lutar pela própria sobrevivência.

E, se o governo petista se encontra na berlinda pelos erros que tem cometido, não faz sentido que continue persistindo neles. Enquanto tinham a credibilidade refletida em altos índices de popularidade de Dilma - assim como aconteceu com Lula -, os petistas podiam deitar e rolar no populismo, esbaldar-se na autoexaltação e fazer as promessas e previsões edulcoradas que lhe dessem na telha. Mas hoje o que há é um governo desorientado, desacreditado e politicamente debilitado, que não consegue esconder sua inépcia. Basta ver que o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, reagiu à pesquisa não com a humildade que a situação requeria, mas com a arrogante e destrambelhada afirmação de que se trata "apenas" de uma foto ruim do momento: "Nosso compromisso é com quatro anos - e três meses de governo é o início de um processo. A fotografia não é boa, mas o filme vai ser muito bom".

Se o que se tem visto é apenas "o início de um processo", imagine-se o que virá nos próximos 45 meses. Não é à toa que o único comentário otimista que se ouviu ontem sobre este governo é o de que nesta pesquisa CNI/Ibope a imagem de Dilma está muito melhor do que na próxima.

João Cabral de Melo Neto - O Relógio

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade