terça-feira, 9 de junho de 2015

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

O ano político, iniciado sem fanfarras com a segunda investidura de Dilma Rousseff na Presidência da República, já avança no seu sexto mês sem que se saiba para qual direção aponta o rumo da sua navegação. Ainda em linguagem náutica, depois de tanto ter alterado o argumento do seu primeiro mandato, parece que a presidente segue os conselhos dados nos versos de um grande poeta popular, fazendo como o velho marinheiro que, em meio ao nevoeiro, leva o barco devagar, mesmo que a sua rapaziada sinta falta de um pandeiro e de um tamborim.

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Luiz Werneck Vianna é sociólogo da PUC-Rio, no artigo ‘A grande transformação’. O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 2015.

Montadoras veem queda de 17,8% na produção de veículos este ano

Ana Paula Machado - O Globo

• Em maio foram fabricadas 211 mil unidades, pior resultado no mês desde 2005

- SÃO PAULO- Em um ano de ajustes, a produção de veículos no Brasil registrou em maio um novo tombo — apenas 211 mil unidades foram montadas, uma queda de 25,3% em relação ao mesmo mês do ano passado, o pior desempenho para o mês em uma década. O resultado azedou as perspectivas para o futuro próximo. A Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos do país, revisou ontem — pela segunda vez em menos de dois meses — as projeções para o setor este ano. Se no cenário traçado anteriormente a expectativa era de uma queda de 10%, agora, a indústria automobilística já prevê uma retração de 17,8% frente a 2014.

Os números são desoladores. Entre janeiro e maio, a produção nacional de veículos foi de 1,092 milhão, um recuo de 19,1% em relação ao mesmo período do ano passado e o menor patamar desde 2007.

Para o presidente da Anfavea, Luiz Moan, as vendas de maio foram “bastante piores” que o esperado. Isso se deveu, em grande parte, ao ajuste fiscal.

— O nível de confiança do consumidor teve uma queda muito forte. Ainda não temos as regras do jogo estabelecidas, pois as medidas do ajuste fiscal não foram todas divulgadas. Isso impacta bastante o setor, e, por isso, tivemos que rever, pela segunda vez, as nossas projeções para o ano — afirmou Moan.

25 mil funcionários parados
Em comparação a abril, a queda na produção do setor foi de 3,4%. E o cenário não é melhor para as vendas de carros, comerciais leves, caminhões e ônibus: a retração em maio foi de 27,5%, e a expectativa é que caiam no ano 20,6% — bem mais que os 13,2% estimados na projeção anterior.

— Este é, de fato, um ano perdido para a indústria automotiva. Se tudo correr como previsto, inflação no centro da meta, medidas de ajuste fiscal surtindo efeito, acredito que em 2016 haverá uma retomada lenta, mas somente em 2017 o país verá volumes acima de 3 milhões — disse o sócio da Méthode Consultoria e professor de Administração da ESPM Adriano Gomes.

O mercado de caminhões é o mais afetado. Segundo a Anfavea, a venda de caminhões no mês passado ficou em patamar idêntico ao de maio de 2003. Foram 6.016 unidades licenciadas, volume 52,7% inferior a maio do ano passado. No acumulado do ano, foram emplacados 31,11 mil caminhões, uma queda de 42,4% em comparação ao mesmo período de 2014. E a estimativa para 2015 é que sejam vendidos apenas 77 mil veículos, ante uma expectativa inicial de 137 mil unidades.

— Em caminhões, retornamos 12 anos — disse Moan, acrescentando que a produção de veículos pesados no mês passado ficou semelhante ao patamar de maio de 1999.

A situação dos empregos também preocupa. Um estudo da associação indica que as montadoras têm 25 mil funcionários em regime de layoff ( suspensão do contrato de trabalho), férias coletivas e licenças neste mês — o que representa mais de 18% do quadro total do setor, de 138 mil trabalhadores. Essas medidas foram adotadas pelas fabricantes de veículos para conter a produção e regular o estoque, que está em 51 dias, ou 361,1 mil unidades.

— Temos claramente um excedente de pessoal. Nossa produção atual gira em torno do mesmo patamar dos anos 2006 e 2007. E as montadoras empregam 138 mil pessoas, o mesmo que em 2010 — afirmou o presidente da Anfavea.

Ontem, a Fiat parou sua produção na fábrica de Betim. Os funcionários ficarão em casa por uma semana. Já a General Motors ( GM) anunciou para este mês férias coletivas em todas as suas fábricas no país. Em São Caetano do Sul, no ABC paulista, 5.500 empregados ficarão em casa de 11 a 28 de junho. Em São José dos Campos, 1.700 estarão de folga entre os dias 15 e 30 deste mês. Em Gravataí ( SP), onde a GM produz os carros campeões de venda da marca, o Onix e o Prisma, a parada será dos dias 15 a 28 de junho.

Sindicalistas acampam na porta da Mercedes-Benz

Ana Paula Machado – O Globo

- SÃO PAULO- O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC começou a montar ontem um acampamento próximo da fábrica da Mercedes- Benz, em São Bernardo do Campo, para tentar reverter as 500 demissões anunciadas pela montadora em 21 de maio. Ao todo, 300 pessoas vão se revezar durante todo o dia em 12 barracas.

— Desde 1995 não há demissão em massa na Mercedes. Foi uma atitude unilateral da companhia — disse o coordenador- geral da comissão de fábrica da Mercedes, Ângelo Máximo Pinho, avisando que o protesto não tem data para acabar.

Além dos demitidos, a montadora mantém mais 250 empregados em lay off ( suspensão do contrato de trabalho) e sete mil em férias coletivas, de um total de 10,5 mil na unidade de São Bernardo, que fabrica caminhões, chassis de ônibus e motores. Os sete mil que estão em férias coletivas retornam ao trabalho na próxima segunda- feira. A montadora alega que há um excedente de 1,75 mil empregados em sua linha de produção.

Câmara já revê cláusula de barreira 'light'

Daniel Carvalho e Ricardo Della Coletta - O Estado de S. Paulo

• Deputados discutem mudanças no texto aprovado em 1º turno que limita de forma branda o acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV

BRASÍLIA - Sem consenso para aprovar os principais pontos remanescentes da reforma política nesta semana, deputados preparam ajustes no texto do projeto de lei que vai tratar da regulamentação das regras acolhidas pelo plenário da Câmara no mês passado.

Parlamentares acreditam que poderão alterar questões polêmicas como o financiamento privado de campanha e a cláusula de barreira que limita de maneira branda o acesso de partidos ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV. A intenção é torná-la mais severa para ampliar o número de partidos que perderiam os benefícios.

Se a Câmara decidir sobre o alcance do projeto de lei que revê a política de desoneração da folha de pagamento amanhã, a Casa volta a se debruçar sobre a reforma política logo em seguida. Caso o governo não retire o pedido de urgência para apreciação do pacote anticorrupção, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), votará primeiro a reforma.

Há disposição dos parlamentares de endurecer a chamada cláusula de desempenho. Após negociação com partidos nanicos para garantir apoio ao financiamento privado defendido por Cunha, o plenário aprovou a exigência de apenas um parlamentar na Câmara ou no Senado para que a legenda tenha direito a Fundo Partidário e tempo de rádio e TV.

O texto aprovado atinge quatro partidos sem representação no Congresso: PSTU, PCO, PPL e PCB. Uma cláusula mais severa é defendida por partidos como PMDB, DEM e PSB. "Defendemos a cláusula de desempenho de 5%. Como a que passou foi muito branda, vamos tentar melhorar", disse o líder do PSB, Fernando Coelho Filho (PE).

Inicialmente, só passariam pela cláusula de barreira legendas que tivessem obtido no mínimo 2% dos votos válidos na última eleição para a Câmara, distribuídos em pelo menos 1/3 dos Estados, com um mínimo de 1% do total de cada um deles.

Pendências. Na lista de pendências estão o tempo de mandato e a coincidência de eleições - temas adiados por falta de consenso há duas semanas -, cota para mulheres, obrigatoriedade do voto e alteração do dia da posse de presidente da República. Parlamentares próximos a Cunha e ao relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma política escolhido por ele, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dizem que ambos acreditam não haver condições de se alcançar os 308 votos necessários para aprovar qualquer uma das alterações ainda em primeiro turno.

Deputados ouvidos pelo Estado dizem que a defesa do voto facultativo esbarra no argumento de que "é preciso amadurecer a democracia brasileira". Já a alteração no tempo dos mandatos para que se tenha coincidência de eleições encontra duas dificuldades. A ampliação do mandato de deputado para cinco anos obrigaria elevar o mandato de senador para dez anos. Além disso, há dificuldade para explicar a ampliação dos mandatos legislativos ao mesmo tempo que se aprovou o fim da reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República.

Para que já valham nas eleições 2016, as novas regras ainda precisam ser apreciadas pelo Senado e aprovadas pelas duas Casas até o início de outubro, um ano antes da próxima disputa eleitoral.

O projeto de lei terá de estabelecer os limites máximos de arrecadação e gastos de recursos. O texto já aprovado pelos deputados inclui na Constituição a permissão para empresas doarem a campanhas, mas não estabelece valores.

O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), diz estar concentrado na questão da desoneração. Mas o PT, embora ainda aguarde uma definição do Supremo Tribunal Federal sobre um pedido para anular a votação do modelo de financiamento, já discute as linhas que defenderá no projeto de lei.

Gilmar Mendes determina que TRE-MG reabra investigação contra Pimentel

Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

• Ministro do Tribunal Superior Eleitoral deu despacho favorável ao pedido da coligação do PSDB que disputou o governo de Minas contra decisão do Tribunal Regional Eleitoral rejeitando o pedido de investigação contra o governador petista

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes determinou nesta segunda-feira que o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) reabra uma investigação para apurar se o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT) e seu vice, Antônio Andrade (PMDB-MG) cometeram abuso de autoridade e de poder econômico durante as eleições de 2014.

O ministro deu despacho favorável a um recurso de autoria da coligação pela qual Pimenta Neves (PSDB) concorreu ao governo mineiro no ano passado. Anteriormente, o TRE-MG havia rejeitado o pedido de investigação apresentado pela coligação opositora a Pimentel.

Em seu despacho, Gilmar disse que a decisão do Tribunal foi "precipitada" ao dizer que com certeza não houve nenhum ilícito eleitoral. "Na prática, a Corte Regional não cuidou em reconstruir a verdade, como propugna a doutrina mais abalizada, mas sim em simplesmente presumi-la", escreveu o ministro em sua decisão.

No pedido de investigação apresentado pela coligação liderada pelo PSDB, Pimentel e Andrade são acusados de terem se beneficiado da estrutura do governo federal, antes mesmo do início da campanha eleitoral, para se promoverem como candidatos. Para tal, a coligação aponta a participação dos então pré-candidatos em oito eventos oficiais do governo federal que contaram com a participação da presidente da República, Dilma Rousseff, em sete municípios mineiros. São apontados eventos realizados entre fevereiro e abril do ano passado no qual foram entregues benefícios de programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida e o Pronatec que, segundo o PSDB, ultrapassam R$ 200 milhões. Tanto Pimentel quanto Andrade foram ministros do primeiro governo Dilma. Sendo o primeiro ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o segundo, ministro da Agricultura.

Com a decisão, o TRE-MG terá de refazer o acórdão que rejeitou o pedido da coligação liderada pelo PSDB e reavaliar o caso. A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) acabou vencida, pois tinha dado parecer contrário ao recurso.

Ainda no despacho, Gilmar Mendes pondera que sua decisão é liminar e não decide sobre o mérito da ação "até mesmo pela ausência de elementos probatórios a confirmar o que narrado na exordial - observo que, ao menos em tese, as condutas narradas não se distanciam da configuração do abuso de poder político", escreveu o ministro.

Ministros querem que Dilma faça concessões à base petista

Andréia Sadi, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

• Assessores defendem taxação de grandes fortunas, uma bandeira do partido

• Presidente pede que Joaquim Levy não seja tratado 'como Judas', e Michel Temer compara ministro a Jesus Cristo

BRASÍLIA - No auge do distanciamento de Dilma Rousseff com o PT, ministros recomendaram à presidente fazer acenos à base social do partido e voltaram a defender, nos bastidores, a taxação de grandes fortunas. O tema é uma das principais bandeiras do PT e deve ser discutido durante o congresso da sigla, que começa nesta quinta-feira (11).

Dilma ainda não tem posição fechada sobre a proposta, que enfrenta resistências do ministro Joaquim Levy (Fazenda), que prefere a tributação de heranças. Para ele, a taxação de fortunas adotada em outros países recentemente não funcionou --além de não gerar receita significativa, afugentou milionários, que migraram para outros locais.

Ministros petistas ouvidos reservadamente pela Folha insistem, porém, que a presidente precisa reforçar o recado de que o ajuste não vai "onerar só o trabalhador", apesar de o governo já ter elevado a tributação dos bancos.

Em conversa com petistas em março, o ex-presidente Lula pediu o aprofundamento das relações do PT com movimentos sociais. Dirigentes criticam, nos bastidores, a política econômica do segundo governo Dilma e pressionam por medidas em benefício dos trabalhadores, na contramão do ajuste fiscal.

Levy deve ser alvo de petistas durante o congresso do PT em Salvador. A CUT (Central Única dos Trabalhadores) levará ao evento críticas ao ministro e ao governo Dilma, a quem acusa de ter promovido uma "guinada na política econômica, com ataques a direitos dos trabalhadores".

Com o aumento da tensão entre o partido e o governo, Dilma não vai participar da abertura do congresso do PT ao lado de Lula, como previsto inicialmente. Ela voltará de Bruxelas, para onde viaja nesta terça (9) apenas na madrugada de sexta.

Assessores avaliam se vai valer a pena sua ida ainda na sexta ou no sábado, dia do encerramento, geralmente bastante esvaziado neste tipo de evento, em que as decisões se concentram no primeiro e segundo dias.

Nesta segunda, a presidente defendeu o ministro da Fazenda. Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", ela disse que Levy não pode ser tratado "como Judas". "Eu acho injustas [as críticas] porque não é responsabilidade exclusiva dele. Não se pode fazer isso, criar um judas".

O vice-presidente Michel Temer também saiu em defesa do ministro. "O ajuste fiscal que o Levy está levando adiante vai representar exatamente isso: num primeiro momento, parece uma coisa difícil, complicada, mas que vai dar os melhores resultados. Muito menos Judas e muito mais Cristo".

Em entrevista ao jornal belga "Le Soir", publicada nesta segunda (8), Dilma defendeu o freio de arrumação que seu governo está promovendo nas contas públicas.

"Tivemos que fazer esse ajuste, que não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro", afirmou.

A presidente disse ainda que o ajuste fiscal "não é uma escolha". "O ajuste é essencial. Não é algo que você pode ou não fazer: não há alternativa senão fazê-lo".

Nos últimos dias, às vésperas do encontro petista, a própria cúpula do PT passou a ficar preocupada com o clima de confronto de alas do partido com o governo e desencadeou uma operação para tentar acalmar os ânimos.

O receio de líderes petistas, partilhado pelo ex-presidente Lula, é que o Congresso do PT aprofunde o distanciamento da presidente com o partido, o que seria prejudicial para os dois lados.

Para reforçar a imagem do PT, deteriorada pelos últimos escândalos como mensalão e petrolão, a cúpula do partido vai defender que, durante o Congresso, sejam lançadas agendas próprias da sigla, como a recriação da CPMF. A medida não conta com o apoio oficial do governo porque representa mais impostos.

Relação
A relação entre a presidente e o PT sempre foi tensa, mas se deteriorou nos últimos meses. No início do segundo mandato, ela demitiu o núcleo ligado a Lula no Planalto, alijando representantes da corrente majoritária da sigla, a CNB (Construindo um Novo Brasil), das principais decisões do governo.

Além disso, nomeou Levy e Kátia Abreu (Agricultura), ministros criticados pela militância petista.

Colaboraram Marina Dias, Cátia Seabra, Flávia Foreque e Daniela Lima

Cúpula do PT acata fala de Dilma e promete não tratar Levy como ‘judas’

Vera Rosa e Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

• Após presidente dizer ao ‘Estado’ que é ‘errado e injusto’ criticar ministro por medidas de reequilíbrio fiscal, dirigentes do partido assumem defesa mais clara do governo a fim de tentar isolar os ataques à política econômica às alas mais radicais

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Um dia após a presidente Dilma Rousseff dizer ao Estado que não se pode transformar o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em “judas” para ser malhado no 5.º Congresso do partido, de quinta-feira a sábado, em Salvador, a direção do PT e a corrente majoritária da legenda amenizaram as críticas à política econômica do governo.

Embora seja esperado que a resolução final da reunião contenha reparos ao ajuste fiscal, as declarações de Dilma e o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o PT “olhe para a frente” enfraqueceram as posições radicais.

“A maioria do partido não vai fazer isso (transformar Levy em ‘judas’). Temos que preservar o ministro”, disse o deputado estadual José Américo Dias (PT-SP), secretário nacional de Comunicação da legenda.

A ordem, agora, é reduzir a pressão sobre Levy, não personalizar as críticas e apresentar uma agenda “pós-ajuste”, com um cardápio de propostas para sair da crise. Mesmo assim, a cúpula do PT avisou ao Palácio do Planalto não ser possível impedir manifestações individuais e faixas de “Fora Levy” no evento.

Apesar dos pedidos de Lula e do recado claro de Dilma, setores do partido devem manter os ataques ao ministro. “Consideramos que a política de ajuste fiscal regressivo e recessivo inaugurada com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda coloca o PT contra a classe trabalhadora”, diz um documento assinado por líderes sindicais petistas, entre eles Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e João Felício, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), ambos muito próximos de Lula.

Na tentativa de evitar os protestos contra o titular da Fazenda, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, foi escalado para conversar com líderes do PT. “Levy está no caminho certo”, disse Wagner ao Estado. “Além de ajustar as contas e a economia, vai apontar novos caminhos para a retomada do desenvolvimento com crescimento e renda. Nós confiamos nele.”

A agenda pós-ajuste que o PT vai apresentar no 5.º Congresso prevê a defesa do imposto sobre grandes fortunas, da taxação de heranças e do lucro líquido das empresas. O PT também vai pregar a volta da CPMF.

Sem pedras. “Não existe separação entre o partido e o governo”, afirmou Francisco Rocha, o Rochinha, coordenador da corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB), da qual Lula faz parte. Em carta enviada aos 800 delegados do encontro de Salvador, Rochinha lembrou que o ex-presidente também promoveu corte de gastos e disse que nenhuma tendência do PT pode se “arvorar” em criticar o ajuste porque todas estão presentes no partido, no governo e, portanto, têm “telhado de vidro”.

“Por acaso José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) não apoiam o ajuste fiscal?”, provocou o dirigente petista, em referência aos ministros da Mensagem ao Partido, segunda maior corrente petista, que lidera as críticas à política econômica de Levy, e da Democracia Socialista (DS), ala mais à esquerda da sigla. “Então, que não venham atirar a primeira pedra.”

Na mesma linha, o ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (SP), do Movimento PT – fiel da balança em votações internas –, disse não se incluir entre os que querem malhar Levy. “Se temos de fazer reparos à política econômica, que façamos ao governo, porque, caso contrário, estaremos terceirizando as críticas.”

Integrante da Mensagem, o secretário de Formação Política do PT, Carlos Árabe, prevê a formação de “dois blocos” no encontro. “Um defendendo mudança na política e na estrutura partidária, e outro pela manutenção das posições conhecidas até agora, podendo até recuar na questão do financiamento empresarial”, provocou. “Nós queremos a mudança.”

Em crise, PT teme perder prefeitos nos Estados do NE

Andréia Sadi e Natuza Nery – Folha de S. Paulo

• Reduto do partido, a segunda região mais populosa do país garantiu a reeleição de Dilma no ano passado

• Pré-candidatos da sigla na eleição municipal de 2016 protestaram contra a ideia de veto a doações empresariais

BRASÍLIA - Afetado por uma forte crise de imagem, o PT vê ameaçada a eleição em cidades do Nordeste em 2016. Foram os eleitores dos nove Estados da região, principal base de apoio do governo Dilma Rousseff, que garantiram sua reeleição em 2014.

Assessores do Palácio do Planalto esperam a eleição mais "dura da história" em São Paulo, onde o PT viu sua rejeição disparar. Mas o Nordeste passou a preocupar após uma pesquisa interna do PT mostrar que a taxa de aprovação do governo Dilma é de cerca de 10% no Brasil.

Os números foram discutidos durante o último encontro de Dilma e o ex-presidente Lula, em Brasília, há cerca de duas semanas.

Aliados relatam o temor de reflexo da crise entre os chamados "convertidos", eleitores fieis ao PT.

A pesquisa foi usada como argumento para reforçar a necessidade de construir uma agenda positiva para Dilma.

Entre os nordestinos, Dilma teve quase 72% dos votos válidos, desempenho um pouco abaixo do de Lula em 2006, quando foi reeleito com 77%. Em 2014, o PT elegeu Rui Costa (Bahia), Camilo Santana (Ceará) e Wellington Dias (Piauí) governadores. Em 2012, elegeu 187 prefeitos no Nordeste, 52 a mais que em 2008, mas perdeu capitais importantes, como Recife (PE) e Fortaleza (CE).

Debandada
Petistas têm recebido reclamações de prefeitos candidatos à reeleição insatisfeitos com a posição do partido de não aceitar doações empresariais. Eles se queixam de que, sem isso, terão as campanhas inviabilizadas. Alguns ameaçam deixar o partido antes de outubro.

Para evitar a debandada, o PT deve atenuar a decisão de não aceitar doações.

Inicialmente, o congresso do partido, no próximo fim de semana, na Bahia, ratificaria o compromisso do PT de proibir doações empresariais. Mas, após a Câmara aprovar repasses exclusivamente para os partidos, houve um recuo. Se a regra prevalecer e o PT aprovar o veto às doações privadas, as campanhas de 2016 vão depender só de financiamento público. Segundo um dirigente petista, "os prefeitos não aceitam" essa situação e teriam repassado a queixa para Lula.

Uma alternativa seria adiar a decisão sobre doações, sob alegação de que falta concluir as votações sobre reforma política no Congresso. Na prática, afirmam petistas, o tema deve ser esquecido.

No interior de São Paulo, auxiliares de Dilma já esperam que prefeitos e vereadores do PT migrem para a base do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

O principal motivo da debandada é o aumento da rejeição ao PT entre os eleitores paulistas. A preocupação de prefeitos e vereadores é a repetição, em 2016, do fraco desempenho da sigla em 2014.

Desemprego deve se manter alto e crescente

Aline Salgado – Brasil Econômico

• Pesquisador da FGV avalia que rigidez do mercado de trabalho com aumento da formalização vai dificultar redução da desocupação

A perda de fôlego da atividade econômica nos últimos anos, atrelado ao cenário de retração previsto para 2015, deixarão marcas fortes e de longo prazo no mercado de trabalho. A tendência é que, mesmo com a recuperação da economia, a partir de 2017, o mercado de trabalho levará mais tempo para se reaquecer, mantendo por um longo período a taxa de desemprego no país em patamares elevados, acima dos 8%.

A análise é do pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV/ Ibre), Rodrigo Leandro de Moura. Enquanto em um ano a taxa de desocupação acelerou de 7,1% para 8%, na comparação fevereiro a abril/2014 frente a fevereiro a abril/2015 — segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (Pnad Contínua Mensal) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — para 2016, a perspectiva é que o desemprego continue crescente, chegando a 8,6%. Já a economia, deve voltar ao campo produtivo com o PIB registrando um crescimento entre 0,5% a 1%.

Rodrigo Leandro de Moura explica que o aumento da formalização trouxe uma rigidez maior ao mercado de trabalho e uma nova dinâmica ao processo de contratação e demissão pelas empresas. O que por um lado tem contribuído para que o desemprego suba lentamente no curto prazo — apesar de o PIB ter ficado próximo a zero em 2014 e da perspectiva de retração de até 1,5% para este ano, de acordo com a FGV — , por outro, provocará uma lentidão na abertura de novas vagas em um momento de retomada do crescimento. O que deve ocorrer, na avaliação do pesquisador, só a partir de 2017.

"A taxa de desemprego anual de 2014 ficou em 6,79%, segundo a Pnad Contínua, e deve fechar este ano com uma alta de 1,2 ponto percentual, totalizando 8%. Se não tivéssemos com a economia tão formalizada e houvesse o mesmo contingente de trabalhadores informais da década de 90, o desemprego cresceria 3 pontos percentuais em um ano", calcula.

De acordo com o economista, os trabalhadores assalariados sem carteira assinada representavam 42,1% da população ocupada em 1995 e 43,4% em 1999, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE. Já o PIB crescia, na média dos anos de 1995 a 1999, 2,1%. Agora no período de 2012 a 2015, a média de crescimento do PIB está em 0,8% — considerando a previsão de retração de 1,5% para 2015 —, já o contingente de assalariados informais ficou em 29,5% em 2014, segundo a Pnad Contínua.

No longo prazo, a dinâmica do mercado de trabalho deve se mostrar mais adversa. A tendência é que cresça o número de trabalhadores em busca de emprego por um período de um ano ou mais. "O desemprego vai aumentar e ficará em um nível elevado por mais tempo. Será necessário que haja uma retomada mais forte da atividade econômica para que esse movimento seja barrado e que a taxa de desocupação volte a cair", observa Moura.

O pesquisador não deixa de ressaltar, no entanto, as mudanças que ocorreram nas modalidades de contratações nas últimas décadas. Por trás da redução da informalidade, está o aumento da fiscalização por parte do Ministério do Trabalho às empresas, bem como a crescente contratação de profissionais na categoria de Pessoa Jurídica (PJ) e de Microempreendedores individuais (MEIs).

"Espera-se que a informalidade aumente e o grau de formalização retroceda, porém em níveis pequenos. A dinâmica do mercado de trabalho é mais complexa agora. Hoje o IBGE aponta o crescimento dos conta-própria e dos empregadores, mas não sabemos se são pessoas tentando investir em seu próprio negócio ou profissionais trabalhando sem carteira, fazendo bicos, ou como PJs", ressalta Moura.

González se encontra com oposição na Venezuela

Janaína Figueiredo - O Globo

• Ex- líder espanhol pede acesso a presos políticos e diz que estará ao lado deles até " libertação total"

- BUENOS AIRES- A chegada do expresidente do governo espanhol Felipe González a Caracas, domingo passado, provocou verdadeiro terremoto político no país, em meio à situação cada vez mais dramática dos 25 presos políticos em greve de fome, entre eles o líder do partido Vontade Popular, Leopoldo López, que, segundo seus familiares, já perdeu oito quilos. Em reunião com a cúpula da Mesa de Unidade Democrática ( MUD), ontem, González disse que fará o possível para visitar López e outros dirigentes detidos, em alguns casos há mais de um ano, na prisão militar de Ramo Verde. Segundo contou ao GLOBO o secretário- executivo da MUD, Jesús Torrealba, González disse no encontro que “até mesmo no Chile de Pinochet” ( o ditador que governou o país de 1973 a 1990) ele conseguiu ter acesso a presos políticos.

— Felipe nos assegurou que estará ao lado dos presos políticos venezuelanos até o final, até a libertação total — comentou Torrealba.

Na noite de domingo, o expresidente do governo espanhol visitou, após receber uma autorização oficial, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, detido em seu domicílio por motivos de saúde. Embora tenha decidido acatar a decisão das autoridades venezuelanas, que proibiram a incorporação formal de González à equipe de defensores dos presos políticos do governo de Nicolás Maduro, o ex- presidente espanhol se comprometeu a continuar lutando por sua liberdade em foros internacionais.

— Não tenho outra alternativa a não ser continuar fazendo esforços em âmbitos internacionais — declarou González.

Maduro acusa ‘ eixo’ opositor
De acordo com Torrealba, “o ex- presidente ( do governo) espanhol está profundamente preocupado com o futuro da Venezuela”.

— Ele acha que seria possível adiantar as eleições presidenciais, sempre dentro das normas constitucionais, mas nem assim acredita que será fácil superar esta crise — revelou o secretário- executivo da MUD.

Na conversa, González lembrou que no passado o próprio Hugo Chávez o convidou para visitar Caracas, fato totalmente contrastante com a campanha liderada por Maduro para repudiar sua presença no país. O Palácio de Miraflores convocou manifestações chamadas de “concentrações patrióticas” em toda a Venezuela contra González, que não tiveram grande repercussão.

— Felipe não entende o ataque virulento de Maduro... está ficando cada vez mais claro que o presidente é uma caricatura de líder, sua atitude tem sido patética — enfatizou Torrealba.

Ontem, González também visitou o jornalista Teodoro Petkoff, diretor do jornal “Tal Cual”, alvo de várias denúncias do presidente da Assembleia Nacional, o militar reformado Diosdado Cabello, que o impediram este ano de receber, em Madri, o Prêmio Ortega e Gasset. Petkoff integra a lista de diretores de jornais denunciados por Cabello por suposta difamação e proibidos pela Justiça de sair do país.

— A situação dos presos políticos é dramática, o governo cada vez esconde menos seu perfil ditatorial — afirmou o editor do “Tal Cual”, Manuel Puyana.

Para ele, “a atitude de Maduro em relação à visita de González mostra a falta de democracia que existe na Venezuela”.

— Cuba e Bolívia jamais vão reconhecer isso, mas governos mais sensatos, como o do Brasil, não podem continuar respaldando este tipo de coisas. Nosso país está fora de controle.

Dois dos 25 presos políticos que aderiram à greve de fome iniciada por López ameaçaram ontem radicalizar seu protesto abstendo- se de beber líquidos, caso a Justiça não atenda suas demandas. Os jovens Raúl Emilio Baduel e Alexander Tirado, presos por participar de manifestações contra o governo de Maduro em 2014, exigem, entre outras coisas, que os tribunais do país não adiem mais a realização de suas audiências.

— Os presos são constantemente castigados, até mesmo seus familiares têm dificuldades de acesso. Parecem presos de ditaduras como a de Videla na Argentina — disse Puyana, referindo- se ao general que derrubou Isabelita Perón num golpe de Estado em 1976.

Maduro e outros importantes dirigentes chavistas questionaram publicamente a visita de González. O presidente acusou um suposto eixo Bogotá-Madri- Miami de utilizar personalidades como González para “legitimar sua guerra” contra a Venezuela.

Merval Pereira – Consumo sem crime

- O Globo

A descriminalização do consumo de drogas, que está em discussão nesse momento pela decisão da Defensoria Pública do Rio de considerar inconstitucionais todas as prisões de usuários de drogas, vai ser objeto de análise do Supremo Tribunal Federal nos próximos dias, provavelmente antes do recesso do Judiciário.

A medida foi tomada, como O Globo revelou no domingo, dentro de uma política mais ampla, de esvaziar as cadeias superlotadas do país, sob orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O relator do recurso extraordinário 635659 é o ministro Gilmar Mendes, que como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ coordenou os mutirões carcerários que libertaram milhares de presos em todo o país. Ele deve liberar o processo para julgamento amanhã. O mais provável é que o ministro leve em consideração a consequência de uma visão criminal do consumo de drogas para a superlotação do sistema penitenciário brasileiro, já tão insuficiente.

Em 2013 o Defensor Público do Estado de São Paulo, Leandro de Castro Gomes, recorreu ao Supremo Tribunal Federal da decisão do Colégio Recursal do Juizado Especial de Diadema/SP, que condenou um seu cliente a 2 meses de prestação de serviço à comunidade por guardar 3 gramas de maconha num único invólucro para consumo próprio.


O ministro Gilmar Mendes provavelmente vai determinar em seu voto que o preso em flagrante com drogas seja levado a um juiz, que definirá se se trata de um usuário ou traficante. O usuário já não é hoje condenado à prisão, mas em muitos casos é tratado como traficante, servindo para aumentar a superlotação nas cadeias do país. A tendência liberal em termos de costumes do plenário do STF indica que provavelmente a descriminalização do consumo será aprovada.

Várias entidades civis entraram no processo como “Amicus Curiae” - "Amigo da Corte" - entidades que têm representatividade adequada para se manifestar em disputas de constitucionalidade -, entre elas o Viva Rio, dirigida pelo sociólogo Rubem Cesar Fernandes, com base em um trabalho do professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini.

O centro da argumentação é a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.323, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas. Embora tenha alterado o tratamento penal para o porte de drogas ilícitas para consumo pessoal, substituindo a prisão de 6 meses a 2 anos pelas penas de advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa obrigatória, a nova legislação, segundo o jurista, manteve “o desvalor penal do comportamento, não retira sua natureza delitiva nem o caráter estigmatizante da incidência da norma penal”.

Segundo Pierpaolo Cruz Bottini, a criminalização do porte de drogas para uso pessoal afronta não somente a norma constitucional que protege a intimidade e a vida privada, mas, sobretudo, a que prevê as bases sobre as quais se sustenta todo o modelo político e jurídico nacional: a dignidade da pessoa humana e a pluralidade.

O propósito do artigo, que foi apresentado na forma de petição ao STF, “não é discutir os efeitos prejudiciais das substâncias entorpecentes, nem minimizar as preocupações de amplos setores da sociedade civil e do governo com problemas inerentes ao tráfico e consumo de drogas, (...), mas identificar a inconstitucionalidade de uma política de combate ao tráfico de drogas apoiada na criminalização de uma das vítimas de tais organizações, o usuário”.

O documento apresenta diversos exemplos de países em que “a dignidade humana e a intimidade pautam o modelo constitucional, o uso de drogas tornou-se matéria estranha ao direito penal, (...) indicando a perfeita convivência de Estados democráticos voltados para o combate ao tráfico de drogas e à inibição do consumo com um ordenamento penal que respeite a dignidade do usuário de entorpecentes”.

O documento cita a legislação de Portugal, que a partir de 2000 passou a dispor que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações caracterizadas como drogas deixam de ser crimes e passam a ser contraordenação (ilícito administrativo).

Na mesma linha, o legislativo espanhol, o chileno, o uruguaio e o italiano deixaram de fora da área penal o consumo de drogas. As legislações de Áustria, França, México, Noruega e Alemanha dispõem que o pote de drogas só tem relevância penal quando esteja destinado ao tráfico ilícito.

Na Colômbia e na Argentina foram as Cortes Constitucionais que decidiram pela inconstitucionalidade de criminalizar o consumo de drogas.

Bernardo Mello Franco -A mensagem de Tarso

- Folha de S. Paulo

O encontro desta semana em Salvador promete abrir a panela de pressão do PT. A reunião do partido dará voz e palanque aos insatisfeitos com o ajuste fiscal. Um dos mais descontentes é o ex-ministro Tarso Genro, que sonha com uma guinada na política econômica.

Líder da corrente Mensagem ao Partido, ele defende uma saída à esquerda para a crise. "Um governo progressista e democrático como o nosso deveria distribuir os ônus da recuperação da economia e não concentrá-los, prejudicando saúde, educação e segurança", afirma.

Na cartilha de Tarso, os cortes dariam espaço à tributação de grandes fortunas e à redução do Imposto de Renda para os mais pobres. "Sair de uma crise com 'ajustes orçamentários' é uma ilusão recorrente da ortodoxia que manda nos bancos centrais de países fortes", critica, citando os casos da Espanha e da Grécia.

A presidente Dilma Rousseff já ensaiou uma "vacina" contra as críticas ao afirmar à repórter Tânia Monteiro que o PT não pode transformar o ministro Joaquim Levy em "judas".

"Acho que ela está certa. O Levy não merece ser apontado como judas porque ele não está traindo nenhuma convicção sua. E um ministro faz o que o presidente manda ou aceita que ele faça", reage Tarso.

Para o ex-governador, o governo deveria enfrentar a crise "sem usar os remédios que vão, na verdade, torná-la mais duradoura". "Não precisamos nos apoiar em Marx, basta prestar atenção no Piketty", provoca.

Os petistas também devem usar o encontro para reclamar dos superpoderes dados ao vice Michel Temer. Neste ponto, Tarso é radical: diz que o arranjo com o PMDB "não serve mais", diante da "situação de alta complexidade" que vive o governo.

"O PMDB tem zero de unidade ideológica e programática para comandar uma coalizão", critica. "Se o PT não refundar imediatamente seu sistema de alianças, dificilmente terá credibilidade para se apresentar com força política em 2018."

Luiz Carlos Azedo - Atrás do prejuízo

• O que acontece no país, em decorrência do ajuste fiscal e da recessão, é uma onda de desemprego, cujas consequências sociais e políticas complicam a vida da presidente Dilma Rousseff e abalam a liderança sindical petista

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff lança hoje o Plano de Concessões em Infraestrutura e Logística com a esperança de virar o jogo e oferecer aos agentes econômicos uma agenda positiva. Na verdade, o Palácio do Planalto corre atrás do prejuízo. Desde a aprovação da lei das parcerias público-privadas, que passou a vigorar em dezembro de 2004, o maior obstáculo à realização de investimentos em infra-estrutura no país foi a teimosia da presidente da República, que insistia em estabelecer taxas de retorno para os negócios com as quais as empresas interessadas não concordavam.

Circulava até uma piada entre os executivos, comparando o comportamento do cariocas, do paulista e do gaúcho em conversas sobre negócios: o primeiro indagaria: Quanto é que nós vamos ganhar? O segundo: Quanto é que eu vou ganhar? E o terceiro: Quanto é que tu vais ganhar? Dilma, apesar de mineira, pensaria como os gaúchos. E foi ao gaúcho Arno Augustin, então secretrário de Tesouro, que encarregou de fazer as contas de quanto as empresas e o governo ganhariam nas concessões. O resultado foram sucessivas licitações e leilões sem interessados no negócio, principalmente no caso das ferrovias.

Dilma acabou mudando a legislação para tentar viabilizar seu programa de investimentos em infraestrutura. Em dezembro de 2014, ou após dez anos perdidos, a Lei 12.766, precedida pela MP 575, introduziu alterações importantes nas parcerias público-privadas. A principal diz respeito à redução do prazo mínimo para o acionamento pelo parceiro privado do Fundo Garantidor. Também foram flexibilizadas as exigências quanto aos estudos de engenharia. Espera-se que as mudanças atraiam mais investimentos em rodovias, portos, aeroportos e, principalmente, ferrovias, que ontem corriam o risco de ficar fora do pacote de hoje pelos motivos de sempre.

De acordo com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a ideia é manter leilões sistemáticos das concessões, à semelhança do que é feito hoje nas licitações de blocos de exploração de petróleo e de fornecimento de energia elétrica para o mercado regulado. O BNDES deverá participar como financiador do pacote, estimado entre R$ 100 e 120 bilhões, o que seria o bastante para alavancar a economia. Vem daí a esperança da presidente Dilma Rousseff de que o país sairá da recessão até o final do ano.

Pacto rompido
Esse é o otimismo de Brasília. O que acontece no país, porém, em decorrência do ajuste fiscal e da recessão, é uma onda de desemprego, cujas consequências sociais e políticas complicam a vida da presidente Dilma Rousseff e abalam a liderança sindical petista. O setor mais atingido é o automotivo. Rompeu-se o “pacto” iniciado durante o governo Itamar Franco, que pavimentou a ascensão política do PT a partir de uma forte estrutura sindical. O acordo automotivo entre montadoras, sindicatos e governo garantia desonerações tributárias e financiamentos para as empresas, estabilidade no emprego e aumentos reais de salário para os metalúrgicos, mais poder para os sindicatos e tranquilidade social para o Palácio do Planalto.

O que começou com a volta do “fusca”, o que parecia um capricho do presidente Itamar, virou um eixo do modelo macroeconômico brasileiro, que trocou o transporte coletivo pelo “carro popular” como política de mobilidade urbana, que inundou de veículos as cidades do país. Mantido no governo de Fernando Henrique Cardoso, o ”acordo automotivo” foi ampliado ainda mais no governo Lula, chegando ao ápice com as medidas anticíclicas adotadas pelo ex-ministro Guido Mantega. Agora, a festa acabou.

A produção de veículos no Brasil caiu 25,3% em maio, na comparação com o mesmo mês de 2014. Foram montadas 210,1 mil unidades, entre automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Em abril, o montante chegou a 217,6 mil, o que resulta em uma queda de 3,4%. A produção retornou ao ano de 2005, sendo que a de caminhões a maio de 1999. Somente de janeiro a maio, o encolhimento foi de 19,1%, com 1,09 milhão de unidades produzidas, ante 1,35 milhão no mesmo período do ano passado.

Esse cenário desolador, principalmente no ABC, tem forte impacto na base petista, que questiona o ajuste fiscal e pede a cabeça do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele está sendo tratado como bode expiatório da crise pelos militantes do PT, que realizará seu congresso no final de semana e ameaça condenar a atual política econômica. No domingo, a presidente Dilma foi obrigada a defender Levy, ao dizer que o seu ministro da Fazenda não pode ser tratado como um “judas”. Ontem, foi a vez do vice-presidente Michel Temer defender Levy, comparando-o a Jesus Cristo. Exagerou.

Celso Ming - Pacote tardio

• O mais importante aí não é o tamanho do pacote, mas sim saber até que ponto o governo Dilma está mesmo disposto a mudar a postura desastrosa em relação aos investimentos

- O Estado de S. Paulo

O governo deve anunciar nesta terça-feira, 9, novo plano de concessões para infraestrutura.

Mesmo levando em conta a falta dramática de recursos, o mais importante aí não é o tamanho do pacote: se terá R$ 134 bilhões, como previamente anunciado, R$ 190 bilhões, como se informou depois, ou, ainda, outro número dessa ordem.

O mais importante é saber até que ponto o governo Dilma está mesmo disposto a mudar a postura desastrosa em relação aos investimentos, a mesma que descarrilhou o PAC e que levou ao emperramento do programa anterior de concessões.

Até agora, o governo Dilma tratou o setor privado interessado na prestação de serviços públicos como predador dos recursos nacionais, como se estivesse em condições de impor moralidade. Em princípio, as concessões e a execução de serviços públicos, mesmo quando proporcionadas por leilões, eram consideradas, dentro do governo, como exercício de “privataria”.

O secretário do Tesouro do primeiro mandato, Arno Augustin, o mesmo que se notabilizou por truques de prestidigitação nas contas públicas e por aprofundar o sistema de pedaladas fiscais, não escondia de ninguém que a remuneração prevista nas concessões tinha mesmo de ser achatada porque não produzia risco para as empresas, mesmo quando realizadas sem projetos de execução.

Essa postura jurássica não foi a única razão pela qual os investimentos encolheram (veja o gráfico) no País. Houve outras. Toda a política econômica, chamada de Nova Matriz Macroeconômica pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou-se impregnada de equívocos e criadora de distorções que agora começam a ser corrigidas, com grande custo social e político.

Com os cofres vazios, o governo tenta agora passar o recado de que o ajuste é só o preço da transição para uma nova política de desenvolvimento econômico que vai reduzir custos de produção, criar empregos e dar novo horizonte ao País.

Essa tentativa de retomada está sendo feita sem um plano estratégico. O governo vive de espasmos. Acreditou no Programa do Álcool e depois o largou ao deus-dará. Elegeu o projeto da Transposição do Rio São Francisco como obra de redenção do Nordeste, mas o que foi feito já está tomado pelo mato. Acreditou no PAC, que em seguida empacou. Acreditou no pré-sal e na política da imposição de conteúdo nacional que agora vai caindo na real, com estaleiros abandonados e empresas quebradas. Acreditou na tal política de modicidade tarifária, mas descambou na desorganização do sistema de energia elétrica, que opera a custos 50% mais altos.

Agora, o governo Dilma tem de apresentar serviço para não passar a impressão de que a política econômica do segundo período se limita às durezas do ajuste fiscal, aos juros escorchantes e à dura recomposição dos preços administrados. Falta responder às perguntas de todos quantos se sentem responsáveis pelo futuro do País: o que queremos e para onde vamos?

Este ano já chega à metade e só agora a presidente Dilma começa a cuidar do investimento. Ainda assim, é preciso ver que qualidade terá.

Míriam Leitão - As contradições

- O Globo

O governo Dilma é um poço de contradição, e o PT é outro. Ela está defendendo Joaquim Levy, que tem sido atacado como “Judas” pelo seu partido, por estar conduzindo uma política econômica que se tornou necessária para salvar o governo dos seus próprios erros. O que a presidente deveria fazer é explicar por que negou tanto que o ajuste fosse necessário e agora o faz.

Carlos Araújo, ex-marido da presidente, disse que ela se deu conta da necessidade de ajuste fiscal durante a campanha. Ora, não parecia. Ela usou todas as entrevistas para negar a existência do problema e acusar os outros candidatos de prepararem medidas amargas, que seriam, como garantiu, desnecessárias.

Não há um argumento da presidente que fique em pé. Ela deveria nos poupar, ao menos, da tese de que o desequilíbrio fiscal é resultado da crise internacional. Dilma repetiu isso na entrevista que concedeu ao “Estado de S. Paulo”. O descontrole das contas públicas foi provocado pela política econômica que ela aprovou, defendeu, e que, além de quebrar os cofres públicos, não deu sequer o resultado de manter o crescimento.

Dilma defende Levy contra os ataques do PT. E o faz porque o partido prepara seu congresso para esta semana. “Não se pode fazer isso: criar um Judas. Isso é mais fácil. É bem típico e uma forma errada de resolver o problema”, disse ela à repórter Tânia Monteiro, do “Estado”. Falta completar a frase. Essa ideia de criar um culpado é bem típico do PT, que sempre fez isso no passado: o Fernando Henrique, a imprensa, as “elites”, entre outros, foram acusados de serem os causadores dos problemas. E, dessa forma “típica” de agir, nem ela foge. Ela também culpa a crise externa pela crise causada pelos seus erros.

Hoje o governo lançará um novo plano de concessões para a logística. Por coerência, deveria antes prestar contas do último Plano de Logística, lançado em 2012, tendo como principal estrela o defenestrado Bernardo Figueiredo, com a promessa de R$ 133 bilhões de investimentos, sendo R$ 99 bi em ferrovias, e a ideia da compra pela Valec de toda a oferta de transporte ferroviário. Desta vez, o governo usará ideias e modelos que criticou. Todas as contradições serão ignoradas, e o governo apresentará o plano como ideia nova, esquecendo o que disse e fez no passado.

A presidente afirmou que o Congresso não votou contra o governo, mas admite que a mudança na forma de aposentadoria não pode ser como foi aprovada pelo legislativo e, em seguida, conta que há uma nova fórmula ainda não desenvolvida; uma espécie de “85/95 progressivo”. Deveria explicar o que tem em mente. Não o faz porque o governo não sabe o que será. Apanhado de surpresa e com os votos da sua própria base, o governo permanece dividido sobre a questão. Há uma ala que diz que é simples, basta ajustar a medida aprovada no Congresso, e outra que admite que ainda não se sabe como vai funcionar essa nova ideia. Em poucas palavras: o governo não entendeu ainda que o fim do fator previdenciário exigirá que ele apresente uma proposta coerente de reforma da previdência. E não será simples.

Também não será rápido retomar o crescimento. Não é com um par de medidas provisórias fracas — e mais enfraquecidas no Congresso — que se resolveu todo o estrago feito no passado. A presidente apresenta como se bastasse este pequeno ajuste, “mais algumas medidas que serão anunciadas até agosto” para se retomar o crescimento. O ex-presidente Lula, sombra de Dilma, tenta acalmar as correntes petistas que se preparam para fazer a coisa típica durante o 5º Congresso: culpar alguém. Ele mesmo as insuflou contra o ministro da Fazenda, que ele mesmo havia indicado, mas agora Lula quer trocar os ataques por defesa de uma tal “agenda de desenvolvimento”.

Como não será por campanhas de Lula nem por simplificações de Dilma que o crescimento voltará, o ministro Joaquim Levy acabará sendo escolhido para ser o “Judas”. Ele foi nomeado para isso. O PT precisa ter alguém para terceirizar a culpa. Como autocrítica não é o seu forte, nem de seu comandante em chefe, nem da ocupante do cargo da presidente, Levy é o alvo mais provável dos ataques quando o crescimento demorar a voltar. Esse governo será assim até o final: um poço de contradições.

Vinicius Torres Freire - A malhação de São Joaquim

- Folha de S. Paulo

• Presidente e vice tentam vacinar ministro da Fazenda e sua política contra a oposição do PT

O feriado da festa da eucaristia, Corpus Christi, e o Congresso do PT não são uma combinação lá muito católica. A proximidade das duas datas talvez tenha pois suscitado essa justaposição meio sacrílega de comentários da presidente e do vice da República a respeito de Joaquim Levy. O ministro apenas da Fazenda não pode ser tratado como Judas, protesta Dilma Rousseff, mas, sim, como Cristo, secunda Michel Temer.

As metáforas evangélicas parecem expressar a preocupação de que Levy fique entre a forca e a cruz no 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, que começa depois de amanhã. Para ficar no popular, Levy e sua política econômica podem ser malhados ao ponto bem passado de que o PT pareça ter se convertido à oposição formal a Dilma 2.

É improvável que a maioria do PT entregue a presidente para a adoção, no caso pelos padrastos malvados do PMDB. Mas a malhação desmedida de são Joaquim não deve contribuir para atenuar a confusão política ridícula e lastimável em que vive o país. Ou seja, a presidente traiu seu partido ao se travestir do primeiro para o segundo mandato, roupa que o grosso do PT quer rasgar, confesse ou não de público, ou pelo menos fantasiar.

Entre as propostas que correntes do partido querem aprovar em seu Congresso estão coisas como um pró-indústria (créditos subsidiados) e um pró-exportação (mais subsídios), políticas que o ministro da Fazenda quer despachar aos poucos para o além.

Claro, vai se defender ainda o "imposto sobre grandes fortunas", a poção mágica de muita esquerda, baseada em um pensamento que combina Robin Hood com Tio Patinhas (política socioeconômica progressista resume-se a tirar de ricos para dar aos pobres por meio da expropriação do cofre do tesouro escondido). A isso chegou a esquerda, depois de mais de 12 anos de poder em que não elaborou plano algum de tributação séria e mais justa de renda, herança ou consumo, e menos ainda (muito complicado, "ai, que preguiça") pensou ou implementou políticas econômicas que propiciem crescimento mais rápido e igualitário. Preferiu dar dinheiro a oligopólio, crédito a juro quase zero, e fazer dívida pública, que custa juros indecentes, pagos a remediados e ricos.

Mas passemos. O assunto era a beatificação ou a malhação de Joaquim. O fato de que a esta altura da procissão Dilma Rousseff e o(s) PT não tenham chegado a um acordo sobre o que fazer das sabotagens mútuas não é bom sinal. As semanas estão politicamente mais calmas nos palácios e nas ruas (ou a fúria é silenciosa) e, ao fim, pode ser que o povo tolere calado o período de arrocho e esfolamento, que ainda vai longe. Pode ser que não.

Os tempos de provação serão compridos, até 2017, para ficar no básico. Conviria ter um projeto novo de governo, não tentativas amadoras, mesquinhas e desesperadas de salvar a cara do PT para as próximas eleições, de dourar a pílula, de fazer cócegas no "andar de cima" com medidas ineptas para jogar para a galera.

Para não ser injusto com o PT, diga-se que partido algum acordou para o fato de que o Brasil de 1994-2010 foi-se desta numa pior e de que, seja qual for a cor da reforma ("liberais" ou "nacional e popular"), ela tem de ser profunda.

Gaudêncio Torquato - A orfandade dos trabalhadores

- Folha de S. Paulo

• A morte de Brizola enterrou o que havia sobrado do ideário trabalhista. Hoje não passa de abrigo para o neopeleguismo sustentado pelo Estado

A esfera trabalhadora do Brasil está órfã de lideranças. Não há perfis a expressar o ideário clássico do trabalhismo --o sentimento de pertinência de classe, o culto às instituições sociais, a valorização do trabalho, a união de todos sob a mesma bandeira etc.--, nem organizações capazes de defender posições claras no espectro ideológico.

As massas trabalhadoras formam aglomerados dispersos, abrigados em espaços ocupados por centrais sindicais, cuja preocupação central é garantir um quinhão do bolo de recursos do sistema confederativo.

Os comandos dessas entidades têm sido entregues a pessoas com perfis que lembram os dos pelegos do passado, agarrados aos braços da máquina estatal, com um olho na perpetuação do poder e outro na moldura partidária, onde buscam abrigar sua identidade.

Ao perceberem que os partidos podem ser extensão de seu poder, as centrais inauguram a era do "sindicalismo partidário", um bom empreendimento para seus negociantes políticos. Afinal, ali pode florescer um promissor feudo eleitoral.

E onde está o trabalhismo histórico, cujas sementes foram semeadas por Getúlio Vargas, nos anos 30, por João Goulart e Leonel Brizola, nos anos 60? Definhou ao longo das últimas décadas.

Suas raízes começaram a secar nos tempos áridos da ditadura de 1964. A partir de 1979, em razão da abertura política, tentou reaparecer, mas o velho PTB cindiu-se. Virou ser invertebrado quando passou a ser objeto de disputa entre Brizola e Ivete Vargas, neta de Getúlio, que acabou ficando com a sigla. Ao ex-governador sobrou o desafio de fundar o PDT. O legado getulista dividia-se entre os dois partidos.

Capengando numa vereda cheia de curvas e sob o refluxo ideológico provocado pela queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, o velho PTB esmaeceu o verniz das lutas trabalhistas.

Enquanto isso, o PDT, mais pela performance do perfil carismático de seu principal dirigente, passou a acenar com a bandeira de um "socialismo moreno", possivelmente esculpido com a régua do maior teórico do trabalhismo, Alberto Pasqualini, que dizia: "Nem Nova York nem Moscou. O trabalhismo brasileiro é autóctone e crioulo".

A morte de Brizola, em 2004, enterrou o que sobrara do ideário trabalhista. Daí por diante, o país abriu o ciclo do chamado sindicalismo de resultados, pragmático e burocrático, com seu cordão umbilical amarrado ao corpo do Estado.

Convém lembrar que, em 1980, o trabalhismo passou a ser também referência central do PT, por inspiração de seus idealizadores, o setor esquerdista da Igreja Católica, intelectuais, parcela do PCB e metalúrgicos do ABC paulista.

Em 35 anos, no entanto, o PT nunca conseguiu unir as bandas dispersas das massas trabalhadoras, por brandir um discurso desagregador e manter uma visão unilateral do poder sobre as estruturas do Estado. O que sobrou do trabalhismo? Um ente sem pé nem cabeça.

Hoje não passa de abrigo para o neopeleguismo sustentado pelo Estado. Perdeu significado no dicionário da política. Sete centrais sindicais disputam espaço, dividindo as representações das categorias profissionais. Emergem parcerias entre centrais e partidos, sendo mais evidente o casamento entre CUT e PT, duas faces da mesma moeda.

Diante da ruína do edifício petista, trabalhadores de muitos setores percebem, desmotivados, a ação desnorteada de sua representação. Pergunta-se qual o ideário das entidades e não se tem resposta.

A CUT tateia na corda bamba, tentando, ao mesmo tempo, ser contra e a favor do governo. Qual o papel do maior líder sindical da história contemporânea, Lula, na defesa do trabalhismo? Difícil responder. As bandeiras que Lula levantou tornaram-se refrões sem sentido.

Qual é a real situação dos trabalhadores, quem canaliza suas demandas? Centrais preocupadas com os cofres, como no atual combate contra a terceirização de serviços?

O fato é que as massas trabalhadoras começam a expressar desesperança, estão temerosas. Trabalhadores da classe C que vieram da classe D temem voltar ao antigo habitat. Sentem-se órfãos.

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Gaudêncio Torquato, 70, jornalista, é professor titular da USP e consultor de política e de comunicação

José Casado - A política da incúria

- O Globo

• Enquanto Dilma preside o duelo entre PMDB e PP pelo domínio de órgãos-chave na política nordestina, procuradores pedem intervenção no caótico sistema de saúde do Ceará

Sob o olhar obsequioso de Dilma Rousseff, eles lutam pelo controle dos postos-chave de organismos estatais responsáveis pela água que vaza nas cidades e goteja no sertão, a terra para plantio e o crédito barato no banco regional.

Disputam o domínio de instrumentos clássicos do Estado para a política no Nordeste — o segundo maior colégio eleitoral, com 38,2 milhões de votos.

No caixa de três desses órgãos federais prevê-se R$ 10 bilhões fluindo para gastos e investimentos durante a temporada de eleições municipais do ano que vem.

Nas últimas semanas, caciques regionais do PMDB e do PP se revezaram em reuniões com quatro negociadores de Dilma: o vice-presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Aviação), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Aloizio Mercadante (Casa Civil).

No centro da mesa de negociações da Presidência estavam o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Banco do Nordeste.

O senador cearense Eunício de Oliveira liderava o PMDB nordestino no embate com o PP regional, chefiado pelo senador piauiense Ciro Nogueira. Esgrimiam com ameaças veladas ao governo em futuras votações no Congresso, caso não recebessem o que pretendiam.

Houve um momento em que a situação podia ser assim resumida, conforme as coloridas anotações de um dos negociadores presidenciais: como o PP de Ciro Nogueira recebeu o Ministério da Integração e a Codevasf, o PMDB de Eunício de Oliveira achou-se no “direito” de ficar com o Banco do Nordeste e o Dnocs.

O governo propôs, então, a partilha cruzada dos cargos: se o comando do banco nordestino está com o PMDB, o escalão inferior pode ser dividido com o PP. E vice-versa.

Eunício vetou. Acabara de conquistar o controle, depois de quatro meses de batalha. Recebera um banco estatal cujo balanço de 2014 exibiu o melhor resultado financeiro desde a criação, há 63 anos: lucro de R$ 747 milhões, o dobro do ano anterior. O senador cearense, líder do PMDB, aparentemente possui um projeto próprio para o Banco do Nordeste: “Não é para dar lucro, é para fazer desenvolvimento”, disse à repórter Beatriz Cavalcante.

O loteamento do governo avança, assentado em critérios patrimonialistas, sem distinção entre o público e o privado. A partilha de capitanias estatais no condomínio político-empresarial liderado pelo PMDB, PP e PT, com a complacência de Lula e Dilma, resultou no mensalão e agora em múltiplas investigações — dentro e fora do país — sobre a corrupção na Petrobras.

Na sexta-feira, enquanto caciques nordestinos digladiavam no Palácio do Planalto, procuradores pediram à Justiça a declaração de estado de emergência no sistema público de saúde do Ceará. Ontem em Fortaleza, no entorno do Banco do Nordeste, do Dnocs e da Codevasf, contavam-se 364 pessoas “internadas” nos corredores das unidades de saúde — segundo o “Corredômetro das Emergências” divulgado diariamente pelo Sindicato dos Médicos. Deitadas no chão, aguardavam leitos em hospitais públicos, superlotados e sem medicamentos. É a política da incúria.