domingo, 14 de agosto de 2016

Os dois momentos da depressão brasileira – Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

A forte depressão que assola a economia brasileira tem dois momentos.

No primeiro momento, do fim de 2010 até o primeiro semestre de 2014, a economia sofreu contínua desaceleração. O crescimento médio no biênio 2009-2010, de 3,6% ao ano, desacelerou-se para 0,1% em 2014.

A principal característica dessa desaceleração é que não houve nenhum sinal de carência de demanda agregada. Muito pelo contrário, ao longo de todo esse período a absorção, a soma do consumo com o investimento, cresceu sempre acima da produção. Mesmo se nos restringirmos ao investimento, ele somente cresceu abaixo do produto, e ainda assim pouca coisa, no último trimestre de 2012 e no primeiro semestre de 2013.


Além de ter sido desaceleração liderada por queda da produção, e não da demanda, os demais sinais foram na direção de fortíssima redução da taxa de crescimento da produtividade.

De fato, ao longo da desaceleração de 2010 até 2014, tivemos inflação pressionada, apesar de represamento de preços, juros reais elevados e contínuo aumento do deficit externo e do deficit primário do setor público, além de crescimento dos salários acima da produtividade e redução da taxa de desemprego para as mínimas históricas.

Finalmente, se olharmos o impulso fiscal -o impacto da demanda do setor público sobre o mercado de bens-, ele somente foi contracionista, em 0,4 ponto percentual do PIB, em 2011, devolvendo o fortíssimo impulso fiscal positivo de 1,3 ponto do PIB em 2010, resultado do ciclo político. Nos outros três anos do primeiro mandato de Dilma, tivemos impulso fiscal positivo de, respectivamente, 0,5, 1,3 e 1,4 ponto do PIB.

Não foi por falta de demanda que a economia se desacelerou até crescer quase nada em 2014. A desaceleração foi fruto de fortíssima queda da produtividade, que dificilmente pode ser integralmente atribuída a choques negativos de oferta, como o que de fato ocorreu com a redução das chuvas no verão de 2014.

Outra característica importantíssima do período -fartamente documentada em inúmeros trabalhos do economista Carlos Rocca- foi a forte redução da capacidade de geração de caixa das empresas e, portanto, dos lucros, que é exatamente o que se espera se há problema generalizado de perda de eficiência.

A partir do segundo trimestre de 2014, inicia-se a segunda etapa da depressão da economia brasileira. A demanda despenca. A taxa de crescimento do investimento cai de 6,1% no primeiro trimestre de 2014 para -16% no primeiro trimestre de 2016. Para o consumo, a queda, no mesmo período, foi de 3,2% para -5,2%.

O que promoveu a parada do investimento? Será que foi a elevação do grau de endividamento das empresas que, como Rocca mostrou, ocorreu ao longo do primeiro mandato de Dilma? Não deve ter sido o principal motivo. Parcela significativa do endividamento ocorreu a taxas muito subsidiadas. Lembremos que o balanço do BNDES cresceu quase dez pontos percentuais do PIB no período.

Dois fatores explicam a queda do investimento. Primeiro, a contínua piora da rentabilidade das empresas, bastante anterior ao agravamento da crise. Segundo, o reconhecimento pelos agentes econômicos de que há problema dramático de solvência do Tesouro Nacional: se reformas muito profundas não forem feitas, não haverá receita para servir a dívida pública.

A enorme incerteza que acomete sociedades que não conseguem gerir o conflito distributivo explica o grosso da queda do investimento.

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