sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Banco Central pagou sem ver – Editorial / O Estado de S. Paulo

Mais uma vez o Banco Central (BC) pagou adiantado, sem ter segurança da contrapartida, ao cortar para 14% a taxa básica de juros. Com mais cuidado nas próximas decisões, o efeito poderá ser menos desastroso que o de um erro semelhante cometido em agosto de 2011, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciou uma longa série de cortes. O lance foi justificado, naquela ocasião, com algumas expectativas otimistas. A mais importante envolvia a gestão das contas públicas. Apostava-se numa condução austera das finanças federais pela presidente Dilma Rousseff. Em abril de 2013, quando a autoridade monetária, com a credibilidade arrasada, tentou retomar o caminho da seriedade, a inflação já havia disparado e o controle era muito mais difícil. Os mais otimistas poderão achar a comparação injusta e despropositada. Certo, o governo mudou e se mostra empenhado em cuidar das contas fiscais, mas o quadro é muito mais complicado que em 2011, ninguém deve desprezar os obstáculos políticos e, afinal, os próprios membros do comitê reconhecem – este é o ponto mais curioso – a insegurança.

Vários dos melhores argumentos contra a decisão anunciada na quarta-feira à noite estão no comunicado entregue à imprensa logo depois da reunião. Não há, no texto, uma única alegação relevante a favor do corte de juros neste momento. “A inflação recente mostrou-se mais favorável que o esperado, em parte em decorrência da reversão da alta de preços dos alimentos” – e só. As menções ao baixo nível de atividade e à ampla capacidade ociosa valem tanto quanto valiam na reunião anterior. Não há uma única afirmação segura, em todo o documento, sobre a tendência da inflação.

Mas a lista das dúvidas é considerável. “O processo de aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia é longo e envolve incertezas.” Claro: nem a proposta do teto para o aumento de gastos foi ainda aprovada em segunda votação na Câmara. Depois ainda haverá a tramitação no Senado. E bastará isso para dar alguma segurança? As incertezas quanto à evolução dos preços são consideráveis. Ainda há o risco de reforço dos mecanismos inerciais e, além disso, “há sinais de pausa recente no processo de desinflação dos componentes do IPCA mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária”.

Do lado oposto, a lista das incertezas positivas é muito mais frágil e insuficiente, sem dúvida, para justificar o afrouxamento da política. Talvez a desinflação seja mais rápida do que indicada nas projeções do Copom. Os primeiros passos no processo de ajustes foram positivos. Quem sabe se tudo andará mais velozmente que o antecipado?

Se hipóteses tão agradáveis se confirmarem, ótimo: todos poderão festejar. Mas bastam essas possibilidades, apresentadas de forma tão cautelosa, para justificar a redução da taxa básica de juros? Nem os membros do Copom parecem acreditar nisso com firmeza. Curiosamente, e de forma quase cômica, eles voltaram a afirmar no comunicado as condições necessárias para o afrouxamento da política.

Novos cortes e “uma possível intensificação de seu ritmo” dependerão, segundo a nota, da evolução de alguns fatores: “i) que os componentes do IPCA mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica retomem claramente uma trajetória de desinflação em velocidade adequada; e (ii) que o ritmo de aprovação e implementação dos ajustes (...) contribua para uma dinâmica inflacionária compatível com a convergência da inflação para a meta”.

Esses critérios valiam antes para qualquer corte. Isso havia sido reafirmado há pouco mais de uma semana pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn. Deixaram de valer para a primeira redução, anunciada na quarta-feira, e voltarão a valer para os seguintes? Por que deixaram de valer? Porque o mercado pressionou? Porque interessava ao Executivo o afrouxamento, num cenário de recessão persistente? Ou, talvez, porque os membros do Copom passaram a achar pouco arriscado um primeiro lance de apenas 0,25 ponto?

Muitos aplaudiram a decisão. Mas seria um erro enorme confundir a capacidade de atrair um aplauso ocasional com credibilidade. Mais que um erro técnico, a ação mal explicada de quarta-feira pode ter sido um erro político.

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