sexta-feira, 1 de julho de 2016

Opinião do dia – Antonio Gramsci

O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma clara consciência teórica desta sua ação, a qual, não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer, aliás, que sua consciência teórica esteja teoricamente cm contradição com seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia, esta concepção “verbal” não é inconsequente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política. A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real.
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Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos de Cárcere, v. 1, p. 103. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.

Renan desengaveta projeto que pode dificultar Lava Jato

Renan quer votar projeto que dificulta investigações

• Investigado pela Lava Jato, presidente do Senado desengaveta proposta que prevê punição de agentes públicos em ações que são alvo de críticas de parlamentares

Isabela Bonfim e Julia Lindner - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Investigado na Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), resolveu desengavetar e acelerar a tramitação de um projeto de 2009 que prevê punições a crimes de abuso de autoridades, de agentes da administração pública e membros de Judiciário, Ministério Público e Legislativo. Muitos dispositivos da proposta estão em sintonia com reclamações de parlamentares sobre a condução de ações da Polícia Federal e da força-tarefa da Lava Jato.

Um dos artigos, por exemplo, prevê punição para o cumprimento de mandados de busca e apreensão de forma vexatória. No início de junho, Renan criticou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dizendo que ele havia “extrapolado” seus limites constitucionais ao pedir a prisão e a emissão de mandados de busca e apreensão de senadores no exercício do mandato.

Outro dispositivo da proposta determina detenção de um a quatro anos para cumprimento de diligência policial em desacordo com as formalidades legais. Na semana passada, o Senado protocolou reclamação no Supremo Tribunal Federal contra o juiz de primeira instância Paulo Bueno de Azevedo por promover busca e apreensão no apartamento funcional da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

Renan Investigado, votará projeto sobre abuso de autoridade

• Alvo da Lava-Jato, presidente do Senado nega relação com a operação, mas proposta gera temor

Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- Em tempos de operações da Polícia Federal e do Ministério Público contra a corrupção, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), investigado pela Operação Lava-Jato, anunciou ontem que pretende colocar em votação um projeto que trata de punição para abuso de autoridade. Ele disse que o projeto é um pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial do ministro Gilmar Mendes. Renan negou que a tentativa de aprovar o projeto tenha alguma relação com a Lava-Jato. Ele responde a 12 inquéritos no STF, sendo nove decorrentes da Lava-Jato.

Proposto em 2009, o projeto define os crimes de autoridade cometidos por integrantes da administração pública, servidor da União, estados e municípios, dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. A punição seria uma ação penal com a possibilidade de indenização de danos e perda do cargo. O texto tinha sido arquivado na Câmara. Um novo texto foi resgatado por Renan.

O projeto quer proibir, por exemplo, “o uso de algemas, ou de qualquer outro objeto que tolha a locomoção”, quando não houver “resistência à prisão”. Além disso, considera crime de abuso de autoridade “constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo” e “ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem da pessoa indiciada em inquérito policial”.

A proposta ainda evita “grampos” sem autorização, como os surgidos na delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que envolveram Renan. O texto diz que é crime “promover interceptação telefônica, ou escuta ambiental, sem autorização judicial ou fora das demais condições, critérios e prazos fixados no mandado judicial, atingindo a situação de terceiros e não incluídos no processo judicial ou inquérito”.

‘Declaração de Brasília’ repudia mudanças na lei da delação

• Documento elaborado no seminário 'Grandes casos criminais: experiências italianas e perspectivas do Brasil' lista 14 medidas para combate à corrupção e prega compliance nas empresas

Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

A ‘Declaração de Brasília contra a corrupção’ – documento elaborado no seminário Grandes casos criminais: experiências’ italianas e perspectivas do Brasil – repudia ofensivas contra a legislação que regula os acordos de colaboração premiada para impedir que acusados presos firmam delação.

A delação premiada é a alma da Operação Lava Jato, a maior investigação já realizada no País contra a corrupção. Dezenas de investigados firmaram acordos de colaboração para, em troca de benefícios como redução de pena, revelar o submundo da propina instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014.

O documento apresenta 14 medidas que devem subsidiar a atuação do sistema de justiça no combate a malfeitos na administração pública.

O evento reuniu em Brasília autoridades brasileiras e italianas que discutiram e relataram ações e dificuldades enfrentadas em grandes casos criminais, como as Operações Lava Jato, no Brasil, e Mãos Limpas, na Itália.

Uma preocupação dos investigadores brasileiros é com relação às iniciativas que podem esvaziar as delações. “São repudiáveis as tentativas de modificar a legislação que regula os acordos de colaboração premiada, para impedir que acusados privados de liberdade colaborem com a Justiça, como legítima estratégia de defesa e como forma de reduzir suas penas ou de melhorar suas situações carcerárias”, diz o texto.

O seminário, entre 26 e 29 de junho, abrigou magistrados, promotores e procuradores, foi promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, com apoio do Supremo Tribunal Federal, Ministério Público da União, Conselho Nacional de Justiça, Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação dos Juízes Federais, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e Associação dos Magistrados Brasileiros.

Promotores e juízes consideram ‘preocupantes’ os movimentos que tentam modificar a jurisprudência do Supremo, que passou a admitir a execução penal da sentença condenatória após o trânsito em julgado em segundo grau de jurisdição.

Eles pedem, ainda, incentivo à formação de forças-tarefas institucionais e interinstitucionais e a criação de equipes conjuntas de investigação (joint investigative teams), de forma a permitir o intercâmbio de informações processuais e de segurança pública entre órgãos de persecução criminal e agências de inteligência.

A ‘Declaração de Brasília’ prega, ainda, a independência de juízes, promotores e procuradores e a autonomia do Poder Judiciário e do Ministério Público. “São valores fundamentais para a promoção do Estado de Direito, para a efetividade dos princípios da legalidade e da isonomia e para a efetivação da responsabilidade administrativa, civil ou criminal de qualquer infrator.”

O documento conclama as companhias a não se entregar à prática das propinas. “Empresas socialmente responsáveis são atores essenciais para a prevenção da corrupção. É desejável a adoção de programas internos de conformidade (compliance) e de regras corporativas de proteção a informantes confidenciais (whistleblowers) para fortalecer empresas comprometidas com o respeito às leis e eliminar as condições hoje favoráveis a empresas corruptoras.”

Juiz reage à decisão de Toffoli de soltar ex-ministro

Juiz que prendeu ex-ministro aponta ‘tendência’ de que só pobre pratica crime violento

• Ao mandar soltar quase todos os alvos da Custo Brasil, após Dias Toffoli revogar prisão do ex-ministro do Planejamento, magistrado federal fala da propensão da doutrina, 'ainda que inconsciente'

Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O juiz federal Paulo Bueno de Azevedo, que na quinta-feira, 23, mandou prender o ex-ministro Paulo Bernardo (Planejamento/Governo Lula) – ordem revogada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta, 29 – argumenta que há uma ‘tendência, ainda que inconsciente’ de que a sociedade é ameaçada exclusivamente na ocorrência de crimes violentos praticados por pobre.

Ao criticar a decisão de Toffoli – segundo o qual a prisão preventiva de um suspeito cabe para os casos de extremada agressividade -, o magistrado da 6.ª Vara Criminal Federal de São Paulo foi bastante enfático. “Observo que a doutrina invocada na decisão do Supremo Tribunal Federal (de soltura de Paulo Bernardo) fala da possibilidade de prisão preventiva em crimes como ‘homicídio por esquartejamento ou mediante tortura, tráfico de quantidades superlativas de droga, etc.’, o que, a meu ver, reflete a tendência, ainda que inconsciente, de se considerar a existência de riscos apenas em crimes violentos, no mais das vezes cometidos apenas por acusados pobres.’

'Lula será candidato em 2018', diz Dilma

• Entrevista para a L'Express foi feita em Brasília; presidente afastada se defende de acusações e volta a criticar o governo interino

Luciana Amaral - O Estado de S. Paulo

Em entrevista feita em Brasília para a revista francesa semanal L'Express, divulgada nesta quarta-feira, 29, Dilma Rousseff afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será candidato à Presidência nas eleições de 2018. A informação é, inclusive, uma das chamadas da capa da publicação.

"É a razão principal do golpe de Estado: prevenir que o Lula se apresente à Presidência. Hoje em dia, apesar de todas as tentativas de destruir a sua imagem, Lula continua entre as pessoas mais amadas. Eu posso te dizer que ele vai se apresentar na próxima eleição", disse a petista.

Questionada sobre como ela vê e espera a possível aprovação do processo de impeachment pelo plenário do Senado, em votação prevista para a segunda quinzena do mês de agosto, Dilma se disse profundamente injustiçada quanto à forma como "foi tirada do poder". Na entrevista, ela também disse que não cometeu crime de responsabilidade, mas que apenas aprovou quatro decretos para créditos suplementares a fim de financiar, principalmente, hospitais.

"Não sou o primeiro presidente a agir assim. O Fernando Henrique Cardoso aprovou 23 decretos similares. Na verdade, [a acusação] é apenas um pretexto."

Cardozo diz que defesa de Dilma pode ir ao Supremo

• O ex-advogado-geral da União, responsável pela defesa da presidente afastada no processo de impeachment, afirmou que não quer que o País tenha a pecha de que o STF corrigiu o que fez o parlamento

Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, responsável pela defesa da presidente afastada Dilma Rousseff no processo de impeachment, afirmou nesta quinta-feira, 30, que, caso ela seja derrotada no Senado, é possível que a defesa da petista recorra ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas destacou que ainda quer investir para convencer os senadores de que não há base jurídica para o afastamento de Dilma. "Se houver algum momento que não acreditarmos que não seja feito um julgamento justo nós vamos ao Judiciário", disse, em coletiva de imprensa no Palácio da Alvorada.

Cardozo disse ainda que não quer que o País tenha a pecha de que o Supremo corrigiu o que fez o parlamento e disse confiar no Congresso Nacional. "Eu prefiro investir poder legislativo, não quero um poder invalide o que o outro ainda não teve como fazer", disse. "Eu confio no parlamento, não creio que deva ser o Judiciário que barre esse 'golpe'", completou.

Para Temer, governo Dilma levava empresas à falência

• Sem citar nomes, presidente critica modo autoritário na relação com o Legislativo

Bárbara Nascimento e Eduardo Barretto - O Globo

-BRASÍLIA- A uma plateia de cerca de 500 empresários, reunidos no Palácio do Planalto, o presidente interino, Michel Temer, sugeriu ontem que o governo afastado de Dilma Rousseff levava empresas à falência. Sem citar nomes, ele afirmou que não houve anúncio de desburocratização, por exemplo, apesar da expectativa.

Ao dizer isso, Temer mencionou um episódio recente. Em seu discurso de posse no governo interino, logo após Dilma ser afastada, ele havia pedido a confiança da sociedade para vencer a crise, citando uma placa “Não fale em crise, trabalhe”, que vira em um posto de gasolina na Rodovia Castello Branco. Depois, a imprensa noticiou que o posto havia falido. Ontem, ele assegurou que, no governo atual, isso não aconteceria:

— Faliu por causa do sistema econômico anterior. No sistema econômico atual ninguém irá à falência. Tenho absoluta convicção disso.

Temer sanciona a lei que dificulta indicações políticas

• Dirigentes de partidos e sindicatos não poderão ocupar diretorias

Presidente veta, porém, restrição para que diretores participem de conselho de administração

O presidente interino, Michel Temer, sancionou ontem a lei que moderniza a gestão das estatais e dificulta nomeações políticas. Apesar da pressão de políticos, sindicalistas e entidades empresariais, Temer manteve os principais pontos da lei. Dirigentes de partidos e sindicatos terão de deixar o cargo e cumprir quarentena de três anos antes de ocupar diretorias de estatais. O mesmo vale para quem atuar em campanhas eleitorais.

Temer sanciona Lei de Estatais, que veta nomeações políticas

• Projeto, no entanto, permitirá que diretores acumulem cargos

Catarina Alencastro - O Globo

-BRASÍLIA- O presidente interino, Michel Temer, sancionou na noite de ontem o projeto da Lei de Responsabilidade das Estatais com dez vetos. A nova lei estabelece critérios para a nomeação dos dirigentes de empresas públicas, e a adoção destas medidas busca dar maior transparência às contas das estatais. Apesar das pressões dentro da própria base aliada ao governo no Congresso, Temer manteve a proibição da escolha de dirigentes partidários, sindicalistas e de quem atuou em campanha eleitoral, durante três anos, para o cargo de presidente ou diretores de empresas públicas ou sociedades de economia mista, o que é considerado a “alma” do projeto.

Por outro lado, com um dos vetos, Temer permitiu a acumulação do cargo de diretor ou diretor-presidente das estatais com o de membro do conselho de administração, função na qual há o pagamento dos chamados jetons. No Planalto, conselheiros de Temer argumentaram que grande parte dos cargos nos conselhos são de baixa remuneração, o que dificultaria a seleção de gente no mercado para ocupar apenas a função de conselheiro.

Sem responsabilidade solidária
O texto será publicado hoje no Diário Oficial da União. Entre outros vetos de Temer estão o que prevê a responsabilidade solidária, ou seja, que faria com que conselheiros — mesmo que tivessem votado contra determinado assunto — pudessem ser responsabilizados no futuro por decisões erradas da maioria. Além disso, foi vetada também a apresentação, em licitações, de orçamento detalhado do custo total de uma obra. Outro item vetado foi o artigo que diz que a sociedade de economia mista, com ações listadas em Bolsa de Valores e constituída até a data de entrada em vigor da lei, teria o prazo de dez anos para manter pelo menos 25% de suas ações em circulação no mercado.

Operação contra Cavendish investiga políticos

• Ex-dono da Delta, que está no exterior, é acusado de desviar R$ 370 milhões

A Operação Saqueador, braço da Lava-Jato, ordenou a prisão de Fernando Cavendish, exdono da empreiteira Delta, que está na Grécia. A operação prendeu o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o empresário Adir Assad sob a acusação de lavarem R$ 370 milhões desviados de obras públicas da Delta. A empresa participou da reforma do Maracanã, que, segundo delatores, resultou em propina para o ex-governador Sérgio Cabral. O dinheiro desviado foi sacado na boca do caixa e era destinado a políticos do Rio e do Centro-Oeste.

No rastro dos saqueadores

• Justiça manda prender Cavendish, ex-dono da Delta, acusado de pagar propina a políticos

Chico Otavio e Juliana Castro - O Globo

A recém-criada força-tarefa da Lava-Jato no Rio está investigando quais agentes políticos recebiam propinas do esquema da empreiteira Delta Construções por desvio de verba de obras públicas. Ontem, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram a Operação Saqueador. A ação levou à prisão dos empresários Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e Adir Assad, já condenado a nove anos e dez meses na Lava-Jato e que estava em prisão domiciliar. Há um mandado de prisão contra o ex-dono da Delta Fernando Cavendish, mas ele está no exterior.

A investigação constatou que os envolvidos, “associados em quadrilha", usaram empresas fantasmas para transferir cerca de R$ 370 milhões em propina para agentes públicos. Após as quantias serem repassadas às empresas de fachada, por meio de contratos fictícios, os valores eram sacados em espécie para impedir o rastreamento dos destinatários da propina.

É esse caminho do dinheiro vivo que o Ministério Público Federal tenta elucidar para chegar a políticos e servidores públicos. O GLOBO apurou que possíveis alvos são políticos, entre eles alguns prefeitos, do Estado do Rio e da Região Centro-Oeste.

Entre as obras da Delta está a reforma do Maracanã. De acordo com os exexecutivos da Andrade Gutierrez Clóvis Primo e Rogério Nora Sá, que fecharam acordo de delação premiada com a Lava-Jato, o então governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), cobrou 5% do valor do contrato para permitir que a empresa se associasse à Odebrecht e à Delta (que saiu antes do fim da obra) no Consórcio Maracanã Rio 2014. Cabral nega.

Cavendish, da amizade à mágoa com Cabral

• Ex-dono da Delta, que buscava retomar negócios, não perdoa ex-governador por se sentir abandonado

Juliana Castro, Chico Otavio - O Globo

A ordem de prisão do ex-empreiteiro Fernando Cavendish chega no momento em que ele tentava reabilitar a imagem, após a recuperação judicial e venda dos ativos da Delta para o grupo espanhol Essentium, no ano passado. Quem conviveu com Cavendish nas últimas semanas o descreve como um homem magoado, que não perdoa o ex-governador Sérgio Cabral por tê-lo abandonado em 2012, quando veio à tona a relação do ex-dono da Delta com Carlinhos Cachoeira, durante a Operação Monte Carlo e a CPI do Cachoeira.

A empreiteira de Cavendish viveu o auge entre 2006 e 2011, quando tornouse a campeã de pagamentos do governo federal e amealhou algumas das principais obras do governo fluminense sob a gestão de Cabral, como a reforma do Maracanã e o Arco Metropolitano. Em 2010, o faturamento da empresa foi de R$ 3 bilhões.

Bases de PSDB, PSB e PPS resistem a acordo para sucessão de Cunha

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A tentativa de costurar um acordo para viabilizar uma renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ao cargo de presidente da Câmara já enfrenta resistências nas bancadas de partidos como o PSDB, PSB e PPS.

Como mostrou reportagem publicada nesta quinta (30), Cunha afirmou que abriria mão do cargo se o Palácio do Planalto conseguisse unificar siglas que antes estavam na oposição em torno de um nome chancelado por ele para sucedê-lo.

Após uma série de reuniões, integrantes da cúpula do PSDB e de outras siglas decidiram que só dariam aval a qualquer tratativa nesse sentido se, em contrapartida, houvesse o compromisso do PMDB de apoiar um nome indicado pelo grupo comandado pelos tucanos na próxima eleição para o comando da Casa, em 2017.

A revelação da tese, no entanto, desencadeou uma reação contra qualquer tipo de aceno ou vinculação com o grupo de Cunha nas bases dessas legendas.

Em nota, o deputado Rubens Bueno (PR), líder do PPS, rechaçou a possibilidade da bancada do partido aceitar qualquer tipo de acordo com Cunha para que ele renuncie ao cargo.

"Não fomos procurados para tratar desse assunto, e se formos a resposta será um rotundo não", disse. Para ele, "apenas o afastamento [de Cunha] não é suficiente. Ele precisa ser cassado".

Cunha está afastado do mandado e da presidência da Câmara desde maio por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).

"Se os políticos não entenderem o momento que o paí vive, teremos grandes problemas", afirmou o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Para ele, qualquer candidato á sucessão na Câmara deve estar "a léguas da Lava Jato" e não ser "subordinado ao Cunha".

Adversário político do peemedebista, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) também assumiu articulação para barrar qualquer tipo de tratativa que represente uma trégua a Cunha. Ele avalia ainda que, se se envolver diretamente com o assunto, o presidente interino, Michel Temer, corre o risco de sair chamuscado. "Essa articulação, entre os que querem ajudar o país, não prospera", disse Delgado.

"Temer não deve entrar nisso dessa forma. Esse jogo vai ter reação mais pesada se for colocado nesses termos", concluiu.

Assalto à Cultura - Roberto Freire

- Diário do Poder

A degradação moral a que chegou o Estado brasileiro sob o comando do lulopetismo é tão profunda que, nos últimos tempos, não há uma semana sequer em que não venha à tona um novo escândalo de corrupção descoberto pelas autoridades policiais. O exemplo mais recente do desmantelo foi revelado ao país por meio da Operação Boca Livre, deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, que apura desvios milionários de R$ 180 milhões em projetos aprovados pelo Ministério da Cultura (Minc) com isenção fiscal obtida pela Lei Rouanet.

Foram cumpridos 51 mandados judiciais, dos quais 14 de prisão temporária e 37 de busca e apreensão, em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Segundo as investigações, o grupo criminoso atuava há 15 anos em um esquema de fraudes na captação de recursos junto ao Minc por meio da Lei Rouanet. Os projetos apresentados eram superfaturados, e os valores eram direcionados em benefício do próprio grupo e de seus patrocinadores. Entre as companhias investigadas, estão escritórios de advocacia, empresas do setor farmacêutico, laboratórios, revendedoras de móveis e eletrodomésticos, entre outras.

Embora todos fiquemos estarrecidos com a magnitude do esquema e a desfaçatez de seus autores, é importante ter em mente que a Lei Rouanet não é a responsável pelos desvios e ilegalidades cometidos no Minc especialmente durante os governos lulopetistas. Ao contrário: trata-se de uma importante lei de incentivo à cultura que, lamentavelmente, foi desvirtuada pelo aparelhamento que tomou conta do Estado sob as gestões de Lula e Dilma. O nascedouro da corrupção não é a legislação em si, mas sua utilização criminosa por aqueles que se locupletam com o dinheiro público.

Já passou da hora de iniciarmos uma séria discussão sobre a lei, que permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de incentivos fiscais para empresas e pessoas físicas. É necessária uma reforma do ponto de vista legal, com modificações na legislação, e também na área administrativa, com maior controle e fiscalização por parte do Minc. Esse é o papel do governo do presidente interino Michel Temer para corrigir as graves distorções que, como se vê, abrem brechas para a ação de criminosos.

A falta de decência no trato da coisa pública chegou a tal ponto que os recursos públicos oriundos da Lei Rouanet custearam confraternizações de empresas e, vejam só, até uma luxuosa festa de casamento em um badalado hotel cinco estrelas de Florianópolis. As investigações apontaram, inclusive, que o noivo é filho do dono de uma das empresas que foram alvo da operação – e um dos detidos pelos policiais. O cantor sertanejo contratado para animar a cerimônia foi pago com recursos que, em tese, deveriam ser revertidos para um projeto denominado “Caminhos Sinfônicos”, que nada tem a ver com tal festa matrimonial.

Ainda atordoada diante da série de interminável de falcatruas que marcaram um período sombrio de nossa história, notadamente os tristes tempos de Lula e Dilma, a sociedade brasileira acompanha o desenrolar das investigações e espera que a Polícia Federal e o Ministério Público concluam o seu trabalho e que os membros da quadrilha sejam exemplarmente punidos. O desastre lulopetista, que tantos danos causou ao país, infelizmente não deixou incólume a área cultural – e o novo governo tem a obrigação de abrir a caixa-preta de corrupção e moralizar esse importante setor da vida nacional. O assalto à Cultura precisa acabar.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Matteo Renzi e a elaboração do luto pelo PCI - Guido Sesto

Publicado originalmente em L'Unità, 31 maio 2016.

- Gramsci e o Brasil

Bem menos do que as vicissitudes (sempre abertas) da política em geral e da italiana em particular, interessa-nos aqui destacar um breve texto que resume a difícil passagem da tradição comunista para o campo democrático, assumido integralmente pela esquerda (por suas forças majoritárias) como seu terreno mais propício. Como já aconteceu algumas vezes no passado, a esquerda italiana nos precedeu nesta transição. O texto pode ter utilidade neste momento de crise radical da esquerda brasileira, longe ainda de ter completado a travessia (Gramsci e o Brasil).

Em 1989, há 27 anos, com a virada da Bolognina o PCI de Occhetto deu início a seu processo de autodissolução. Alguns de nós estão ainda lá, atônitos, fixados naquele evento. Fomos todos deixados sós diante de um luto tremendo que se abatia sobre nós, subitamente órfãos.

Num só instante entrava em colapso, tal como o Muro de Berlim, a perspectiva de uma não muito bem definida revolução comunista, que deveria sanar toda e qualquer injustiça. Por mais de 40 anos até aquele momento, suportáramos com dignidade e firmeza a ideia de exercer o papel de oposição, de ser um grande partido de massas com um grande acompanhamento de povo vivo e virtuoso, sempre fora do governo, mantido num canto pelos constrangimentos da história. E nós todos pacientes e tenazes em vista do esperado resgate futuro, que nos recompensaria de toda renúncia.

Tornamo-nos os defensores mais denodados e mais coerentes das instituições democráticas, os paladinos da Constituição, cuja plena realização exigíamos. Do jogo democrático estava excluída a alternância; em compensação, exaltava-se o poder construtivo da oposição. Aprendemos de fato a democracia, a reconhecer em seus princípios e em seus direitos as enormes potencialidades, aprendemos a ser livres e ao mesmo tempo sociais, aprendemos a linguagem “moderada” das reformas, rechaçando todo extremismo verborrágico e combatendo de modo radical o terrorismo vermelho, além do terrorismo negro fascista.

Muitos de nós, com o tempo, conseguiram por si sós elaborar este luto. Outros, ao contrário, permaneceram imóveis num equilíbrio instável, incapazes de superar as razões do coração, que reclamam um mundo perfeito e feliz, e ao mesmo tempo conscientes da necessidade da democracia e de seu inevitável labor construtivo.

Os partidos (PDS, DS, PD) que se seguiram ao fim do PCI sempre eludiram esta contradição, jamais tentaram enfrentá-la de modo aberto, explícito. Preferiu-se o silêncio, preferiu-se fingir que não havia o problema, não se teve coragem. E nossa política também foi carente de coragem, eternamente na defensiva, infecunda, nunca capaz de passar a fatos novos.

Finalmente, em 2014 houve a erupção, os processos reais e a geração dos mais jovens nos fizeram atravessar aquele Rubicão que deveríamos ter atravessado havia já muitos anos. Renzi e outros não são nada mais do que sinais de algo que devia ter acontecido muito antes. Há companheiros nossos, no entanto, que só hoje, confundindo o problema com o advento de Renzi, na realidade estão às voltas com a elaboração tardia do luto.

Talvez seja preciso ajudá-los: o partido tem uma dívida com eles, vamos assumi-la, é o que digo a mim mesmo antes de mais nada. É preciso ajudá-los a sair daquela contradição paralisante, devem decididamente optar pela democracia, que já está em seu território interior, e transformar o sonho revolucionário perdido em perspectiva de desenvolvimento democrático.

Uma visão tropical - Fernando Gabeira*

- O Estado de S. Paulo

Batalhões de intérpretes vão analisar as consequências mundiais da saída do Reino Unido da União Europeia. Aqui, nos trópicos, essa experiência traumática me conduz a inúmeros caminhos. O que é possível aprender com esse salto no escuro?

Já havia refletido sobre o tema quando li o ensaio de Tony Judt Europa, a Magnífica Ilusão (em Quando os Fatos Mudam, Editora Objetiva). Uma das ilusões que o choque do petróleo, na década de 1970, balançou foi a de um crescimento estável, de uma superação definitiva do passado. O otimismo dos primeiros anos tornou-se mais prudente.

Uma crença importante para mim, e talvez a mais necessária: a ideia da Europa uniu ambições filosóficas e poder administrativo. Para seus admiradores, a União era uma herdeira do despotismo esclarecido do século 18.

Um grande projeto racional levou um tombo. Daí a perplexidade de todos: diante de tantos argumentos a favor, ainda assim os britânicos optaram por sair.
Grande parte dos eleitores era de idosos e eles votaram para retornar ao Estado-nação do século 19. Estava ainda nítido em sua lembrança.

Amnésia coletiva? - Rogério Furquim Werneck

• É preciso refletir com cuidado sobre as propostas de ‘passar a régua’ na Lava-Jato e operações similares

- O Globo

Apesar do respaldo da opinião pública, o avanço da Lava-Jato e operações afins vem enfrentando sérias resistências de segmentos influentes da sociedade. São reações que merecem reflexão.

Já não há dúvidas sobre a extensão do alarme de senadores do PMDB com a Lava-Jato. E boa parte do Congresso padece, em alguma medida, de temores similares. O próprio governo já não dissimula suas apreensões com os embaraços advindos das investigações.

Há duas semanas, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, declarou que a Lava-Jato deveria saber sinalizar o momento de caminhar “rumo a uma definição final”. Dias depois, o presidente Temer mencionou que, embora não fosse o caso de fixar prazo para a Lava-Jato, “o país não pode ficar nesta situação por dez anos”. No meio empresarial, ganham força preocupações com as dificuldades de uma ação mais desenvolta do governo diante dos recorrentes embaraços da operação.

Pouco a pouco, a ideia de que é preciso “conter os excessos” e “passar uma régua” nas investigações, “para que o país possa trabalhar”, vem sendo defendida de forma cada vez mais explícita. Com frequência, a defesa vem temperada com vagas menções a exageros da Operação Mãos Limpas, que teria desestruturado de vez o sistema político italiano e aberto caminho para Berlusconi.

Vala fiscal – Renato Andrade

Folha de S. Paulo

A chance, ainda que remota, da volta de Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto provoca paúra em muita gente no mercado financeiro e no Congresso Nacional.

Esse pavor parece ser a única explicação para a benevolência da turma com as medidas patrocinadas até o momento pelo governo Temer, que irão garantir mais alguns bilhões de gastos neste e nos próximos anos.

Imaginem qual seria a reação de agentes financeiros e políticos de oposição se a petista tivesse anunciado, enquanto estava sentada na cadeira de mandatária, que em vez de fechar o ano com alguns bilhões em caixa para segurar o avanço da dívida, teria um déficit de R$ 170 bilhões, seguido de outro rombo da mesma magnitude em 2017?

Tudo isso temperado com reajustes robustos nos salários de servidores e nos benefícios do Bolsa Família.

A chiadeira seria maior do que o barulho das panelas que animaram as varandas do país meses atrás.

Pouca renda, muito gasto - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

O êxito (ou sobrevivência...) do governo Michel Temer depende de um complexo equilíbrio num tripé, especialmente enquanto o impeachment definitivo de Dilma Rousseff não vem: opinião pública, Congresso Nacional e o chamado “mercado”. Quando ele joga excessivamente o peso numa dessas pernas, as outras duas se ressentem. Quando joga em duas, a terceira ameaça ruir.

Para não assombrar ainda mais a opinião pública, Temer tem de repetir, dia sim, dia não, que não quer, não pretende e não pode ameaçar a Lava Jato e, além disso, precisa gastar lábia e recursos para neutralizar o discurso de Dilma e do PT de que ele vai enxugar os programas sociais e acabar com a Bolsa Família.

Foi por isso que Temer anunciou um reajuste médio de 12,5% no Bolsa Família, pegando carona numa solenidade de liberação de R$ 742, 8 milhões para a educação básica de Estados e municípios. É o primeiro reajuste do programa central da era petista em dois anos, com um porcentual maior, inclusive, do que os 9% que Dilma prometeu em maio, mas ainda não tinham sido aplicados. Logo, os 12,5% são mais políticos do que econômicos ou sociais.

A fatura inevitável e insustentável - César Felício

• Para garantir o longo prazo, Temer negocia a situação imediata

- Valor Econômico

O verdadeiro custo da disputa pelo poder não está nas contas por dentro ou por fora das campanhas eleitorais, ainda que estas não sejam de modo algum irrelevante. De acordo com um especialista em campanhas eleitorais, o caixa dois nas campanhas foi dez vezes superior ao caixa um em 2014, estimativa que projetaria gastos acima de R$ 1 bilhão para o caso da campanha de recondução de Dilma Rousseff.

A fatura pesada da guerra política fica no Tesouro. Estados, municípios, servidores públicos, empresários, aposentados e população vulnerável, todos e cada um, receberam fluxos de recursos da União em algum momento durante a derrocada petista e a tentativa do PMDB de ganhar legitimidade para manter-se no Planalto.

Em um quadro de instabilidade política como o atual, este custo aumenta, porque administrar escassez é nitroglicerina pura: iniciativas de austeridade econômica são procíclicas, sempre potencializam a tempestade. Pacotes de arrocho, rezam os manuais, devem ser aplicados quando se tem prestígio popular para perder. Não por outra razão Joaquim Levy foi engolfado pela guerra em 2015. Suas tentativas de ajuste erodiram as bases de apoio de Dilma no Congresso e na sociedade, e esta erosão foi decisiva para o insucesso do ministro.

A história do primeiro mandato de Dilma Rousseff havia sido o da construção de sua candidatura à reeleição, rompendo um pacto tácito de se devolver o poder a Lula em 2014. Contestado dentro de sua própria base, Dilma necessitava de uma política expansionista de gastos para sedimentar a aliança que a sustentou, e a realizou, como a história das pedaladas fiscais, pretexto para sua desgraça atual, comprova.

Valores que ficaram - Míriam Leitão

- O Globo

O real começou circular há exatamente 22 anos, quando em primeiro de julho de 1995 a URV se transformou em moeda. Para Pedro Malan, que presidia o Banco Central e foi ministro da Fazenda na consolidação do plano de estabilização, o país já consolidou os valores da inflação baixa e da inclusão. “Somos hoje mais intolerantes às discriminações”.

Malan explicou que o governo Dilma retomou o discurso de que um pouco mais de inflação não faria diferença. Para evitar o estouro da meta em 2014, os preços de energia elétrica e dos combustíveis ficaram artificialmente baixos. Essa distorção foi corrigida com um tarifaço.

— Aquilo desancorou as expectativas de inflação e o 6,5% passou a ser um piso. Agora, o trabalho está sendo levar a inflação de volta à meta. Não consigo imaginar um governo que adote uma atitude complacente com a inflação e que não seja punido nas urnas.

Outro valor que “deitou raízes entre nós”, segundo Malan, foi o da inclusão social e busca de uma sociedade menos desigual.

Péssimas ideias - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

A tarefa é inglória, mas vou defender o deputado Jair Bolsonaro. Ou melhor, vou defender que ele tem o direito de exprimir qualquer ideia bizarra que lhe passe pela cabeça sem ter de responder por incitação ao crime.

Penso até que a Primeira Turma do STF, que decidiu torná-lo réu por ter dito asneiras envolvendo uma deputada e o delito de estupro, se apoiou num fóssil jurídico, que é o artigo 286 do Código Penal, para fazer populismo. Numa só tacada, deram um chega para lá numa figura que pessoas civilizadas desprezamos e ainda fizeram uma média com as mulheres.

Não tenho nada a favor de Bolsonaro e nada contra as mulheres, mas me parece difícil conciliar as interpretações mais modernas e amplas do princípio da liberdade de expressão com o tipo penal de incitação ao crime, que já deveria ter sido extirpado do código. Esse é um enquadramento que serve bem para calar ideias e criminalizar grupos, mas que pouco ou nada faz pela paz social.

O sistema ainda funciona? - Fernando Dantas

• Para pesquisadores, apesar de funcional, presidencialismo de coalizão precisa de reparos

- O Estado de S. Paulo

Com 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e 27 deles representados na Câmara de Deputados, uma presidente em processo de impeachment, a economia devastada pela crise de governabilidade e uma colossal coleção de escândalos de corrupção, o Brasil tem um sistema político difícil de defender.

O regime foi nomeado de “presidencialismo de coalizão” em 1988, ano de promulgação da Constituição, pelo cientista político Sérgio Abranches. Como o termo sugere, cada presidente tem que formar uma coalizão partidária para governar, já que nenhum partido político brasileiro é, nem de longe, grande o suficiente para garantir maioria nas duas casas do Congresso. Mesmo alianças de dois ou três partidos são insuficientes, quando se considera que as necessárias emendas constitucionais exigem sólidas maiorias de 3/5.

À primeira vista, o presidencialismo de coalizão parece um sistema pouco inteligente e nada prático de governar um país. Afinal, é evidentemente difícil para o Executivo liderar uma base parlamentar com diversos partidos, cada um com seus interesses e bandeiras particulares. A forma de arrebanhar maiorias para as medidas de governo inclui necessariamente expedientes fisiológicos, como a distribuição de cargos e verbas, quando não descamba para esquemas ilegais.

Planalto vacila em projetos aprovados no Congresso – Editorial - Valor Econômico

O presidente interino Michel Temer tem obtido vitórias no Congresso e reunido maioria em torno de alguns projetos importantes, diferentemente do que ocorria com a presidente afastada Dilma Rousseff. Mas a capacidade política de articulação com os partidos da base governista nem sempre é suficiente para vencer a heterogeneidade dos interesses das legendas governistas, os particularismos de suas lideranças e, às vezes, a própria indecisão. A demora na sanção da Lei de Responsabilidade das Estatais e a guinada na proposição do Planalto de abrir totalmente o mercado aéreo para as empresas estrangeiras são exemplos de que persistem dificuldades no relacionamento com o Congresso.

Embora haja interlocução e uma inequívoca boa vontade inicial com o governo interino, o Planalto está sem interlocutor na presidência da Câmara, com o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e conta com um adversário tolerante, logo incerto, no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Com a lei no seu encalço após as revelações de seu envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobras e outros, e sob ameaça de ser cassado pela Câmara dos Deputados, Cunha ainda se considera um centro de gravidade importante para o Centrão fisiológico e é tratado como tal.

Bondades versus confiança – Editorial / O Estado de S. Paulo

O governo vai precisar da confiança de empresários e consumidores para conduzir o País de volta ao crescimento e, ao mesmo tempo, para iniciar a execução de uma ambiciosa pauta de reformas. Precisará também de apoio político, especialmente no Congresso, e cada passo importante poderá exigir negociações. Sinais de confiança começam a aparecer, mesmo num quadro de muita incerteza, e reforçam o capital político do presidente em exercício Michel Temer. Mas ele e sua equipe devem cuidar desse capital, para no mínimo preservá-lo até a conclusão do processo de impeachment. Se o governo provisório se tornar permanente, terá mais força para decidir e negociar. O perigo, até lá, será ceder muito facilmente e exagerar nas bondades. Se cometer esse erro, decepcionará quem hoje aposta em sua vocação para mudar, será mais vulnerável a pressões e terá dificuldades muito maiores para eliminar os grandes desajustes.

O País “começa a andar” e há indícios de aumento da confiança de consumidores e de empresários, disse na quarta-feira, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Sondagens divulgadas nos últimos dias confirmam a melhora – ainda incipiente, mas sensível – das expectativas. Indicadores do comércio e do setor de serviços publicados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram aumento da confiança em relação aos próximos seis meses. No caso do comércio, o índice de confiança atingiu o maior nível desde maio do ano passado. Além disso, a elevação da média móvel trimestral, de 2,2 pontos, foi a maior desde março de 2010. Embora seja cedo para falar de otimismo, sondagens do setor industrial têm apontado sinais mais favoráveis no cenário de negócios.

Jogo de sombras – Editorial / Folha de S. Paulo

Enquanto se prolongam no Senado as etapas do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), e o ímpeto para a realização de protestos parece restringir-se a pequenos grupos, o governo de Michel Temer (PMDB) dá mostras de acomodação.

A sequência de ministros afastados por envolvimento em investigações criminais já não é tão frenética. No plano econômico, os sinais de moderado otimismo nos mercados encorajam as projeções das autoridades e os esforços do Planalto em libertar-se das amarras de uma austeridade extrema.

O aumento no Bolsa Família, a renegociação das dívidas estaduais e aliberação de verbas para a Olimpíada se inscrevem nessa estratégia, em que a procura de popularidade e de apoio parlamentar se impõem a quem ocupa o cargo de presidente de modo interino.

Daí o tecido de ambiguidades em que Temer se enreda.

Judiciário precisa rever sua estrutura cara e pouco eficiente – Editorial / O Globo

• Líderes do Judiciário precisam entrar em sintonia com o país, que decidiu limitar os gastos públicos. 

A frágil realidade da economia brasileira mostra quanto o desequilíbrio nas contas governamentais contribuiu para a elevação da dívida bruta do setor público e afetou negativamente as expectativas sobre a sustentabilidade fiscal e a estabilidade econômica.

Sem alternativa, o governo Michel Temer avançou na proposição de alguma racionalidade matemática, há muito reivindicada pela sociedade, embora desprezada pelo governo anterior: imposição de limite ao crescimento das despesas. O novo regime fiscal sugerido é o da limitação dos gastos à taxa de inflação do ano anterior. É essencial para uma economia estável.

Nesse contexto, é absolutamente contraditória a concessão de aumentos de até 41% na folha de pagamentos do Poder Judiciário. Houve aí um triplo erro político: do governo, que poderia ter vetado em nome da emergência nas contas nacionais, mas se precipitou e deu sinal verde à sua base parlamentar; do Congresso, ao aprovar sem as devidas ressalvas e rejeições após profunda análise; e dos líderes do Judiciário, ao insistir numa proposta cuja lógica é incompatível com a exaustão de uma sociedade que já abriga quase 12 milhões de desempregados no setor formal da economia.

De costas para a realidade – Editorial / O Estado de S. Paulo

Dilma Rousseff está afastada da Presidência da República porque responde à acusação formal de ter cometido crimes de responsabilidade. Mas completa o quadro seu catastrófico desempenho à frente do governo, que é condenado por 2 em cada 3 brasileiros. Legitimamente eleita em outubro de 2014, ela perdeu a legitimidade conquistada nas urnas no momento em que a esmagadora maioria dos brasileiros se deu conta de sua clamorosa incompetência política e gerencial e das mentiras a que recorreu para haver o segundo mandato. Dilma, portanto, é uma página virada da História, como deverá ser confirmado até o fim de agosto com a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado. Mas ela finge não saber disso.

Estimulada pelas naturais dificuldades que o presidente em exercício Michel Temer tem enfrentado – muitas que ele próprio está criando –, Dilma passou a cultivar um “otimismo realista” em relação à sua recondução ao Palácio do Planalto e está mergulhada numa frenética e delirante tentativa de viabilizar esse retorno pelos meios à sua disposição. A imaginação nunca foi um de seus melhores atributos, mas agora, num tour de force, ela compartilha a autoria de uma “carta aos brasileiros” que é um verdadeiro conto de fadas. Os termos desse documento, a que teve acesso o jornalista Raymundo Costa, do jornal Valor, foram adiantados na quinta-feira.

A tal “carta” parte do princípio imaginoso de que após a reeleição Dilma buscou “reconciliar o País”, tentando aproximar-se das ideias econômicas defendidas pela oposição. Seria esse o sentido da nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Mas essa tentativa, segundo ela, foi “sabotada pela direita” e pelas pautas-bomba do Congresso. Dilma se diz disposta agora a, de volta ao governo, retomar o programa “popular” que apresentou na campanha e não cumpriu, pelo que foi acusada, por seus próprios seguidores, de cometer um “estelionato eleitoral”.

Tentando entender: Dilma se arrepende de tudo o que fez na área econômica no primeiro ano de seu segundo mandato e agora quer voltar à Presidência para retomar a “nova matriz econômica” lulopetista que levou o País à falência. Assim, em matéria de política econômica Dilma confessa que errou duas vezes. A primeira quando, no primeiro mandato, perseverou na “nova matriz econômica”. A segunda, no segundo mandato, quando tentou corrigir o erro anterior entregando a economia nas mãos do “neoliberal” Joaquim Levy, que sabotou como pôde e lhe fez gosto. Felizmente, não deverá ter oportunidade de errar uma terceira vez.

As explicações de Dilma para o malogro de sua suposta tentativa de “reconciliar o País” em 2015 são ridículas. A “sabotagem da direita” colide com o fato de que estava à frente da Fazenda exatamente alguém acusado pelo PT de ser de direita. As pautas-bomba foram o resultado de sua falta de competência e habilidade na relação com o Parlamento. Dilma preferiu manter senadores e deputados a distância, tratando-os, nas raras oportunidades em que os recebia, com arrogância.

Pagou por isso.

Há dias, em entrevista, Dilma repetiu a tese de que está sendo vítima de um golpe e confirmou a intenção de divulgar a tal carta de compromisso com a qual pretende fortalecer a hipótese de retomar a Presidência. E partiu para o ataque. Prometeu “devolver os direitos que estão sendo retirados dos brasileiros” e minimizou a importância do reajuste de 12,5% concedido pelo governo interino aos beneficiários do Bolsa Família, superior aos 9% por ela prometidos antes de ser afastada.

Garantiu que esse reajuste foi o resultado da “cobrança” dos petistas. E, sem corar diante da espantosa incoerência, acusou Temer de “absoluta irresponsabilidade fiscal” pelo fato de ter concedido aos servidores federais o aumento de salário com o qual ela própria já se havia comprometido.

Como se vê, Dilma desistiu da ideia demagógica e inviável da convocação de um plebiscito para decidir sobre a antecipação das eleições presidenciais. Mas seu estoque de propostas delirantes movidas pelo desespero é inesgotável. Só não se encontra ali algo parecido com a intenção de discutir a sério os problemas do País.

Desse mato não sairá coelho.

Acordar – Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.

Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.

Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.

Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...

Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E llrios também...

Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palác ios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.

Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também..