segunda-feira, 11 de julho de 2016

Opinião do dia – Jürgen Habermas

O conceito funcionalista de sistema, implícito nas ciências sociais com fundamentação analítica, conforme o princípio operacional que lhe é inerente, não pode ser desmentido ou confirmado empiricamente; nem as inúmeras confirmações comprovatórias poderiam provar que a estrutura da sociedade confirma o conceito funcional que, conforme o método analítico constitui o marco necessário das covariâncias possíveis. Contrariamente, o conceito dialético de sociedade traz implícita a exigência dos recursos analíticos e as estruturas sociais se intercruzam como os dentes numa esfera. A incidência hermenêutica na totalidade tem que revelar-se como um conceito adequado à coisa justo e com nível de certeza no transcurso da explicação, acima do meramente instrumental. Evidencia-se a mudança do centro da gravidade na relação teoria e prática: no âmbito da teoria dialética justificar-se-ão pela experiência os meios categoriais que, vistos sob outro ângulo, possuem valor meramente analítico; por outro lado, tal experiência não aparece identificada à observação controlada, de maneira que, embora não seja nem indiretamente passível de falseabilidade estrita, determinado pensamento conserva sua legitimidade científica.
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Jürgen Habermas (1929). ‘Teoria analítica da ciência e dialética’ pp.280-1. Abril 1980 – São Paulo

Centrão costura candidatura única na Câmara

Atendendo a apelos do Planalto, o centrão, maior grupo aliado do governo na Câmara, tenta hoje costurar consenso em torno da candidatura do deputado Rogério Rosso (PSD-DF) à presidência da Casa. O bloco tem oito postulantes. Os líderes partidários fecharam acordo para que a eleição seja na quarta-feira.

Aliados atendem governo e tentam consenso

• Após pedido do Planalto, centrão tenta fechar acordo em torno de Rosso e ataca candidatura de Rodrigo Maia

Leticia Fernandes, Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- Em um esforço para enxugar o número de candidatos da base do governo à sucessão de Eduardo Cunha, líderes dos partidos do centrão e do PMDB se reúnem hoje para tentar oficializar o nome do deputado Rogério Rosso (PSD-DF) para concorrer à Presidência da Câmara. A estratégia atende a pedido do Palácio do Planalto, que trabalha nos bastidores para evitar rachas na base. Até ontem, 15 deputados haviam anunciado a candidatura, a maioria de legendas que apoiam o governo.

Os principais articuladores do grupo dizem que Rosso parte de um piso de 170 votos e que, apesar das divisões internas, um gesto de união em favor dele afunilaria naturalmente a quantidade de candidaturas e o representante do grupo teria lugar garantido num eventual segundo turno da disputa. Como todos os partidos do centrão têm ao menos um candidato, os líderes vão conversar com suas bancadas durante o dia para reduzir esse número e fechar, no fim do dia, o apoio a um nome só.

— Quem tem mais densidade de voto é o Rosso, pelo trabalho brilhante na comissão do impeachment. Ele é ponderado, sem exageros. E parte tranquilamente de uns 170, 180 votos — afirma o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), que era cotado para a disputa também.

— Rosso é o nome mais forte que a gente tem. É um cara que tem credibilidade para conduzir nesse momento difícil — diz o deputado Paulinho da Força (SD-SP).

Rosso passou a semana negando a candidatura e disse que conversaria com sua família, que volta hoje do exterior. Questionado pelo GLOBO ontem sobre o que seria capaz de fazê-lo entrar na disputa, respondeu que “o mínimo de consenso” seria suficiente.

— (Precisa do) mínimo de consenso. O menor racha na base possível, respeitando sempre a legitimidade de qualquer candidatura colocada — afirmou, por mensagem de texto.

O movimento do centrão é também uma reação ao crescimento da candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se viabilizou ao conseguir apoio de parte do PT e outros partidos de esquerda, além de ter interlocução com quadros do centrão e apoios nas legendas da velha oposição — DEM, PSDB e PPS. A aproximação com os petistas, porém, irritou o centrão, que passou a vinculá-lo à esquerda, chamando-o de “candidato do Lula e da Dilma”. Rosso, por sua vez, terá de disputar a eleição carregando a marca de ser aliado de Eduardo Cunha, o que ele nega veementemente. Seus aliados, porém, preferem ver o pleito como uma disputa semelhante à do impeachment.

—É a eleição do Temer contra Dilma. Mesmo que não tenha consenso a gente se junta no segundo turno e derrota o candidato dela — disse Jovair, tratando Maia como concorrente da oposição.

Em resposta às críticas do grupo, Maia diz que conversa com o PT porque “une as pontas” das correntes na Câmara. Ele ressalta, porém, que continua sendo oposição aos petistas e provoca:

— Nunca fui ministro da Dilma e nem do Lula, já o centrão esteve nos dois governos e ajudou a eleger a Dilma, não fui eu. Posso ter o apoio da esquerda, mas sempre fui oposição ao PT e continuo sendo. Quero coordenar os trabalhos da Casa, onde a maioria será respeitada mas a minoria não será triturada.

O Palácio do Planalto continua a trabalhar nos bastidores para reduzir o número de candidaturas entre os aliados, apesar de o presidente interino Michel Temer adotar o discurso de que o governo não vai se meter na eleição e cometer o mesmo erro do governo Dilma Rousseff.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse ao GLOBO que a única preocupação do governo é evitar uma divisão na base depois do processo de escolha do novo presidente.

— A única preocupação do governo é que não se tenha nenhuma rachadura na base. Por isso, o melhor é que eles sentem e decidam o que vão fazer — contou Padilha.

Nos bastidores, há uma irritação de alguns ministros com a movimentação de Rodrigo Maia de buscar apoios do PT. Para contornar o mal-estar, Maia conversou com o próprio Temer, que teria dito que o deputado está certo em conversar com todos os lados. Mas ministros acreditam que o movimento do PT é uma forma de tentar dividir a base de Temer.

— Tudo que o Lula quer é dividir a base do Temer — criticou um interlocutor do Planalto.

Novo presidente da Câmara será eleito na quarta-feira

• Antecipação de pleito ainda deixa a terça-feira livre para votação sobre futuro de Cunha

Eduardo Bresciani e Leticia Fernandes - O Globo

-BRASÍLIA- A eleição para escolher o novo presidente da Câmara será antecipada para quarta-feira, 19h. A data foi fechada ontem, num acordo construído entre líderes partidários, sobretudo do centrão, e alguns dos candidatos à sucessão.

O presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), tinha decidido que a sessão para eleger o novo presidente aconteceria na quinta, às 16h. Os líderes do centrão, porém, tentavam antecipar o pleito para terça-feira.

A construção da data intermediária teve como ponto-chave uma reunião na casa do líder do PSD, Rogério Rosso (DF), na tarde de ontem. De lá, líderes da base aliada consultaram os candidatos e o consenso foi construído.

Deputados que participaram da reunião pediram sigilo, porque a ideia era que o próprio Maranhão anunciasse nesta segunda-feira a nova data. Rodrigo Maia (DEM-RJ), porém, confirmou ao GLOBO a mudança. Ele tinha ajudado o presidente interino a marcar a eleição para quinta.

Maranhão desconversou sobre o acerto, mas reconheceu que, agora, consultará os líderes.

— Vamos nos reunir amanhã com os líderes e ouvir as propostas — disse ao GLOBO o presidente interino da Câmara.

Rosso diz que depende do colégio de líderes para oficializar a data, mas o centrão tem a maioria de 257 votos necessários para a mudança, se a decisão for submetida a essa instância.

A data intermediária desconstrói o discurso dos dois grupos rivais porque reduz o risco de jogar a decisão para agosto e permite que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) discuta na terça o recurso de Eduardo Cunha (PMDBRJ) contra o parecer pela cassação de seu mandato aprovado pelo Conselho de Ética.

Depois de renunciar na semana passada, Cunha tentou uma nova manobra para retardar ainda mais a conclusão do seu caso. Ele pediu que a CCJ devolva o processo para o Conselho porque foi julgado como presidente da Câmara e não como mero deputado. Osmar Serraglio (PMDBPR), presidente da Comissão, porém, não fez a devolução imediata, repassando o caso ao relator, Ronaldo Fonseca (PROS-DF). Na sexta passada, Fonseca rejeitou o novo argumento de Cunha e manteve em seu parecer a interpretação de que o caso deveria voltar apenas para a votação final.

Na semana passada, partidos de aliados de Cunha trocaram deputados da CCJ para tentar mudar votos a favor do peemedebista. Ainda assim, a expectativa é que a comissão rejeite integralmente o recurso e o caso de Cunha chegue ao plenário. A decisão final, porém, deve ocorrer apenas em agosto, pois a Câmara entrará de recesso branco a partir da próxima semana.

Favoritos na Câmara têm pendências judiciais

• Congresso. Levantamento aponta que 9 dos 16 cotados para a sucessão de Cunha têm alguma pendência na Justiça; crimes vão de exploração de trabalho escravo a peculato

Gustavo Aguiar, Fabio Serapião,- O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Dos seis candidatos favoritos à sucessão do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da Câmara, quatro enfrentam algum tipo de processo judicial, um foi citado na Operação Lava Jato e o sexto não responde mais a ações porque os crimes dos quais era acusado prescreveram. Entre os que ainda respondem, há acusações como peculato (desvios de recursos públicos) e até por submeter empregados a condições de trabalho análogas à escravidão.

A eleição do próximo presidente da Câmara, prevista para a quarta-feira, vai definir uma figura central para os próximos passos do governo. Além de ser o primeiro na linha sucessória do presidente em exercício Michel Temer, o substituto de Cunha terá poder para acelerar ou atrapalhar o processo de cassação do peemedebista e as votações de projetos importantes para o ajuste fiscal do governo.
Levantamento do Estado checou as pendências dos 16 nomes até agora cotados para a disputa nos bancos de dados públicos dos tribunais de Justiça, nas cortes superiores e eleitorais e encontrou algum tipo de procedimento relacionado a nove deles (mais informações nesta página).

Iniciada após a renúncia de Cunha, na quinta-feira, a disputa pelo cargo tem número recorde de concorrentes e pretende movimentar a semana que antecede o recesso parlamentar do meio do ano.

Favoritos. Entre os mais cotados na disputa e possível candidato do Centrão (bloco que reúne 13 partidos), o deputado Rogério Rosso (PSD-DF) é investigado por peculato e indiciado por corrupção. Os crimes são relacionados ao mandato-tampão como governador do Distrito Federal, em 2010, após um escândalo de corrupção que prendeu o então governador José Roberto Arruda e obrigou o vice, Paulo Octávio, a renunciar.

Governo não se mete na disputa na Câmara, diz Moreira Franco

• Em rede social, integrante da gestão Temer afirma que esta é a 'orientação clara' do presidente em exercício

Gustavo Aguiar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O secretário-executivo do Programa de Parcerias e Investimentos, Moreira Franco, divulgou neste domingo, 10, em seu perfil no Twitter, que recebeu orientação do presidente em exercício Michel Temer de que o governo não vai se posicionar em relação à disputa à presidência da Câmara. "A orientação do presidente Temer é clara: governo não se mete na disputa na Câmara, não apoia candidato. É minha posição! Que vença o melhor para a Casa", escreveu o secretário.

Moreira Franco é um dos nomes mais próximos de Temer no governo e foi um dos principais articuladores do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Não é a primeira vez que o secretário usa as redes sociais na internet para se manifestar em nome do governo e defender as posições do presidente em exercício.

O Estado mostrou neste domingo que candidatos ao cargo têm procurado o Planalto para tentar viabilizar seus nomes junto a Temer, que tem permanecido neutro sobre o assunto. Até agora com pelo menos 16 deputados na disputa, a eleição está marcada para acontecer nesta semana, mas a data ainda é questão de controvérsia. O grande número de candidatos também é visto como um problema, pela dificuldade de se obter um consenso.

Remarcação de eleição para quarta complica situação de Cunha

Daniela Lima, Débora Álvares, Gustavo Uribe, Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em um cenário ainda de muita incerteza, o Palácio do Planalto conseguiu neste domingo (10) fechar um acordo para que os deputados realizem às 19h desta quarta-feira (13) a eleição para a presidência da Câmara.

Os partidos do chamado "centrão" queriam eleger o sucessor de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) nesta terça-feira (12), mas esbarraram na resistência do presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), que havia marcado a sessão para dois dias depois.

Maranhão definiu a mudança com líderes da base aliada, que vinham pressionando para que ela fosse realizada antes da quinta (14). O receio do governo interino de Michel Temer era de que, por falta de quórum, a escolha ficasse para a volta do recesso branco, em agosto.

Antes de tomar a decisão, Maranhão conversou por telefone com Temer.

A nova data, que representa um meio-termo, complica ainda mais a situação de Cunha, que renunciou ao cargo na semana passada.

Aliado do peemedebista, o "centrão" (PP, PR, PTB, PSD, PRB e outras siglas menores) pretendia fazer a eleição coincidir com a sessão da Comissão de Constituição e Justiça desta terça que deve rejeitar o último recurso de Cunha para evitar a sua cassação.

O objetivo era derrubar a sessão da CCJ, já que as comissões não podem deliberar quando há votações no plenário principal da Casa.

Acordo deixa eleição para quarta-feira à noite

Por Raphael Di Cunto e Thiago Resende - Valor Econômico

BRASÍLIA - Após disputas dentro da base do presidente interino Michel Temer, deputados chegaram a um acordo para a eleição para presidente da Câmara ocorrer na quarta-feira, às 19h, meio termo entre o que defendia o "centrão" e o que queriam a antiga e a nova oposição. A data tinha, até a noite de ontem, o aval do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), conhecido por mudar de opinião rapidamente.

Maranhão deve anunciar o acordo hoje, mas os partidos e candidatos querem reforçar a decisão na reunião da Mesa Diretora, às 15h, e do Colégio de Líderes, às 17h, marcados justamente para resolver o impasse sobre a data. O interino marcou a eleição para quinta-feira, mas adversários suspeitavam que se tratava de manobra para cancelar a disputa em cima da hora, sair de recesso e assim permanecer na presidência por mais três semanas.

O centrão, grupo de Cunha, tentava marcar a eleição o quanto antes - chegou a defender segunda-feira e convocou, via Colégio de Líderes, sessão para terça-feira com esse objetivo. A antiga e a nova oposição, porém, afirmavam que a data visava coincidir a eleição com a votação do recurso do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Educadores reagem a ‘Escola sem Partido’

• Professores e juristas se unem contra avanço de projetos de lei que visam a tirar dos docentes a liberdade de expressão nas salas de aula

Fábio de Castro e Isabela Palhares - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - No momento em que ganham força e se alastram pelos Legislativos do País, os projetos de lei que dizem defender a “neutralidade do ensino”, por meio da proibição da “doutrinação ideológica” nas escolas, começam a ter a sua legitimidade questionada.

Nesta semana, 20 dos colégios particulares mais tradicionais de São Paulo se manifestaram contra os projetos – entre eles, Santa Cruz, Mackenzie, Bandeirantes e Vera Cruz –, argumentando que eles podem “cercear e até inviabilizar o trabalho pedagógico”.

São quatro projetos do tipo na Câmara dos Deputados e um no Senado, além de propostas em 7 Assembleias Legislativas e 12 Câmaras Municipais. Quase todos os projetos reproduzem o texto do programa Escola sem Partido, idealizado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, procurador paulista.

O Escola sem Partido já foi aprovado em Alagoas e em quatro municípios, mas foi vetado pelos Executivos, sob a alegação de ser inconstitucional. No Distrito Federal e no Paraná, depois de serem apresentados e terem sido alvo de inúmeras críticas de professores, os projetos foram arquivados.

'Há uma confusão entre o público e o privado', diz Gianotti

• Entrevista - José Arthur Giannotti, professor de Filosofia da USP

- O Estado de S. Paulo

Crítico dos governos petistas e referência teórica entre integrantes do PSDB, o professor da USP José Arthur Giannotti critica os projetos de lei baseados no programa Escola sem Partido, que considera “sem nenhuma legitimidade”. Leia trechos da entrevista concedida ao Estado:

Por que projetos como o Escola sem Partido ganharam tanta força nas instâncias legislativas?

Isso foi resultado de uma enorme tentativa de doutrinação lulopetista nas escolas. Aí vem a reação. Nós não temos nada a ver com uma coisa nem outra e não podemos aceitá-las. Estamos hoje no Brasil diante de uma confusão geral entre o público e o privado.

É aplicar convicções privadas no espaço público?

Sim. É sintomático que tenhamos tantos projetos querendo controlar aquilo que não precisa ser controlado, porque a Constituição já garante o que pode ou não ser feito.

A Constituição garante ao professor a liberdade para discutir todos os temas?

Evidente que sim. É só ler o capítulo sobre liberdades individuais. Nada disso precisa ser controlado. Está tudo definido pela Constituição ou por outras leis. O resto é apenas o resultado de uma batalha ideológica que está se dando em um plano do pior nível possível, de “coxinhas” e “mortadelas”.

Os projetos têm legitimidade?

Não têm nenhuma legitimidade. Assim como não teve legitimidade o aparelhamento de certas escolas por esquerdistas mal informados.

E os projetos que incluem conteúdos religiosos no currículo?

Aqui também a essência do problema é uma confusão entre o público e o privado. Uma mistura entre aquilo que deve ser ensinado pelo professor e aquilo que ele tem direito de expressar. Essas coisas têm de ser separadas. Mas, como hoje o Brasil está em uma barafunda geral, não é estranhável que logo eu seja obrigado a ensinar ao meu neto que a teoria do big bang é equivalente à doutrina do criacionismo.

Então, impor o ensino religioso no currículo também é ilegítimo?

O currículo mínimo tem um ponto de vista público e esse ponto de vista só pode ser científico. É claro que um professor que acredite no criacionismo pode falar do assunto aos alunos. Mas ele tem por obrigação, por honestidade intelectual, dizer que o criacionismo não tem base na ciência, mas em outras narrativas que, no fundo, têm base na fé.

É possível lecionar sem entrar em conflito com as convicções religiosas e morais dos pais, como exigem os projetos?

Os pais podem pôr seus filhos em escolas confessionais, de acordo com suas convicções. A escola pública é laica. Se a escola aceita todo tipo de confissão, tem de ser neutra. Não há como agradar numa aula às confissões budistas, islâmicas e católicas. Não tem sentido.

Partidos veem 'fartura' em fundações

• Aumento do Fundo Partidário despejou recursos em braços teóricos das siglas, mas produção muitas vezes é obscura e até inexistente

Pedro Venceslau, Daniel Bramatti, Valmar Hupsel Filho e Luciana Amaral - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Criadas para promover a formação política de militantes e financiadas com dinheiro público, as fundações dos partidos são um oásis de recursos em meio a dificuldade de arrecadação das legendas para as eleições deste ano. Com atuação muitas vezes obscura e produção intelectual irrelevante, os braços teóricos das siglas “enriqueceram” na esteira de aumentos da verba reservada ao Fundo Partidário. Por lei, as fundações devem receber 20% do dinheiro.

Vitrines vazias

• Governo federal atrasa repasse de obras do PAC e atrapalha planos eleitorais de prefeitos

Tiago Dantas - O Globo

-SÃO PAULO- A falta de repasses do governo federal para obras de mobilidade urbana vai atrapalhar o plano de prefeitos que buscam a reeleição ou tentam fazer seus sucessores em outubro. Nas dez maiores cidades do país, 36 projetos de corredores de ônibus, trens leves e metrô atrasaram ou foram abandonados porque as prefeituras não receberam o investimento que esperavam via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essas capitais perderam ao menos R$ 7,3 bilhões, segundo levantamento feito pelo GLOBO.

A mobilidade urbana é um tema sensível nos grandes centros urbanos do Brasil e deve ser levado em conta pelos eleitores em outubro, dizem analistas. Além de ter sido o estopim dos protestos de junho de 2013, o transporte público tem impacto direto na vida de milhões de pessoas. A cada dez brasileiros que vivem em cidades com mais de cem mil habitantes, quatro passam mais de uma hora por dia no trânsito, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria divulgada ano passado.

Além disso, segundo cientistas políticos, a falta de grandes projetos para serem inaugurados às vésperas da eleição pode prejudicar a imagem dos candidatos e aumentar a sensação de descontentamento com a atual gestão.

Para o diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac), Rubens Figueiredo, com esse cenário, a eleição municipal será uma incógnita:

— Vai ser uma eleição muito diferente das outras que já vimos. Hoje, eu diria que é mais loteria que eleição.

Mais da metade desses R$ 7,3 bilhões seria destinada para São Paulo. A principal prefeitura petista do Brasil ainda aguarda R$ 4 bilhões para concluir projetos de mobilidade. Eleito em 2012 com a promessa de construir 150 km de corredores de ônibus, o prefeito Fernando Haddad conseguiu a inclusão de dez dessas obras no PAC. Os repasses federais, porém, começaram a atrasar já em 2014, o que obrigou o município a escolher quais iniciativas iria priorizar e a reorganizar o orçamento para investir recursos do próprio caixa.

Capitais paradas
Em geral, a prefeitura recebe a verba do PAC em partes, após apresentar relatórios que comprovem que a obra atingiu determinados estágios.

Crise econômica desmantela investimentos

• Municípios investiram, em média, 20% menos do que em 2015. Rio é exceção

- O Globo

-SÃO PAULO- Além de não receber os recursos do governo federal para as obras do PAC de mobilidade, as principais capitais brasileiras estão vendo suas receitas caírem com a crise econômica. A falta de dinheiro nos caixas municipais, a proibição de doação de empresas para campanhas e a situação política vivida pelo país transformaram a eleição de 2016 em um evento único e imprevisível, segundo analistas.

Sem contar o Rio de Janeiro, que ainda experimenta um boom de investimentos públicos associado à Olimpíada, as capitais investiram, entre janeiro e abril, cerca de 20% menos que no mesmo período do ano passado. Os dados, disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional, levam em conta informações fornecidas por 20 cidades — no Rio, o investimento saltou de R$ 772 milhões nos primeiros quatro meses de 2015 para R$ 1 bilhão este ano.

Com caciques em baixa, PMDB busca renovar em capitais

João Pedro Pitombo – Folha de S. Paulo

SALVADOR - Ele não tem Sarney, Lobão ou Murad no sobrenome. Entrou no PMDB do Maranhão com a função de limpar os banheiros da sede do diretório estadual. Hoje, está prestes a ser confirmado como candidato a prefeito da capital.

Fábio Câmara, vereador em São Luís e pré-candidato à prefeitura da capital maranhense, faz parte de uma nova leva de candidatos que o PMDB apresentará nestas eleições municipais.

Com seus principais caciques investigados na Operação Lava Jato desgastados por derrotas nas últimas eleições, o partido do presidente interino, Michel Temer, apostará numa renovação de quadros na disputa deste ano.

Com candidatos lançados em 18 capitais, os peemedebistas terão 13 nomes que nunca disputaram o cargo de prefeito.

Nove deles disputarão pela primeira vez uma eleição majoritária, incluindo candidaturas em grandes centros como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Belém.

Em rede social, prefeito do Rio fala para morador insatisfeito se mudar

Nicola Pamplona – Folha de S. Paulo

RIO - Em resposta a críticas no Twitter, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), sugeriu a um morador insatisfeito que se mude da cidade.

O morador, identificado na rede social como Caio Dantas, escreveu em sua página que "90% do nojo" que tem pela cidade é responsabilidade de Paes.

"Se muda, pô!", rebateu o prefeito, que passou o fim da tarde deste domingo (10) interagindo no Twitter. Uma hora depois, ao ser questionado por outro usuário da rede social, Paes tentou amenizar: "(Ele) disse que quer se mudar. Por mim, fica".

Mas reclamou das críticas ao tom de suas respostas. "Deixa de ser mal humorado, pô. Toma um chope, joga uma pelada, dorme cedo, vai à igreja, dá uma namorada. Domingo pode".

Em outra resposta, a uma mulher que lhe perguntou sobre viagens a Paris, disse que "está me confundindo".

Fotos tiradas na capital francesa escancaram as relações entre o ex-governador Sergio Cabral e o empreiteiro Fernando Cavendish, preso pelaOperação Lava Jato.

Na manhã deste domingo, Paes recebeu alta do Hospital Samaritano, na zona sul, onde realizou cirurgia para retirada de pedra no rim.

Maricá, 'uma merda de lugar'
Em março deste ano, Paes pediu desculpas à população pelos termos usados em conversa por telefone que teve com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi tornada pública no âmbito da Operação Lava Jato.

Na conversa, o prefeito do Rio disse que Lula tinha "alma de pobre" por supostamente ter um sítio em Atibaia (SP), que a cidade de Maricá é uma "merda de lugar", que a presidente Dilma e o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), são mal-humorados e que este último tem "uma mão gorda".

"Agora, da próxima vez, o senhor me para com essa vida de pobre, com essa tua alma de pobre, comprando esses barcos de merda, sitiozinho vagabundo", disse o prefeito no telefonema. Paes continuou: "Eu, todo mundo fala aqui no meio, eu falo o seguinte: imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele, não é em Petrópolis, não é em Itaipava, é como se fosse em Maricá".

Em seu pedido de desculpas, Paes disse que a conversa foi feita em caráter privado, em tom de brincadeira e como uma gentileza a Lula. Ele considerou que suas palavras foram de "profundo mau gosto" e disse que teceu "comentários que não fazem parte de sua personalidade". O prefeito afirmou que suas declarações lhe geram "arrependimento", "vergonha" e "constrangimento".

Dias depois da revelação da conversa, moradores de Maricá (RJ), na região metropolitana do Rio, aproveitaram o Sábado de Aleluia para demonstrar que não aceitaram o pedido de desculpas feito por Paes (PMDB). Os moradores fizeram a malhação de Judas com boneco de Eduardo Paes.

Opositores apostam em escândalo para vencer PSB no Recife

Marina Falcão – Valor Econômico

RECIFE - A oposição ao PSB no Recife aposta nas investigações da Polícia Federal, que põem em xeque o financiamento de campanhas do PSB, partido do falecido ex-governador Eduardo Campos, para quebrar a hegemonia do partido na capital. Para permanecer no comando da capital pernambucana, o atual prefeito Geraldo Júlio (PSB) vai enfrentar pelo menos dois adversários competitivos, do PSDB e do PT, que tendem a liderar a briga para ir ao segundo turno.

O PT definiu o nome do ex-prefeito João Paulo, que já governou a capital pernambucana por oito anos, para a disputa. Diferentemente do que ocorreu nas últimas eleições municipais, em que houve um racha no partido durante as prévias, desta vez o partido conseguiu praticamente um consenso em torno de João Paulo, que se tornou uma escolha óbvia diante da falta de quadros novos na legenda. A sigla não elegeu deputados federais em 2014.

Agora, o PT está tentando uma aliança com o deputado estadual Sílvio Costa Filho (PRB), filho do deputado federal Silvio Costa (PTdoB), um dos principais defensores da presidente afastada Dilma Rousseff no Congresso, que manifestou vontade de se lançar candidato sozinho, ainda no primeiro turno. "Se não for possível essa parceira no primeiro turno, faremos no segundo", diz o presidente do PT em Pernambuco, Bruno Ribeiro.

João Leite lidera corrida à PBH e Alexandre Kalil é grande surpresa

• Tucano registra 26,3% das intenções e pré-candidato do PHS soma 9,2%

Redação – O Tempo

Os candidatos do PSDB, João Leite, e do PHS, Alexandre Kalil, largaram na frente na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte. Eles lideram os cenários de primeiro turno e vencem todos os rivais nas simulações de segundo turno testadas pelo DataTempo/CP2. A menos de quatro meses da disputa, as candidaturas ainda estão se consolidando, mas já é possível prever um cenário de luta acirrada pelo comando da capital.

Beneficiado pelo fato de já ter sido candidato a prefeito duas vezes e ter longa trajetória na política, o deputado estadual João Leite aparece à frente em todos os cenários e vence as disputas de segundo turno contra todos os concorrentes. O tucano já disputou um segundo turno na eleição de 2000, quando acabou derrotado por Célio de Castro (PSB). Quatro anos depois, abriu a campanha em ampla vantagem, assim como agora, mas acabou perdendo ainda no primeiro turno para Fernando Pimentel (PT).

Propaganda enganosa – Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

Em meio a uma profusão de acontecimentos, um fato importante, que simboliza mais um duro encontro dos brasileiros com a realidade, passou quase despercebido pela opinião pública na última semana.

Em resposta a uma ação ajuizada pelo PSDB, a Justiça Federal da 1ª Região concluiu, em decisão exemplar, que o governo Dilma Rousseff usou recursos públicos para mentir aos brasileiros. No caso em questão, sobre a crise de energia e a mudança em direitos trabalhistas, então proposta pelo Executivo.

Um ano atrás registrei a liminar dada à época e a decisão, agora definitiva, merece ser reproduzida pela sua relevância, especialmente no atual contexto em que o país aprofunda a percepção dos seus direitos.

Diz um trecho da sentença: "Ao veicular uma situação não condizente com a realidade, o governo federal presta um serviço baseado no engano, ou seja, vale-se de propaganda enganosa aos seus clientes, quais sejam, os eleitores de todo o país, causando, flagrantemente, lesão aos princípios que devem nortear a coisa pública, conforme já delineado acima — é nítido que as mencionadas propagandas prestaram informações falsas sobre o país e apresentaram como verdadeiros fatos irreais, não retratando a situação verídica que a nação se encontra, afirmando aos brasileiros inverdades, como a garantia de direitos trabalhistas e ao responsabilizar a seca do Nordeste pelo aumento da tarifa de energia elétrica".

Eleição à sombra de Cunha - Ricardo Noblat

- O Globo

“Sei da interinidade, mas estou agindo como se fosse efetivo” Michel Temer, presidente interino da República

O que Lula e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) têm em comum? Aparentemente, nada. Lula tentou salvar Dilma do impeachment. Maia fez tudo para condená-la. Lula vê o DEM como a quinta essência do conservadorismo. Maia vê o PT como o máximo em corrupção. Apesar das diferenças, Lula e Maia descobriram que algo pode uni-los: a eleição, nesta semana, do próximo presidente da Câmara dos Deputados.

MAIA QUER suceder a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que renunciou ao cargo na esperança de não ser cassado. (Será cassado e mais tarde preso.) Como não se pede carteira de identidade a voto nem atestado de coerência, Maia anda batendo em todas as portas que possam se lhe abrir. Bateu na porta do PT. Foi atendido por um velhinho de voz rouca, insidioso decerto, porém simpático.

MANDADOS ÀS favas todos os escrúpulos, Maia disse a Lula que carece de votos para alcançar o total de 257, sem o qual não se elegerá. Lula sugeriu que carece da boa vontade do governo Temer para que não lhe seja cruel a peia que bate em Chico e em Francisco. A Waldir Maranhão (PP-MA), presidente em exercício da Câmara e aliado de Maia, Lula pediu para retardar a cassação de Cunha.

PARA LULA e o PT, o melhor é que Cunha só seja julgado na Câmara quando Dilma estiver sendo julgada no Senado. Não precisa ser no mesmo dia, mas pelo menos em dias próximos. Assim — quem sabe? —, um julgamento não influencia o outro e Dilma se beneficia? Ou então segue menos mal para o exílio em Porto Alegre? Claro que Lula não disse tudo o que pensa a Maia e a Maranhão. Ninguém diz.

APESAR DE buscar apoio para sobreviver à Lava-Jato, Lula quer mais é que a escolha do sucessor de Cunha acabe por cindir de vez a base de sustentação do governo Temer no Congresso. Nada seria melhor para a oposição. Para atrair os votos do PC doB, Maia conseguiu que Maranhão impedisse a criação da CPI da União Nacional dos Estudantes (UNE). O PCdoB manda na UNE.

TÃO BOM quanto presidir a Câmara por dois anos é presidi-la por seis meses e meio. Assim será para quem completar o mandato de Cunha, a esgotar-se em fevereiro de 2017. O eleito vai morar em uma mansão à beira do lago de Brasília, terá segurança 24 horas, jatinho da FAB em vez de avião de carreira e o direito de substituir o presidente da República em suas ausências.

A RENÚNCIA de Cunha poderia servir à Câmara como marco inicial do processo de reabilitação de sua imagem cá fora. Mas não servirá. E é fácil entender por quê: só se deve pedir às pessoas o que elas podem dar. Dito de outra maneira: não espere de ninguém o que exceda à sua capacidade. A regra vale para o mundo privado e igualmente para o mundo público. E vale ainda para as instituições.

HÁ, NA CÂMARA, políticos sérios e com biografias respeitáveis. Por serem poucos, não terão relevância na hora de ungir o próximo presidente. Em um passado recente, a Câmara se dividia entre o baixo clero e o alto clero com seus cardeais. Predominavam os últimos. O baixo clero multiplicou-se e ajudou a eleger Cunha. O alto clero está ameaçado de desaparecer junto com os cardeais.

CUNHA É paciente terminal, mas respira sem aparelhos. Banca a candidatura de Rogério Rosso (PSDDF) a presidente da Câmara. Temer finge não ter candidato. Pode não ter ainda, mas será inevitável que tenha. O presidente da Câmara pode atrasar a vida de qualquer governo. 

Português ri por último - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

O importante é continuar em campo, permanecer no jogo, mesmo que à distância. Políticos brasileiros seguem o modelo de Cristiano Ronaldo durante a final da Eurocopa. Escoiceado por relinchante adversário, o português foi ao chão, chorou, entregou a faixa de capitão e saiu – mas ficou ali, na beirada. Qualquer semelhança com lance visto dias antes durante renúncia à presidência da Câmara não é mera coincidência. Eduardo Cunha saiu para ficar. Continua em campo, permanece no jogo. Só não é mais capitão.

O deputado do PMDB fluminense cumpriu o roteiro dos manipuladores de fantoches que se cansam da escuridão da coxia e tentam encarar os refletores do outro lado das cortinas. Não resistiu ao calor das lâmpadas e saiu do palco, não do teatro. Longe da ribalta – esperam ele e seus colegas de partido – a temperatura vai baixar e, quem sabe, ele possa manter o mandato.

Não fosse esse o plano, o presidente interino Michel Temer teria aconselhado o aliado a renunciar não apenas ao comando da Câmara, mas também à vaga de deputado. Mas não, a pressão dos “amigos” foi para Cunha sair de cena, jamais para abandonar a trupe. Agora vem o recesso branco em Brasília, depois vem Olimpíada, o interesse público muda de foco, e a chance de, em uma votação apressada, faltar quórum na Câmara para cassá-lo aumenta.

Não há nada de original na tática. Renan Calheiros batizou-a com seu nome ao colocá-la em prática com sucesso já se vai quase uma década. Troca-se a presidência do Senado pela da Câmara e segue o espetáculo. O interesse esta semana já é outro: quem ocupará a cadeira deixada vaga. Despopulada de caciques, a Câmara se divide entre mais de uma dezena de índios aspirantes. Um deles vai sair do anonimato para ocupar o posto que – como Cunha provou – tem o poder de, sozinho, desestabilizar um governo e, com a ajuda de uma crise econômica, derrubar um presidente.

Embora haja tucanos entre os pretendentes, os favoritos pertencem ao “Centrão” – o aglomerado amorfo de partidos fisiológicos que ocupou o protagonismo político na Câmara, deixado vago por PT e PSDB em sua luta de exterminação mútua. Foi nesse vácuo de lideranças que Cunha deitou e rolou, com a ajuda de um bem azeitado esquema de financiamento político – que a Operação Lava Jato conseguiu expor e asfixiar, através da prisão e delação de seus operadores do lado empresarial.

Falta ainda o braço político. Falta esclarecer quem e como Cunha apadrinhou em sua escalada desde os bastidores até o palco principal. Quem são os 150 ou 160 deputados que ele ajudou pelo caminho? Foi justamente para evitar que isso se tornasse público que Cunha foi pressionado a renunciar à presidência da Câmara, com empenho de melhores esforços por parte dos ingratos beneficiados para mantê-lo em campo, para mantê-lo no jogo.

Embora o Ministério Público mantenha a tão necessária – e tão ausente em outros tempos – determinação investigativa, o desmembramento da Lava Jato e a descentralização do processo por vários juízos tem se mostrado um caminho tortuoso. Uma mistura de decisões precipitadas e recursos a tribunais amigos deteve e rapidamente libertou investigados antes que eles se sentissem inclinados a delatar alguém. Sem esse elemento de pressão (ou chantagem, diriam os advogados dos investigados), a operação corre cada vez mais risco de acabar antes de chegar ao fim.

A cada decisão de primeira instância revisada – justamente ou não – por cortes superiores, os investigados respiram aliviados. Formam-se assim as condições para que os jogadores da política se mantenham em campo, alguns se arrastando, outros gritando, mas quase todos participando do jogo. Vale para eles a inspiração do craque português, campeão da Europa desde o banco de reservas: tudo bem chorar primeiro se for para rir depois.

Quem ri por último? – Valdo Cruz

Folha de S. Paulo

A 25 dias dos Jogos Olímpicos do Rio, lá vamos nós, de novo, perder uma bela oportunidade para mostrar ao mundo que, sim, merecemos sua confiança.

Até aqui, nossa cartão de visita tem sido um horror. Deixemos a questão da segurança para depois, vamos ao mundo da política e economia, palco de notícias negativas, bizarras e de arrepiar qualquer um.

Nossa penúria é tanta que, vejam só, comemoramos que em 2017 vamos ter um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas. O quarto consecutivo e menor que os R$ 170,5 bilhões deste ano. Triste país que fica feliz só porque a desgraça é menor.

A responsável por esta quebradeira deu para dizer que errar é humano, logo ela que não gosta de assumir erros. E ainda sonha e batalha em voltar, indefinição que trava investimentos externos no país.

Não bastasse esta dúvida, que só será eliminada depois do julgamento do impeachment, a Câmara dos Deputados mergulha numa disputa do pior contra o pior pelo seu comando. É de chorar dar uma espiada no currículo doscandidatos a substituir Eduardo Cunha.

O ex-presidente da Casa, que disse ter seus momentos humanos quando chorou ao anunciar sua renúncia, tenta sobreviver, mas está fadado a ser condenado e cassado.

Quem olha de fora deve rir de um país em que dois adversários, até pouco tempo os poderosos Dilma e Cunha, disputam para não cair primeiro. Num jogo em que nenhum terá motivos para rir por último.

Por fim e pior, temos a insegurança no Rio. O prefeito Eduardo Paes promete, porém, que isso não será problema para os turistas durante a Olimpíada. As Forças Armadas estarão nas ruas garantindo a paz.

Pois é, assim foi na Copa do Mundo. Foi uma tranquilidade. Depois, o medo e a violência voltaram. O filme deve se repetir, num atestado do fracasso dos governantes em cuidar da segurança do brasileiro também. Não só do turista estrangeiro.

A hesitação de Temer - Marcos Nobre

• As origens do baixo centrão devem ser buscadas em 2005

- Valor Econômico

Em fevereiro de 2005, Severino Cavalcanti, então deputado pelo PP de Pernambuco, foi eleito presidente da Câmara. Era um congressista inteiramente desconhecido, fora do radar mesmo de quem acompanhava profissionalmente a política. No primeiro turno de votação, recebeu apenas 124 votos contra 207 do candidato oficial do governo Lula. No segundo turno, venceu com 300 votos. O candidato do governo conseguiu receber menos votos no segundo turno do que tinha recebido no primeiro: 195. Na época, a derrota parecia poder ser inteiramente explicada pela divisão dentro do próprio PT, que apresentou um candidato oficial e teve outro dissidente, que recebeu 117 votos no primeiro turno de votação. Hoje, essa explicação se mostra insuficiente, especialmente quando analisada do ponto de vista da ascensão e queda de Eduardo Cunha.

Duas verdades e um dilema - Marcus Pestana

- O Tempo (MG)

Hoje, cada brasileiro sente na pele e no cotidiano os efeitos da grave crise em que o país mergulhou. Nos momentos de crise, as contradições emergem com vigor. Escolhas difíceis se impõem. Sacrifícios são necessários. A hora da verdade se apresenta. Mudanças superficiais não respondem mais com eficácia. Reformas estruturais são exigidas. A vida exige mudança de paradigmas. Afinal, “não se faz omelete sem quebrar os ovos”. O populismo e a demagogia tentam afagar todos os interesses, mas a economia e as finanças públicas em crise encontram seus limites físicos, e aí as opções não são elásticas. Governo e sociedade têm que exercitar a difícil tarefa de erguer prioridades num quadro de escassez.

Duas verdades se chocam no Brasil de nossos dias. O país vive a maior crise fiscal das últimas décadas, é verdade. Ela se expressa no déficit primário recorde de R$ 170 bilhões em 2016, no déficit nominal (inclui a despesa com juros) de mais de 7% do PIB e na trajetória explosiva da relação dívida-PIB. Isso no Orçamento público federal. Soma-se a isso o estrangulamento de Estados e municípios.

Se não corrigirmos de forma consistente essa tendência à deterioração, poderemos alimentar a percepção crescente entre investidores e atores econômicos relevantes sobre o risco de nosso país entrar em processo de insolvência fiscal e não honrar sua dívida. Esse cenário seria caótico. Dificultaria a rolagem da dívida, subiria os juros, afugentaria investimentos, retroalimentaria a recessão, reduziria a arrecadação de impostos e jogaria lenha na fogueira do círculo vicioso desequilíbrio fiscal, juros altos e recessão.

A solução não é fácil. “Em casa em que falta pão, todo mundo briga, e ninguém tem razão”. Estados e municípios querem alívio em suas dívidas com a União. Beneficiários do Bolsa Família querem reajuste real. Servidores públicos querem aumentos. Empresários querem diminuição de impostos. Trabalhadores não querem regras mais duras na Previdência. Todas as políticas públicas setoriais pressionam por expansão de gastos. E isoladamente todos podem ter razão. O problema é que a soma das partes é maior que o todo disponível.

A outra verdade inequívoca é que a saúde pública no Brasil é gravemente subfinanciada. Vivemos um verdadeiro impasse diante de uma equação que não fecha: direitos constitucionais radicalmente amplos, recursos fortemente escassos e custos crescentes. Todas as evidências mostram que não é possível assegurar um acesso universal com cobertura integral e de qualidade dispondo apenas de R$ 1.000 anuais por habitante. O termômetro disso é a escalada da judicialização na saúde.

Nas próximas semanas, na apreciação da PEC enviada pelo governo Temer ao Congresso que institui o Novo Regime Fiscal e impõe limites à expansão dos gastos, estaremos diante de uma “escolha de Sofia”: como superar o grave estrangulamento fiscal sem jogar o SUS numa crise profunda e irreversível.
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Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)

Inês é velha – Vinicius Mota

- Folha de S. Paulo

A economia brasileira inicia a partir de agora uma lenta recuperação daquela que terá sido a pior derrocada deste ciclo democrático. O volume da produção, se confirmadas as hipóteses de analistas reputados, vai retomar apenas em 2019 os níveis verificados em 2014.

O atraso é ainda maior se a renda per capita for levada em conta. O poder de compra médio que o brasileiro possuía em 2013 só será recobrado em 2021, oito anos depois. Perde-se o que se perdeu, mas também o que se deixou de ganhar.

O Brasil desperdiça os últimos raios de luz de sua janela demográfica, o período em que, em razão da queda ainda relativamente recente da natalidade, o conjunto das pessoas em idade de trabalhar se expande mais depressa que a população.

Uma nuvem sobre a retomada do crescimento - José Roberto Mendonça de Barros

- O Estado de S. Paulo

Com a mudança na Presidência da República (temporária até agosto, definitiva a partir daí), o cenário econômico começou a ter horizontes. A queda livre da economia está sendo estancada. Ainda teremos um resultado negativo neste segundo trimestre do ano, fruto da inércia de uma tendência que vem desde o ano passado, mas os índices de expectativas já viraram para positivos, na margem, e o mesmo começa a ocorrer em alguns segmentos do lado real.

Tudo está pronto para uma retomada mais consistente. Entretanto, três questões estão começando a turvar um pouco minha percepção de futuro: falta melhor comunicação ao Executivo; a dureza da política monetária anunciada está descalibrada do conjunto da situação econômica; e estamos, mais uma vez, correndo o risco de uma excessiva e indesejada valorização do real. Discuto, então, cada um desses pontos.

Day after – Ruy Castro

- Folha de S. Paulo

Relatos das internas dão conta de que o ex-presidente Lula está deprimido e apreensivo. Deprimido porque, longe do poder, já quase não o procuram para conversar. Como não sabe fazer mais nada, o ócio o afeta cruelmente. Sua única distração tem sido cantar senadores para que votem a favor de Dilma no impeachment, prometendo comparecer aos palanques deles nas províncias. Mas, se poucos querem a sua companhia num jantar, quem vai querê-la num palanque? E a apreensão é pela sombra de Curitiba em sua biografia.

A querida Curitiba só dá desgostos a Lula. Desde que seus agentes literários, Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro, se mudaram para lá há um ano, cessou a procura por suas palestras, pelas quais recebia cachês com que homens como Albert Einstein, Bertrand Russell e Aldous Huxley, em seu apogeu no século 20, sequer sonharam. Mas, pensando bem, o que Einstein, Russell e Huxley tinham a dizer aos ditadores do Oriente Médio, América Central e África, principais plateias do palestrante Lula?

Impressionante como essas investigações estão afetando a vida profissional de tantos que, até há pouco, exerciam funções vitais na economia. José Dirceu, por exemplo, teve cortado o fio do escafandro que lhe permitia prestar assessoria a empresas e governos e lhe rendia comissões dignas de um herói do povo brasileiro. Como ficam os negócios desses investidores sem os contatos de Dirceu? E como ficam os negócios de Dirceu sem os contatos do governo?

Sobrou até para uma escola de samba gaúcha, que um ex-tesoureiro do PT ajudava, dizem, com dinheiro do Ministério do Planejamento. Por gratidão, a escola bordava o nome do benfeitor em sua bandeira e compunha sambas-enredo em sua homenagem. Com a prisão do tesoureiro, a escola pode perder até a sua madrinha de bateria.

É o "day after" do poder.

Uma oportunidade para o Congresso – Editorial / O Estado de S. Paulo

A renúncia do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara é uma oportunidade para que os parlamentares inaugurem um novo padrão de responsabilidade no trato do interesse público e se tornem, afinal, parte da solução para tirar o País da crise.

O atual material humano disponível no Congresso, porém, recomenda que essa responsabilidade seja vista com prudência. O que predomina ali são os efeitos da promíscua relação entre o Executivo e o Legislativo, cevada por mais de uma década de lulopetismo. O mensalão e o petrolão afetaram fortemente a qualidade da representação parlamentar. Não admira, por isso, que se tenha na Câmara uma base governista ruim, que mal consegue enxergar além do próprio umbigo.

Governo escolhe a maior meta fiscal possível para 2017 – Editorial / Valor Econômico

À primeira vista, com as informações disponíveis até o momento, a meta anunciada pela equipe econômica para o déficit primário de 2017, fixada em R$ 139 bilhões, parece ambiciosa o bastante para sinalizar o comprometimento do governo interino de Michel Temer com o ajuste nas contas públicas.

Será uma tarefa nada trivial cumprir a meta, que pressupõe um substancial corte de despesas em um cenário ainda de queda da arrecadação. Para as contas fecharem, o governo terá ainda que levantar R$ 55 bilhões com privatizações e concessões, operações cuja concretização dependerá de haver apetite de investidores.

O mercado financeiro recebeu muito bem a decisão. Os juros futuros mais longos - aqueles mais importantes para alavancar investimentos produtivos - caíram para níveis próximos dos vigentes em 2014. Fica comprovado o acerto da equipe econômica em defender, nas discussões com as alas políticas do governo, um déficit primário menor para mostrar que um programa de ajuste fiscal de longo prazo não significa jogar o sacrifício para as calendas.

Sem exageros – Editorial / O Globo

• É justo cobrar obrigações do estado, mas sem o preço de prejudicar a população ou de tomar o Rio como refém

A debacle financeira que este ano arrastou o Estado do Rio para uma das piores crises de sua história atinge todos os estratos da sociedade. Sem caixa para honrar compromissos, o governo atrasa o pagamento do funcionalismo, deixa de prestar serviços à população (em alguns casos, levando ao limite da inépcia setores que, mesmo em tempos de bonança, já não funcionavam a contento) e reduz investimentos.

É uma roda-viva cujos efeitos deletérios realimentam a crise. Sair dela, portanto, implica romper, em algum momento, os gargalos que mantêm a administração estadual sob pressão e virtualmente paralisada. Para acabar com esse círculo vicioso é preciso melhorar a gestão pública, terreno da eficiência administrativa — um contencioso de que o governo não tem dado conta. Mas também exige alguma dose de ponderação, e até algum sacrifício, dos outros atores diretamente atingidos pela crise.

Poemas ao vento - Fernando Pessoa

Sopra o vento, sopra o vento,
Sopra alto o vento lá fora;
Mas também meu pensamento
Tem um vento que o devora.
Há uma íntima intenção
Que tumultua em meu ser
E faz do meu coração
O que um vento quer varrer;
Não sei se há ramos deitados
Abaixo no temporal,
Se pés do chão levantados
Num sopro onde tudo é igual.

Dos ramos que ali caíram
Sei só que há mágoas e dores
Destinadas a não ser
Mais que um desfolhar de flores.