domingo, 7 de agosto de 2016

Opinião do dia - Zuenir Ventura

Mas o acontecimento mais importante foi a aprovação pelo Senado por 14 votos a 5 do relatório recomendando o impeachment definitivo da presidente afastada.

Apesar do resultado folgado, os cinco derrotados não se conformaram e insistiram na versão de que se trata de um “golpe”.

Um deles, o líder do PT, Humberto Costa, chegou a comparar a situação de agora com a de 1964, quando os militares tomaram o poder.

Ainda bem que houve a sensatez do seu colega Cristovam Buarque para lembrar diferenças fundamentais, entre as quais a de que naquela época os generais depuseram João Goulart não pelos votos parlamentares, mas pelos tanques. “O Senado não é um quartel”, disse.

O presidente também não se abrigou no palácio, como agora, para aguardar em segurança durante 180 dias que o Congresso decida livremente o seu destino político. Jango foi obrigado a ir para o exílio no exterior, onde morreu 12 anos depois e só voltou ao Brasil para ser sepultado.

Costuma-se dizer que o país não tem memória. Mas às vezes são alguns políticos os que sofrem de esquecimento, uma espécie de amnésia de conveniência.
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Zuenir Ventura é jornalista. ‘Um pouco de quase tudo’, O Globo, 6/8/2016

O presente de Rosemary: O imóvel suspeito da protegida de Lula

• Nova investigação do MP indica que Rosemary Noronha, a protegida de Lula, obteve um imóvel da Bancoop sem tirar um centavo do bolso, num desdobramento do esquema que beneficiou o ex-presidente com o tríplex no Guarujá. Outros personagens ligados ao petista também foram contemplados

Pedro Marcondes de Moura - IstoÉ

Em março deste ano, o Ministério Público de São Paulo pediu a prisão preventiva do ex-presidente Lula pelos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no caso do tríplex do Guarujá. Agora, se descobre que o esquema do imóvel ocultado pela família Lula da Silva tem mais capilaridade do que se imagina e não se limitou a beneficiar o petista. Privilegiou também outros personagens ligados a Lula, à cúpula do PT e à Central Única dos Trabalhadores. É o que demonstra o Ministério Público de São Paulo em nova fase da investigação, batizada de Operação Alcateia. Mais de sete volumes de documentos colhidos pelos promotores até agora dão segurança para eles afirmarem que a amiga de Lula, Rosemary Noronha, recebeu um apartamento da falida Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) sem tirar um centavo do bolso. Rose, como era conhecida no governo quando, a pedido de Lula, ocupou a chefia de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo, teria sido favorecida com um duplex de cerca de 150 metros quadrados no Condomínio Residencial Ilhas D’ Itália, numa área nobre do bairro paulistano da Mooca. “Rosemary Noronha não conseguiu provar que pagou o imóvel”, afirmou à ISTOÉ o promotor Cássio Conserino. “Ela, assim como outros personagens ligados a Lula, não apresentou um mísero comprovante bancário de pagamento de uma parcela”, complementa. Os outros personagens íntimos de Lula a que Conserino se refere são o presidente da CUT, Vagner Freitas, e a própria Central Única dos Trabalhadores. O lado mais sórdido disso tudo é a consequência desta e de outras fraudes da Bancoop. Com a falência da cooperativa, mais de sete mil famílias perderam as economias de uma vida e o sonho da casa própria ao investirem na entidade ligada ao sindicato dos bancários. Enquanto cooperados de boa-fé foram lesados em suas poupanças, Lula e amigos, de acordo com a investigação, acabaram contemplados com imóveis sem precisar mexer no bolso.

Santana destrói Dilma em negociação de delação premiada

• Marqueteiro prometeu ao MP revelar um arsenal de informações que, como o próprio marqueteiro admitiu, vai “destruir” a biografia da presidente afastada

Por Thiago Bronzatto – Veja

O marqueteiro João Santana guar¬da¬va segredos tão sulfurosos sobre as campanhas do PT que, por meses a fio, anos a fio, se recusou a revelá-los. Preso em Curitiba e questionado pelo juiz Sergio Moro sobre seu mutismo implacável a respeito das duas campanhas de Dilma Rousseff, Santana desmontou e confessou: “Eu, que ajudei a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a presidente”. Na semana passada, VEJA levantou o véu sobre o cardápio de revelações que o marqueteiro entregou ao Ministério Público na negociação de sua delação premiada — e, considerando-se o que promete dizer, pode-se finalmente entender por que ele usou a expressão “destruir a presidente”.

Odebrecht cita Temer em negociação de delação premiada

• Na delação que a empreiteira está negociando, um anexo diz que Temer participou de reunião em 2014 que resultou na doação de R$ 10 milhões em dinheiro vivo

Por Daniel Pereira - Veja

VEJA teve acesso a um anexo da delação premiada mais esperada do escândalo do petrolão. A Odebrecht mobilizou mais de uma centena de advogados para assessorar a delação de seu presidente, Marcelo Odebrecht, e de cerca de cinquenta executivos da empresa. No trecho a que VEJA teve acesso consta a informação de que em maio de 2014 houve um jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República. Nele, estavam o próprio vice Michel Temer e o então deputado Eliseu Padilha, atual ministro-chefe da Casa Civil. Do lado da empreiteira, Marcelo Odebrecht. Segundo os termos do anexo, Temer pediu “apoio financeiro” ao empresário. Marcelo Odebrecht, um campeão em contratos com o governo federal e um financiador generoso de políticos e campanhas eleitorais, prometeu colaborar. Afinal, estava diante do vi¬ce-presidente da República e comandante em chefe do PMDB, o maior partido do país, que controlou desde a redemocratização cargos estratégicos da máquina pública, como diretorias da Petrobras e de estatais do setor elétrico.

TSE abre processo sobre verbas da Petrobrás no PT

• Em caso de confirmação da ilegalidade, o partido pode ter o registro de funcionamento cassado; a legenda divulgou nota negando irregularidades

Fábio Fabrini - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, abriu processo para apurar uso de verbas públicas da Petrobrás pelo PT. Em caso de confirmação da ilegalidade, o partido pode ter o registro de funcionamento cassado. O pedido original da Corregedoria-Geral Eleitoral foi feito em setembro do ano passado, mas, segundo a Corte, teria sido “extraviado”.

O processo deriva da prestação das contas da campanha da presidente Dilma Rousseff e do Comitê Financeiro do PT em 2014, aprovadas com ressalvas, devido às suspeitas de irregularidades detectadas à época. Foi instaurado com base em informações da Operação Lava Jato, que levantou provas de que o esquema de desvio de recursos na estatal abasteceu o caixa da legenda.

Em troca de contratos públicos, empreiteiras teriam feito repasses ao PT e às campanhas do partido, inclusive as presidenciais, na forma de doações oficiais e clandestinas. O suposto uso do sistema oficial para recebimento de propina é um indício de lavagem de dinheiro obtido por meio de corrupção.

O pedido de abertura de processo havia sido feito em setembro do ano passado pelo ex-corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro João Otávio de Noronha, ao gabinete do então presidente do TSE, Dias Toffoli. Ele embasou o pedido em informações remetidas por Mendes, relator das contas de campanha de Dilma e do PT.

“As doações contabilizadas parecem formar um ciclo que retirava os recursos da estatal, abastecia contas do partido, mesmo fora do período eleitoral, e circulava para as campanhas eleitorais. No período eleitoral, o esquema abasteceria também as campanhas diretamente”, escreveu Mendes à época. “Aparentemente, o ciclo se completaria não somente com o efetivo financiamento das campanhas com dinheiro sujo, mas também com a conversão do capital em ativos aparentemente desvinculados de sua origem criminosa, podendo ser empregados, corno se lícitos fossem, em finalidades outras, até o momento não reveladas”, acrescentou.

A instauração do processo, no entanto, não foi levada adiante pelo gabinete de Toffoli. O TSE sustenta que o pedido do ex-corregedor “extraviou”. Recentemente, a gestão de Mendes constatou que não havia sido tomada providência a respeito e pediu que o procedimento fosse reconstituído.

Na sexta-feira, 5, 11 meses após o pedido original, o atual presidente autuou e deu número ao processo, que inicialmente ficará sob relatoria da atual corregedora, ministra Maria Thereza de Assis Moura. Ela fica no cargo este mês e depois será substituída pelo ministro Herman Benjamin, que assumirá o caso.

O processo ainda está em fase inicial, cabendo toda a coleta de provas e de depoimentos. Não há prazo para que a investigação se encerre e seja levada a julgamento em plenário.

Conforme a Lei dos Partidos, as legendas só podem usar recursos públicos se a fonte for o Fundo Partidário. O uso de qualquer outra verba é considerado irregularidade grave, passível da cassação do registro de funcionamento. Na prática, deixa de existir formalmente, não podendo mais disputar eleições, receber doações e fazer propaganda partidária.

Defesa. A assessoria de imprensa do PT divulgou nota neste sábado, 6, negando irregularidades. "O PT não tem conhecimento de nenhum pedido de cassação de seu registro e não vê motivos para adoção desta medida, pois todas as suas operações financeiras são feitas dentro da legalidade", diz o texto.

Gilmar pede cassação de registro do PT

• Há indicativos de que sigla foi indiretamente financiada pela Petrobras, diz ministro

Carolina Brígido - O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, determinou abertura de processo pedindo a cassação do registro do PT. Segundo Gilmar, “há vários indicativos de que o Partido dos Trabalhadores foi indiretamente financiado pela Petrobras”, que é uma sociedade de economia mista. A prática é vedada pela legislação eleitoral. A investigação será conduzida pela corregedora da Justiça Eleitoral, ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Gilmar é relator das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff, que foram julgadas e aprovadas pelo TSE logo depois das eleições, em dezembro de 2014. No entanto, o ministro deu continuidade às investigações acerca da contabilidade apresentada pela petista, diante de indícios de irregularidades encontrados por técnicos do tribunal.

O novo procedimento contra o PT será aberto com base nesse material. O ministro anotou que, na Operação Lava-Jato, foi apurado que empreiteiras corrompiam agentes públicos para firmar contratos com a Petrobras, mediante fraude em licitações e formação de cartel. Segundo Gilmar, parte da propina voltaria ao PT em forma de doações à legenda e às campanhas eleitorais. Outra parte seria entregue em dinheiro ao tesoureiro do partido. Uma terceira parte financiaria o PT por meio de doações indiretas ocultas, especialmente por meio de publicidade. “Somado a isso, a conta de campanha da candidata (Dilma) também contabilizou expressiva entrada de valores depositados pelas empresas investigadas”, escreveu o ministro, em ofício de 2015.

Segundo o ministro, “há indicativos sérios de inconsistências nas despesas contabilizadas” pelo PT e pela campanha. “Aparentemente, o ciclo se completaria não somente com o efetivo financiamento das campanhas com dinheiro sujo, mas também com a conversão do capital em ativos aparentemente desvinculados de sua origem criminosa, podendo ser empregados, como se lícitos fossem, em finalidades outras, até o momento não reveladas”, escreveu Gilmar.

“Relevância criminal”
Segundo o ministro, há “suspeita de relevância criminal das condutas”. Para ele, doar recursos — supostamente vantagens ilícitas para a prática de crimes contra a administração pública — ao partido ou à campanha, ou entregá-los sem contabilidade a representantes do partido, são indicativos do crime de lavagem de dinheiro. Ele também escreveu que “a omissão de recursos na contabilidade da campanha indica crime de falsidade ideológica eleitoral”.

Em agosto de 2015, Gilmar reportou os indícios de irregularidade cometidas pelo PT ao então corregedor da Justiça Eleitoral, ministro João Otávio de Noronha, que enviou ofício ao então presidente do TSE, Dias Toffoli, pedindo providências. Entre as medidas previstas em lei, está a “abertura de investigação para apuração de qualquer ato que viole as prescrições legais ou estatutárias a que, em matéria financeira, os partidos e seus filiados estejam sujeitos”.

No último dia 2, o secretário-geral do TSE, Luciano Fuck, enviou ofício a Gilmar lembrando que a gestão anterior do TSE não tomou essa providência. O assunto ficou parado 11 meses. Gilmar determinou de imediato a instauração do processo. No ofício à Corregedoria de 2015, Gilmar afirmou que os indícios de que o PT foi financiado pela Petrobras foram obtidos de cruzamento das informações do processo de prestação de contas de Dilma, em notícias da imprensa e em papéis da Lava-Jato.

No ofício de 2015, Gilmar cita doações recebidas pelo PT em 2014 por sete empresas investigadas na Lava-Jato: UTC, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Construtora Odebrecht, Odebrecht Óleo e Gás e Engevix. Em nota, a direção do PT disse que não há razão para se tentar cassar o registro da legenda. “O PT não tem conhecimento de nenhum pedido de cassação de seu registro e não vê motivos para a adoção desta medida, pois todas as suas operações financeiras são feitas dentro da legalidade”.

Temer prevê reforma no ministério se confirmado no Planalto

Gabriel Mascarenhas, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente interino, Michel Temer, planeja fazer uma reforma ministerial e endurecer a relação com o Congresso caso o Senado Federal aprove oafastamento definitivo de Dilma Rousseff.

O Palácio do Planalto dá como certas pelo menos três mudanças: a substituição do titular da AGU (Advocacia-Geral da União), Fábio Osório, a definição do novo ministro do Turismo e a recriação da pasta do Desenvolvimento Agrário.

Os planos, confirmados por auxiliares e assessores presidenciais, podem abranger a inclusão de uma mulher na equipe ministerial. Sobre isso, porém, o martelo ainda não foi batido. A ausência de um nome do sexo feminino no primeiro escalão foi alvo de críticas contra a gestão.

A alteração no comando da AGU é considerada inevitável. Osório vem perdendo prestígio com o presidente interino desde as primeiras semanas após assumir o cargo.

Temer ficou irritado ao saber que o ministro viajou a Curitiba durante batalha judicial envolvendo a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), em maio, com o retorno de Ricardo Melo, indicado pela gestão do PT.

Ele também ficou incomodado com o fato de Osório ter aberto, sem consultá-lo, sindicância para apurar a conduta do ex-ministro José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma Rousseff, na defesa da petista. A avaliação é a de que ele criou um desgaste desnecessário com a administração afastada.

Para o Turismo, Temer decidiu que a pasta será entregue a um aliado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O mais cotado é o deputado federal Marx Beltrão (PMDB-AL), que é réu no Supremo Tribunal Federal por falsidade ideológica.

O peemedebista pretende nomeá-lo apenas se superado o processo de impeachment, num esforço para assegurar o apoio de Renan Calheiros durante a análise do afastamento da petista.

Numa tentativa de criar marcas sociais, Temer quer ainda devolver o status ministerial ao Desenvolvimento Agrário, hoje uma secretaria vinculada ao Palácio do Planalto. Ele irá mantê-la sob o comando do Solidariedade, sigla capitaneada por Paulinho da Força (SP), aliado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ao menos por ora, o retorno do senador Romero Jucá (PMDB-RO) ao Planejamento não entrou no horizonte de Temer. O parlamentar entregou o cargo depois que a Folha revelou as conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Num dos diálogos, Jucá disse considerar necessário estancar a "sangria" provocada pela Operação Lava Jato.

A atual situação é considerada cômoda tanto para o governo quanto para Jucá. Isso porque ele segue como um senador de confiança do Poder Executivo e com acesso direto ao gabinete presidencial, além de continuar tendo influência sobre a pasta, cujo ministro é Dyogo Oliveira.

Endurecimento
Se confirmado o afastamento de Dilma, o Planalto tende também a mudar a relação com o Congresso Nacional, sobretudo no que diz respeito às pautas econômicas com impactos em curto prazo.
Na atual circunstância, com o impeachment pendente, o governo interino tem evitado a todo custo desgastes com o Poder Legislativo –uma das razões para que o projeto de renegociação das dívidas estaduais não tenha saído como o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) desejava.

Brasil tem 34 partidos em formação, além dos 35 atuais

• Caso sejam legalizados pelo TSE, todos terão direito a financiamento público

Mariana Sanches - O Globo


SÃO PAULO - Prisão perpétua, trabalho forçado para presos, salário público para mulher que tiver filhos. Essas são algumas das muitas propostas dos 34 partidos que estão atualmente em formação no país, de acordo com o TSE. A cifra quase iguala o número de partidos já registrados hoje, que somam 35. As protolegendas têm nomes tão curiosos quanto suas plataformas: Partido do Servidor Público e Privado, Partido Carismático Social, Partido Militar Brasileiro, Partido Piratas. Se forem todos homologados, o Brasil chegará à marca de 69 siglas que, mesmo sem receber nenhum voto, terão direito ao dinheiro do Fundo Partidário, condições de propaganda em TV e rádio e disputas sem cláusula de barreira.

— Não há problemas em um país ter centenas de partidos, várias democracias têm. O problema é que em nenhum país do mundo, exceto no Brasil, uma legenda só por obter registro, sem sequer concorrer numa eleição, tem direito a Fundo Partidário. É uma questão de mercado. Em vez de abrir uma loja de iogurte gelado, o sujeito acha mais interessante abrir um partido — afirma o cientista político da UFRJ Jairo Nicolau.

O Partido da Causa Operária ilustra o raciocínio de Nicolau. Tendo elegido apenas um vereador em 21 anos de existência e contando com menos de 3 mil filiados, o PCO amealhou R$ 1,3 milhão de Fundo Partidário em 2015.

O GLOBO ouviu um quarto dos presidentes das siglas em formação. Embora reconheçam a existência de eventuais interesses financeiros na criação de siglas, todos negaram que sua motivação seja essa.

— A gente sabe que não existe maior negócio no Brasil hoje do que abrir igreja, sindicato ou partido. A igreja tem o dízimo, o sindicato, o imposto sindical e o partido, o Fundo Partidário — diz o advogado da União Abraão Gracco, presidente do Movimento Cidadão Comum (MCC).

No estatuto, o MCC afirma que abrirá mão do dinheiro público e proibirá que seus candidatos melhorem de vida graças a cargos eletivos.

Segundo Gracco, há uma crise de representatividade que ficou evidente com as jornadas de 2013 e se acentuou com a crise política que culminou no processo de impeachment. Isso poderia explicar a quantidade de siglas em gestação.

— Em todos os 35 partidos não encontro algum que nos represente. Defendemos o Estado mínimo, somos contra o aborto, o feminismo, o movimento “gayzista” que quer usar o Estado para impor o seu jeito de viver. Queremos conservar a propriedade privada e os valores cristãos — explica o auditor do TCU aposentado Edson Navarro, presidente do futuro Partido Conservador. O partido existiu durante o Império Brasileiro e foi extinto em 1889. Navarro nega inspiração imperial na refundação, mas cita o slogan do período para justificar a ideia:

— Nada mais liberal do que um conservador no poder.

A crise econômica também se tornou justificativa para fundação de partido. O microempresário Amarildo Gomes de Oliveira argumenta que ninguém sofreu mais do que o pequeno empreendedor com a recessão. Há 30 anos, Oliveira fundou uma associação de classe, em Feira de Santana, na Bahia. Mas afirma que a arena sindical deixou de ser um bom campo de batalha. Oliveira não foi o único a ter essa ideia. Dos 34 partidos em formação, nove endereçam questões de classe.

— Se estivesse tudo bem, nem teria pensado em criar nada. Mas entre os partidos que existem ninguém nos ouve mais — diz Oliveira, presidente do futuro Partido do Pequeno e Microempresário Brasileiro.

Já Jair Andrade, do abrangente Partido do Servidor Público e Privado, gestado em Recife, declara motivações mais prosaicas para criar sua legenda:

— Sou funcionário público, na minha família tem trabalhador privado. Sabemos das nossas dificuldades, cansamos da corrupção, perdemos a confiança e resolvemos ir direto para a luta.

Fragmentação e distância das legendas tradicionais

• Para analista, gestação de 34 partidos mostra que siglas existentes vão mal

Mariana Sanches- O Globo

Os partidos atuais são acusadas pelos organizadores das siglas em gestação de serem pouco democráticos e impenetráveis para pessoas de fora da hierarquia partidária.

— Tem muito partido que exige dinheiro da pessoa para que ela saia candidata, por isso não quis entrar em algum que já existisse, é muito complicado — afirma o sindicalista Marcelo Vivório Alves, presidente do novo Prona.

O Prona, famoso pelas figuras dos deputados federais Enéas Carneiro e Doutora Havanir Nimtz, se fundiu em 2006 com o PTdoB e com o PL, atualmente também em processo de refundação e gerou o Partido da República (PR). Alves conta ter sido apenas um eleitor do extinto partido e que, sem poder votar em sua agremiação de preferência, resolveu trazê-la de volta à vida.

Ainda não está definido se algumas das principais bandeiras do conservador Prona, como a produção da bomba atômica brasileira, serão mantidas.

O sindicalista afirma já ter obtido 380 mil assinaturas favoráveis à recriação da legenda — é necessário obter meio milhão de subscrições reconhecidas pelo TSE para que o registro seja concedido — e pretende agora atrair expoentes do extinto Prona, como Doutora Havanir, para o projeto. Confrontado com a informação de que a deputada é acusada de ter vendido vagas para candidaturas no extinto Prona por R$ 5mil, Alves desconversou:

— Não sei a profundidade dessas acusações. Mas ela será muito bem-vinda se quiser voltar ao partido.

Demandas de minorias
Independentemente das motivações de cada presidente, especialistas concordam que o número de 34 partidos em formação diz muito sobre a saúde das siglas já registradas:

— É uma crítica ao sistema de um modo geral. Os partidos não têm conseguido se comunicar, se conectar com a população. Já não têm mais produzido discursos capazes de agregar, não é inclusivo de parcelas da sociedade. Esse mal-estar se expressa dessa maneira, com uma intensa fragmentação. Uma série de grupos descontentes que passam a tentar entrar no sistema político para se autorrepresentar — afirma o cientista político Carlos Melo, do Ínsper.

Dos 34 protopartidos, quatro tratam exclusivamente de demandas de minorias e programas sociais, como o Partido pela Acessibilidade e Inclusão Social.

Reforma política pode ser fatal para novas siglas

• PSDB propõe fim de coligação proporcional e cláusula de barreira

Mariana Sanches - O Globo

Quase todos os anos o tema volta, para comprovar o malestar causado pela legislação eleitoral. Desta vez, os porta-vozes da ideia são os políticos tucanos. O PSDB, integrante da base do governo interino de Michel Temer, lançou recentemente seis tópicos de reforma política que pretende ver pautados no Congresso ainda no segundo semestre deste ano.

Entre as mudanças propostas estão pelo menos dois pontos nevrálgicos para a formação de novos partidos e a sobrevivência de legendas nanicas. Um é o fim da coligação para eleições proporcionais. A manobra faz com que partidos menores atinjam o quociente eleitoral e conquistem cadeiras no Congresso, aproveitando-se dos votos das siglas maiores. No ano passado, o Senado chegou a aprovar a medida, mas a Câmara a derrubou na sequência.

— A coligação proporcional garante que partidos sem lastro social, que sozinhos não fariam nenhum representante, tenham acesso ao parlamento — diz Carlos Melo, do Ínsper.

Outra medida que deve limitar a competitividade de partidos pequenos é a cláusula de barreira, um percentual de votos que todos os partidos precisam obter se quiserem ter acesso não apenas a assento no Congresso mas também a recursos do Fundo Partidário e de tempo de propaganda de TV e rádio.

Pelo modelo de legislação atual, basta que o partido obtenha o registro, chancelado em julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral, depois da análise de documentação da sigla e das assinaturas de apoiamento, para que possa receber dinheiro público. Tampouco há uma linha de corte que exclua partidos de obter representantes.

A cláusula de barreira é um instrumento comum em democracias. No Brasil, a medida chegou a ser aprovada pelo Congresso mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal em 2006. Os ministros consideraram que o dispositivo era antidemocrático e massacraria as minorias.

Para cientistas políticos, no entanto, o Supremo cometeu um erro ao vetar a cláusula e confundiu acesso ao Congresso com liberdade de associação e criação de partidos.

— Deveria ser o contrário do que é hoje. Criar um partido não é fácil, exige muitas assinaturas, representação nacional. O certo seria facilitar a criação de siglas, mas não dar a elas recursos públicos a menos que recebessem pelo menos 1,5% dos votos nacionais. Não podemos proibi-las de entrar na festa, mas elas só vão poder tomar um guaraná — diz Jairo Nicolau, da UFRJ.

Zygmunt Bauman: Tempos precários

• A frouxidão de nossa era está novamente sob escrutínio do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Criador do conceito de modernidade líquida, que acusa a fragilidade das relações atuais, ele se volta às angústias destes “dias de interregno”: quando os velhos jeitos de agir já não servem, mas os novos não foram inventados. “Trinta anos de orgia consumista resultaram em um estado de emergência sem fim”, diz – e indica uma saída: “O que pensávamos ser o futuro está em débito conosco. Para superar a crise, temos de ‘voltar ao passado’, a um modo de vida imprudentemente abandonado”

Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de S. Paulo / Aliás

Zygmunt Bauman presenciou os principais acontecimentos do século 20 e na virada do milênio criou uma teoria que levaria seu nome para além do campo da sociologia e o tornaria um escritor best-seller – sobre a liquidez da sociedade, das relações, do nosso tempo. Um dos principais pensadores da modernidade, este polonês prestes a completar 91 anos não perde um debate, e tudo que o inquieta é transformado em livro. Fecundo autor, já escreveu cerca de 70 títulos – entre os mais de 30 publicados no Brasil, todos pela Zahar, estão Modernidade Líquida, Amor Líquido e o mais recente A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós? Ele está lançando agora Babel – Entre a Incerteza e a Esperança, mas, nesta entrevista concedida ao Aliás, já anuncia uma nova obra para 2017, Retrotopia, e comenta sobre Strangers at Our Door, de 2016 e ainda inédito aqui.

A História ensina - *Fernando Henrique Cardoso

• Há que aceitar as diferenças e conciliar pontos de vista olhando para o horizonte

- O Estado de S. Paulo

Em julho passado André Franco Montoro faria 100 anos. Num país desmemoriado é bom recordar: Montoro foi dos raros políticos capazes de, sendo realistas, não deixar de lado os sonhos, as crença, os valores.

Em época de pouco-caso com o meio ambiente, Montoro exortava as pessoas a plantar hortas, a dar preferência à navegabilidade dos rios, a deixar de lado os egoísmos nacionais e olhar para a América Latina, a dizer não à bomba atômica. E, principalmente, a entender que a política requer desprendimento e grandeza. Foi assim quando, quase sozinho, impôs ao antigo PMDB um comício pelas eleições diretas-já na Praça da Sé, em 1984. E outro exemplo nos deu quando, lidando com outros gigantes, apoiou Tancredo Neves para a disputa no Colégio Eleitoral.

Conto um episódio. Nos preparativos para a eleição indireta do novo presidente, a Veja publicou uma entrevista de Roberto Gusmão, então chefe da Casa Civil de Montoro, em que este, falando por São Paulo, lançava o nome de Tancredo Neves para concorrer pela oposição. Na época, além de muito ligado a Ulysses Guimarães, eu era presidente do diretório do PMDB de São Paulo. Ulysses, como fazia habitualmente, passou na manhã subsequente à publicação da entrevista pelo casarão que então sediava o partido. Perguntou-me de chofre: “Isso é coisa do Gusmão ou do Montoro?” – como ele pronunciava. Confirmei que era opinião do governador de São Paulo. “E você, o que acha?” Disse-lhe: “O senhor sabe dos laços de respeito e amizade que nos unem, mas nas circunstâncias é a opção para ganharmos no Congresso”. Redarguiu: “Quero ouvir isso do Montoro”.

Retomar o moderno, retomar a modernização - *Luiz Werneck Vianna

• Não sairemos desta barafunda infernal com os apertados nós que nos atam ao passado

- O Estado de S. Paulo

O denso nevoeiro que até há pouco tempo embaçava a linha do horizonte e nos interditava prever o dia de amanhã começa a desanuviar. Passada a borrasca já se podem contar os perdidos e os salvados, mesmo que os mais estropiados dentre esses não devam esperar uma sobrevida sem sobressaltos. A Olimpíada está conosco e espanta os maus presságios com a festa de confraternização entre povos, que traz consigo o espírito de concórdia de que tanto estamos precisados.

O processo eleitoral se anuncia – esse santo remédio de eficácia comprovada em nossas crises políticas –, e com ele o retorno da política, da discussão sobre que rumos devem ser empreendidos na administração de nossas cidades, que valores e princípios queremos para nortear nossa vida em comum, hora da persuasão de eleitores e de alianças entre os afins. E, quando couber, até entre contrários, do que a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados consistiu num auspicioso primeiro sinal.

Velhos timoneiros de volta a seus postos de comando entoam o velho lema de que navegar é preciso e, lentamente, ainda com destino incerto, tateia-se em busca de uma saída desta barafunda infernal em que fomos envolvidos. Não sairemos dela, contudo, enquanto estivermos prisioneiros dos apertados nós que nos atam ao passado.

‘À la Brasil’ - Fernando Gabeira

- O Globo

Quando o presidente do COI, Thomas Bach, disse que a Olimpíada seria realizada “à la Brasil”, deixou uma pergunta no ar. Isso é bom ou ruim? Os próprios jornalistas, quando repetiam a expressão “à la Brasil”, com um sorriso, acrescentavam: no bom sentido. O próprio Thomas Bach declarou que usou o termo pensando na alegria e emoção dos brasileiros. Dizem que os estrangeiros na Cidade Olímpica têm uma expressão mais simples para explicar a sucessão de pequenos problemas: TIB, This is Brazil.

Historicamente, ambiguidade tem um lugar importante na definição de Brasil. No século XVI, Américo Vespúcio classificava o país como um misto de éden e barbárie. Quase todas as tentativas de definir o Brasil esbarram na ambiguidade, mesmo quando são feitas por brasileiros.

É próprio de um governo populista convencer de que oposição odeia pobres – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Ao contrário dos outros partidos, que buscam convencer o eleitorado de que nasceram para governar em benefício de toda a sociedade, o Partido dos Trabalhadores afirma que veio para governar em benefício dos que são explorados e oprimidos pelos ricos.

A realidade mostrou que a coisa não é bem assim. De fato, os governos petistas, tanto o de Lula quanto o de Dilma, implementaram programas em benefício da parte mais carente da população. Ao mesmo tempo, aliaram-se a grande empresários com o propósito de usar recursos públicos para permanecer no poder.

Esse é um projeto fadado, cedo ou tarde, ao fracasso, uma vez que não investe nos setores fundamentais da economia e, sim, num projeto demagógico que termina por levar à carência do crescimento e à crise econômica, como ocorreu aqui no Brasil. É próprio desse tipo de governo populista convencer, sobretudo os setores carentes do eleitorado, de que toda a crítica que lhe fazem advém daqueles que odeiam os pobres e querem manter a desigualdade social.

Evitar intervenções - Merval Pereira

- O Globo

Na mais recente edição do boletim “Em Foco”, do Ibre, da Fundação Getulio Vargas, os economistas Vilma da Conceição Pinto e José Roberto Afonso escreveram um artigo intitulado “Rumo à falência dos governos estaduais?” que, além de análise das questões econômicas que levaram à crise dos governos estaduais, traz uma advertência de cunho político que não está sendo levada em conta nos debates: se não superarem a crise social decorrente da crise financeira dos estados, a intervenção federal é inevitável.

José Roberto Afonso, que também é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), lembra que todos se esquecem de um detalhe: até pode tramitar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), mas ela não entra em vigor enquanto perdurar a intervenção federal. O artigo 60, sobre a possibilidade de emenda à Constituição, ressalta no parágrafo 1º: “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.”

Espetáculo da paz - Luiz Carlos Azedo

• O maior legado das Olimpíadas para o Rio será sua consolidação como polo turístico internacional, muito mais do que a do Brasil como potência esportiva

- Correio Braziliense

Há muitas maneiras de olhar as Olimpíadas do Rio de Janeiro. A mais positiva é considerá-la o maior espetáculo de confraternização entre os povos e da paz na Terra, torcer pelo Brasil e para que tudo dê certo na Cidade Maravilhosa, deixando, para depois, o debate sobre o nosso sucesso ou não nos jogos e seu legado para os cariocas, os gastos milionários e o risco de estádios se tornarem elefantes brancos – uma discussão inevitável nas eleições municipais.

Como a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas faziam parte de uma estratégia de poder e de projeção internacional do PT, do oba-oba ufanista do governo Lula em aliança com o prefeito carioca Eduardo Paes e o ex-governador fluminense Sérgio Cabral. Vivia-se a euforia da descoberta do petróleo da camada pré-sal, o sonho do Brasil potência e da perpetuação dos petistas no poder. Por causa do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, porém, a festa caiu no colo do presidente interino Michel Temer, que levou uma vaia anunciada no Maracanã, e da antiga oposição, representada na segurança dos jogos pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann.

Álibis imperfeitos - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Um dos maiores aliados do equívoco é o maniqueísmo. Aquele estado de coisas em que as nuances são ignoradas de modo a parecer que a alternativa ao claro só pode ser o escuro. O Brasil já pagou preço alto duas vezes por aderir a essa lógica. Na primeira elegeu Fernando Collor no pressuposto de que representava o novo, oposto ao então presidente José Sarney.

Para isso o eleitorado contou com a colaboração dos meios de comunicação que alimentaram o fetiche, a despeito das barbaridades cometidas por ele quando prefeito de Maceió e, depois, como governador de Alagoas. O falso dualismo deixou de fora da competição gente como Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, Roberto Freire e Fernando Gabeira, para citar apenas alguns dos 22 candidatos naquela eleição.

Na segunda vez, acompanhada de uma série de mais três a partir de 2002, o País caiu em conto do vigário semelhante ao anterior, motivado por igual fantasia maniqueísta. Trocamos a chance de dar o passo adiante na concepção da seriedade administrativa plantada no Brasil com o advento da estabilização da economia, pela ideia de que o PT levaria os pobres ao paraíso e relegaria os “podres” ao ostracismo.

A feira do impeachment – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

A proximidade do impeachment transformou o Senado numa feira livre. O ambiente de pechincha é o mesmo, mas as frutas dão lugar a cargos em ministérios e estatais. Na semana passada, uma gravação expôs o clima das negociações. Foi estrelada pelo senador Hélio José, do PMDB do Distrito Federal.

O parlamentar é conhecido em Brasília pelo apelido de Hélio Gambiarra. A alcunha surgiu em 1995, quando ele abriu sua casa para um churrasco com a presença de políticos ilustres. Depois descobriu-se que a festa havia sido iluminada graças a um gato da rede elétrica.

Hélio era suplente de Rodrigo Rollemberg, do PSB. Ganhou quatro anos de mandato quando o titular virou governador, em 2014. Na época da eleição, ele pertencia ao PT. Depois foi para o PSD. Em seguida, pousou no anedótico PMB, o Partido da Mulher Brasileira. Ao se filiar, disse que as mulheres trazem aos homens "alegria e prazer".

O eterno Patropi - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

A aflição continua, mas o Brasil está de alma lavada com a festa, o talento, o calor, a cor, a música e a alegria da abertura da Olimpíada do Rio, que teve a presença excessivamente sóbria e visivelmente desconfortável do presidente interino Michel Temer e a ausência sobejamente justificada e bastante constrangedora de um outro personagem: Luiz Inácio Lula da Silva.

Temer foi vaiado por alguns segundos. E daí? Nada mais natural para um presidente interino, em meio a um processo de impeachment. E nada mais natural no Brasil, no Rio e no Maracanã. Fosse Fernando Henrique, Lula, Dilma, Aécio, Marina, qualquer um, sempre haveria alguma vaia. Logo, ele não precisava ficar tão tenso, tão formal. Não sorriu nem mesmo quando a delegação brasileira explodiu em campo.

Nulidades para legislar - Nelson Paes Leme

• Perderam-se conceitos elementares nessa trajetória cartesiana, fragmentária e reducionista quanto ao entendimento ideal dos fatos e ações

- O Globo

Por que a didática e a pedagogia não se preocupam, mesmo antes da alfabetização das crianças, em ministrar-lhes princípios elementares de cosmologia, biologia e antropologia? Essa visão inicial, certamente, daria ao ser humano maior consciência de sua mínima e verdadeira condição diante da magnitude do Universo, além de situá-lo de maneira mais conveniente dentro da biosfera, do convívio mais harmônico com as demais espécies e com a nossa própria, traduzindo de modo mais claro a condição do indivíduo diante da coletividade. Como a política decorre da organização da sociedade humana, desde a horda, certamente essa abordagem holística haveria de contribuir para um melhor entendimento dos interesses econômicos e sociais que se movimentam em seu tabuleiro.

A aventura da espécie humana, depois do surgimento do homo sapiens, desde seus primórdios, examina o Cosmo a partir de uma visão individualista e pouco pragmática. Ou seja, do particular fragmentário e reducionista, para um hipotético todo. E não o inverso, como deveria, do geral para o particular. Isso dificulta enormemente o entendimento desse todo, pela recomposição cartesiana das partes. Transforma a educação num confuso puzzle, com suas peças embaralhadas. O físico nuclear Fritjof Capra, por exemplo, entende que essa fragmentação reducionista é a responsável por forte distorção da relação do homem com o restante da Natureza e do Cosmo.

Ponto de virada - Míriam Leitão

- O Globo

Nesta semana mudará o status político e jurídico da presidente afastada, Dilma Rousseff. No momento em que o Senado aceitar a pronúncia, ela passará a ser ré no processo, deixando de ser apenas investigada. Se não houver aceitação, ela pode reassumir a Presidência, mas hoje nem seus aliados mais fervorosos acreditam nessa possibilidade.

Na última quinta-feira, na sessão de votação do relatório na Comissão Especial do Impeachment, não houve a frenética expectativa dos primeiros dias. O país está cansado dos mesmos argumentos ao longo destes oito meses em que se discute o caso, mesmo assim o senador Cristovam Buarque capturou as atenções quando explicou, didaticamente, o que é um golpe. Mesmo um marciano entenderia que não é o que se passa no Brasil. E ao fim da sua fala, ficou entendido que o senador, que se declarara indeciso, já se decidiu.

Exasperado com a derrota, o senador Lindberg Farias disse, mesmo antes da votação, que haveria uma segunda chance no plenário do Senado, mas parecia já descrer dela porque declarou que a história condenará o impeachment.

Novo-desenvolvimentismo não funciona em países com taxa de poupança tão baixa como o Brasil – Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Têm tido repercussão na imprensa as propostas conhecidas por novo-desenvolvimentismo. O ex-ministro da Fazenda Bresser-Pereira, em colaboração com os professores José Oreiro e Nelson Marconi, acaba de lançar o livro "Macroeconomia Desenvolvimentista".

O ponto de partida da análise novo-desenvolvimentista é que a indústria de transformação é um setor especial. Ele lidera o desenvolvimento econômico, e o investimento na indústria gera ganhos tecnológicos que transbordam para os demais setores. Ou seja, uma falha de mercado –o ganho social do investimento no setor industrial é maior do que o ganho privado– justifica algum tipo de intervenção do setor público nos mercados para estimular o investimento no setor.

Uma das novidades da abordagem é a maior preocupação com o equilíbrio fiscal, em comparação ao desenvolvimentismo tradicional.

A conta dos sonhos ficará no Brasil - Elio Gaspari

- O Globo

Daqui até o fim dos jogos, centenas de jovens subirão nos pódios, baixarão a cabeça e receberão as medalhas de ouro das Olimpíadas do Rio. Serão momentos de sonho, felicidade e alegria. Da alegria dos jovens que sorriam para o mundo durante o desfile dos atletas na festa da abertura. Nada reduzirá a beleza dessas cenas. Para os brasileiros, ficarão os momentos de sonho e a conta. Alguém ainda fará o cálculo da fatura dos custos diretos e indiretos transferidos à Viúva. Chutando para cima, poderá chegar a R$ 500 milhões.

O Maracanã, joia da privataria do governo do Rio e da Odebrecht, tornou-se um magnífico elefante branco, incomparável em noites de festa. A manutenção das instalações olímpicas custará R$ 59 milhões anuais num estado cuja rede de saúde pública entrou em colapso. A máquina de marquetagem que prometeu Olimpíadas sem dinheiro público voava nas asas dos jatinhos de Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, candidato ao pódio mundial. Era o tempo em que os governantes torravam o dinheiro achando que o pré-sal cobriria qualquer projeto.

Nos dias em que os problemas da vila olímpica dominaram o noticiário foi frequente o argumento de que os críticos da festa carregavam o eterno “complexo de vira-lata”. Criação de Nelson Rodrigues, ele refletia “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. Bola dentro, mas às vezes a questão é mais complicada. Há cães de raça, mas há também adoráveis vira-latas.

A sorte, essa trapaceira, fez com que o repórter José Maria Tomazela mostrasse uma nova dimensão da problemática canina. Ele expôs a ação de uma quadrilha de Sorocaba (SP) que mutilava e pintava filhotes de vira-latas, transformando-os em chihuahuas, e pinschers. Vendiam chihuahuas por R$ 300.

Viu-se assim outro ângulo da questão: há gente que vende chihahuas e entrega vira-latas maquiados a pessoas que resolveram acreditar neles.

O papel de Lula – Editorial / O Estado de S. Paulo

• Os mais de 20 advogados de Lula terão de ter argumentos um pouco mais sólidos para defendê-lo

Caberá à Justiça decidir se Lula da Silva é a “viva alma mais honesta do Brasil”, como o ex-presidente se jactou algumas vezes, ou se o chefão petista não só “tinha ciência do estratagema criminoso” na Petrobrás, como “dele se beneficiou”, como acusaram quatro procuradores da República que compõem a equipe da Operação Lava Jato, em um documento tornado público na sexta-feira passada.

Obviamente, uma das duas versões é completamente falsa, e será necessário aguardar a conclusão das investigações e do eventual julgamento para que o distinto público possa decidir em quem deve acreditar. No entanto, impressiona, nas 70 páginas do parecer do Ministério Público, a quantidade de informações que, se acompanhadas de prova, podem comprometer Lula, colocando-o na condição de beneficiário do assalto ao Estado realizado em seu governo e no de sua sucessora, Dilma Rousseff. A julgar pelo que lá vai, dificilmente Lula poderá alegar que nada sabia, como fez, candidamente, quando estourou o escândalo do mensalão, espécie de avant-première do monumental esquema que dilapidou a Petrobrás e outras estatais.

Obsoleta e excludente – Editorial / Folha de S. Paulo

Como aconteceu há duas décadas, o avanço do desemprego e da informalidade despertou o mundo político para a obsolescência da legislação trabalhista do país.

Após anos de melhora quase contínua, o mercado degradou-se rapidamente. Desde 2015, o contingente que busca ocupação foi de 8 milhões para além dos 11 milhões e segue em alta.

Ao mesmo tempo, encolheu de 41 milhões para 39 milhões o número de assalariados com carteira assinada -os que desfrutam das garantias da septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Tal grupo, em nome do qual se batem os adversários de reformas do diploma legal, constitui parcela minoritária entre os mais de 100 milhões de brasileiros ocupados ou à procura de emprego.

Crise fiscal leva a que se repense a Federação – Editorial / O Globo

• A queda na arrecadação tributária agrava a situação de muitos municípios que sequer deveriam existir. Portanto, chegou a hora de resolver este problema

A severidade da crise fiscal, engendrada pelo lulopetismo, é demonstrada por números sombrios. O déficit nominal — incluindo os juros da dívida pública — é de 10% do PIB, pouco mais de três vezes o limite permitido no bloco do euro, na União Europeia, por exemplo.

Os desdobramentos da tragédia fiscal estão expressos em mais de 11 milhões de desempregados, numa inflação renitente acima do limite da meta (6,5%), na volta de milhões da “nova classe média” à pobreza, e assim por diante.

Há unidades da Federação que demonstram, pelo menos até agora, melhores condições de enfrentar a debacle fiscal — o Espírito Santo, a cidade do Rio, dois exemplos. Mas o quadro, em geral, e do universo em particular dos municípios, é desolador.

Congresso Internacional do Medo – Carlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas