• Caso sejam legalizados pelo TSE, todos terão direito a financiamento público
Mariana Sanches - O Globo
SÃO PAULO - Prisão perpétua, trabalho forçado para presos, salário público para mulher que tiver filhos. Essas são algumas das muitas propostas dos 34 partidos que estão atualmente em formação no país, de acordo com o TSE. A cifra quase iguala o número de partidos já registrados hoje, que somam 35. As protolegendas têm nomes tão curiosos quanto suas plataformas: Partido do Servidor Público e Privado, Partido Carismático Social, Partido Militar Brasileiro, Partido Piratas. Se forem todos homologados, o Brasil chegará à marca de 69 siglas que, mesmo sem receber nenhum voto, terão direito ao dinheiro do Fundo Partidário, condições de propaganda em TV e rádio e disputas sem cláusula de barreira.
— Não há problemas em um país ter centenas de partidos, várias democracias têm. O problema é que em nenhum país do mundo, exceto no Brasil, uma legenda só por obter registro, sem sequer concorrer numa eleição, tem direito a Fundo Partidário. É uma questão de mercado. Em vez de abrir uma loja de iogurte gelado, o sujeito acha mais interessante abrir um partido — afirma o cientista político da UFRJ Jairo Nicolau.
O Partido da Causa Operária ilustra o raciocínio de Nicolau. Tendo elegido apenas um vereador em 21 anos de existência e contando com menos de 3 mil filiados, o PCO amealhou R$ 1,3 milhão de Fundo Partidário em 2015.
O GLOBO ouviu um quarto dos presidentes das siglas em formação. Embora reconheçam a existência de eventuais interesses financeiros na criação de siglas, todos negaram que sua motivação seja essa.
— A gente sabe que não existe maior negócio no Brasil hoje do que abrir igreja, sindicato ou partido. A igreja tem o dízimo, o sindicato, o imposto sindical e o partido, o Fundo Partidário — diz o advogado da União Abraão Gracco, presidente do Movimento Cidadão Comum (MCC).
No estatuto, o MCC afirma que abrirá mão do dinheiro público e proibirá que seus candidatos melhorem de vida graças a cargos eletivos.
Segundo Gracco, há uma crise de representatividade que ficou evidente com as jornadas de 2013 e se acentuou com a crise política que culminou no processo de impeachment. Isso poderia explicar a quantidade de siglas em gestação.
— Em todos os 35 partidos não encontro algum que nos represente. Defendemos o Estado mínimo, somos contra o aborto, o feminismo, o movimento “gayzista” que quer usar o Estado para impor o seu jeito de viver. Queremos conservar a propriedade privada e os valores cristãos — explica o auditor do TCU aposentado Edson Navarro, presidente do futuro Partido Conservador. O partido existiu durante o Império Brasileiro e foi extinto em 1889. Navarro nega inspiração imperial na refundação, mas cita o slogan do período para justificar a ideia:
— Nada mais liberal do que um conservador no poder.
A crise econômica também se tornou justificativa para fundação de partido. O microempresário Amarildo Gomes de Oliveira argumenta que ninguém sofreu mais do que o pequeno empreendedor com a recessão. Há 30 anos, Oliveira fundou uma associação de classe, em Feira de Santana, na Bahia. Mas afirma que a arena sindical deixou de ser um bom campo de batalha. Oliveira não foi o único a ter essa ideia. Dos 34 partidos em formação, nove endereçam questões de classe.
— Se estivesse tudo bem, nem teria pensado em criar nada. Mas entre os partidos que existem ninguém nos ouve mais — diz Oliveira, presidente do futuro Partido do Pequeno e Microempresário Brasileiro.
Já Jair Andrade, do abrangente Partido do Servidor Público e Privado, gestado em Recife, declara motivações mais prosaicas para criar sua legenda:
— Sou funcionário público, na minha família tem trabalhador privado. Sabemos das nossas dificuldades, cansamos da corrupção, perdemos a confiança e resolvemos ir direto para a luta.