domingo, 18 de dezembro de 2016

Opinião do dia - Jürgen Habermas

Certamente, a política hoje parece em geral transitar para um estado de agregação que se destaca pela renúncia ás perspectivas de futuro e à vontade criativa. O aumento de complexidade das matérias carentes de regulamentação força reações de curto fôlego, com margens de ação reduzidas. Como se os políticos tivessem se apropriado do olhar desmascarador da teoria dos sistemas, eles seguem descaradamente o roteiro oportunista de uma pragmática do poder orientada por pesquisas de opinião pública, a qual prescinde de todos os vínculos normativos.

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Jürgen Habermas, filosofo alemão. ‘Sobre a constituição da Europa’, p. 141. Editora Unesp, 2012.

100 anos Miguel Arraes

1916 / 1937 Nasce em Araripe (CE) no dia 15 de dezembro de 1916, filho de um pequeno comerciante e produtor agrícola. Forma-se em Direito em 1937

1950 Torna-se primeiro suplente na Assembleia Legislativa de Pernambuco pelo Partido Social Democrático (PSD) . Em 54, é eleito deputado estadual pelo Partido Social Trabalhista (PST)

1959 Assume como prefeito de Recife

1962 É eleito governador de Pernambuco

1964 Participa do comício da Central. Com o golpe militar, o Palácio das Princesas, sede do governo de PE, é cercado. Arraes é preso e deposto em 1º de abril, ao se negar a renunciar. É libertado em 65, mas, no mesmo ano, é enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Vai para o exílio na Argélia. Em 67, é condenado por subversão

1979 Em agosto, é beneficiado pela Lei da Anistia e tem a pena suspensa, voltando ao Brasil em 15 de setembro daquele ano. Um grande ato é realizado em Recife em sua homenagem. Nesse ano, filia-se ao MDB. Depois, participa da fundação do PMDB, convidado por Ulysses Guimarães

1989 É eleito deputado federal pelo PMDB, em 1982, com a maior votação já registrada para o cargo em PE. Em 1986, é eleito governador. Em 1989, apoia a candidatura de Brizola à Presidência no 1º turno, e a de Lula, no 2º. Depois das eleições, sai do PMDB e se filia ao PSB

1990 Torna-se o deputado federal proporcionalmente mais votado do
país. Em 1992, vota pela abertura do processo de impeachment contra Fernando Collor. Em 95, é eleito governador de PE pela terceira vez, feito até então inédito na História do estado. Em 2002, é eleito deputado federal

2005Morre em 13 de agosto, no Recife

‘Eu vi, pela primeira vez na vida, um político chorar’

• O GLOBO relembra histórias marcantes de um dos maiores expoentes da política brasileira

Jorge Bastos Moreno - O Globo

“A liberdade do homem é uma conquista do homem, não é doação de nenhuma lei ou governo"
Em 1963 Na posse como governador de Pernambuco

“Não defendemos nem um Estado mínimo nem máximo. Defendemos um Estado que cumpra suas finalidades” Em 1991 Presidente do PSB

“Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre" Em 1998 Deputado federal (PSB)

2016: o ano que condensou todas as crises

• Fatos que impactaram o país ao longo de outras décadas ganham novos personagens e se repetem em 12 meses

Evandro Éboli - O Globo

BRASÍLIA - O ano é 2016, mas pode somar 1984, 1992, 1993, 2005, 2006... Cada um desses anos protagonizou momentos políticos que impactaram a vida nacional: a mobilização de rua das Diretas Já; o impeachment de um presidente da República, Fernando Collor; escândalos de corrupção com citação de dezenas de parlamentares, como Anões do Orçamento e os Sanguessugas; e a queda de um presidente da Câmara dos Deputados. Sozinho, 2016 repetiu todos esses episódios e um pouco mais: repetiu a claudicante economia da segunda metade dos anos 1980, a década perdida da gestão José Sarney

Os 12 meses de 2016 estão vendo esses episódios se repetirem, nesse curto espaço de tempo, e um se sobrepondo ao outro. A presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment; Eduardo Cunha teve de deixar a presidência da Câmara, além de ter seu mandato cassado; a Operação Lava-Jato atingiu em cheio 42 parlamentares, e espera-se que mais de uma centena ainda sejam envolvidos na delação da Odebrecht; os brasileiros foram às ruas manifestar contra e a favor de Dilma Rousseff e de medidas do Congresso; e a economia patina, com PIB em queda e desemprego em alta.

O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) tem um entendimento peculiar de 2016. Diz que ele não pode ser “injustiçado” e o classifica como o ano da revelação. Miro diz que o país será outro a partir de agora, melhor.

— Esse 2016 não deve ser colocado num museu para visitação. Mas tem que ser um fator de estímulo e de grandes transformações. Veja só, nossa democracia ainda é um desejo. Dos quatro presidentes eleitos pósregime militar, dois deles não completaram seus mandatos. E temos um terceiro (Temer) balançando. Mas as instituições estão funcionando. Daqui para a frente, o Brasil só melhora — afirmou Miro Teixeira.

Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), 2016 foi um “polo de condensação” de tudo que ocorreu no passado.

— Se é fato que a História se repete como farsa ou tragédia, essa aqui se repetiu como uma tragédia. Juntou tudo em um ano só. Está sendo traumático. Crises políticas, dois impeachments, escândalos de corrupção, caso da pasta rosa, mensalão, o petrolão. Mais a desagregação partidária e a descrença na política. Esse somatório torna 2016 um ano muito pesado. Agora é preciso trabalhar para que 2017 seja portador de mais esperança — disse Chico Alencar.

Crise pode se acirrar com confronto entre Poderes e delações da Lava-Jato

Paulo Celso Pereira – O Globo

O fim deste 2016 de crises profundas é esperado ansiosamente por muitos. No entanto, como os fatos ignoram o calendário gregoriano, as dificuldades econômicas, a crise entre Legislativo e Judiciário e, sobretudo, as delações da empreiteira Odebrecht já anunciam um 2017 com muitas tempestades.

Os poucos trechos da colaboração premiada da Odebrecht que já vieram a público justificam, com louvor, o epíteto de “delação do fim do mundo”. As 82 páginas jogam a crise no gabinete presidencial, na cúpula da Câmara e do Senado, no partido do governo e ainda respingam em políticos importantes de muitas outras legendas.

Qual um boxeador que suplicava o soar do gongo e finalmente chega ao corner, os congressistas estão neste momento festejando o início do rePlanalto, cesso parlamentar, que lhes permitirá se ausentar de Brasília, evitar os holofotes e reorganizar suas estratégias de defesa.

Escândalos pré-Lava Jato não tiraram Odebrecht do poder

Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Odebrecht alimentou com dinheiro e benesses o mundo político por mais de duas décadas —como indicam os depoimentos de seus altos funcionários na Operação Lava Jato—, mesmo depois de sobreviver a dois escândalos que marcaram os anos 90, os casos PC-Collor e Anões do Orçamento.

Em 1992, o empresário Emílio Odebrecht, então presidente do grupo fundado na Bahia por seu pai, Norberto, nos anos 1940, sentou-se à frente do delegado da Polícia Federal Paulo Lacerda —que anos mais tarde se tornaria diretor-geral da corporação.

Estava acompanhado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que veio a ser ministro da Justiça no primeiro governo Lula (2003-2006).

Emílio foi indagado sobre pagamentos que a empreiteira fez ao esquema de PC Farias, ex-tesoureiro do então presidente Fernando Collor.

Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instalada no Congresso concluiu que a Odebrecht pagou US$ 3,2 milhões à firma EPC (Empresa de Participações e Construções), que funcionava como uma "lavanderia" de PC para o dinheiro pago por empresários que tinham interesses no governo.

Com núcleo político no alvo, Michel Temer reavalia Casa Civil

• Para reagir aos efeitos da Lava Jato no governo, presidente estuda substituir Padilha e dar um perfil 'técnico' à pasta que coordena as ações da equipe ministerial

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Preocupado com os efeitos das delações de ex-executivos da Odebrecht, o presidente Michel Temer quer dar uma "cara nova" ao governo após a eleição para o comando da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2017. O plano imediato de Temer para enfrentar a crise sem fim e se manter no cargo é mexer na equipe alvejada por denúncias de corrupção, substituir ministros ineficientes em áreas sociais e investir em mais medidas para alavancar o crescimento.

A permanência do chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, é considerada incerta, apesar dos desmentidos oficiais. Temer, Padilha e Moreira foram citados na delação do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho. O nome do presidente também apareceu no depoimento de Márcio Faria, outro dirigente da construtora, à força-tarefa da Lava Jato.

Com o núcleo político do governo combalido e a popularidade despencando dia após dia, o presidente pretende repaginar a Casa Civil, dando um perfil mais técnico e mais "interno" à pasta que coordena as ações da equipe. Na outra ponta, a ideia é criar uma secretaria especial no Ministério da Fazenda, hoje comandado por Henrique Meirelles, para abrigar discussões voltadas a novas iniciativas que possam reaquecer a economia e ter impacto mais rápido no bolso do consumidor.

Embora o pacote anunciado na quinta-feira pelo governo tenha como foco o combate ao desemprego e a redução do endividamento das empresas, a avaliação do mercado financeiro é a de que essas medidas somente terão efeito a longo prazo.

Por 2018, Alckmin se afasta de Temer e da cúpula do PSDB

• Governador não chancela busca por mais espaço no Planalto, critica PEC do Teto e diverge de prorrogação de Aécio no comando da sigla

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

Enquanto em Brasília o senador Aécio Neves e o chanceler José Serra atuam para ampliar o espaço dos tucanos no governo Michel Temer e influenciar a área econômica, em São Paulo o governador Geraldo Alckmin cada vez mais se afasta do Palácio do Planalto e da cúpula do PSDB. Ele adotou internamente independência e um discurso dissonante fora dos muros do partido.

Principal bandeira das bancadas tucanas no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que coloca um teto no crescimento dos gastos públicos pela inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos, foi alvo de críticas do tucano.

"Se nós vamos ter por 20 anos nada a aumentar acima da inflação, já começa que a saúde é dolarizada e aumenta acima da inflação. Ela tem custos dolarizados. A demanda cresce, a medicina fica mais sofisticada, a população, mais idosa. A conta não fecha", afirmou Alckmin na semana passada após uma cerimônia realizada na sede do Ministério Público Estadual, no centro da capital.

Em outro sinal de afastamento das teses defendidas pela cúpula nacional do PSDB, Alckmin não compactuou com a pressão exercida sobre Temer por mais espaço no governo federal. Ele avalia, segundo um interlocutor próximo, que a Secretaria de Governo, cargo que deve ser entregue ao deputado Antonio Imbassahy (BA), atual líder do partido na Câmara, só trará desgaste.

Para Alckmin, o partido não precisa de mais espaço, mas de mais independência em relação ao governo Temer. "O PSDB é que vai pagar a conta pelo desgaste do governo em 2018. O partido não devia buscar cargos", disse ao Estado o deputado estadual Pedro Tobias, presidente do PSDB paulista.

‘A renúncia é sempre um ato pessoal’, avalia Marina Silva

• Marina afirma que Temer se encontra na mesma situação enfrentada por Dilma e tem a opção de fazer o gesto ‘unilateral

Ricardo Galhardo – O Estado de S. Paulo

Um dos nomes mais fortes para a sucessão do presidente Michel Temer, segundo pesquisas de opinião, a ex-ministra Marina Silva (Rede) diz que o governo do peemedebista não conseguiu superar a crise nascida na gestão Dilma Rousseff.

As soluções seriam uma alteração na lei para a realização de novas eleições diretas ou a renúncia de Temer. “Poderá fazê-lo. Mas isso depende de cada um. É dele”, disse Marina, ao Estado. Apesar disso, a ex-ministra defende a política econômica do governo e a Lava Jato que, para ela, tem feito uma reforma política na prática.

• Com o fraco resultado nas eleições municipais, a Rede é uma plataforma viável para sustentar um projeto eleitoral nacional?
Para mim seria um partido mais do que adequado até porque neste momento de profundo descrédito na política a Rede vem sendo esta tentativa de tentar atualizar a política. Neste momento de política de terra arrasada em que há uma desconstrução quase que completa das velhas estruturas, é o momento de fazer uma espécie de garimpo de aluvião para ver o que é que sobra de cada partido e em todos os setores da sociedade para pensar um projeto de país.

Supremos salários

• Nas Câmaras das dez maiores cidades do país, remunerações chegam a R$ 59 mil

Silvia Amorim - O Globo

Entranhados também no Legislativo, os supersalários do Congresso são apenas o topo de uma pirâmide de abusos que se estende até as menores estruturas legislativas do país. Nas Câmaras municipais, há funcionários recebendo todo mês mais que o dobro do teto constitucional. São remunerações que chegam a R$ 59 mil, garantidas a servidores de diversas funções, como contador, procurador, auditor, taquígrafo e médico.

Para barrar esses vencimentos que ultrapassam o limite previsto em lei, o Senado aprovou semana passada proposta que define quais benefícios podem ser considerados no cálculo do teto constitucional. Falta ainda a votação na Câmara, o que só deverá ocorrer ano que vem.

A ofensiva contra os supersalários no Senado foi interpretada como uma reação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), ao avanço da Operação Lava-Jato e ao Judiciário. O GLOBO revelou em outubro que três de cada quatro juízes receberam salários acima do teto constitucional neste segundo semestre.

Liminares e leis estaduais provocam estouro do teto, dizem vereadores

• Câmaras negam que estejam dificultando acesso às folhas de pagamento

Silvia Amorim - O Globo

Câmaras municipais responsabilizam decisões judiciais e leis estaduais por salários acima do teto constitucional. O Legislativo de São Paulo informou que determinou um corte nos supersalários no ano passado, assim que o Supremo Tribunal Federal decidiu que uma série de vantagens pessoais poderiam deixar de ser pagas para enquadrar a remuneração ao teto. Porém, explicou a Casa, “liminares concedidas pela Justiça estadual suspenderam, por ora, os efeitos do referido ato”.

Segundo nota, a Câmara está recorrendo das decisões. A adoção de um teto salarial mais alto para os procuradores, diz o Legislativo, seguiu uma norma de 2013 adotada pela prefeitura de São Paulo para a mesma carreira.

A Câmara de Manaus disse que está cumprindo uma lei estadual quando paga a seus servidores salários acima do subsídio do prefeito. Tal lei determinou que o teto no estado é o salário de desembargador.

Partidos, intelectuais, democracia - *Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S. Paulo

• Na vigência do regime democrático, que facilita e promove a vida intelectual, não soubemos construir figuras de referência

Inimaginável qualquer nostalgia dos tempos duros do regime autoritário, mas é fato que, então, além de sonhar com a volta do irmão de Henfil, contávamos com referências seguríssimas que eram a garantia de uma transição sábia e prudente rumo à vida democrática. De fato, reconfortava ter ao alcance da vista personalidades laicas ou religiosas – um Barbosa Lima Sobrinho ou um dom Paulo Evaristo Arns – cuja presença, no mínimo, indicava o roteiro básico e assinalava o reencontro do Brasil consigo mesmo.

Não haveria mais exilados ou clandestinos, presos ou perseguidos políticos, fato raro em nossa História. Prestes e os comunistas, Brizola e os trabalhistas, para não falar do novo mundo sindical que se cristalizaria em torno de Lula e do PT, se fariam presentes nas ruas e nas instituições, ampliando estas últimas e dando-lhes plena legitimidade. Tempo, ainda, de elaborações sofisticadas, que, mesmo pagando o inevitável tributo às ilusões do momento, perguntavam-se, e respondiam positivamente, sobre as possibilidades da democracia em sociedades marcadas por imensas desigualdades. Ela seria – como se chegou a dizer numa fórmula de rara felicidade, trazida dos comunistas italianos – um “valor universal”, meio e fim dos processos de democratização e modernização.

Fim do mundo não é o fim de tudo - Fernando Gabeira

- O Globo

Fim de ano, fim do mundo com a delação da Odebrecht, estradas remotas, poucas conexões. Os cientistas estão trabalhando para pesquisar a região do cérebro onde se depositam as memórias recentes. Não sei que lugar ocupará 2016 em nosso escaninho, sei apenas que o cérebro é elástico, e viver no Brasil é educar-se para a complexidade.

A guerra na Síria, a crise de emigração na Europa, o caricato gabinete de Trump — tudo isso indica que as coisas no mundo também não foram bem em 2016. E o que é pior: são problemas que se desdobram no ano que entra.

Nesse carrossel da transição para 2018 é bom pelo menos ter em mente os objetivos principais: recuperar a economia e restabelecer, através de uma renovação, ainda que modesta, os vínculos da política com a sociedade.

Isso de estabelecer prioridades é muito pessoal. Existem milhares de outras visões. É apenas um exercício no caos.

O Brasil num mundo conturbado - *Celso Lafer

- O Estado de S. Paulo

• Cabe ao Brasil, em consonância com a Constituição, dar na sua política externa atenção à ambição normativa da pauta internacional

Está difícil entender como está funcionando o que Camões nomeou “a grande máquina do mundo”. Está mais fácil apontar os ventos do Norte e do Sul da tempestade que a ameaça com sua ruína, também evocados n’Os Lusíadas.

Esta tempestade e os ventos de suas tensões difusas tornam cada vez mais complexo enfrentar três grandes desafios diplomáticos que permeiam a vida internacional contemporânea. Como identificar e articular interesses comuns e compartilháveis para lidar com os grandes problemas mundiais? Como operar a governança da economia globalizada, que tem como um dos seus desdobramentos a irradiadora repercussão da desigualdade entre os Estados e nas sociedades? Como gerenciar a Torre de Babel da diversidade cultural e do conflito de valores, até mesmo nas formas mais extremas dos autocentrados fundamentalismos religiosos e políticos?

Fadiga institucional - Míriam Leitão

- O Globo

O fim do ano legislativo chegou quando havia forte sentimento de fadiga em relação ao Congresso. Durante o ano, soubemos que de muitos desses deputados e senadores se podia esperar tudo. Eles voltam em fevereiro e é até um alívio esse tempo sem o parlamento. O recesso do Judiciário também vai ajudar o Brasil a descansar das recentes brigas entre ministros do STF. Essa crise está exaurindo o país.

O STF parece uma roleta-russa. Dependendo do ministro se pode ter uma condenação ou absolvição, uma liminar numa direção ou em outra. Uma prisão ou uma postergação de decisão. Um julgamento açodado ou um pedido de vista para impedir a decisão. A esperança de que o colegiado corrigisse eventuais erros se esvaiu diante da decisão a respeito do senador Renan Calheiros, em que o tribunal considerou que ele poderia continuar em cargo que está na linha sucessória do presidente da República desde que não assuma a Presidência da República. Se por algum motivo tanto Michel Temer quanto Rodrigo Mais não puderem exercer o cargo, a Constituição terá que pular o presidente do Senado e chegar à quarta pessoa da linha, a presidente do STF. Além disso, há as escaramuças diárias. Com tanta crise política e econômica, o país deveria ser poupado do triste espetáculo de ministros idiossincráticos gritando suas divergências jurídico-políticas.

A corda bamba - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• Por que a situação de Temer não é igual à de Dilma? Porque não perdeu o apoio do stablishment do país, principalmente de sua base parlamentar

O governo do presidente Michel Temer chega ao fim de 2016 na corda bamba. Arca com o desgaste causado pela recessão e pelo desemprego, que é fruto dos desatinos da “nova matriz econômica” dos governos Lula e Dilma, e também pela adoção de medidas impopulares no ajuste fiscal, como a PEC do Teto dos Gastos e a proposta de reforma da Previdência. O maior complicador, porém, é a Operação Lava-Jato: Temer foi quem mais saiu desgastado com as delações premiadas de Marcelo e Emílio Odebrecht e dos executivos da maior empreiteira do país.

A última pesquisa do CNI-Ibope (apurada entre 1º e 4 de dezembro) não capturou todo o desgaste causado pelas citações a Temer nos depoimentos: o número dos que avaliam o governo como ruim ou péssimo subiu de 39%, em junho, para 46% em dezembro. Os que desaprovam a maneira de governar do presidente aumentaram de 55% para 64%. Apenas 13% consideram o governo ótimo ou bom, mesmo percentual registrado em junho. Em setembro, era de 14%. Naquele mês, 12% dos entrevistados não quiseram ou não souberam avaliar o governo. Esse número caiu para 6%. Ou seja, a popularidade do governo deve ser menor ainda.

A pinguela balança - Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

Deve-se a Fernando Henrique Cardoso a melhor definição até aqui do governo Temer. Vendida como uma vistosa "ponte para o futuro", a administração se resume, nas palavras do ex-presidente, a uma pinguela. Na descrição do "Houaiss": "ponte tosca, feita de um tronco ou uma prancha de madeira".

Em sete meses, sete ministros já caíram no rio. Na última semana foi a vez de José Yunes, assessor especial e primeiro-amigo de Temer. Ele se tornou a primeira baixa provocada pelas delações da Odebrecht, que ameaçam outros figurões do governo. Os riscos da travessia se multiplicam, e a hipótese de a pinguela quebrar passou a ser discutida abertamente no Congresso e nos jornais.

Pacote de fim de ano - Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

• Medidas anunciadas procuram produzir a faísca que aciona os motores

Ao contrário do que tantas vezes aconteceu a cada fim de ano, quando o governo vigente baixava seu pacote de maldades, o governo Temer agora está se esforçando para produzir bondades. Procura agora pavimentar a estrada do crescimento e apressar a recuperação da tão emperrada atividade econômica.

A melhor maneira de garantir a previsibilidade, sem a qual não haverá recuperação, ainda é o fortalecimento dos fundamentos da economia: é a obtenção do equilíbrio sustentável das contas públicas que leve ao controle da dívida, é a inflação ancorada na meta e é a saúde das contas externas.

As medidas anunciadas quinta-feira dão como encaminhado o ajuste e procuram produzir a faísca que aciona os motores. É um esforço redobrado para descolar alguma energia a mais, que leve a economia a engrenar a primeira marcha.

A jararaca está viva e fabrica postes - Elio Gaspari

- O Globo

Lula pode ser candidato em 2018 (ou em 2017), mas namora-se a ideia da sua inelegibilidade. Jogo arriscado, porque o papel que ele desempenha com maior brilho é o de coitadinho perseguido pela elite.

Os depoimentos de empresários que compraram políticos igualaram os prontuários de notáveis, consolidando a ideia de que são todos farinha do mesmo saco. O PSDB, com suas vestes angelicais e processos que claudicam na Justiça (como o do cartel das obras do metrô e das ferrovias) paga o preço de ser parte do atual governo. Ajudou a projetar a “Ponte para o Futuro” e está numa pinguela.

O massacre que os maus costumes do PMDB e das escolhas que Michel Temer fez para compor seu Ministério feriram a alma do “Monstro” que foi para a rua pedir a saída de Dilma Rousseff.

Leibniz, Voltaire e a crise - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) é um pensador injustiçado. Não obstante ter contribuído de forma decisiva para várias áreas da matemática, ter antecipado a relatividade do espaço e do tempo e ter tido "insights" revolucionários em vários outros campos, que vão da medicina à computação, Leibniz ficou marcado por uma ideia que não está entre as suas melhores, que é a de que vivemos no melhor dos mundos possíveis.

Na tentativa de responder ao problema da existência do mal num cosmo regido por um ser benevolente e onipotente, Leibniz afirmou que Deus fez todas as contas e chegou necessariamente à solução ótima. Se achamos que há problemas no presente universo, é porque não tivemos acesso aos projetos alternativos. É claro que tamanho otimismo teológico era um convite à pilhéria, que veio pela pena de Voltaire.

Um homem bom - Cacá Diegues

- O Globo

• É preciso celebrar, com a memória de dom Paulo e Arraes, que a política, em nosso país, pode ser praticada por homens de bem, não importando de onde venham

Essa semana, no mesmo dia em que, aos 95 anos, morria dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo que enfrentou bravamente a ditadura militar no Brasil, comemorávamos o centenário de nascimento de Miguel Arraes, o mitológico líder popular de Pernambuco, uma vítima daquele regime, um resistente do terror. Vale a pena lembrar que, no Brasil, a política nem sempre foi praticada apenas por bandidos espertos ou meros oportunistas.

O que é preciso celebrar, com a memória desses dois brasileiros, é que a política, em nosso país, pode ser praticada por homens de bem, não importando de onde venham, de que partido sejam. E os homens bons deixam sempre boas lembranças.

Feliz 2022 – Clóvis Rossi

• A 'pinguela' Temer pode resistir até a eleição, por falta de alternativa, mas não dá soltar fogos

A mais singela (e feliz) definição do governo Michel Temer aparecida até agora pertence a Fernando Henrique Cardoso, ao dizer que se trata de uma "pinguela" até a eleição geral de 2018.

Quem concorda com ele fica obrigado a fazer duas perguntas decorrentes dessa avaliação: a "pinguela" resiste aos dois anos que restam até a posse do/da sucessor/a de Temer? Há alguma chance de que ele ou ela desperte o entusiasmo que nem Temer nem a antecessora, Dilma Rousseff, provocaram no público?

Meu palpite: a "pinguela" pode até resistir, mas o fará muito menos por seus (escassíssimos) méritos e muitíssimo mais porque a única alternativa possível, à esta altura, é a assustadora eleição indireta por um Congresso desmoralizado.

Claro que minha alternativa favorita (exposta, de resto, já em março, quando estavam no ar apenas os primeiros capítulos da novela do impeachment) seria uma nova eleição popular ou pela cassação pelo TSE da chapa completa (Dilma/Temer), ou pela renúncia deste.

O realismo me obriga a reconhecer que é ingenuidade esperar que uma dessas hipóteses se dê nos 13 dias que restam até o fim do ano, após o que a eleição será indireta.
Governo Temer

A "pinguela", portanto, é o que temos para hoje, o que é desanimador —e não só para mim, o que seria irrelevante.

O fato é que 72% dos pesquisados no mais recente estudo do Ibope não confiam em Temer.

O fato é que as expectativas, tanto do consumidor como do empresariado, estão em queda, após o primeiro momento pós-impeachment.

Informa a Confederação Nacional da Indústria que foram três quedas seguidas do índice de confiança dos industriais, que caiu para 48 pontos depois de 53,7 em setembro.

Já o consumidor reduziu suas expectativas em dezembro, pelo segundo mês consecutivo. Economia à parte, ainda há a bomba-relógio das delações premiadas.

A Agência Lupa, que faz valioso trabalho de checagem de informações/declarações, visitou partes do depoimento de Claudio Melo Filho, um dos executivos da Odebrecht, e apontou o seguinte: Renan Calheiros, Romero Jucá e Geddel Vieira Lima de fato agiram, no Congresso, em favor da empreiteira, conforme o denunciante informara.

É óbvio que dessa constatação não dá para inferir que todo o resto do depoimento corresponde aos fatos. Mas já permite afirmar que o núcleo duro do governo Temer tem comportamento nada republicano.

Como é possível, nessas circunstâncias, recuperar a confiança do público e, por extensão, melhorar as expectativas dos agentes econômicos?

Seria pelo pacote de supostas bondades anunciado na quinta (15)? Não faz nem cócegas na recessão, segundo meu guru em análise econômica, Vinicius Torres Freire.

A "pinguela" pode até resistir, por falta de alternativa, mas o brasileiro chegará exangue ao fim dela.

Aí virá a eleição. O candidato líder nas pesquisas, Lula, tem 22% ou 23% de apoio e 46% de rejeição. Se o líder não chega a entusiasmar, o que dizer do resto?

Tudo somado, só me resta desejar ao leitor um feliz 2022, ano da eleição seguinte.

Uma reação perigosa – Editorial / O Estado de S. Paulo

Não raro, o distanciamento da sociedade em relação à política é apontado como elemento de risco para a democracia. O bom andamento da vida institucional e social exige que a população se preocupe com a coisa pública. Por exemplo, é sinal de vitalidade que uma sociedade não se acostume com os escândalos de corrupção e exija providências saneadoras das autoridades competentes.

No Brasil, no entanto, tem havido outra espécie de atitude – diametralmente oposta à apatia – que também traz sérios riscos à democracia. Trata-se da reação desmedidamente apaixonada aos vários acontecimentos da vida pública.

Avessas a maiores reflexões, as pessoas que se rendem a essa atitude agem com exaltação semelhante à que precede os linchamentos – no caso, morais –, deixando mais do que claro que exigem que lhes seja entregue o escalpo de quem se envolveu nos casos de corrupção. Essa é a única resposta adequada que acham que as instituições devem dar a seus reclamos. Menos que isso seria sinal de nefasto conluio com a impunidade. Nesse tipo de reação, não há meio-termo nem tampouco paciência – tudo deve ser imediata e radicalmente resolvido, como num passe de mágica.

Ao menos a intenção – Editorial / Folha de S. Paulo

O sentido do pacote econômico anunciado pelo governo de Michel Temer (PMDB) acabou diminuído pelas motivações políticas que precipitaram sua divulgação.

O Planalto passou a prometer medidas nessa área na esteira da nova crise entre os Poderes e do surto de desconfiança quanto a uma recuperação próxima da economia. Sugeriu que as providências pelo menos atenuariam a recessão no prazo curto.

Os instrumentos disponíveis de política econômica são escassos. Ainda assim, divulgaram-se medidas relevantes para aliviar um dos principais problemas desta recessão: o endividamento de empresas.

O BNDES vai refinanciar dívidas, sem conceder subsídios -iniciativa parecida, aliás, com a de bancos privados para seus clientes.

Ademais, empresas em débito com o governo poderão abater quaisquer de suas obrigações com o fisco recorrendo a todos os créditos tributários de que dispõem. As dívidas poderão ser parceladas.

Projetos de ajuste no mundo seguem roteiro básico – Editorial / O Globo

• Programas de estabilização sempre desafiam autoridades a tomar medidas impopulares, para evitar debacles econômicas de elevado custo social

Pesquisas de opinião sobre a reforma da Previdência e a PEC do teto dos gastos captam resistências maciças às mudanças. Previsível, porque a população, qualquer que seja, rejeita perdas, sem qualquer preocupação com os sólidos motivos que levam a essas reformas. O inverso é verdadeiro. Por exemplo, todos responderiam positivamente à pergunta sobre se aprovam luz elétrica e água encanada.

Governantes precisam saber enfrentar essas reações típicas diante de crises que exigem medidas duras. Vários países já enfrentaram situações com a brasileira — embora não tão aguda em curto espaço de tempo —, e empreenderam as mudanças necessárias, quase sempre com cortes de despesas, por meio de reformulações em sistemas de previdência, de gastos sociais como um todo e flexibilização de legislação trabalhista.

Alguns governantes pagaram o preço do desgaste político por terem conduzido reformas que levaram a “perdas”, mas permitiram que seus países entrassem em um duradouro ciclo de crescimento equilibrado.

A educação pela pedra - João Cabral de Melo Neto

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).

A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.