quinta-feira, 22 de março de 2018

Roberto Freire: Um novo olhar para um novo tempo

- Diário do Poder

Com as eleições de outubro próximo já batendo à porta, é chegado o momento de os partidos políticos se mobilizarem para oferecer projetos ao país e alternativas concretas à cidadania brasileira. A partir desta sexta-feira (23) e até o próximo domingo (25), o PPS realizará em São Paulo o seu XIX Congresso Nacional, com a participação de militantes de todo o Brasil, dando prosseguimento às discussões que marcaram os encontros regionais, municipais e estaduais do partido desde o ano passado.

Para além de um projeto de resolução política, de reforma do estatuto e da eleição do Diretório Nacional, o congresso debaterá temas em pauta neste mundo em transformação que vivemos – como as alterações no mercado de trabalho, as reformas, a luta pelos direitos das minorias e as novas formas de relações pessoais, profissionais e até familiares em um cenário de profundas mudanças econômicas, políticas, sociais e nos costumes.

Nos últimos tempos, especialmente desde o ano passado, o PPS tem ocupado uma posição de vanguarda no sentido de se abrir efetivamente aos chamados movimentos cívicos. Temos a plena consciência de que é necessário interpretar as transformações vivenciadas pela sociedade nos mais diversos setores – o que inclui, fundamentalmente, uma aproximação com segmentos da cidadania brasileira que estavam distantes da vida partidária em função de um descrédito generalizado que atinge a classe política.

*Paulo Fábio Dantas Neto: Segurança pública e política: sem Marielle, mas com franqueza

Em seminário recente, organizado pela Fundação Astrogildo Pereira, a professora Maria Alice Rezende de Carvalho, da PUC/Rio, levou à reflexão dos presentes a seguinte consideração: “é preciso trazer a materialidade do mundo para a política democrática”. Essa, por assim dizer, recomendação ecoa, num momento de crise como o que se vive, como alerta importante contra armadilhas argumentativas reacionárias, às vezes dissimuladas por retóricas pretensamente radicais de gente inquieta com a lentidão intrínseca a todo progresso movido pelo reformismo democrático. Essas manifestações reativas são potencialmente destrutivas de esforços de pensamento e ação que promovem reformas sociais, econômicas e culturais dentro dos marcos democráticos da representação e da participação políticas. Detonam discursivamente as pontes entre essas duas práticas que a dura experiência de construção das democracias concretizou no mundo moderno. 

Assim afirmam como fatal o abismo entre elas, um abismo subjetivo entre o desejável e o possível. A descrição apocalíptica, distópica, do mundo real é ferramenta argumentativa que hiperboliza as impurezas desse mundo para prescrever a sua remoção como ato inaugural de alguma utopia.

O campo democrático experimenta, atualmente, no Brasil e fora dele, um sentimento de mal estar. Vê-se questionado sobre o seu próprio sentido enquanto campo político que abriga certa visão de mundo, ao mesmo tempo universalista e plural, como se ela já não mais coubesse no mundo “real”. Reza esse credo antidemocrático que no mundo novo identidades sociais e individuais afirmam-se na contramão da representação política, cuja não-legitimidade cabe ao ativismo e/ou ao egoísmo provar.

Procuro detalhar mais, agora, o que busquei resumir mais acima: o bombardeio vem, de um lado, da imaterialidade atávica de antigos projetos utópicos de eliminação da política e, de outro lado, do pathos niilista, no sentido negativo desse termo, com o qual todo realismo corre o risco de ser confundido e para cuja direção uma disposição realista pode, de fato, resvalar. Da artilharia do primeiro gênero fazem parte fórmulas subjetivas como “um outro mundo é possível”; “é preciso passar o país a limpo” ou “reinventar” a política. Do segundo gênero são várias modalidades de redução supostamente objetiva da política à arte de eliminar inimigos reais ou imaginários e distopias como a que no momento quer desqualificar a busca de reforço do centro democrático como sonho utópico de quem não entende a política “como ela é” e – por esse prisma distópico - sempre será.

*José Serra: O realismo bate à porta

- O Estado de S.Paulo

A fixação estéril no multilateralismo atrasou as nossas iniciativas bilaterais ou regionais

Pelo menos desde Adam Smith sabemos que um mundo de livre-comércio e especialização nos levaria – no longo prazo e na maioria das nações – a um estágio superior de produtividade e conforto material. Do mesmo modo, é óbvio que um mundo sem guerras nos teria levado a uma condição bem superior à atual, em que as nações ainda se atacam ou se envolvem em guerra civis – sem mencionar os imensos recursos investidos nos sistemas de defesa, mesmo em tempos de paz.

Infelizmente, teremos de viver por bom tempo num mundo distante da paz perpétua kantiana, incluindo tudo o que diz respeito ao comércio internacional. Apesar da globalização e dos esforços de instituições multilaterais, o protecionismo comercial entre as nações permanece. Nessa área não chegamos a uma situação tão desesperadora quanto a dos anos 1930, mas o cenário internacional não será tão cedo um aprazível piquenique de países pacíficos e amigos do livre-comércio.

A administração Trump está empenhada numa guerra comercial aberta, que, aliás, dispensa eufemismos e sutilezas. Nestes dias deverá ser anunciado o pacote de tarifas em maiores detalhes, tendo a China explicitamente como alvo.

Nações são como bichos de muitas e contraditórias cabeças. De modo geral, suas ações nem sempre resultam de racionalidade de longo prazo, mas de contínuas disputas internas, frequentemente mal resolvidas, e condicionadas pelos limites estreitos de sua formação histórica.

No Brasil, os que acreditavam sinceramente que bastaria abrir unilateralmente os portos e aeroportos para nos movermos rapidamente da condição de país de renda média a país rico devem ter ficado especialmente frustrados com as recentes ações protecionistas do presidente Donald Trump, que imporão perdas também a produtores brasileiros.

*José Antonio Segatto: Desequilíbrio federativo

- O Estado de S.Paulo

Representação política desigual viola princípio basilar da cidadania: o de ‘cada cidadão, um voto’

A reforma política, assunto por demais recorrente nas últimas décadas, continua sendo posta como condição necessária para o aperfeiçoamento democrático do País – em alguns momentos é mesmo veiculada como antídoto ou panaceia para todos os males do sistema político. Sinônimo de redefinição das normas político-eleitorais, seus propugnadores e partidários supõem, de fato, promover mudanças substanciais no sistema eleitoral praticado a partir de 1945: substituição do voto proporcional pelo majoritário(distrital), o voto obrigatório pelo facultativo, o presidencialismo pelo parlamentarismo, etc.

Contrastando com essas proposições, vale lembrar que desde os anos 1990 as regras político-eleitorais vêm sendo, gradativa e topicamente, modificadas e, embora nem sempre consensuais, têm corrigido muitas distorções e anomalias da representação política. Pode-se mencionar a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos (1994), a lei dos partidos (1995), a adoção da urna eletrônica (1996), o estabelecimento da reeleição para os cargos executivos (1997), a exclusão dos votos em branco do quadro eleitoral (1997), o impedimento de parlamentares trocarem de legenda (2007), a Lei da Ficha Limpa (2010), a proibição de doação de empresas para campanhas eleitorais (2015), o fim das coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020 (2017), a cláusula de barreira de 1,5% (progressiva até 3%) para partidos políticos terem direito ao funcionamento legislativo, acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito (2017), etc.

Merval Pereira: Resultado imprevisível

- O Globo

O habeas corpus preventivo que pode entrar em julgamento hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) já foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e não há nada que o justifique, a não ser evitar que Lula seja preso depois da decisão final do TRF-4, que se dará na segunda-feira, dia 26. Escrevo “pode entrar” em julgamento porque algumas preliminares que podem invalidar a análise do HC serão levantadas, justamente devido à decisão do STJ.

O habeas corpus que a defesa de Lula apresentou pela segunda vez ao STF é um aditamento ao primeiro, que foi interposto contra a decisão liminar do STJ, que depois confirmou no julgamento do mérito o indeferimento. Segundo a Súmula 691, do próprio Tribunal, “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

Essa súmula impede, portanto, a análise de habeas corpus por tribunais superiores antes de o mérito do pedido ser julgado em instância inferior. Mesmo já tendo o STJ se pronunciado no mérito, o habeas corpus deveria ter sido reapresentado, diante da nova decisão, e não simplesmente ter sido feito um aditamento ao processo original.

E por que a defesa de Lula fez assim? Porque quis ganhar tempo, superando instâncias de um novo pedido. Essa discussão dominará o princípio do julgamento, e pode inviabilizá-lo se a maioria concordar que o habeas corpus “tem um problema de descabimento”. Mas o próprio ministro Edson Fachin, no despacho em que enviou ao plenário o habeas corpus, afastou a utilização da Súmula 691 alegando que a divergência entre as duas Turmas do STF tem que ser dirimida.

Se existe uma jurisprudência pacífica sobre isso nas duas Turmas do STF, isto é, habeas corpus já foram negados por esse motivo, há também outra jurisprudência que diz que após a decisão do mérito do STJ, um novo habeas corpus tem que ser apresentado.

Carlos Alberto Sardenberg: Querem uma outra Lei Fleury

- O Globo

Em 70 dos últimos 77 anos, direito penal determinava que condenado seria preso após primeira ou segunda instância

Resumindo a história: de 1941 a 1973, a regra no Brasil era a prisão após a condenação em primeira instância; de 73 a 2009, vigorou a prisão em segunda instância; de 2009 a 2016, o condenado só poderia ser preso depois da sentença transitada em julgado, ou seja, após a última das últimas instâncias; de 2016 até hoje, voltou-se à norma da execução da pena após a segunda instância.

Portanto, em 70 dos últimos 77 anos, o direito penal brasileiro determinava que o condenado seria preso após a primeira ou segunda instância. Essa é a tradição que, aliás, se alinha com o sistema vigente nas democracias. Já viram no noticiário ou nos filmes americanos: o condenado sai do tribunal já algemado, condenado pelo juiz de primeiro grau.

A exceção foi o curto período de sete anos em que prevaleceu a prisão só em última instância — situação que favoreceu um sem-número de condenados ricos e bem posicionados no mundo político, que podiam pagar a advogados e recorrer até o Supremo Tribunal Federal, passando antes pelo Superior Tribunal de Justiça. Um processo longo, que permitia a prescrição e, pois, a garantia de que especialmente os crimes do colarinho branco jamais seriam punidos.

Voltar a essa norma de exceção não beneficiaria apenas o ex-presidente Lula, mas o amplo número de empresários, executivos, altos funcionários e políticos que já foram apanhados pela Lava-Jato ou que estão na sua mira.

Bernardo Mello Franco: Cármen deixou Lula na marca do pênalti

- O Globo

Cármen Lúcia aplicou um drible nos colegas que tentavam emparedá-la. Ontem, a ministra seria cobrada a pautar um novo julgamento sobre a prisão de condenados em segunda instância. Ela atirou primeiro. De surpresa, antecipou para hoje a decisão sobre o futuro do ex-presidente Lula.

A finta de Cármen deixou o petista na marca do pênalti. A defesa esperava que o Supremo julgasse uma ação genérica, que poderia beneficiá-lo de forma indireta. Ao pautar o pedido de habeas corpus, a ministra devolveu a pressão aos colegas que preferiam salvar o ex-presidente sem citar o seu nome.

Para o PT, a manobra reduziu as chances de Lula escapar da cadeia. Se o Supremo negar o habeas corpus, ele ficará nas mãos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que já aumentou sua pena de nove para 12 anos. Tudo indica que a Corte negará o último recurso da defesa na próxima segunda. Isso significa que o ex-presidente poderá ser preso em menos de uma semana.

A decisão de Cármen foi 100% política. Ela estava prestes a ser derrotada, depois de declarar que não reabriria o debate sobre as prisões. Um recuo forçado esvaziaria sua autoridade como presidente do Supremo. Ela ficaria esvaziada até setembro, quando terá que passar a cadeira ao ministro Dias Toffoli.

Bruno Boghossian: Reação volátil

- Folha de S. Paulo

Decisões contraditórias e mudanças de posição tornam tribunal casuístico e imprevisível

A tensão que culminará no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula nesta quinta-feira (22) cristaliza a imagem de um Supremo Tribunal Federal rachado e desorganizado. Embates públicos, decisões contraditórias das duas turmas da corte e mudanças abruptas de posição dos ministros tornam o colegiado casuístico e imprevisível.

A votação que determinará se Lula pode recorrer em liberdade à condenação que sofreu em segunda instância é um sintoma dessa incerteza.

A principal incógnita do julgamento e o símbolo da instabilidade do tribunal é a posição da ministra Rosa Weber, que pode definir o resultado. Em 2016, ela foi enfática ao votar contra a antecipação de prisões.

“Perante a irreversibilidade do tempo, me causa dificuldade ultrapassar barreiras temporais e partir a soluções que envolvam a privação de liberdade sem que tenhamos decisão transitada em julgado”, afirmou.

Vencida, passou a seguir o entendimento contrário, que permitia o início do cumprimento de penas.
“O princípio da colegialidade leva à observância desta orientação, ressalvada minha compreensão pessoal”, escreveu, ao negar liberdade a um ex-prefeito de Nova Olinda (TO).

Gaudêncio Torquato: Os alquimistas estão voltando

- Folha de S. Paulo

A mágica do marketing político de mudança de perfis se faz necessária em tempos de repulsa a velhos nomes, mas a renovação não deve vir

A planilha de candidatos a cargos majoritários e proporcionais no pleito de outubro, seguramente um dos mais competitivos destes tempos de repulsa à velha política, deverá ser recheada de perfis pincelados pela tintura do adjetivo "novo".

O enquadramento abrigará não só quadros mais jovens, mas os protagonistas avançados na idade, eis que a transmutação das identidades tem sido exercício a cargo de alquimistas do marketing político, figuras carimbadas nas campanhas, principalmente a partir dos anos 80.

A alquimia da mudança de perfis se faz mais necessária hoje do que em tempos passados. A razão é conhecida: a política e seus representantes tornaram-se alvo da indignação social na esteira de escândalos em série, que se arrastam desde o mensalão e desembocam no petrolão, na operação Lava Jato.

Renovação de quadros, mudança de padrões e formas de fazer política e assepsia geral adensam o discurso social. Infelizmente, a realidade aponta uma reversão de expectativas. A almejada renovação não ocorrerá. Vamos às razões.

Vinicius Torres Freire: Juros altos no país do barracão supremo

- Folha de S. Paulo

BC muda de ideia e volta a baixar juro, mas inflação baixa demais custou caro para a dívida pública

Barraco no Supremo Tribunal de vexames, apagão, terrorismo de bandidos, candidatos na vitrine pré-eleitoral, deputados que fazem troca-troca na feira periódica de filiação partidária. Tratar de taxa de juros do Banco Central parece firula.

Baixar a taxa básica de juros de 6,75% para 6,5%? E daí?

Primeiro, o Banco Central ao menos não fica de pudicícias quando trata de rever suas perspectivas sobre juros e inflação. Depois de outra vez ameaçar dar cabo da campanha de baixa da Selic, ainda pediu mais uma saideira, como nesta quarta (21), pois os dados mudaram, a inflação é menor.

Segundo, no entanto, a inflação de 2018 ainda vai ficar baixa além da conta, em 3,6%, prevê a turma do mercado. A meta deste ano é 4,5%. Sim, é difícil acertar o centro da meta. Mas haveria chacrinha e muxoxos se a inflação prevista para o ano fosse de 5,4%. Além do mais, recorde-se que o IPCA ficou abaixo piso da meta, abaixo de 3%, em 2017.

É implausível que o crescimento deste e do ano passado terá sido influenciado de modo relevante por um ponto a menos na Selic. Uma redução ainda maior da taxa exigiria argumentos bem calculados ou descabelados. Mas Selic alta custa juros de uma dívida pública que já está nas alturas. Logo, ainda temos pelo menos um problema grave, enorme.

William Waack: A clara encruzilhada

- O Estado de S.Paulo

O que torna as eleições particularmente perigosas é o fato de estarem imprevisíveis

Parece bem distante de nós o Brasil do comecinho de 1975, quando escrevi pela primeira vez para o Estadão. Mas é fácil voltar no tempo graças às excelentes ferramentas do Acervo do jornal. E duas manchetes de março daquele ano – quando comecei como freelancer do jornal na então Alemanha Ocidental – chamaram minha atenção: “Geisel diz que o Brasil introduziu o planejamento estatal”. E a outra: “Sarney pede estabilidade institucional”.

Quarenta e três anos depois, diante de decisivas eleições em outubro de 2018, este é o País que ainda convive com clãs políticos como o do Sarney, e carrega também a figura quase mítica da intervenção estatal na economia, simbolizada pelo general Geisel?

Experimentamos nestas mais de quatro décadas a tentativa, levada adiante por mais de uma geração, de democratizar o Brasil, torná-lo menos desigual e construir nele um Estado de bem-estar social – que quebrou. E, lá fora, no mundo que continua tão distante para nós, passamos pelo fim da ideia (o fim do fim da História) de que prevaleceria no planeta a ordem democrática liberal – que está sendo quebrada.

Fui correspondente internacional em várias fases por 21 anos na Europa e Estados Unidos e me acostumei a ter de explicar nosso país para públicos estrangeiros. Acabei sendo surpreendido, semana passada, pela pergunta aparentemente simples feita por um alto executivo de uma multinacional alemã, que veio pela primeira vez a São Paulo com a missão, atribuída pela diretoria da empresa dele, de escrever um relatório sobre megatendências nos países emergentes. “Onde o senhor acha que o Brasil estará daqui a 20 anos?”, foi a pergunta.

Zeina Latif *: Rompendo o 6

- O Estado de S.Paulo

Se o próximo presidente adotar uma agenda medíocre, a inflação vai sofrer

Estamos em território nunca antes explorado de patamar de taxa de juros básica, em um ciclo de cortes que é o mais longo da história. É possível, porém, vislumbrar mais reduções da Selic, apesar das várias incertezas que o Banco Central se defronta.

Para começar, o impacto da política monetária sobre a inflação não é rápido. Demora pelo menos três trimestres na experiência brasileira. A interrupção do relaxamento dos juros precisa ocorrer, portanto, muito antes de a economia exibir aquecimento e a inflação se aproximar da meta Por conta disso, o comportamento da economia por si só não basta para a tomada de decisão de política monetária, o que leva os bancos centrais a procurarem outros “instrumentos de navegação”. Utilizando técnicas econométricas, estimam variáveis que não são diretamente mensuráveis, mas são conceitos importantes desenvolvidos na literatura econômica, como a taxa de juros neutra e o hiato do produto.

A taxa de juros neutra é aquela que mantém a inflação estável. Países como o Brasil, com déficit e dívida pública elevados e taxa de poupança baixa, têm juros neutro mais elevado. Quando a economia está fraca e a inflação baixa, o Copom fixa a taxa Selic abaixo do nível neutro (política expansionista), e vice-versa (política contracionista).

Maria Cristina Fernandes: A quaresma de Joaquim

- Valor Econômico

Marielle e Supremo desmoralizado movem assédio

No dia seguinte à morte da vereadora Marielle Franco, o vice-governador de São Paulo, quase titular do Palácio dos Bandeirantes, e Joaquim Barbosa, encontraram-se em São Paulo. Na semana anterior, o ex-ministro do Supremo havia encontrado, no Rio, o governador de Pernambuco. Márcio França e Paulo Câmara são as duas principais lideranças do PSB. Esta semana, o ex-ministro recebeu um telefonema do seu ex-colega de Corte Carlos Ayres Britto, costumeiro emissário de Marina Silva, do Rede, com quem não conversava desde setembro. Marcaram um encontro para a próxima semana em Brasília.

O assédio aumentou com a aproximação do 7 de abril, prazo para a filiação daqueles que pretendem disputar em outubro. Mas Joaquim Barbosa tem dito que não pretende usar todo o prazo de que dispõe. Até o fim da quaresma decidirá se pretende assinar, pela primeira vez, uma ficha partidária.

O ex-ministro, que até seu nome começar a ser incluído em pesquisas de opinião, fazia manifestações episódicas em rede social, não rompeu o silêncio nem mesmo com a morte de Marielle. Teme o cheiro de oportunismo. Mas a comoção nacional pela morte da vereadora negra atiçou os pretendentes.

A sessão de ontem no Supremo acrescentou outro predicado ao assédio. A presidente Cármen Lúcia virou a mesa ao pautar para hoje a votação do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o barraco que se seguiu entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes é uma demonstração de que o Judiciário já não desfruta da condição de instituição redentora da cidadania. Barroso talvez tenha razão ao dizer que seu colega desmoraliza a Corte. Mas a acusação de que foi vítima em seguida, e que vinha sendo plantada nas redações nas últimas semanas, não ajudará a recompor o lugar que o Judiciário já ocupou no imaginário nacional.

Ribamar Oliveira: O empréstimo que não foi devolvido

- Valor Econômico

TCU manda retirar obrigação da contabilidade

Os leitores mais velhos vão lembrar, certamente com irritação, do empréstimo compulsório que tiveram que pagar na compra de gasolina e álcool e de veículos automotores no período de julho de 1986 a outubro de 1988. O dinheiro recolhido pelo governo era para ser devolvido no último dia do terceiro ano posterior ao seu recolhimento. Não foi. Agora, ele desapareceu até mesmo da contabilidade da União.

Em outubro do ano passado, ocorreu o último ato dessa encenação. Cumprindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o Tesouro Nacional retirou do seu balanço o passivo representado pela obrigação da União ter que devolver os empréstimos compulsórios aos contribuintes. No momento da exclusão do passivo, a dívida da União estava em R$ 42,2 bilhões, sendo R$ 33,9 bilhões referentes ao consumo de combustíveis e R$ 8,2 bilhões à aquisição de veículos.

Em seu parecer sobre as contas do governo em 2016, o TCU considerou que havia uma "superavaliação do passivo" da União, "decorrente de registro de depósitos compulsórios sem expectativa de realização". Por isso, determinou que a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) adotassem providências para regularizar a situação.

Luiz Carlos Azedo: Supremo vexame

- Correio Braziliense

O caso Lula está gerando muita tensão no STF, cuja sessão de ontem foi suspensa por causa de um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia marcou para hoje o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de fortes pressões de seus pares para colocar a matéria em votação. Estão em jogo não apenas a iminente prisão de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), mas também a jurisprudência da Corte que determina a execução imediata da pena para condenados em segunda instância de toda ordem, do político corrupto ao estuprador. Como o julgamento do embargo de declaração da condenação da defesa de Lula pelos desembargadores federais de Porto Alegre foi marcado para segunda-feira, a ministra Cármem Lúcia decidiu pautar o habeas corpus.

O caso Lula está gerando muita tensão na Corte, cuja sessão de ontem foi suspensa por causa de um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Os dois ministros já andavam se estranhando. Gilmar Mendes criticava decisões intempestivas do Supremo, sobretudo a proibição de doações eleitorais de empresas, quando fez referência à decisão da Primeira Turma de 2016 que revogou a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. O voto de Barroso orientou a decisão. Gilmar aproveitou para insinuar que o colega havia manobrado para pôr em votação a questão do aborto: “Ah, agora, eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com três ministros. E aí a gente faz um 2 a 1”, disse o ministro.

Ricardo Noblat: Cármen Lúcia escolheu o menos mal

- Blog do Noblat

Batalha adiada

Acabar com a prisão em segunda instância da Justiça significaria, na prática, acabar com a Lava Jato.

Conceder habeas corpus preventivo a Lula significaria acabar com parte da Lava Lato para ele – a da prisão.

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, não teve outra escolha. Decidiu correr o risco de deixar Lula solto.

Se o tribunal, esta tarde, negar o habeas corpus, outro será impetrado se Lula for preso a partir da próxima semana.

Tão logo o ministro Dias Toffoli assuma em setembro o lugar de Cármen, o fim da prisão em segunda instância poderá ser votado.

A batalha final contra a Lava Jato apenas foi adiada.

O Supremo e Lula: Editorial | Folha de S. Paulo

Corte examinará caso em meio às pressões para rever prisão de condenados em 2ª instância

Dificilmente poderia ser mais conturbado o ambiente em que oSupremo Tribunal Federal deverá julgar, nesta quinta-feira (22), o habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A data foi marcada, pela presidente da corte, Cármen Lúcia, depois de aberta resistência. Foi como a ministra respondeu às fortes pressões, inclusive de seus colegas, para que colocasse em pauta uma outra discussão —que permeia o caso do líder petista.

Trata-se de definir o alcance do dispositivo da Constituição —artigo 5º, inciso LVII— segundo o qual ninguém será considerado culpado enquanto não se esgotarem todos os recursos judiciais a seu dispor.

Faz menos de dois anos, o STF modificou seu entendimento sobre o tema, considerando que o princípio, claramente expresso na Carta, não impede a prisão de um réu já condenado em duas instâncias, mesmo que ainda caibam contestações à decisão judicial.

O périplo do condenado: Editorial | O Estado de S. Paulo

Em várias ocasiões, o sr. Lula da Silva tem reiterado um desejo. Ele gostaria que a lei não fosse aplicada em seu caso – que a condenação em segunda instância por crime de lavagem de dinheiro e corrupção passiva não o deixasse inelegível – para que ele pudesse ser candidato nas próximas eleições. O ex-presidente acha que é o povo quem deveria julgá-lo, e não a Justiça.

Num Estado Democrático de Direito, é absolutamente inaceitável o pedido de Lula, já que todos estão igualmente submetidos à lei. Não cabem exceções ao princípio da igualdade. Seja qual for a história, a origem ou o patrimônio, todos são iguais perante a lei.

É inadmissível, portanto, que o sr. Lula da Silva queira passar por cima da Lei da Ficha Limpa e se candidatar à Presidência da República. Há contra ele uma unânime condenação do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região. No entanto, o seu desejo de ser julgado pelo povo pode, em parte, ser atendido. Na verdade, ele já vem se realizando, ainda que não seja na forma como o petista gostaria. A avaliação popular de Lula da Silva pode ser aferida, por exemplo, na chamada Caravana Lula pelo Brasil, que agora passeia pelo Rio Grande do Sul. Tem sido um rotundo fracasso.

No ano passado, Lula e sua turma percorreram cidades do Nordeste e Sudeste. Agora, a previsão é de visitar 11 cidades gaúchas. Se, no Nordeste, o resultado já havia ficado muito aquém do esperado, no Rio Grande do Sul a viagem de Lula degringolou vergonhosamente, a começar pela própria pauta da caravana.

Facebook em novo caso de manipulação eleitoral: Editorial | O Globo

Mais uma vez, a falta de cuidados éticos e de transparência coloca a rede na mira de reguladores e da Justiça, agora, além dos EUA, na Inglaterra

Ainda transcorrem nos Estados Unidos as investigações sobre a interferência russa para ajudar na vitória de Trump, há dois anos — em que o Facebook foi usado para distribuir notícias falsas, fake news, sobre a candidata democrata Hillary Clinton —, e surge outro escândalo muito semelhante, também envolvendo a rede social de Mark Zuckerberg.

No primeiro caso de manipulação eleitoral, foi informado depois, pelo próprio Facebook, que grupos russos difundiram 80 mil posts na rede, durante mais de dois anos, com mensagens que foram vistas por 126 milhões de americanos. Twitter e Google também foram usados para difundir este tipo de material.

A nova história é mais intrincada, também envolve o Facebook e ocorreu em torno das mesmas eleições de 2016, novamente para favorecer Trump, mas não só.

Uma empresa contratada pela campanha de Trump, a Cambridge Analytica, de consultoria, teve acesso a dados de perfil de navegação de 50 milhões de usuários do Facebook, a partir de um aplicativo colocado na rede. Ele foi baixado por 270 mil pessoas, e a partir delas levantaram-se informações dos 50 milhões.

Fed aumenta taxa de juros e mantém o ritmo de ajustes: Editorial | Valor Econômico

O Federal Reserve vai continuar trilhando o "caminho do meio", com ajustes comedidos e graduais da taxa de juros enquanto isso for possível, disse ontem Jerome Powell, após reunião do Comitê de Política Monetaria que decidiu aumentar em mais 0,25 ponto percentual os "fed funds", para a faixa de 1,5% a 1,75%. A elevação era dada como certa, mas os investidores aguardavam um sinal sobre a possibilidade de uma aceleração dos reajustes futuros, no primeiro encontro com Powell no comando do Fed - e ele ratificou que isso não ocorrerá, por enquanto. Das projeções feitas pelos 15 membros que votam, 8 indicaram que 2018 terá mais duas altas da taxa, e 7 prognosticaram mais três.

As projeções dos integrantes da reunião mostram que pode estar mais perto o momento em que pressões inflacionárias levarão o índice para a meta de 2% do banco. A expectativa de crescimento para o PIB subiu 0,2 pontos, para 2,7%, em 2018 ante 2,5% da projeção anterior, e mais 0,3 pontos, para 2,4%, em 2019. A mudança mais significativa ocorreu na taxa de desemprego, que recuou para 3,8% este ano (era 3,9%) e para 3,6% em 2019, quase um ponto percentual abaixo dos 4,5% considerados como de longo prazo. Com isso, o núcleo do índice de gastos pessoais de consumo (PCE), preferido pelo Fed, encerrará o ano quase na meta, em 1,9%, e em 2% no ano que vem.

Há certeza de que com o crescimento previsto, os juros terão de subir mais. A maioria do Fed aposta em 2,25% para 2017, como a maioria do mercado. Mas o ciclo de alta esperado, se o Fed estiver certo em suas projeções, deve se encerrar com uma taxa mais 0,3 ponto percentual mais alta que na projeção anterior, em 3,4% em 2020, meio ponto percentual acima daquela considerada a normal de longo prazo. Com isso, para o ano que vem devem ocorrer mais três altas, uma a mais do que aconteceria se o esperado em dezembro não se modificasse, e uma a mais em 2020 também.

Carlos Drummond de Andrade: Diante das fotos de Evandro Teixeira

A pessoa, o lugar, o objeto
estão espostos e escondidos
ao mesmo tempo so a luz,
e dois olhos não ão bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.

É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das figuras.

Fotografia - é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo,
edifica uma penanência,
cristal do tempo no papel.

Das luas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?

Marcas de enchente e do despejo,
o cadáver inseputável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York
a moça em flor no Jóquei Clube,

Garrincha e nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois são fotos.

Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo
a viajar, a surpreender
a tormentosa vida do homem
e a esperança a brotar das cinzas.