quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Entrevista- 'Creio que o AI-5 passou para não voltar', diz FHC sobre o decreto de 1968

Laura Mattos | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Fernando Henrique Cardoso estava em sua casa, no bairro do Morumbi (zona sul de São Paulo), quando escutou o anúncio do Ato Institucional número 5, na noite de 13 de dezembro de 1968. Lembra-se perfeitamente da voz do ministro da Justiça, Gama e Silva, que havia sido seu colega no Conselho Universitário da USP, informando em cadeia nacional de rádio e televisão as medidas que iriam endurecer a ditadura militar.

Fazia apenas dois meses que Fernando Henrique voltara ao Brasil e a ministrar aulas na Universidade de São Paulo, após um exílio imposto pelo golpe de 1964. Percebeu o que estava por vir, pegou o carro e se dirigiu à Cidade Universitária (zona oeste), onde se organizavam protestos. O AI-5, que fechou o Congresso, acabou com o habeas-corpus e concedeu poderes ilimitados ao Presidente, teria logo consequência mais direta em sua vida: em abril de 1969, com 37 anos, seria aposentado compulsoriamente da universidade. Aos 87, o ex-presidente do Brasil relembra nesta entrevista à Folha esse "clima horroroso" de 50 anos atrás.

• De que movimentos o sr. participava para ser considerado pelos militares um "subversivo" e ter sido obrigado a se exilar após o golpe de 1964?

Na época de 1964, eu era professor da USP, só participava do debate público. Era acusado pelas ideias, não pela ação. Exercia certa liderança, fundara no passado a associação dos docentes e havia sido eleito, então, representante dos professores assistentes.

• O sr. foi oficialmente expulso ou recebeu algum tipo de ameaça e decidiu partir?

Fui obrigado a deixar o país em 1964 porque tentaram me prender e a Justiça militar abriu um processo contra mim. Em Santiago, trabalhei na Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e Caribe], da ONU [Organização das Nações Unidas], e fui professor na Universidade do Chile, de 1964 a 1967. De lá fui para a França a convite de Alain Touraine [sociólogo] para criarmos um departamento na Universidade de Paris (Nanterre), onde fiquei entre 1967 e 1968.

• O sr. e dona Ruth já tinham filhos quando foram para o exílio?

Sim. Um tinha nove anos e as outras, meninas, sete e cinco.

• Por que decidiram voltar em 1968? Foi consequência do aparente fortalecimento dos movimentos de oposição, marcado pelas grandes passeatas?

Voltei porque um catedrático da USP morrera deixando uma vaga. Eu estava, desde 1964, fora da USP, pois a reitoria se negou a conceder-me licença. Além disso, o clima político parecia desanuviar-se, o que com o AI-5 não ocorreu.

• Da sua volta até o anúncio do AI-5, como foi a vida em São Paulo, as aulas na USP e o clima na universidade?

Eu morava no Morumbi [zona sul] em uma casa que começamos a construir quando fui para Santiago. Ganhei o concurso para a cadeira de ciência política da USP em outubro de 1968. Nessa época não sofri qualquer processo. Houve sim acusações internas à USP, por parte de outros professores. Logo depois, em abril de 1969, fui aposentado compulsoriamente pelo AI-5, aos 37 anos.

• O sr. se recorda do momento do anúncio? Onde estava e qual foi a sua sensação?

Recordo-me perfeitamente da leitura do decreto do AI-5 e da voz do ministro Gama e Silva, da Justiça, o Gaminha, que havia sido meu colega no Conselho Universitário. Eu estava em minha casa e logo percebi o que aconteceria. Peguei o carro e fui para a faculdade. Em seguida começaram as aposentadorias compulsórias.

• Com o AI-5, o que mudou na sua vida? As consequências foram imediatas ou o sr. só seria afetado a partir do seu afastamento compulsório da USP?

As consequências gerais foram imediatas. Até a minha compulsória, eu fora eleito por alunos e professores diretor do Departamento de Sociologia, estávamos fazendo uma reforma curricular, mas o clima passou a ser de protestos abafados e mesmo abertos. Um dia fomos cercados pela polícia na Cidade Universitária. Mas disso já havíamos provado em 1964 na rua Maria Antonia [sede na USP na Vila Buarque, região central]. Basta dizer que houve "guerra" entre provocadores e alunos da filosofia, com coquetéis molotov -um atingiu minha sala e queimou documentos. A partir do AI-5, eram notícias vagas de reações, medo e repressão. Embora voltasse a ser convidado a dar aulas na França e em Yale, resolvi ficar em São Paulo e fui um dos fundadores do Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], instituição que continua existindo. Posto para fora da USP e trabalhando no Cebrap [que reuniu intelectuais afastados de suas funções pela ditadura], o clima era horroroso. Qualquer carro que parasse em frente à casa já se pensava na polícia política. Sabia de pessoas, às vezes amigos, presos e mesmo torturados ou mortos, como o [jornalista Vladimir] Herzog.

• O sr. nunca mais voltou a ser professor da USP?

Só voltei a dar um curso, durante um semestre, depois da lei de anistia [1979]. Não regressei mais à carreira pois estava dirigindo o Cebrap, dando aulas eventualmente no exterior (École des Hauts Etudes [França], Cambridge [Inglaterra], Stanford e Berkeley [Estados Unidos], em períodos distintos) e meus ex-alunos ocupavam, com brilho, as funções que eu e outros deixáramos. Eu sempre gostei de não repetir experiências, buscar novos desafios.

• O sr. já tinha àquele momento alguma intenção de entrar na carreira política?

Não tinha, embora a política não fosse experiência distante: meu pai, que era militar (chegou a general), era também advogado e foi deputado federal por São Paulo. Minha participação foi consequência das lutas contra a ditadura (SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], jornais "nanicos" como "Movimento" e, sobretudo, "Opinião", a Comissão de Justiça e Paz etc.). Foi Ulisses Guimarães quem me levou a ser candidato ao Senado em uma sublegenda do MDB, não para ser eleito, mas para somar votos a quem seria reeleito, Franco Montoro. Eu nem sabia que o segundo colocado, como fui, seria o suplente do titular... Montoro eleito governador, tornei-me senador. Na época estava dando aulas em Berkeley.

• O AI-5 é algo enterrado ou ainda corremos o risco de passar por algo assim?

Espero e creio que sim, o AI-5 passou para não voltar. E ainda bem.

Zuenir Ventura: AI-5, um ato obsceno

- O Globo

Há quem não acredite que houve um golpe militar no Brasil. Tem razão. Houve dois, um em 1964 e o outro que vai completar 50 anos amanhã, chamado de golpe dentro do golpe. Assinado pelo marechal Costa e Silva e referendado pelo Conselho de Segurança Nacional, o Ato Institucional nº 5 pôs fim aos “anos rebeldes” e inaugurou os “anos de chumbo”.

Era tão radical que o próprio ditador desabafou na hora da assinatura: “Eu confesso que é com verdadeira violência aos meus princípios e ideias que adoto uma atitude como esta”. De fato, em uma década de vigência, o chamado AI-5 fechou o Congresso, cancelou o habeas corpus, censurou cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro, 200 livros, incontáveis programas de rádio, cem revistas, mais de 500 letras de música e uma dúzia de capítulos de telenovelas.

Além desse expurgo nas obras de criação, foram punidos mais de mil cidadãos com suspensão de direitos políticos, demissão, cassação de mandatos. Entre os funcionários públicos atingidos por delito de opinião, estavam três ministros do STF — Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Vítor Nunes Leal — e professores universitários como Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros.

O AI-5 foi assinado por 22 dos 23 membros do CSN, composto pelos ministros civis e militares, numa sessão que lembrava uma peça do Tropicalismo, então na moda. Os ministros atuaram como encarnações alegóricas da hipocrisia e da pusilanimidade. O auge da encenação foi quando o ministro Jarbas Passarinho pronunciou sua famosa fala: se era inevitável a ditadura, “às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência”.

O único a se portar corretamente foi o vice-presidente Pedro Aleixo, que disse “não”, apontando uma solução constitucional para a crise, o estado de sítio, que pelo menos tinha prazo de validade de 60 dias.

O AI-5 não instituiu a pena de morte, e teve gente que sentiu falta. O futuro presidente Bolsonaro, por exemplo, reclamou em entrevistas: “o erro da ditadura foi torturar e não matar (...). Devia ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar por FHC”.

Ruy Castro*: Noite de 13 de dezembro

- Folha de S. Paulo

Um disco de Charles Mingus tornou-se a triste trilha sonora do AI-5

Às 20h30 de 13 de dezembro de 1968, Alberto Curi, locutor da Agência Nacional, leu em rede de rádio e TV o comunicado do governo anunciando o Ato Institucional nº 5. Naquele momento eu estava naModern Sound, loja de discos em Copacabana, aonde ia todas as sextas depois de sair do Correio da Manhã, em cujo 2º caderno trabalhava com Paulo Francis. Comprara um LP de Charles Mingus, e já estava saindo quando alguém veio me contar: “Acabei de saber. Os militares baixaram um ato para fechar tudo. Agora é sério”. Não vacilei. Tomei um táxi e voltei para o Correio, na Lapa.

Meia hora depois, já chegara lá. Havia uma multidão na porta do jornal. Desci do táxi, mas ninguém podia entrar. De repente, Osvaldo Peralva saiu do saguão imobilizado por dois homens. Passou a um metro de mim e foi jogado dentro de um carro. Peralva fizera parte da elite comunista na Europa, mas largara tudo em 1956, ao se convencer dos crimes de Stálin denunciados pelo sucessor Kruschev. Então escrevera um livro, “O Retrato”, em que revelava as táticas dos partidos comunistas, inclusive o brasileiro. Com isso, fora jurado pela esquerda. E, agora, por dirigir um jornal liberal e de oposição, era preso pela direita.

Paulo Francis estava num avião naquela noite, voltando de Nova York. Desceu de manhã no Galeão. Foi para seu apartamento em Ipanema e eles o pegaram pouco depois, ainda de pijama. Uma colega do jornal me ligou dizendo que meu nome estava numa lista que ela vira por lá. Mandou-me sumir por uns tempos.

Fiquei longe também do Solar da Fossa, onde morava, um ninho de anarquistas facilmente confundíveis com “subversivos”. Passei uns dias na casa dos tios de uma namorada, no Flamengo. Lá finalmente escutei o LP, “Mingus Revisited”. Achei muito triste.

Nunca me desfiz do disco, mas levei 30 anos para conseguir ouvi-lo de novo. Para mim, ele se tornara a trilha sonora do AI-5.
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*Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Vera Magalhães: O peso da farda

- O Estado de S.Paulo

Jair Bolsonaro foi alertado diretamente pelo núcleo político do governo e por integrantes do PSL sobre o desenho do Palácio do Planalto, que acabou conferindo papel para os militares em questões relativas à articulação política. O que antes era um ti-ti-ti de bastidores foi finalmente colocado à mesa.

Conselheiros do presidente eleito disseram claramente a ele que o corporativismo e uma certa inflexibilidade dos militares são características não condizentes com a necessidade de fazer a mediação com o Congresso.

Bolsonaro ouviu e não deu sinais de que pretende redesenhar a divisão de tarefas no Planalto. A presença dos militares no governo era algo já anunciado desde a campanha – portanto, nenhuma surpresa.

O que não estava no desenho inicial era justamente que a farda e o coturno fossem aparecer também na coordenação política, com os generais Augusto Heleno e Santos Cruz assumindo funções que até hoje foram de civis. A avaliação é que haverá disputa de espaço entre o GSI e a Secretaria de Governo, sob o comando dos dois generais, e a Casa Civil e a Secretaria-Geral da Presidência.

Juntamente com a proeminência dos filhos de Bolsonaro, todos eles com mandatos eletivos, e a disputa por controle na bancada do PSL da Câmara, este é considerado um foco de tensão na largada do futuro governo caso os limites de cada um não sejam estabelecidos de forma clara pelo próprio presidente.

Paulo Delgado: Civilização brasileira

- O Estado de S. Paulo

Não há entre nós uma maneira coletiva de ser e agir, uma disciplina estrita de obediência à lei

A ideologia é uma invenção da ideologia. Rodeada de armadilhas, é ímã para desafetos. Sua obstinação é ser contrapensamento e ferir a base da confiança da política, que é o que sustenta um país. Adia ao máximo a aceitação da regra do jogo que sugere respeitar o vencedor. A moldura do ringue é instigante e velha conhecida. O choque ideológico pode vir de qualquer lado: do vencedor, do derrotado, das Forças Armadas politizadas, da Polícia Federal autonomista, do Ministério Público açulador, do Supremo em erupção. Pode vir também da sociedade, dos sindicatos, das ONGs, das igrejas. Não há entre nós uma maneira coletiva de ser e agir, uma disciplina estrita de obediência à lei capaz de manter algo sólido como um princípio, aquele dom partilhado por todos que dá forma ao destino dos povos e configura a ética de uma nação.

Todos fazem parte do sistema nacional de poder. E embora sem condição de precisar bem a origem dos movimentos de partilha e fratura do novo governo, é possível identificar sinais da construção de um vazio, sem motivo aparente, já querendo dividir o poder com quem ainda nem tomou posse. O Brasil está entusiasmado com instituições cheias de sentimento de poder - Forças Armadas, Polícia Federal, Ministério Público - e indiferentes a quem faz a lei, o desmoralizado Congresso Nacional.

Constitucionalmente, estabelecido para governar é o presidente da República. Há Poderes da união que gostam de definir a época em que vivemos. E avançam sobre as fissuras do sistema político e a erosão que a vida pública provoca na honra dos seus titulares nos últimos anos. Não se trata de fazer concessões aos poderosos ou deixar de ser iconoclasta com governantes de araque que nos levam à lona. Mas o patriotismo insuficiente do oposicionismo de insulto é como dizer “nós estamos aqui, aguarde o transbordar sobre você do nosso reservatório de desconfianças”. Enquanto isso, o que a outra civilização quer saber é se pode surgir por aqui algo como um Putin, um Erdogan, um Xi Jinping para podermos ser levados a sério, ou temidos. Alguns, melhor não, mas a marca de nossa democracia é a facilidade com que depreciamos o poder. De um lado, pela fragilidade que é a falta de consenso sobre a soberania das escolhas políticas; de outro, o dissenso entre partidos sobre se é lícito a um presidente incluir entre seus privilégios o de tornar-se desonesto no exercício do cargo.

Merval Pereira: Linha direta

- O Globo

Bolsonaro manda um recado claro de que pretende usar as redes sociais para governar, assim como fez sua campanha

Uma afirmação do presidente eleito Jair Bolsonaro no discurso na cerimônia de diplomação chama a atenção pelo que revela da estratégia que o novo governo pretende usar na negociação com o Congresso. “O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”.

Por trás das palavras a favor da soberania popular e a disposição de ser o presidente de todos, Bolsonaro manda um recado claro de que pretende usar as redes sociais para governar, assim como fez sua campanha eleitoral com baixo custo e ligação direta com os eleitores.

A cerimônia de diplomação, aliás, foi cheia de recados indiretos. Como quando a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, discorreu sobre a necessidade de proteção às minorias, que o candidato Bolsonaro disse que deveriam se submeter às maiorias.

O presidente eleito Bolsonaro, pelo contrário, deixou explícito que governará para todos, mas insinuou que continuará a ter uma relação direta com os cidadãos, o que pode levar à tentativa de adotar a democracia direta, com referendos e plebiscitos, se as negociações com o Congresso não forem no caminho que considera o melhor.

O sociólogo Manuel Castells, considerado um dos maiores especialistas nos efeitos das novas mídias na sociedade, avalia, em seu mais recente livro, “Ruptura”, que existe uma crise profunda da relação entre governantes e governados, demonstrada pelo descontentamento generalizado com as instituições políticas.

A falta de representatividade dos partidos políticos, e não apenas no Brasil, anunciaria o colapso gradual da democracia liberal, que seria substituída pelo que chama de “democracia real”, a que surge a partir dos movimentos nascidos nas redes sociais.

Bernardo Mello Franco: De costas para o mundo

- O Globo

A decisão de boicotar o Pacto Global pela Migração reforça os sinais de que o Brasil está prestes a embarcar numa relação de vassalagem com o governo Trump

Em fevereiro, diplomatas de 35 países e territórios da América Latina e do Caribe desembarcaram em Brasília. O grupo se reuniu no Itamaraty para discutir respostas à crise global de refugiados. O encontro ajudou a articular o Pacto Global sobre Migração, apresentado nesta segunda-feira no Marrocos.

O ministro Aloysio Nunes Ferreira foi a Marrakech e discursou em defesa do documento. Instantes depois, seu sucessor usou as redes sociais para desautorizá-lo. Ele anunciou que o novo governo “se desassociará” do pacto. Em três tuítes, desmontou ao menos dez meses de trabalho da diplomacia brasileira.

O futuro ministro Ernesto Araújo alegou que a imigração, um problema que desafia países em todo o mundo, “não deve ser tratada como questão global”. O argumento se alinha às teorias de que a Terra é plana e de que o homem não foi à Lua. São teses em voga no submundo da internet, de onde parecem sair as novas diretrizes da política externa.

Míriam Leitão: O que não é direito nem nunca será

- O Globo

Após nomeação de ministros, três áreas correm grande risco de retrocesso no governo Bolsonaro: questão indígena, meio ambiente e relações exteriores

O governo Bolsonaro pegou caminhos errados que podem levar o Brasil a perigosos retrocessos. A Funai vai ser entregue a uma ministra que acredita que a religião deve comandar as ações do Estado. Isso é tão perigoso quanto entregar para a Agricultura. O ministro do Meio Ambiente acha que o país não deveria gastar dinheiro enviando cientistas para as Conferências do Clima. O ministro das Relações Exteriores montou uma equipe de transição sem as mínimas qualificações para isso.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, venceu a eleição defendendo posições de direita para todas as questões que envolvem meio ambiente, direitos humanos e a questão indígena. É natural que faça suas escolhas. Como é natural que os analistas alertem para os riscos que certas decisões radicais podem representar.

Nas primeiras entrevistas concedidas pelo futuro ministro Ricardo Salles, ele disse que há uma discussão acadêmica sobre se a razão do aquecimento global é geológica ou provocada pela ação humana. Não há mais. Isso foi superado. Hoje há um consenso científico internacional de que a causa geológica existe, mas leva milhões de anos, e o que está havendo é que, pela ação humana, esse processo está se acelerando perigosamente. Salles acha que esse é um assunto abstrato. Errado. Ele é concreto. O risco é de elevação do nível do mar, ondas de calor ou de frios extremos, desequilíbrios fatais.

Ricardo Salles disse que fez um bom trabalho em São Paulo, acabando com lixões e aumentando a proteção de nascentes. Isso é ótimo. Mas a visão que ele demonstra ter das negociações internacionais contra o clima são espantosamente equivocadas.

Bruno Boghossian: No meio ambiente, meio ministro

- Folha de S. Paulo

Na prática, Bolsonaro subordina meio ambiente aos ruralistas

Se ainda havia dúvida, Jair Bolsonaro deixou claro a quem seu ministro do Meio Ambiente deve servir —e, surpresa, não é ao meio ambiente. Num encontro com artistas, o presidente eleito gravou um vídeo e mandou recado ao agronegócio: “Gostaram do ministro do Meio Ambiente, né? Com toda a certeza”.

O novo governo aceitou manter uma pasta independente para cuidar do setor, mas a escolha do advogado Ricardo Salles sugere que, na prática, questões ambientais devem ficar subordinadas à pauta ruralista.

O futuro ministro fez questão de aparecer em uma gravação ao lado de Nabhan Garcia, presidente da entidade que simboliza os grandes proprietários de terras, a UDR (União Democrática Ruralista).

“Nós teremos um momento de total sinergia da agricultura com o meio ambiente. Respeito absoluto ao produtor rural, com todo o nosso apoio”, disse Salles, que vai supervisionar órgãos que têm o papel de fiscalizar também o agronegócio.

Hélio Schwartsman: Por um governo feliz

- Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro e seu círculo íntimo acumulam dissabores

Parafraseando Tolstói, podemos dizer que todas as Presidências felizes parecem-se entre si; já as infelizes o são cada uma à sua maneira. Ainda é cedo para estabelecer se a administração Bolsonaro vai ser feliz ou infeliz, mas o futuro dirigente e seu círculo íntimo vão acumulando dissabores numa escala incomum para quem ainda nem assumiu o governo.

Transições tendem a ser mesmo confusas. Membros do grupo que chega não estão entrosados e ainda não têm noção do novo peso que suas declarações adquiriram.

O que confere certa especificidade à administração Bolsonaro, além de um improvisado redesenho da estrutura ministerial, são seus filhos. Dois deles foram eleitos para cadeiras no Legislativo. Embora não sejam mais do que parlamentares, por vezes falam como se fossem primeiros-ministros, ampliando desnecessariamente os desencontros, que já causaram fissuras no PSL.

Normalmente, presidentes eleitos já enfrentaram as acusações levantadas durante a campanha e ainda não tiveram tempo de se envolver nas novas, pelas quais responderão no futuro. Bolsonaro e familiares, porém, conseguiram enrolar-se numa suspeita que veio à tona durante a transição. O fato de ter-se apresentado como candidato anticorrupção exige que Bolsonaro dê tratamento rápido e duro para o caso, sob pena de desgaste precoce.

Isabel Versiani: Ruim para quem?

- Valor Econômico

O morde e assopra avaliza o apelido Trump tropical

Ao comentar na última semana as preocupações do Banco Central com o cenário externo, o presidente da autarquia, Ilan Goldfajn, deixou claro à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado que a desaceleração da China é vista como um risco importante para o Brasil. Em audiência pública, Ilan disse discordar de argumentos de que a guerra comercial Estados Unidos - China possa favorecer o Brasil na medida em que potencializa a demanda do país asiático pela soja nacional. O perigo maior imposto pelo embate dos dois gigantes, segundo ele, é de desaquecimento da atividade chinesa. "Se a China desacelerar não é bom para o mundo e não é bom para o Brasil", afirmou.

O comentário foi de teor econômico, mas, o peso político da declaração é inevitável, dado os movimentos da equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, em torno da questão. Enquanto os mercados globais vivem dias de forte sobe e desce em reação ao desenrolar da dança Trump-Xi Jinping, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, não usou meias palavras para defender, em entrevista exclusiva ao Valor, uma "guinada" do Brasil na área comercial, em favor dos Estados Unidos.

Para Eduardo, que tem sido o porta-voz mais eloquente do entorno do pai para questões externas, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil por razões ideológicas. A sugestão é que, por uma escolha do governo petista, as transações comerciais com os chineses foram facilitadas e estimuladas, em detrimento das relações com os Estados Unidos. O argumento desconsidera que o aumento das exportações para a China não é um fenômeno que se restringe ao Brasil. Tampouco contempla o fato de que o crescimento acompanhou a aceleração do PIB chinês a partir do início do milênio.

As provocações de Bolsonaro filho vieram após uma trégua no tensionamento das relações entre o governo eleito e os chineses, marcada pela visita do embaixador chinês no Brasil, Li Jinzhang, a Bolsonaro pai, no início de novembro. O encontro aconteceu depois de um duro editorial do jornal estatal China Daily ter afirmado que o "Trump tropical" arriscaria gerar um custo pesado para a economia brasileira caso optasse por romper com Pequim. O texto era uma reação às críticas à China feitas por Bolsonaro durante a campanha eleitoral e também ao incômodo causado por uma visita do político brasileiro a Taiwan, ainda em fevereiro. Bolsonaro agradeceu a visita do embaixador pelo Twitter e afirmou no mesmo dia, em entrevista, que o comércio com o país asiático poderia crescer em seu governo.

Cristiano Romero: As consequências nefastas do populismo

- Valor Econômico

É populista quem promete o que não pode e estoura orçamento

Quando alguém afirma que o Estado brasileiro quebrou, não se trata de exagero. Desde 2014, o setor público consolidado, isto é, as contas da União e dos Estados e municípios registram déficits pelo conceito primário (receitas menos despesas, excluídos os gastos com os juros da dívida pública). Isso significa que, no Brasil, há cinco anos as despesas do Estado superam o total arrecadado com a cobrança de impostos.

Para honrar os gastos, uma vez que a carga tributária equivalente a 33% do Produto Interno Bruto (PIB) não é suficiente, o governo federal é obrigado a ir ao mercado tomar dinheiro emprestado. Em 2014, após série de 15 anos de geração ininterrupta de superávits primários, o setor público fechou o ano com déficit primário de 0,35% do PIB.


Nos anos seguintes, o buraco aumentou para um déficit primário de 1,95% do PIB em 2015, 2,55% em 2016 e 1,81% do PIB em 2017. Neste ano, o rombo volta a crescer - para 2,17% do PIB (cerca de R$ 155,5 bilhões), segundo estimativa do Ministério do Planejamento. A previsão oficial é que, apenas no início da próxima década, o setor público volte a gerar saldo primário positivo em suas contas.

Se não consegue arrecadar o necessário para bancar as despesas previstas nos orçamentos públicos e, por isso, é obrigado a pegar dinheiro no mercado via emissão de títulos públicos, o Estado se endivida. O resultado de cinco anos consecutivos de irresponsabilidade fiscal - produzida pela gestão Dilma Rousseff (de 2011 a maio de 2016) - foi o brutal crescimento da dívida bruta, que saltou de 51,5% para 76,5% do PIB entre dezembro de 2013 e outubro de 2018.

A chamada dívida bruta do governo geral abrange o total dos débitos de responsabilidade do governo federal, dos governos estaduais e dos governos municipais, com o setor privado, o setor público financeiro e o restante do mundo. Como se sabe, a elevação crescente da dívida, além de encarecer o custo da própria dívida, uma vez que os investidores exigem ao longo do tempo prêmios (juros) mais altos para continuar financiando o governo, tem o efeito perverso de reduzir e encarecer o crédito disponível a quem precisa dele - empresas e consumidores.

Luiz Gonzaga Belluzzo: Poderes e mercados

- Valor Econômico

A crescente centralização do poder corporativo-financeiro acelerou a concentração da riqueza e da renda

Em artigo escrito com o professor Davi Antunes, tratamos das transformações do capitalismo ocorridas desde os anos 70 do século XX. Essa reestruturação do capitalismo envolveu mudanças profundas na operação das empresas, na integração dos mercados e na soberania do Estado.

Em primeiro lugar, a grande empresa oligopolista, outrora "conglomerada" e "verticalizada", desmontou a velha estrutura e concentrou-se na "atividade principal". A nova empresa assumiu a função "integradora" no comando de uma rede de fornecedores. Em segundo lugar, as decisões empresariais estratégicas foram submetidas ao "comando sistêmico" de poucas instituições financeiras. Em terceiro lugar, sob os auspícios do capital financeiro, ocorreu a centralização do capital à escala mundial, o que envolveu a vitória do "valor do acionista" sobre as "ultrapassadas" estratégias de crescimento da firma apoiada no investimento produtivo via lucros retidos.

A "desconglomeração" e a centralização da estrutura produtiva ocorreu em conjunto com profunda reorganização empresarial, levando a uma redução drástica do número de empresas. Toda a economia mundial passou a ser dominada por pouquíssimas empresas, em geral, de países desenvolvidos. O setor de equipamentos de telefonia móvel, por exemplo, é dominado por 5 empresas, o farmacêutico por 10 empresas e o de aviões comerciais de grande porte por apenas duas. Em termos do gasto com pesquisa & desenvolvimento, a concentração é semelhante: apenas 100 grandes empresas concentram 60% do gasto em P&D, sendo 2/3 dos gastos realizados em apenas 3 setores (informática, farmacêutico e automotivo).

A nova concorrência engendrou simultaneamente: 1. A centralização do controle, mediante as ondas de fusões e aquisições observadas desde os anos 80. 2. A nova distribuição espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de valor. Centralização do controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os "montadores" de bens finais.

Monica De Bolle: Um conto chinês

- O Estado de S.Paulo

Apesar da queda da produção de petróleo, o regime de Maduro tem sido capaz de se sustentar

Quando se trata da China, o que se destaca na América Latina são os lados positivos de relação por vezes tão disparatada quanto a cena de abertura do filme de Sebastián Borensztein: uma vaca cai do céu matando uma jovem – após a cena inicial, lê-se “baseado em fatos reais”. Os fatos reais geralmente destacados são a maior integração comercial entre a China e a região, a realidade de que a China já ultrapassa os EUA – em alguns casos – no peso que tem na América Latina, os volumosos investimentos chineses. Segundo dados compilados pelo Inter-American Dialogue, o banco de desenvolvimento da China (China Development Bank, CDB) e o China Ex-Im Bank, duas das maiores instituições financeiras do país, têm sido responsáveis pelo envio de recursos para conjunto seleto de países desde 2005. São eles: Argentina, Brasil, Equador e Venezuela.

Do que é possível saber – transparência não é o forte dos investimentos chineses – a China fez 17 empréstimos para a Venezuela, totalizando cerca de US$ 63 bilhões. Para o Brasil, foram 12 empréstimos no montante de US$ 42 bilhões. Para a Argentina, US$ 18 bilhões por meio de 11 empréstimos. Os dados provavelmente subestimam a presença do investimento chinês na região, sobretudo na Venezuela, onde os arranjos entre os dois governos estão encobertos por véu de mistério.

Fábio Alves: O recado do Copom

- O Estado de S.Paulo

Cresce número de analistas que acredita que o BC só vai subir os juros em 2020

Na sua última reunião de 2018, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, deve sinalizar, no comunicado a ser divulgado hoje, que a taxa Selic ficará estável em 6,50% por um período mais prolongado do que se previa. Na mais recente pesquisa Focus, do BC, os analistas projetam juros a 7,50% ao fim de 2019, com a primeira alta da taxa em setembro. Há quatro semanas, essa estimativa era de um aperto monetário maior, com a Selic a 8,00% no fim de 2019.

Desde então, a inflação voltou a surpreender para baixo. O IPCA de novembro registrou deflação de 0,21%, caindo muito além do piso das projeções dos analistas, que era de uma queda de 0,14%. Em 12 meses até novembro, a inflação acumulada foi de 4,05%; a meta do BC é de 4,50% em 2018 e de 4,25% em 2019.

Essa surpresa contribuiu para derrubar as expectativas inflacionárias. Na pesquisa Focus, a projeção do IPCA em 2018 caiu de 4,23% há quatro semanas para 3,71%. Já a estimativa de inflação em 2019 caiu de 4,21% para 4,07%.

Além disso, a recuperação da atividade segue em marcha lenta, com a taxa de desemprego ainda elevada (11,7%) e grande ociosidade na economia, o que abre espaço para que um aumento na demanda não gere maior pressão sobre os preços.

Vinicius Torres Freire: Neblina na aposentadoria e nos juros

- Folha de S. Paulo

Indefinição sobre reforma de Bolsonaro é política e começa a inquietar donos do dinheiro

A mudança nas aposentadorias e nas pensões ainda não tem projeto definido porque Jair Bolsonaro ainda não se ocupou do assunto. Mesmo antes de chegar ao Congresso, a reforma da Previdência do próximo governo enfrenta problemas políticos.

A ala parlamentar bolsonarista diz o que quer sobre a Previdência porque simplesmente não recebeu diretrizes ou ordens do presidente eleito, que, por sua vez, diz nebulosidades preocupantes sobre a reforma porque dá ouvidos a seus articuladores políticos e "bases".

É o que se pode ouvir entre economistas do governo de transição de Bolsonaro. Políticos bolsonaristas e "bases", inclusive nas redes insociáveis, são refratários à mudança e não têm entendimento da crise que pode sobrevir caso a reforma vá para o vinagre ou seja muito aguada.

A inquietação entre negociantes de dinheiro e porta-vozes do mercado se espalha.

Por um lado, ouvem o presidente eleito e seus articuladores políticos dizerem em público que a reforma não pode ser dura, "matar idoso", que pode ser feita em até quatro anos, que não se pode bulir com servidores, que o Congresso vai desidratar qualquer plano de mudança etc.

Elio Gaspari: Um governador irresponsável

- O Globo

Na segunda-feira, o governador do Ceará, Camilo Santana, anunciou que afastou dos serviços de rua os 12 policiais envolvidos no massacre de Milagres, onde morreram 14 pessoas. Informou também que criou um grupo especial de investigação para apurar o que aconteceu durante a madrugada de sexta-feira na pequena cidade do Vale do Cariri: “Este momento nos coloca um dever ainda maior de proteger vidas e fortalecer a paz.”

Blá-blá-blá. Três dias antes, a polícia estava em Milagres à espera de uma quadrilha de assaltantes de bancos e matou seis reféns, cinco de uma mesma família, dois dos quais adolescentes. Horas depois da chacina, do alto de sua autoridade, o governador louvou a operação e ensinou: “Temos que ser responsáveis e aguardar o trabalho de investigação”.

Irresponsável era ele, por falar de ouvir dizer, adiantando uma indulgência plenária aos policiais: “O fato é que eles estavam preparados para assaltar dois bancos e não conseguiram assaltar nenhum.” Até aí, foi uma manifestação primitiva de onipotência, pois “se temos que ser responsáveis”, aquilo que ele chamou de “o fato” era sabidamente algo mais que uma tentativa de assalto impedida pela polícia. O governador foi além e lançou dúvidas sobre a estatística produzida em Milagres. Nela morreu parte da família sequestrada pelos bandidos, mas Camilo Santana argumentou: “É estranho um refém de madrugada em um banco”.

Estranho é um governador endossar a velha versão segundo a qual todo morto em ação policial é suspeito de alguma coisa.

Roberto Freire: denúncia envolvendo clã Bolsonaro demonstra fragilidade do novo governo

- Portal do PPS

O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro mal começou e já demonstra sinais de fragilidade. Para ele, o suposto esquema investigado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) envolvendo o ex-motorista Fabrício José Carlos de Queiroz, que trabalhou como assessor parlamentar do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é tipico de políticos do chamado “baixo clero”.

“[O governo] mal começou e já demonstra fragilidade por conta desse escândalo que apareceu, fruto desse processo do baixo clero com a utilização de recursos dos gabinetes que deveriam ser pagos aos seus funcionários, mas que retornaram para benefício do clã Bolsonaro. Esse assessor era o grande instrumento com a sua conta e a distribuição de dinheiro de acordo com os interesses dessa família”, disse.

Segundo Freire, o chamado baixo clero sempre se dispôs a praticar esquemas pequenos, mas não menos importantes de corrupção, com a nomeação de funcionários fantasmas e o uso indevido de recurso parlamentar. O dirigente lamentou o fato de a sociedade sempre se portar alheia ao problema.

PSC, PT e PSOL aparecem em relatório do Coaf

Além de Flávio Bolsonaro (PSL), relatório de órgão de controle menciona assessores de outros 20 deputados do Rio

Italo Nogueira | Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - O relatório do Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) que apontou movimentação atípica do policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), mencionou auxiliares de outros 20 deputados da Assembleia fluminense.

Fazem parte da lista assessores de parlamentares de diferentes matizes ideológicas, como Márcio Pacheco (PSC), futuro líder do governo na gestão Wilson Witzel (PSC) e o deputado Eliomar Coelho (PSOL).

Pacheco é pré-candidato à Presidência da Alerj. O atual presidente interino, André Ceciliano (PT), pré-candidato à reeleição ao cargo, também aparece no documento. Todos estão juntos na lista com o presidente afastado da Casa, Jorge Picciani (MDB), em prisão domiciliar e também alvo do relatório.

A Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro instaurou um procedimento criminal há cerca de quatro meses para investigar as circunstâncias das movimentações dos funcionários de Alerj. A apuração também tem como alvo os deputados aos quais estão vinculados os servidores.

O relatório do Coaf foi produzido no âmbito da Operação Furna da Onça, que prendeu no mês passado dez deputados estaduais. Ele foi elaborado a pedido do Ministério Público Federal, que solicitou todas as comunicações de movimentações atípicas envolvendo pessoas nomeadas na Alerj.

A menção no relatório não significa a prática de algum ilícito. O volume da movimentação, por sua vez, não é medida para a suspeita que eventualmente recaia sobre os deputados. O deputado Marcos Abrahão (Avante), preso na Furna da Onça, teve uma movimentação atípica de só R$ 289 mil.

O perigo da democracia direta: Editorial | O Estado de S. Paulo

Na cerimônia de sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como presidente eleito, Jair Bolsonaro anunciou “um novo tempo”, em que “o poder popular não precisa mais de intermediação”. Referiu-se de modo específico às “novas tecnologias” - presumivelmente a internet e suas redes sociais - que “permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”.

É um discurso coerente com a suposição de que a articulação dos simpatizantes de Bolsonaro nas redes sociais teria sido o fator determinante do sucesso eleitoral do deputado. É irrelevante discutir aqui se essa conclusão é procedente ou não; o que interessa é que Bolsonaro parece realmente acreditar que esse poder de mobilização virtual é expressão fiel da democracia no que ele chama de “novo tempo”.

É preocupante que o futuro presidente considere prescindível a “intermediação” para o exercício do “poder popular”. Tal análise comporta outra interpretação, também derivada das “novas tecnologias”.

O parágrafo único do artigo 1.º da Constituição diz que “todo o poder emana do povo”, que o exerce “por meio de representantes eleitos”. Portanto, a democracia brasileira é representativa, isto é, tem como princípio justamente a intermediação.

Parece claro que Bolsonaro quis se referir ao fato de que hoje, graças às redes sociais, é possível aos eleitores interagir com os políticos - e exercer pressão sobre eles - de forma direta. Mas também parece claro que Bolsonaro está flertando perigosamente com a ideia de democracia direta, em que se dispensam as instituições características do sistema representativo, sobretudo o Congresso. Na visão bolsonarista, o “poder popular” pode se confundir com a gritaria do submundo da internet, ambiente onde proliferam notícias falsas e mentiras de toda sorte e onde o diálogo é simplesmente inexistente. Ali, tem poder quem grita em letras maiúsculas.

Diploma de populista: Editorial | Folha de S. Paulo

Teste para tese de Bolsonaro sobre intermediação seria questioná-lo pelas redes sociais

Até proferir a frase que ofuscaria as demais, Jair Bolsonaro (PSL) fazia um discurso razoável na cerimônia de sua diplomação.

O presidente eleito prometeu governar em benefício de todos os 210 milhões de brasileiros, “sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade ou religião”. Pediu ainda a confiança da parcela do eleitorado que não o apoiou —quase a metade dos votantes, se considerados também os que marcaram nulo ou em branco.

Obviedades protocolares, talvez, mas ainda assim relevantes em se tratando de quem, na campanha, ameaçava com cadeia os concorrentes diretos e falou em “fuzilar a petralhada”. Isso para nem recordar a coleção de declarações preconceituosas e ofensivas ao longo de sua carreira política.

Tampouco deixou de ser algum avanço o elogio ao trabalho da Justiça Eleitoral e o reconhecimento da lisura do pleito. “Nosso compromisso com a soberania do voto popular é inquebrantável.”

Declarações mais fáceis de fazer, sem dúvida, na condição de vencedor da disputa. Antes desse desfecho, o então presidenciável do PSL lançava acusações infundadas, obscurantistas e irresponsáveis acerca de fraudes nas urnas eletrônicas.

O Bolsonaro de palanque acabaria por surgir, de modo um tanto abrupto, no pronunciamento que em geral se pautava por sensatez e conciliação. “O poder popular não precisa mais de intermediação”, proclamou o diplomado.

Crise fiscal se aprofunda com desrespeito à LRF: Editorial | Valor Econômico

Cabe ao presidente Michel Temer vetar o projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso que exime de punição os prefeitos que ultrapassaram os limites legais de gastos com pessoal quando as receitas declinarem 10%, por isenções concedidas pela União ou pela redução dos ingressos decorrentes de royalties e participações especiais. Seria ao menos uma rejeição moral a uma mudança da Lei de Responsabilidade Fiscal, já desrespeitada por Estados e municípios e a caminho de se tornar letra morta.

As finanças de Estados e municípios estão fora de controle, mas boa parte dos desequilíbrios não pode ser debitada apenas à severa recessão que se estendeu de 2014 a 2016. Mesmo no período de crescimento anterior, as despesas dos entes federativos aumentavam, em especial as das folhas de salários. A lei de responsabilidade estabelece punições objetivas para quem ultrapassar os limites da prudência fiscal - proibição de contratação de novos créditos, suspensão dos repasses dos fundos de participação, cortes de pessoal, proibição de contratações etc.

Não houve interesse político, por mais de uma década, em manter as contas saudáveis, independentemente da orientação dos partidos que comandavam Estados e municípios, salvo honrosas exceções, como a do Espírito Santo. Os políticos sempre foram pródigos com dinheiro alheio, mas o descalabro financeiro chegou aonde chegou por vários motivos e um dos mais importantes foi a condescendência geral dos órgãos de fiscalização, como os Tribunais de Contas. No caso mais grave, o do Rio de Janeiro, quase todo o TCE - o presidente e 4 conselheiros - foi parar atrás das grades, não só porque nada fiscalizavam, mas porque participavam ativamente dos benefícios da bilionária rede de corrupção do então governador Sergio Cabral.

Federação quebra sem reforma da Previdência: Editorial | O Globo

O Rio faliu, Minas e Rio Grande do Sul têm problemas e, se nada for feito, há longa fila de casos à espera

Enquanto o presidente eleito demonstra insegurança e até desinformação sobre a estratégica reforma da Previdência, a situação se deteriora em toda a Federação. Bolsonaro já pareceu aderir à proposta sensata de aproveitar, em todo ou em parte, o projeto de Michel Temer que já iniciou a tramitação na Câmara. Nada aconteceu, mas reconheça-se a dificuldade política de se manejar com a parte do Congresso demitida pelo eleitor.

O próximo presidente também já disse aceitar a reforma por fatias, um erro do qual recuou. Depois, disse que não patrocinaria mudanças que prejudicassem os “velhinhos”. Ora, um dos objetivos da reforma é evitar que, no INSS e no setor público, continue a haver aposentados com menos de 60 anos. Quem precisa trabalhar até os 65 de idade a fim de tentar o benefício de um salário mínimo são os trabalhadores menos qualificados, mais pobres, que não conseguem completar o tempo de contribuição de 35 anos para homem e 32 para mulher, e pedir o benefício.

Preocupa que o tempo passa e parece não haver, por parte do futuro governo, algo bem amarrado na Previdência para começar a tocar, ainda com o atual Congresso, só renovado em fevereiro.

Fernando Pessoa: A Novela Inacabada

A novela inacabada,
Que o meu sonho completou,
Não era de rei ou fada
Mas era de quem não sou.

Para além do que dizia
Dizia eu quem não era...
A primavera floria
Sem que houvesse primavera.

Lenda do sonho que vivo,
Perdida por a salvar...
Mas quem me arrancou o livro
Que eu quis ter sem acabar?