segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Bruno Carazza: De Davos a Brumadinho

- Valor Econômico

Governos e empresas sabem que o crime compensa

Bolsonaro é um homem de poucas palavras. Não é à toa que o Twitter é o seu principal canal de comunicação. Tendo a honra de abrir a edição 2019 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, o novo presidente brasileiro julgou por bem transmitir sua mensagem em apenas 6 minutos e 40 segundos. Entre o "Boa tarde a todos" e o "muito obrigado", foram exatas 720 palavras, ou 4.554 caracteres com espaços (esta coluna tem 5,6 mil).

Pior do que abrir mão da rara oportunidade de estar frente a frente com a elite política e empresarial mundial é ver a dura realidade brasileira desmentir suas palavras em pouco tempo.

"Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós. (...) Os setores que nos criticam têm, na verdade, muito o que aprender conosco", disse o presidente em Davos. Nem bem aterrissou na Base Aérea de Brasília na manhã de sexta-feira, o presidente já anunciava no Twitter, às 15h20, providências para socorrer as vítimas do rompimento de mais uma barragem da Vale, desta vez em Brumadinho, Minas Gerais.

Em Davos, Bolsonaro confundiu fluxo com estoque. O fato de termos sido agraciados com uma vasta extensão de florestas em nosso território não significa que preservamos o meio ambiente. No Estado que tem na mineração a base de sua economia (a ponto de ter sido batizado de Minas Gerais), o Brasil demonstra novamente que não tem nada a ensinar ao mundo sobre conservação.

As dificuldades em criar um arcabouço institucional eficiente para a exploração sensata do meio ambiente é um típico exemplo da lógica da ação coletiva, tese elaborada por Mancur Olson (1932-1998). O desenvolvimento sustentável beneficia a todos, inclusive as próximas gerações. No entanto, empresas extrativistas em geral têm objetivos de maximização de lucros no curto prazo - jogam, portanto, contra o interesse coletivo.

No balanço entre o que se tem a ganhar e a perder, empresas têm muito mais condições de influenciar o jogo político em seu favor do que a sociedade em geral. Aliás, a campanha de perseguição das ONGs durante as eleições, com o perdão do trocadilho, mina o pouco de mobilização que existe na área ambiental.

Na campanha eleitoral de 2014, o setor de mineração foi responsável por 3,1% do total de doações feitas a partidos e candidatos. Trata-se de um percentual muito superior ao que faria supor a sua participação de 1,2% no PIB brasileiro. Investir no estreitamento de laços com governantes e parlamentares é típica prática de "rent seeking", estratégia de auferir lucros maiores por meio da aprovação de legislação favorável ou pelo bloqueio de medidas potencialmente contrárias a seus interesses.

No que diz respeito à (falta de) fiscalização, a escola de Chicago, em alta no atual governo, também tem muito a nos ensinar. Os estudos de George Stigler, Richard Posner e Sam Peltzman indicavam, ainda na década de 1970, que autoridades e servidores públicos não são agentes passivos diante da pressão de grupos de interesses. Regulação e fiscalização frouxas podem ser uma fonte de benesses pessoais que vão de pequenos favores (como um bom vinho no Natal) a pesadas propinas. A ineficácia da política de proteção ambiental, portanto, muitas vezes é o resultado de um jogo em que empresas e representantes do Estado negociam a melhoria do seu bem-estar sob uma ótica privada, relegando o interesse público para os belos (ou curtos) discursos oficiais.

"Temos a maior biodiversidade do mundo e nossas riquezas minerais são abundantes. Queremos parceiros com tecnologia para que esse casamento se traduza em progresso e desenvolvimento para todos. Nossas ações, tenham certeza, os atrairão para grandes negócios, não só para o bem do Brasil, mas também para o de todo o mundo". Diante dos CEOs das maiores companhias globais, Bolsonaro atuou como corretor de nossas vantagens comparativas, mercantilizando nosso meio ambiente.

Os crimes ambientais praticados pela Vale em Mariana e em Brumadinho são a prova de que "sustentabilidade" é apenas uma palavra bonita nas estratégias de marketing e responsabilidade social. Aliás, é bom não esquecer que os vazamentos de rejeitos de mineração ocorridos há pouco tempo em Santo Antônio do Grama (MG) e em Barcarena (PA) foram provocados, respectivamente, pela Anglo American e pela norueguesa Hydro Norsk. O fato de que empresas estrangeiras, com alto padrão de responsabilidade ambiental em suas matrizes, provocam danos ambientais por aqui é mais uma evidência para a tese de, Acemoglu & Robinson, dupla de pesquisadores que apregoam que empresas respondem aos incentivos colocados pelas instituições dos países em que atuam.

Para ser sustentável, a exploração de nossos dotes naturais precisa de um arcabouço institucional que combine legislação, fiscalização e, principalmente, punições eficientes. O desmoronamento das barragens em Brumadinho é prova de que a conciliação realizada pelos governos federal e de Minas Gerais (sob Dilma Rousseff e Fernando Pimentel), órgãos de controle e a Samarco /Vale não foi suficiente para penalizar a empresa a ponto de fazê-la aprender a lição.

A leniência dos três Poderes brasileiros com a questão ambiental pode ser medida em números. Entre o "acidente" de Mariana em 05/11/2015 e a quinta-feira anterior ao desastre de Brumadinho, as ações da Vale (VALE3) se valorizaram 258,3% - muito acima do desempenho do Ibovespa, que rendeu 108,2% no mesmo período. Para termos uma comparação, as ações da British Petroleum ainda se encontram 22% abaixo do registrado na véspera do anúncio do vazamento de petróleo provocado no Golfo do México em abril de 2010.

No Brasil, definitivamente, o crime compensa.

Bolsonaro se elegeu dizendo que faria tudo diferente. Resta saber se não ficará só no discurso.

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