quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Rosângela Bittar: Acomodação das rochas

- Valor Econômico

Não se deve governar com raiva, nem pendurado no Twitter

O que importa saber, hoje, é se e como o governo Bolsonaro conseguirá formar maioria de votos no Congresso Nacional para aprovar as reformas, sejam elas quais forem. Nada se sabe sobre isso, e há pré-requisitos a serem vencidos. A dúvida é pertinente, entre outras razões, porque não se tem notícia sobre em que bases estão sendo construídas as relações entre as autoridades responsáveis pela elaboração da reforma prioritária, a da Previdência, e os parlamentares que vão votá-la. O que vazou nos revela apenas que o governo espera pressão da sociedade, de fora para dentro, o que obrigaria os parlamentares a aderirem à vontade do governo eleito pelo povo. Provavelmente será difícil reunir gente suficiente na rampa do Congresso clamando por reforma da Previdência, mas desenhar estratégia não faz mal.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, um dos encarregados dessa intermediação, está ainda perdido em polêmicas e em tentativas de encontrar uma rotina de trabalho no emaranhado de funções que abraçou: coordenar ações do governo, presidir reunião ministerial, definir textos de reforma, receber parlamentares, sugerir lances de marquetagem ao presidente, ter um olho no governo atual e outro na reeleição, falar com a imprensa.

Essa última tarefa ele detesta mas precisou ceder umas duas vezes porque o governo não tem quem o faça. Comunicação, na administração Bolsonaro, é o Twitter e ponto final. No máximo o re-twitter até que todas as opiniões da família presidencial sejam divulgadas.

Se são 57, 62 ou 65 anos de trabalho para mulheres e homens se aposentarem deveria ser uma discussão posterior à definição sobre como se dará a articulação com o Congresso, em nome de quem, como disse ontem, indiretamente, o general Augusto Heleno, será fixada a idade viável para aprovação. Já se falou mais de uma vez, uma delas pelo próprio presidente: será escrita uma reforma que o Congresso possa aprovar.

*Elio Gaspari: O estilo teatral de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo / O Globo

Muita gente acha que Trump tem um estilo e isso é verdade, mas ele é acima de tudo um mentiroso

Como diria Lula, nunca na história deste país um presidente trombou tantas vezes com seu próprio governo em tão pouco tempo. Não foram trombadas de conceitos, mas de fatos.

Ao contrário do que dissera, Bolsonaro nunca baixou a alíquota do Imposto de Renda nem subiu a do IOF. Como sempre acontece na história deste país tentou-se remendar o efeito das trombadas com juras de fé e coesão.

Em tese, o presidente vale-se de sua capacidade de comunicação, comprovada na construção de uma candidatura vitoriosa. Na vida real, campanha é uma coisa, governo é outra.

Novamente em tese, ele faz o que fez Donald Trump, dirigindo-se diretamente ao povo que gosta de ouvi-lo. Novamente na vida real, o estilo de Trump é irrelevante porque ele é acima de tudo um mentiroso. Calcula-se que minta cinco vezes por dia.

As curtas mensagens de Trump podem inspirar Bolsonaro, mas o meio não é a mensagem. Jânio Quadros comunicava-se por bilhetinhos que hoje enfeitam o folclore de sua Presidência, Ninguém ri dos adesivos de Winston Churchill ordenando “Ação, hoje”. Isso porque as coisas aconteciam.

As trombadas de Bolsonaro parecem-se mais com o “campo de distorção da realidade” do genial Steve Jobs. Misturando carisma e segurança, ele se julgava capaz de convencer as pessoas de qualquer coisa.

Bolsonaro pode ter convencido muita gente de que o Brasil precisa se livrar do socialismo, mas quem acreditou na necessidade de colocar o Ministério do Meio Ambiente dentro da Agricultura enganou-se.

O “campo de distorção da realidade” pode funcionar na iniciativa privada, pois diante de um conflito o gênio prevalece ou vai embora.

Vera Magalhães: De quem foi o ‘auê’

- O Estado de S.Paulo

Coube ao general Augusto Heleno a tarefa de colocar ordem na cozinha do governo Jair Bolsonaro no episódio da base militar dos EUA no Brasil

Na última coluna, escrevi que caberia ao general Augusto Heleno a tarefa de colocar ordem na cozinha do governo Jair Bolsonaro. Pobre general, com sua missão inglória. Não bastasse ter de apagar as chamas dos fogões, precisa fingir que o feijão não queimou quando todo mundo sente o cheiro à distância.

Foi o que fez no episódio de outra mancada de Bolsonaro, desta vez quanto à (real ou hipotética) base militar dos EUA no Brasil: disse que fizeram um “auê” e que Bolsonaro não entendia de onde tinha surgido o assunto.

Como assim? Na entrevista ao SBT semana passada, questionado diretamente a esse respeito, o presidente disse que a cooperação com os Estados Unidos, além de comercial, “pode ser bélica” e abriu a possibilidade de se discutir isso.

O chanceler Ernesto Araújo foi além, e, em Lima, confirmou a possibilidade. “Não haveria problema na questão de uma presença desse tipo.”

Já o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse textualmente a Eliane Cantanhêde que os EUA ficaram muito satisfeitos com a “oferta” do presidente Bolsonaro.

Resta a pergunta: quem foram os responsáveis pelo “auê”? O presidente e o chanceler, que, no afã de agradar aos Estados Unidos, meteram os pés pelas mãos e causaram uma reação alarmada nas Forças Armadas – como Heleno bem sabe e tratou de contornar, assim como o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que disse não ver “razão” para uma base americana em solo brasileiro.

A razão? O “auê” ideológico de sempre do presidente com o tal risco socialista. Afinal, foi esse o caminho tortuoso do raciocínio de Bolsonaro na entrevista ao SBT, ao analisar a possibilidade de uma base russa na Venezuela. “Nós das Forças Armadas somos o último obstáculo para o socialismo”, se empolgou.

Bolsonaro, Araújo e Pompeo comungam da ideia de uma união de EUA e Brasil para “tornar o mundo um lugar mais seguro”, como disse o auxiliar de Donald Trump. Os militares, com os pés firmes no chão, estão de cabelo em pé com essas maquinações, ainda que Heleno tente bancar o blasé.

Roberto DaMatta: Será que...

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Nem democratismo nem populismo sobrevivem ao roubo, à mentira e sabotagem

Estamos tentando implementar um programa igualitário? Um projeto que provoca alergia nas nossas mais variadas nomenclaturas e castas de direita e de esquerda? Uma proposta potencialmente conflituosa, sempre republicanamente querida e paradoxalmente adiada porque somos profusamente anti-igualitários?

Um plano que levaria – se eu ouvi bem o Paulo Guedes – ao desmonte de um Estado tutelado por “funcionários públicos”, que recriaram uma aristocracia republicana no tal “Estado Novo”? O “novo” obviamente inconscientemente dando continuidade e consolidando não apenas seus imensos poderes, mas em paralelo. Seus maneirismos palacianos os quais nós, os comuns ou os negadores do real, tínhamos como modelares, polidos e superiores? Será que trocamos os punhos de renda por gravatas italianas e as cadeirinhas, tocadas a escravidão, por carros oficiais com as placas do “sabe com quem está falando?”.

Será que estamos começando a romper com um estilo de vida baseado nas reciprocidades do patriarcalismo reunido ao aparelhamento partidário e de um liberalismo a meia-bomba, para inglês ver?

Será que conseguimos produzir uma elite antifidalga? Aquela que Nabuco e Raymundo Faoro desmitificam? Elite que não vai se reproduzir como dona do poder, um contraditório patriarcalismo burocratizado? Um enlace entre Estado e sociedade legitimado por garantias igualitárias, mas cujos procedimentos estariam longe da ética republicana e feitos com base na companheirada? Será que vamos ser capazes de sacudir a herança ibérica, modelada numa concepção de justiça ritualística, domada muito mais pela abundância dos recursos e filigranas legalistas do que pela equidade da soberania individual cidadã? 

Será que estamos tentando legislar menos para o quarteirão que deixa escapar o bandido protegido pelos privilégios do cargo que empossou? Estamos diante de uma quimera quando ouvimos os ruídos da revisão de um despotismo legalista porque o que conta não é crime, mas quem o cometeu? Estou vivendo tempos nos quais povo e elites desejam terminar de fato com o axioma de que seguir as leis é “uma babaquice” – conforme ouvi a vida toda?

Será possível continuar com o axioma do trabalho para muitos, impostos para todos, burocracia para o sistema e cargos especiais e muitos conselhos de estado para os escolhidos? Esses conselhos que anulam a aferição dos resultados e institucionalizam o “jogo de empurra” estampado nos jornais?

Num mundo em transformação será possível um sistema legal que tudo prevê graças à sabedoria dos juízes cuja consciência vemos em nossas casas nos seus narcisismos de celebridades e nas suas incoerências? Como continuar misturando desigualdade ao ideal constitucional de igualdade, que leva ao debate e ao movimento, próprios da natureza da democracia?

Resposta: penso que vai ser complicado. O desejo inconsciente de dar tiro no pé é muito grande. Será que ele vai continuar vencendo?

Merval Pereira: Bons e maus sinais

- O Globo

Tudo indica que o deputado Rodrigo Maia será reeleito presidente da Câmara, uma boa notícia para a reforma da Previdência, pois ele sabe a importância dela e vai tentar ajudar na tramitação. A notícia ruim é que Renan Calheiros aparentemente tem chance de se reeleger à presidência da Senado se a eleição for fechada, em vez de aberta, como está decidido.

A reforma da Previdência apresentada pelo antigo governo Temer provavelmente vai ser aproveitada para que se ganhe tempo na tramitação, mas as modificações que serão feitas precisarão ser aprovadas no Senado, a Casa revisora.

O senador Renan Calheiros está mais ligado à oposição, especialmente ao PT, e é provável que atue para impedir a reforma, o que será prejudicial não apenas ao governo, mas ao país.

Políticos de partidos como PT, PDT e PP estão se armando contra a reforma da Previdência, como também contra as propostas do ministro Sérgio Moro para endurecer o combate à corrupção. Boa parte dos que apoiam Rodrigo Maia tende a ficar contra as medidas.

O projeto de reforma da Previdência está amadurecendo, e tudo indica que será enviado no início de fevereiro ao Congresso juntando o aumento na idade mínima com a criação do novo sistema de capitalização, destinado a quem estiver entrando no mercado de trabalho.

Bernardo Mello Franco: Tetas públicas, teoria e prática

- O Globo

O ministro Paulo Guedes prometeu secar as tetas que jorram recursos públicos para apaniguados. Falta ajustar a teoria à prática do novo governo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou uma nova era no uso do dinheiro público. “Vamos acabar com falcatrua, com esse tipo de coisa”, disse, na segunda-feira. “O povo brasileiro cansou de assistir a esse desvirtuamento das funções públicas”, prosseguiu.

No mesmo dia, o economista afirmou que o Estado brasileiro foi “ocupado”. “Cada grupo de interesse pegou um pedaço, uma teta, sempre perguntando o que podia tirar. Nosso grupo tem outra mentalidade”, garantiu.

A teoria de Guedes está perfeita. O problema é ajustá-la à prática, onde as tetas não pararam de jorrar por obra de discursos ou tuítes.

Ontem a revista Época revelou que Antonio Hamilton Rossell Mourão foi promovido a assessor especial do novo presidente do BB. Seu salário vai triplicar de R$ 12 mil para R$ 36 mil. Ele ainda terá direito a um bônus polpudo quando deixar o emprego no banco.

Como o nome indica, o funcionário é filho do vice-presidente Hamilton Mourão. Ganhou o upgrade dias depois de o pai se mudar para o Jaburu. O vice disse que o herdeiro “foi favorecido por suas qualidades”. Pode ser, mas a imagem passada pela nomeação é de outro tipo de favorecimento.

Marcos Augusto Gonçalves: Blá-blá-blá carola

- Folha de S. Paulo

Vélez Rodríguez tem se destacado pelo discurso ideológico e pela afetação intelectual

Ao lado do chanceler Ernesto Araújo, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, é um nome da cota do ideólogo Olavo de Carvalho no primeiro escalão do governo. Não é casual que ambos tenham se destacado neste início de gestão pelo discurso marcadamente ideológico e por um tipo de afetação intelectual que contribui para tornar a maçaroca direitosa mais picaresca —digamos assim.

Araújo tem alguma experiência no serviço público, ao contrário de Vélez Rodríguez, aparentemente pouco equipado para responder aos desafios da complexa máquina para a qual foi indicado.

Esperava-se do ministro a seleção de técnicos gabaritados, capazes de compensar suas deficiências. Não é o que se tem visto. O novo titular da pasta preferiu convocar alguns de seus ex-alunos de filosofia para ocupar funções relevantes. Ao mesmo tempo, recuou da escolha de nomes que já teriam sido acertados.

Sua conduta errática levou ao afastamento de Antônio Flávio Testa, cientista político da Universidade de Brasília, referência na campanha bolsonarista, cotado para ser o secretário-executivo.

Bruno Boghossian: Cheque sem fundos

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro quer denunciar abusos passados, mas precisa se adequar a regras rigorosas

A promoção do filho de Hamilton Mourão para um cargo de confiança no Banco do Brasil uma semana depois da posse é, no mínimo, um erro político. Um governo que faz propaganda de devassas no serviço público, expurgos na máquina estatal e supremacia de critérios técnicos deveria pensar mil vezes antes de assinar qualquer nomeação.

Ao tocar as trombetas da “nova era”, o time de Jair Bolsonaro achou que denunciaria apenas abusos do passado, mas também passou a se submeter a critérios rigorosos.

Até o pai subir a rampa ao lado do presidente, Antônio Hamilton Rossell Mourão era um funcionário concursado da área de agronegócio do banco, com salário de R$ 12 mil. Nos primeiros dias da nova era, ganhou um cargo de assessor especial, com vencimentos de R$ 36,3 mil por mês.

A nomeação foi criticada até por ministros de Bolsonaro. Não é preciso ser opositor do governo para perceber que triplicar o salário do filho do vice-presidente era péssima ideia.

Rossell Mourão tem 18 anos de carreira no banco. O pai diz que a promoção se deu por mérito e que seu filho havia sido “duramente perseguido” na instituição em governos anteriores por causa do parentesco.

Luiz Carlos Azedo: Enrolar o paraquedas

- Correio Braziliense

“Os índios não abrem mão de sua identidade étnica e cultural; os sem-terra não querem deixar o campo; os imigrantes chegam para fugir de situação muito pior”

O presidente Jair Bolsonaro já aterrissou, mas ainda enrola o paraquedas. A segunda reunião ministerial que realizou ontem não concluiu o plano de trabalho para os primeiros 100 dias de governo, nem mesmo um programa minimalista, com começo, meio e fim, que possa servir de base para que a sociedade saiba o que ele realmente pretende fazer. O governo está diante de uma equação já anunciada por alguns analistas, mas que não é fácil: precisa anunciar medidas que mantenham sua tropa aguerrida e unida, porém está diante de uma realidade que não comporta soluções simplistas como as promessas da campanha eleitoral.

Por exemplo, depois da reunião de ontem, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou que o governo prepara um decreto para flexibilizar a posse de arma, segundo o princípio da legítima defesa. É uma bandeira de campanha de Bolsonaro que tem amplo respaldo popular, mas isso não significa a liberação do porte de arma para os cidadãos. A diferença entre uma coisa e outra é abissal. Sem entrar no mérito da questão, a medida contrasta com a realidade. Apresentada como antídoto à violência urbana, qualquer um que acompanhe o noticiário policial sabe que o problema é muito mais grave. Basta olhar para a crise de segurança em curso no Ceará, que pôs de ponta-cabeça a relação governo versus oposição. O presidente da República gostaria de jogar o problema no colo do governador Camilo Santana (PT), mas teve de sair em seu socorro; o petista foi obrigado a pedir ajuda ao governo federal e deixar de lado a oposição incondicional que vinha mantendo.

A propósito, essa crise do Ceará pode se generalizar. Os governadores recém-eleitos anunciam que vão endurecer o jogo com os chefões do tráfico de drogas, porém, sem antes estudar as condições para fazê-lo com eficiência e sem os efeitos colaterais. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), passando em vista as tropas da Polícia Militar, anunciou que os bandidos vão ter de mudar de Goiás, porque a barra lá vai pesar. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel (PSC) reiterou sua política de abate de criminosos (“Não ande de fuzil, você vai morrer”), no entanto, já começou a contabilizar policiais militares mortos durante a sua gestão. Até o governador João Doria (PSDB) endureceu a fala contra os chefões que controlam os presídios do estado.

Vinicius Torres Freire: Não há cem estatais para vender

- Folha de S. Paulo

Há muita privatização a ser feita, mas governo exagera no número de empresas

É possível privatizar quase cem estatais, diz o governo. Hum. Parece possível, mas não é. O que é não é bem assim.

O governo federal tem 137 estatais. Na verdade, 90 delas são subsidiárias de Petrobras (36 delas), Eletrobras (32), Banco do Brasil (16), BNDES (3), Caixa (2) e Correios (1). Outras seis, claro, são as próprias empresas-mãe desses 90 filhotes.

Petrobras e Banco do Brasil são controladas pelo governo, mas são empresas abertas. A venda de subsidiárias deve ser assunto do conselho de tais companhias, tendo em vista seus planos de negócios e o interesse dos acionistas, o que inclui os minoritários privados.

Nesse caso, não se trata de um plano de privatização, sem mais, a não ser que o governo queira meter a mão na gestão de Petrobras e BB. Quer? De resto, várias das subsidiárias são invendáveis (são coisicas, prestadoras de serviços inevitáveis, operação no exterior etc.).

O controle da Eletrobras (mas não a empresa toda) deve ser vendido à iniciativa privada, pois Jair Bolsonaro aceitou o plano de Michel Temer. Tudo bem. No pacote inteiro são 33 empresas em 1 só.

Talvez a Caixa venda subsidiárias. Mais provável é abrir o capital delas. Correios e BNDES ficam.

Além dessas "joias da coroa", sobram 41 empresas, 18 dependentes financeiramente do governo e 23 em tese independentes (mas levam um tutu, vez e outra, como a Infraero). Muitas são invendáveis.

Ricardo Balthazar: O culpado

- Folha de S. Paulo

Ao defender reformas e privatizações como antídoto para a roubalheira, ministro tenta se associar a bandeira popular

Paulo Guedes considera o inchaço do Estado o maior responsável pela corrupção no Brasil. A expansão dos gastos públicos levou o país à estagnação e desvirtuou a política, afirmou o novo ministro da Economia ao assumir o posto.

Ele acusou os bancos oficiais de patrocinar um “samba do crioulo doido” ao financiar grupos empresariais poderosos apenas por causa de suas conexões políticas. “Piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”, discursou.

Para Guedes, o encolhimento do Estado tornará a economia brasileira mais eficiente e eliminará incentivos à roubalheira. “Quanto maior o grau de intervenção na economia, menor a taxa de de crescimento, maior o grau de corrupção”, disse.

A tese talvez angarie apoio para as ambiciosas reformas que o ministro propõe, associando a elas uma bandeira de grande apelo popular como o combate à corrupção. Mas é uma ideia que se sustenta numa visão simplista do problema e ajuda pouco a solucioná-lo.

Países como a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia, sempre apontados por investidores entre os menos corruptos do planeta, impõem a seus cidadãos cargas tributárias muito mais elevadas do que a brasileira, que Guedes julga excessiva.

Privatizar estatais pode levar à formação de monopólios no setor privado, com efeitos danosos para a economia em geral, se o processo não for conduzido com zelo e o governo não fizer nada para conter os piores instintos do mercado.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira: Qual modelo de governo?

- Folha de S. Paulo

Não é possível unir neoliberais e populistas de direita

É muito cedo para uma interpretação segura do que será o governo Bolsonaro, mas seus primeiros dias no posto, em especial com as questões da redução da idade mínima para a aposentadoria e da extensão das novas privatizações (rejeitadas pela população, segundo o Datafolha), confirmam minhas dúvidas. Que talvez possam ser mais bem entendidas se considerarmos as possíveis formas de governo.

No Brasil as alternativas são ou governos neoliberais, como foram os governos Temer, Cardoso e Collor, ou governos desenvolvimentistas, que defendem uma intervenção moderada do Estado na economia e o nacionalismo econômico, como foram os governos populistas de centro-esquerda do PT.

Existe, ainda, a possibilidade de os governos desenvolvimentistas serem populistas de direita, como é o governo Trump, ou novo-desenvolvimentistas, que, se forem de centro-direita, têm como referência os países do leste da Ásia; se de centro-esquerda, os países europeus democráticos e sociais do pós-guerra.

Em princípio não podemos ter governos ao mesmo tempo neoliberais e populistas de direita, como propôs Bolsonaro na campanha presidencial. Os neoliberais são populistas cambiais, porque defendem "crescimento com poupança externa", que envolve déficits em conta-corrente elevados e uma taxa de câmbio apreciada, mas não são populistas completos porque não praticam o populismo fiscal --uma vez que esperam resolver todos os problemas de desajuste macroeconômico apenas com ajuste fiscal.

Existe uma contradição entre o neoliberalismo e o populismo fiscal. O populista busca manter sua popularidade gastando; o neoliberal, além de acreditar que o mercado coordene de maneira ótima toda a economia, é conservador; defende os interesses dos ricos.

Ele quer resolver todo o desajuste macroeconômico, inclusive o cambial, apenas com ajuste fiscal. Defende, portanto, a austeridade, que não é apenas a defesa da responsabilidade fiscal. É combinar um forte ajuste fiscal, que inclui o corte dos investimentos públicos, com a recusa a realizar depreciação cambial.

Assim, a recuperação da competitividade do país se faz por meio do desemprego e da diminuição dos salários reais, via ajuste "interno", preservando-se os rendimentos dos rentistas (juros, dividendos, e aluguéis).

Míriam Leitão: Papel do BNDES no Estado menor

- O Globo

Mudanças no BNDES já vinham acontecendo, e Levy terá que vencer resistências internas para avançar mais

O maior desafio do BNDES, segundo o novo presidente da instituição, Joaquim Levy, éo fluxo de projetos na área de infraestrutura, “na logística, na energia, na produtividade”. Esse é de fato um papel fundamental do banco. Houve um tempo em que empreiteiras formulavam a modelagem dos projetos elevavam prontos para o setor público. Foi assim comas hidrelétricas na Amazônia. Depois dos escândalos descobertos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, essa prática, felizmente, acabou. Agora é o setor público que faz, e o BNDES pode ser o grande formulador, além de financiador.

O presidente Jair Bolsonaro falou em “abrir a caixa-preta do BNDES”. Na posse, ontem, a expressão não foi mencionada. O banco tem ampliado bastante a transparência dos seus financiamentos. Levy ressaltou que o banco tem que estar preparado para participar de um novo ciclo de crescimento do país.

Um dos problemas de Joaquim Levy no BNDES será conquistar a máquina para o novo rumo do banco. Mais de 70% dos funcionários foram contratados na administração de Luciano Coutinho. Ele fez um plano de demissão voluntária e, com este e vários outros sinais, empurrou toda uma geração para fora da instituição. Saíram 1.200 servidores e ele contratou um número ainda maior. Esses jovens foram formados em sua maioria dentro da ideia do BNDES turbinado com recursos do Tesouro, que fazia a escolha de campeões nacionais. Normalmente os funcionários reagem a quem chega com a promessa de reduzir a dimensão do banco. Por isso houve tanta reação à Maria Silvia e à TLP, que impede o crescimento do subsídio em época de Selic alta.

Grande parte desses técnicos também não gosta de autocrítica de ações passadas do banco. O ex-presidente Paulo Rabello de Castro fez grande sucesso com o seu Livro Verde, no qual justificava até os crassos erros na época do governo militar. Nos anos 1970 e 1980, foram tantos empréstimos para empresários de São Paulo — muitos faliram e não pagaram os créditos —que o atual ministro Paulo Guedes colocou, na época, o apelido no banco de “recreio dos bandeirantes”. Mas até aqueles empréstimos nocivos foram defendidos no Livro Verde.

Monica De Bolle*: O que pode avançar?

- O Estado de S.Paulo

A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo

Na última semana, dúvidas que já haviam surgido durante a campanha presidencial voltaram à tona. Qual a reforma de Previdência apoiará Bolsonaro? A defendida por Paulo Guedes, que almejaria – corretamente – restaurar a sustentabilidade e combater as desigualdades e privilégios do sistema atual? Ou a reforma fatiada, começando pela idade mínima da aposentadoria, alinhada com o que Bolsonaro defendera durante a campanha? Quem fala pela área econômica do governo: o ministro da Economia, o presidente, membros de seu círculo íntimo? É natural que no início de um novo governo haja alguns problemas de coordenação. No entanto, dada a ausência de uma discussão mais aprofundada sobre a agenda econômica durante toda a campanha presidencial, é importante que o governo supere rapidamente problemas de coordenação e a sempre inevitável disputa por holofotes.

Confesso que tenho dúvidas quanto à capacidade imediata de dar a clareza necessária aos temas relativos ao ajuste fiscal de médio e curto prazo, incluindo os enormes desafios das contas públicas estaduais, até aqui ignoradas – inclusive no bom pronunciamento de Paulo Guedes na ocasião de sua posse. Dito isso, parece-me que uma área em que pode haver avanços imediatos é na necessária reforma do sistema financeiro sobre a qual tenho insistido há algum tempo. Essa semana foram empossados os novos dirigentes da tríade responsável por muitas distorções microeconômicas e macroeconômicas na economia brasileira durante governos anteriores, a saber, o BNDES, a Caixa Econômica Federal, e o Banco do Brasil.

Sobre o BNDES em particular, perdi a conta do número de artigos que escrevi para esse espaço sobre o tema. Embora reconheça a importância das reformas de Temer, há muito ainda por fazer. Com a introdução da TLP, Temer eliminou um dos principais canais de subsídios do Tesouro para o BNDES. Tal canal fora responsável por considerável opacidade nas contas públicas durante o final do segundo mandato de Lula e praticamente todo o governo Dilma, abrindo flanco não apenas para o aumento das vulnerabilidades fiscais, como também para práticas nebulosas no uso do dinheiro dos contribuintes. É importante destacar que, ao contrário da demonização constante que sofre o BNDES, a culpa não foi do banco – ao menos não do corpo técnico extremamente qualificado que lá está. A culpa foi dos governos que o utilizaram para atingir objetivos que nem sempre atenderam aos interesses do País. A TLP de Temer foi um bom começo para evitar recorrências dessas práticas, mas foi apenas um começo.

Cristiano Romero: A conta do populismo no Brasil e na Argentina

- Valor Econômico

Não se deve ter dúvida: ajuste terá elevação de imposto

A história mostra que, no continente em que vivemos, é ilusório esperar que o ajuste das contas públicas seja feito por meio de corte de despesas, e não pelo aumento de impostos. A chaga do populismo na região, somada no Brasil à do patrimonialismo, impõe uma espécie de piso à redução dos gastos. Diante disso, sair de uma crise fiscal parece impossível, uma vez que políticas populistas tornam os eleitores muito sensíveis a cortes em programas que, na aparência, têm caráter social, isto é, distribuem renda e visam melhorar a vida dos mais pobres.

A irresponsabilidade fiscal é um cancro em sociedades como a brasileira e a argentina, justamente, as duas maiores da América do Sul. Por aqui, a aprovação no ano 2000 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) parecia ser o marco histórico da mudança de costume na maneira como políticos e agentes do Estado passariam a lidar com a contabilidade pública. O princípio básico da LRF é o seguinte: uma despesa pública não pode ser criada sem que haja uma receita equivalente para pagar a conta; e, na hipótese de queda da arrecadação, fim da vigência legal de um tributo ou renúncia tributária, gastos - de valor equivalente ao da perda - devem ser cortados.

O que permeia esse princípio é o equilíbrio: na contabilidade pública, o que o governo arrecada com impostos deve ser suficiente para pagar as contas. Dito de outra forma: a despesa pública não deve superar o que o Estado recolhe em tributos pagos pelos cidadãos. Quando os gastos superam as receitas, o governo tem duas alternativas: aumentar impostos ou tomar dinheiro emprestado de cidadãos e empresas.

Ricardo Noblat: Perguntas que não querem calar

- Blog do Noblat / Veja

Arrisque um palpite

Homem metido em “rolo”, como admitiu o presidente Jair Bolsonaro, que vivia da compra e da venda de carros usados segundo ele mesmo contou, onde Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado Flávio Bolsonaro, arranjou dinheiro para ser operado em um dos hospitais mais caros do Brasil, o Albert Einstein, em São Paulo?

Por que a mulher e as duas filhas de Queiroz se recusaram até hoje a depor ao Ministério Público no processo que investiga irregularidades ocorridas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro?

Onde está Cesare Battisti, ex-terrorista italiano, caçado pela Polícia Federal desde que o ex-presidente Michel Temer assinou decreto que o devolve ao seu país?

Completados 300 dias, quem matou, quem mandou matar – e por quê? – a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes no centro do Rio?

Filhos do poder

Assim é se lhe parece
Ninguém deve ser promovido apenas por ser filho de quem é. Mas o contrário também é verdade: ninguém dever ser impedido de ascender profissionalmente só por ser filho de quem é. A não ser que a lei impeça. Não parece ser esse o caso do filho do vice-presidente Hamilton Mourão.

Antônio, filho do general, é funcionário de carreira do Banco do Brasil há 18 anos. Foi promovido pelo novo presidente do banco que o considera um técnico competente e capaz de merecer sua confiança. No entorno do presidente Jair Bolsonaro, a promoção pegou mal. Mas e daí?

Se quiser, Bolsonaro pode revertê-la. Mas por que o faria? E logo ele que usou sua carreira como deputado ao longo de 28 anos para alavancar as carreiras dos seus três filhos vereador, deputado federal e senador?

Agenda de conflitos: Editorial | Folha de S. Paulo

Datafolha mostra rejeição majoritária a boa parte das teses do governo Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) cultiva afinidades ideológicas com seu congênere americano, Donald Trump, o que se refletiu na escolha de seu ministro das Relações Exteriores. Dois terços dos brasileiros, entretanto, discordam de privilegiar os EUA na diplomacia.

Esse está longe de ser o único caso em que propostas e posições abraçadas por Bolsonaro se desencontram da opinião pública aferida pelo Datafolha. Em particular, está longe de ser consensual —e nem mesmo chega a ser majoritária— boa parte da pauta comportamental conservadora, tão cara a seu eleitorado mais fiel.

O presidente se elegeu prometendo, por exemplo, uma marcha a ré no que considera uma pregação marxista, antirreligiosa e sexualizada no ensino brasileiro.

Essa é a motivação do movimento Escola sem Partido, apoiado pela bancada evangélica que está entre os esteios de seu governo: banir de sala de aula a doutrinação política (como identificá-la?) e a chamada ideologia de gênero que estaria na base da educação sexual.

A maioria dos brasileiros desaprova esse retrocesso sectário. Nada menos que 71% deles concordam que assuntos políticos devem seguir em debate nas classes. Também prepondera a opinião de quem deseja que a educação sexual permaneça no ensino: 54%.

Pagamento da Caixa ao Tesouro desfaz contabilidade criativa: Editorial | Valor Econômico

A Caixa Econômica Federal vai quitar junto ao Tesouro Nacional, ao longo dos próximos quatro anos, perto de R$ 40 bilhões em instrumentos híbridos de capital e dívida. A informação foi fornecida pelo novo presidente do banco, Pedro Guimarães, em entrevista ao Valor.

Embora a operação não faça grande diferença nos valores que transitam entre a Caixa e o Tesouro, ela representará um passo importante na governança da instituição federal e na transparência das contas públicas. Na prática, significa desmontar umas das facetas da chamada contabilidade criativa, usada com maior frequência no governo Dilma Rousseff, que permitiu inflar os superávits primários para cumprir as metas fiscais.

O pagamento antecipado dos IHCD não terá efeito financeiro relevante porque a Caixa é uma empresa 100% controlada pela União. A contrapartida do pagamento dos IHCD será a redução do volume de dividendos distribuídos pelo banco federal ao próprio Tesouro, assumindo como premissa que o banco federal não planeja acumular capital em excesso para aumentar o seu volume de negócios.

Dessa forma, portanto, trata-se de uma escolha entre o banco distribuir dividendos ou quitar os IHCD. Essa escolha, como se verá, tem algumas implicações relevantes para as estatísticas fiscais.

Tanto a distribuição de dividendos quanto a quitação dos IHCDs permite, em tese, reduzir a dívida bruta do governo geral. Uma diferença importante, porém, é que, se a Caixa optasse por pagar dividendos em vez de quitar os IHCDs, os recursos fortaleceriam o resultado primário, já que os lucros distribuídos por empresas estatais são consideradas receitas primárias. O pagamento dos IHCD não afeta o resultado primário.

É isso mesmo que se espera, já que o pagamento antecipado dos IHCD representa desfazer uma pedaço importante da contabilidade criativa do governo Dilma. Esse foi um expediente que permitiu aumentar artificialmente os superávits primários, então o principal indicador de solvência do setor público, à custa do aumento da dívida bruta.

Começa a reforma dos bancos públicos: Editorial | O Globo

BB, Caixa e BNDES passam a operar distante da política e na busca por eficiência

Aposse conjunta dos novos presidentes dos maiores bancos públicos federais — Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES —, segunda-feira, foi oportunidade aproveitada pelo governo para que a presença do presidente da República, Jair Bolsonaro, sinalizasse que continua a sintonia com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sob quem estão as instituições financeiras estatais.

Depois dos desencontros públicos em torno das reformas da Previdência e tributária, demonstrados por declarações desinformadas de Bolsonaro, na sexta da semana passada, o necessário gesto de alinhamento geral foi feito, inclusive com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Mas a solenidade serviu também para marcar o que já vinha sendo anunciado, uma importante mudança na função que estes bancos tiveram nos 13 anos de poder lulopetista.

Um papel distorcido, ressalte-se, que, na verdade, já começara a ser revisto na gestão do vice de Dilma, Michel Temer, empossado no Planalto devido ao impedimento da presidente, causado por delitos fiscais cometidos por ela, alguns deles com o uso deletério dos três bancos. Sempre na linha “desenvolvimentista” e “dirigista”.

O lugar dos juízes: Editorial | O Estado de S. Paulo

Em mais uma iniciativa destinada a impedir que juízes utilizem seus cargos e suas prerrogativas para fazer política partidária e assumir funções no Executivo e no Legislativo, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reiterou a proibição de que magistrados atuem em conselhos, comitês ou comissões estranhas ao Poder Judiciário.

O que levou o órgão a determinar essa proibição foi a decisão do novo governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de extinguir a Secretaria da Segurança Pública, de conceder o status de secretaria à Polícia Civil e à Polícia Militar e de atribuir a responsabilidade pela coordenação entre elas a um conselho de segurança pública integrado por procuradores do Ministério Público e por desembargadores da Justiça fluminense, além de delegados de polícia e de representantes das Secretarias de Administração Penitenciária, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.

O decreto de Witzel define esse conselho como um órgão de natureza propositiva, consultiva e deliberativa, atribuindo-lhe a função de formular e propor diretrizes para políticas voltadas para a promoção da segurança, prevenção, política criminal e controle da violência. O decreto também conferiu ao conselho poderes para acompanhar a aplicação de recursos na área da segurança pública, orientar o trabalho conjunto das forças federais, estaduais e municipais e fiscalizar denúncias de abusos.

Jürgen Habermas:¿Hacia dónde va Europa?

El País

La Unión Europea vive momentos difíciles. Jürgen Habermas, considerado el filósofo vivo más influyente, disecciona la deriva peligrosa que está tomando el proceso de integración


Me han pedido que hable de “Nuevas Perspectivas sobre Europa”, pero no consigo pensar en ninguna, y la descomposición de estilo trumpiano que está afectando incluso al corazón de Europa me obliga a poner en tela de juicio las que tenía. Desde luego, la sociedad ha tomado conciencia de los riesgos que implican los grandes cambios en la situación mundial, que han alterado las perspectivas sobre Europa y han obligado a prestar más atención a un contexto mundial en el que, hasta ahora, los países europeos se sentían casi incuestionablemente a gusto. En todos los países de Europa está generalizándose la idea de que los nuevos retos afectan a todos de la misma forma y, por tanto, la mejor manera de superarlos es juntos. Esta conclusión, sin duda, impulsa el vago deseo de contar con una Europa políticamente eficaz.

Por eso, hoy, las élites políticas liberales proclaman con más fuerza que hay que progresar en materia de cooperación europea en tres ámbitos: en el apartado de la política exterior y de defensa, exigen un refuerzo militar que permita a Europa “salir del paraguas de Estados Unidos”; bajo el lema de una política europea común de asilo, exigen una firme protección de las fronteras exteriores de Europa y el establecimiento de unos turbios centros de recepción en el norte de África; bajo el eslogan del “libre comercio”, quieren defender una política comercial europea común tanto en las negociaciones del Brexit como en las negociaciones con Trump. No sabemos aún si la Comisión Europea, responsable de dichas negociaciones, tendrá éxito, ni si, en caso de que no lo logre, los intereses comunes de los Gobiernos de la UE se vendrán abajo. Pero este es el lado prometedor de la ecuación. El otro es que el egoísmo de la nación-Estado sigue vivo, e incluso más consolidado, gracias a las engañosas reflexiones de

El cortoplacismo nacionalista
Los avances de las conversaciones sobre una política común de defensa y una política de asilo, que una y otra vez se desmoronan al hablar de repartos, demuestran que los Gobiernos dan prioridad a sus intereses nacionales inmediatos, sobre todo cuantos más problemas tienen con la resaca del populismo de derechas en sus respectivos países. En algunos, ni siquiera importan ya las contradicciones entre las huecas declaraciones europeístas y un comportamiento miope y egoísta. En Hungría, Polonia y la República Checa, y ahora en Italia, y muy pronto en Austria, seguramente, esa vieja tensión se ha evaporado, sustituida por el nacionalismo abiertamente eurófobo. Esta situación suscita dos preguntas. ¿Cómo es posible que, en el último decenio, la contradicción entre la vieja palabrería proeuropea y la obstrucción de la cooperación necesaria haya llegado a este extremo? ¿Y cómo se mantiene todavía la eurozona, a pesar de que, en todos los países, está en aumento la oposición populista de derechas a “Bruselas” y, en el corazón de Europa, en uno de los seis países fundadores de la Comunidad Económica Europea, incluso gobierna una alianza de populistas de izquierdas y de derechas con un programa antieuropeo común?

Pablo Neruda: Ode ao gato

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento ao rato vivo,
da noite até seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma só coisa
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de um navio.
Seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
seguramente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos o acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço ao gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
o seu olho tem números de puro.