terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Opinião do dia: *Luiz Werneck Vianna

IHU On-Line - Qual sua expectativa para o novo governo?

Luiz Werneck Vianna – A minha expectativa é a de que será um cenário de competição, de muito conflito. E espero que vivamos isso de uma forma civilizada, sobretudo se conseguirmos garantir a Constituição que nos rege que, a essa altura, mais do que nunca, é o melhor instrumento de defesa da civilização brasileira.


*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. Entrevista, 14//1/2019

*Cristovam Buarque: Armas e urnas

- Correio Braziliense

Diante da violência generalizada por bandidos armados, os eleitores foram às urnas para eleger um candidato que defendia autorização para facilitar a posse de armas. Com a ilusão de que arma guardada em casa impede bandido, o eleitor teve razão no seu voto, e o presidente eleito, comprometido com sua promessa, tem razão em cumprir seu compromisso. As urnas pediram armas.

Os eleitores sempre têm razão, mas nem sempre estão certos. A razão vem do clima de desconfiança e do desespero, mas estar certo depende dos resultados que serão obtidos: nada indica que o armamentismo vai reduzir a violência no presente, e tudo indica que vai trazer consequências negativas no futuro.

Precisamos de polícia armada para nos defender, não de nos armarmos para reagir a ruídos na porta, desentendimento no trânsito, rejeição de atendimento a um familiar doente nas portas de hospitais. Em outubro, armas e urnas casaram, mas não darão bons frutos.

Um mínimo de lucidez sem demagogia permite imaginar os negativos resultados do armamentismo individual: aumento no desprezo e na falta de respeito aos policiais e soldados; mais armas nas mãos de bandidos que se dedicarão a roubar pessoas de que eles desconfiem ter armas; pessoas decentes que em momento de raiva se transformarão em assassinos; risco de nas mãos de crianças de famílias descuidadas provocarem tragédias definitivas. Autorizar posse de arma não combate a violência, expande-a, leva-a para dentro de casa, nas mãos de menores curiosos, de maridos violentos, de vizinhos nervosos.

Merval Pereira: O labirinto da esquerda

- O Globo

Há cinco anos, dos 12 países da América do Sul, só três eram governados por partidos de centro ou à direita

Dois fatos políticos registrados na América do Sul nos últimos dias mostram com clareza como o ambiente político mudou na região, confirmando uma guinada à direita que vem se processando desde 2015. E também como a esquerda brasileira está atônita diante dessas mudanças.

Dez anos antes, a maioria dos países da América do Sul era governada pela esquerda. À posse contestada pela ampla maioria dos países ocidentais de Nicolas Maduro, compareceram apenas quatro presidentes da América Latina: da Bolívia, Evo Morales; da Nicarágua, Daniel Ortega; de Cuba, Miguel Díaz-Canel; e de El Salvador, Salvador Sánchez Cerén.

Isolado na região, Maduro pode contar com o PT, que enviou sua presidente, Gleisi Hoffman. Segundo ela, a presença era um aval de que as eleições venezuelanas foram legítimas. A decisão de enviar a presidente do partido a Caracas para prestigiar a posse de Maduro mostra que o PT não aprendeu nada com a derrota de 2018, e está completamente fora da realidade.

O partido respeita a eleição na Venezuela, mas diz que a eleição no Brasil não deveria ser validada, e nem participou da posse do Bolsonaro, porque não o reconhece como presidente eleito legitimamente. Considera, depois de ter participado de todos os atos da campanha presidencial, que a eleição sem Lula é um golpe.

Porém, dois adversários de Maduro foram presos sem julgamento durante a campanha, e a eleição foi considerada fraudulenta por diversos organismos internacionais que a acompanharam.

José Casado: Hegemonia verde-oliva

- O Globo

Talvez seja útil à curadoria militar do governo Bolsonaro a presença de Villas Bôas no núcleo de conselheiros presidenciais

O presidente se perfilou diante do general que respirava por máscara. Bateu continência, debruçou sobre a cadeira de rodas, e segredou-lhe algo. Então, encarou a plateia fardada: “Obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por (eu) estar aqui.”

Talvez um dia, Jair Bolsonaro e Eduardo Villas Bôas resgatem a memória de suas conversas nos últimos 34 meses. Seria útil à História o relato do que ocorreu desde quando o deputado, ex-capitão-paraquedista, pediu para avisar ao general no Forte Apache — como é conhecido o QG do Exército em Brasília— que planejava saltar da planície política para o topo do poder no Planalto.

Encontraram-se, mais tarde, na despedida de Villas Bôas do Comando do Exército. O general-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi enfático: “A maior entrega deste comandante é o que ele conseguiu evitar. Foram tempos que colocaram à prova a postura do Exército como organismo de Estado, isento da política e obediente ao regramento democrático.”

Bernardo Mello Franco: A outra boquinha da filha do Queiroz

- O Globo

Depois de ser exonerada por Bolsonaro, a filha do motorista Fabrício Queiroz ganhou outro cargo em Araruama. Segundo a secretária da prefeita, ela nunca foi vista por lá

Araruama costuma se orgulhar da hospitalidade com os turistas. Não é só com eles. Depois da eleição de 2018, o município da Região dos Lagos ofereceu um exílio remunerado à personal trainer Nathalia de Melo Queiroz. Ela é filha de Fabrício Queiroz, o motorista que virou um problema para a família Bolsonaro.

Nathalia foi exonerada do gabinete de Jair Bolsonaro em 15 de outubro, quando o pai já era investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Duas semanas depois, ganhou um cargo de assessora especial da prefeita Lívia de Chiquinho (PDT).

A personal continuou a morar na capital fluminense, a 108 km de Araruama. A secretária da prefeita, Angela Barreira, disse que nunca a encontrou no local de trabalho. “Parece que ela era meio ruim de serviço. Como eu nunca vi, não posso dizer”, desculpou-se.

Morar longe não era problema, disse Cláudio Márcio Teixeira Motta, assessor estratégico da prefeitura. Ele definiu a filha de Queiroz como “pau para toda obra”. Quando pedi que fosse mais específico, afirmou que ela recebia para representar a prefeitura na Assembleia Legislativa e “escrever alguma coisa nas redes sociais”.

Míriam Leitão: Temas sensíveis em Davos

- O Globo

Bolsonaro fará estreia em Davos, com os investidores de olho no ajuste, mas também em temas sensíveis, como as políticas ambiental e indígena

Em uma semana o presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia em Davos e a ordem interna foi de mobilização para preparar uma boa apresentação. Os outros dois integrantes do governo que falarão lá são conhecidos do mercado e dos presentes nesse encontro anual, o ministro Paulo Guedes e o ministro Sergio Moro. O foco será melhorar a imagem do governo que, admite-se internamente, não é boa no exterior. Eles, contudo, enfrentarão outros problemas.

O primeiro é que a elite do capitalismo mundial, que se reúne anualmente nas montanhas geladas que inspiraram Thomas Mann, há muito tempo mudaram-se de armas e bagagens para um conceito mais atual de sustentabilidade. Querem ouvir Paulo Guedes contar como tornará as contas públicas sustentáveis. Querem ouvir a história do juiz ícone do combate à corrupção no Brasil, agora em nova função. Mas querem também saber o que o governo pretende fazer para proteger florestas e seus povos originais. Não por querer interferir nos destinos internos do país, mas porque o combate aos gases de efeito estufa, a luta contra as mudanças climáticas, exige que cada um faça a sua parte. E o Brasil mesmo escolheu a sua parte: atingir o desmatamento zero em 2030. Ontem, o ministro do Meio Ambiente disse que o país continuará no Acordo de Paris. Mas o governo tem criticado essas metas.

Neste momento, grileiros estão se sentindo estimulados, pelos sinais exteriores do governo, a invadir terra pública, principalmente terra indígena. Foi o que já começou a acontecer na Terra Indígena (TI) Uru-eu-wau-wau, a 322 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, segundo informou a “Folha”. O risco, segundo o relato do jornal paulista, é enorme, porque os grileiros avisaram aos índios que o acampamento deles vai aumentar. O Instituto Socioambiental confirma o perigo sobre essa área.

Eliane Cantanhêde: Itália, gato escaldado

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro perdeu um belo troféu, mas isso não tira seu mérito no desfecho de Battisti

Assim como Lula e Tarso Genro foram os principais responsáveis por manter Cesare Battisti no Brasil, a eleição do presidente Jair Bolsonaro foi decisiva para mudar o destino dele, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália.

Bolsonaro, porém, não deu sorte ao capitalizar o feito. Ele anunciou já na campanha que o bem-bom de Battisti estava com os dias contados, mas foi sucessivamente atropelado na execução da promessa.

Quem determinou a prisão de Cesare Battisti (aliás, de forma bem atrapalhada) foi o ministro Luiz Fux, do STF, ao revogar em dezembro de 2018 sua própria liminar, de outubro de 2017, que mantinha o refúgio. Quem autorizou a extradição foi o então presidente Michel Temer. E quem mandou Battisti direto para a Itália foi o presidente da Bolívia, Evo Morales.

Gato escaldado tem medo de água fria e a Itália não quis correr riscos, depois de quase 40 anos sendo humilhada por Battisti e de ser desdenhada pelos governos petistas no Brasil. Com a prisão pela Interpol, um avião italiano foi enviado rapidamente para a Bolívia, com plano de voo de volta direto de um país ao outro, sem escala.

Trazer Battisti para o Brasil e daqui enviá-lo para a Itália seria uma concessão política para dar um troféu a Bolsonaro. Mas seria também dar sorte ao azar. Vai que entram com um Habeas Corpus no STF? Vai que, como o Brasil não reconhece prisão perpétua, exigissem o máximo de 30 anos de pena?

*Ana Carla Abrão: Missão dada

- O Estado de S.Paulo

Os militares respondem por cerca de 30% do déficit previdenciário nos Estados

Nas Forças Armadas e nas forças militares em geral, o bordão “missão dada é missão cumprida” traz bem mais do que o respeito à hierarquia. Remete também à responsabilidade, à eficácia e ao senso de entrega que emana de uma formação baseada na ordem e na disciplina. Há orgulho no cumprimento da missão, mesmo que a elevados custos pessoais, inclusive o maior deles: a vida. Não há como negar, trata-se de uma profissão diferente que deve, portanto, ser tratada de forma distinta. Mas diferente não pode ser sinônimo de intocável, muito menos de garantia de privilégios injustificáveis.

O déficit dos militares é o que mais cresce dentro do nosso grande déficit previdenciário que hoje pressiona as contas públicas e consome recursos que deveriam ajudar a aliviar as nossas mazelas sociais. Foram R$ 36 bilhões em 2017 e, estima-se, mais de R$ 40 bilhões em 2018. A despesa previdenciária anual total com os militares ultrapassa os R$ 42 bilhões. Isso equivale a mais de 50% do orçamento da Defesa Nacional, limitando os necessários e urgentes investimentos em tecnologia da informação, inteligência artificial, dados, e também restringindo o realinhamento da remuneração dos militares ativos.

Como todo o nosso problema previdenciário, aqui também a questão vai além das contas públicas e resvala nos princípios de justiça social. Para um país em que a maior parte da população ganha um salário mínimo ao se aposentar – e depende de um Estado que gasta com a Previdência mais do que gasta com educação, saúde e segurança juntos, não há porque não rever regras que geram benefícios que superam em 10 vezes esse valor, sem o devido equilíbrio nas contribuições.

Muito além do déficit crescente, há ali critérios que fazem multiplicar o problema. Atualmente, mais da metade dos militares se aposenta antes dos 50 anos de idade. Além disso, fazem jus e acumulam pensões com base em regras indefensáveis nos dias de hoje. Não fossem esses argumentos suficientes, há ainda um outro: as regras dos militares vinculam o regime especial de Previdência das policiais e bombeiros militares nos Estados, outra grande fonte de desequilíbrio fiscal dos entes subnacionais.

Luiz Carlos Azedo: A violência continua

- Correio Braziliense

“Findada essa novela do caso Battisti, o Brasil precisa encarar a sua própria realidade. A crise de segurança pública no Ceará continua, desafiando as autoridades, com dezenas de atentados”

Cesare Battisti ficará preso na Sardenha, uma ilha belíssima, num presídio de segurança máxima, cujas celas não permitem observar o horizonte no mar Mediterrâneo. É o fim de uma novela diplomática e jurídica, alimentada em razão de uma decisão equivocada do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não aceitou o pedido de extradição feito pelo governo italiano e concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por ironia, Lula acabou tendo de cumprir pena primeiro que o ex-terrorista italiano, condenado à prisão perpétua por quatro homicídios.

O refúgio político concedido a Battisti pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro, foi o clímax da glamourização da luta armada pelo PT e por outros setores da esquerda brasileira durante sua passagem pelo poder. A conta chegou com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência. Battisti praticou seus crimes quando a democracia italiana vivia uma grave crise, que resultou no assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro, o democrata-cristão que negociava um acordo que poderia levar os comunistas italianos liderados por Enrico Berlinguer a compartilhar o poder, o chamado “compromisso histórico”. Foi sequestrado e morto por militantes das Brigadas Vermelhas, organização terrorista de ultra-esquerda, como o partido ao qual Battisti dizia pertencer, Proletários Armados pelo Comunismo.

A chegada de Battisti à Itália, num voo direto de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para Roma, foi comemorada pelos italianos como uma vitória da Justiça e da democracia. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, é um líder populista de direita, mas a extradição do ex-terrorista também era reivindicada por todos os seus antecessores. Trata-se de um inimigo público do Estado democrático italiano. Só aqui no Brasil, existem setores que acreditam na inocência do ex-terrorista. Evo Morales, por exemplo, o socialista indígena que preside a Bolívia, não caiu nessa. Despachou Battisti sem sequer abrir um processo de extradição.

Hélio Schwartsman: A gente capota, mas não freia

- Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro será avaliado pelos resultados econômicos que vier a produzir

Com duas semanas de governo, é difícil separar os erros típicos de um começo de administração, que tendem a reduzir-se à medida que seus integrantes evoluem na curva de aprendizagem, da incompetência intrínseca da gestão, que é alta e tem um caráter mais permanente. Mas nada disso tem muita importância prática.

Por dever, jornalistas acompanhamos com lupa as ruidosas movimentações iniciais do governo e delas tentamos extrair sinais. Alguns são inequívocos. Onyx Lorenzoni, por exemplo, ao promover uma paralisante exoneração em massa de quadros de seu ministério, deixou claro que não está familiarizado com o básico da administração, o que é complicado para quem ocupa a pasta da Casa Civil, responsável por tocar o dia a dia do governo.

O próprio Jair Bolsonaro já deu mostras de que é figura de relevo no núcleo dos despreparados. Sua ignorância em relação àquilo que assina indica que ele não tem muita ideia do que está fazendo.

Não são, contudo, esses primeiros tropeços, pouco importando sua etiologia, que caracterizarão a gestão. Jair Bolsonaro só foi eleito porque Dilma Rousseff promoveu uma das maiores ruínas econômicas da história do país. Sua administração será, portanto, avaliada pelos resultados econômicos que vier a produzir.

Ranier Bragon: Sem bala na agulha

- Folha de S. Paulo

Decreto das armas é um vexatório atestado de incompetência do estado

Em solenidade com ministros e a fina flor da bancada da bala, o presidente Jair Bolsonaro deve assinar nesta terça (15) o decreto que afrouxa as regras para a posse de armas, sua primeira canetada com capacidade de afetar de forma relevante e concreta o dia a dia das pessoas.

Estudiosos não apostam um tostão furado no sucesso da medida. Ao contrário, alertam para a probabilidade do aumento da violência e para um cipoal de situações potencialmente desastrosas, como indicam a racionalidade e o bom senso.

Detalhes do texto ainda serão conhecidos, o que mantém a esperança de que Sergio Moro possa, talvez, ter freado um pouco o ímpeto do bolsonarismo raiz. O ministro da Justiça prepara ainda medidas de endurecimento das leis penais —prática a que o Congresso se dedica periodicamente, em momentos de comoção—, mas a pressa, apenas 15 dias, e a pompa indicam o que o presidente de fato acredita ser eficaz.

Pablo Ortellado: Ouvidos moucos

- Folha de S. Paulo

Governantes ignoram demanda por transporte público mais barato

O ano começa com novos aumentos nas tarifas de transporte público. A despeito do clamor popular por um transporte mais barato, Bruno Covas e João Doria ampliaram o valor das passagens em São Paulo acima da inflação.

Como estudo do Ipea de 2016 chama a atenção, a política nacional do vale-transporte estabeleceu como limite máximo para os gastos com transporte 6% da renda dos trabalhadores. Esse é o percentual que é descontado do salário para a emissão do vale, para quem tem direito a ele. Isso não se aplica, assim, a 40% da força de trabalho que está na informalidade.

Levantamento com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE mostra que entre as famílias mais pobres, nas quais prevalece o trabalho informal, o gasto médio com transporte público é de 11%, quase o dobro do teto dos trabalhadores formais. Outro levantamento do Ipea, de 2013, mostrou que neste grupo 30% não tinham qualquer gasto com transporte, sugerindo incapacidade total de pagar a tarifa.

Na maior parte das cidades brasileiras o transporte público é financiado com recursos tarifários, ou seja, não há subsídio do orçamento público. O que normalmente existem são subsídios cruzados, isto é, passageiros que pagam a tarifa cheia terminam financiando o desconto ou a gratuidade para idosos e estudantes.

São Paulo é exceção. Na cidade, recursos orçamentários subsidiam o sistema de ônibus e ajudam a pagar gratuidades e descontos. Apesar disso, o nível de subsídio está abaixo dos melhores padrões internacionais.

Joel Pinheiro da Fonseca: A esquerda ainda existe?

- Folha de S. Paulo

A cegueira voluntária do PT é a oportunidade para outras forças surgirem

Nessas primeiras semanas do novo governo, ele já deu uma boa amostra de suas intenções e das trapalhadas que a ideologia desprovida de experiência pode fazer. Seria um prato cheio para qualquer oposição.

A oposição à esquerda, no entanto, inexiste. Nas disputas para a presidência da Câmara e do Senado, a dúvida é entre representantes da política tradicional e direitistas recém-chegados.

Mesmo no discurso, nas redes e no debate público de maneira geral, a esquerda está sumida. E se encontra assim porque seu maior representante, o PT, enterrou a cabeça na terra e escolhe viver num mundo de fantasia.

Nele, Lula sairá da prisão para salvar a todos. Enquanto dom Sebastião não volta, não há nenhuma alternativa.

Os dirigentes atuais do partido parecem realmente acreditar no discurso da campanha (que fracassou): fazem vigílias a Lula, repetem sem convicção o discurso que a eleição foi fraudada, defendem Cesare Battisti, prestigiam a posse de Maduro na Venezuela.

Mesmo do ponto de vista puramente estratégico tem sido um tiro na água: a população não compra esses valores, embora talvez gostasse de pautas tradicionais da esquerda como combate à desigualdade.

A cegueira voluntária do PT é a oportunidade para outras forças surgirem. Tão importante quanto encontrar nomes, penso, será determinar uma agenda que não repita os erros do passado recente.

Fernando Exman: Os desafios de Bolsonaro no Senado

- Valor Econômico

Pesquisa mostra espaço para reforma da Previdência

A adesão do PSL à candidatura de Rodrigo Maia provocou uma reacomodação das forças partidárias que trabalham para mantê-lo na presidência da Câmara dos Deputados por mais dois anos, elevando a possibilidade de a disputa ser definida apenas no segundo turno. Mas é o Senado Federal, hoje, que representa o maior desafio para os articuladores políticos do governo Jair Bolsonaro. Civis e militares.

A duas semanas do retorno do Legislativo aos trabalhos, o Palácio do Planalto ainda não sabe o tamanho real de sua base no Congresso, não tem uma proposta fechada de reforma da Previdência e tampouco auscultou a receptividade que ela terá entre senadores e deputados.

Na Câmara dos Deputados, o PSL terá uma bancada forte e, ao anunciar apoio a Maia, garantirá o terreno necessário para influenciar os rumos da Casa. O Senado, porém, enfrentou uma forte renovação na eleição de outubro, estará fragmentado com 22 partidos representados e o PSL não terá o mesmo peso.

Alguns prognósticos, no entanto, podem ser extraídos de uma pesquisa da XP Investimentos feita entre 20 de novembro e 4 de dezembro. "Há uma percepção sobre a necessidade de que haja reforma. Mas, quando vai se discutir os detalhes, como idade mínima, começam as divergências", resume Victor Scalet, analista político da XP.

De acordo com o levantamento, entre os deputados que integrarão a Câmara a partir de fevereiro, 79% dizem ser necessário reformar a Previdência, ante 16% que discordam. Entre os futuros senadores, 73% acreditam ser preciso e 20% defendem o oposto.

Dos deputados que assumirão o cargo, 31% estão certos de que uma proposta de emenda constitucional sobre o tema será aprovada ainda em 2019 e outros 37% consideram esse cenário provável. No Senado, essas projeções sobem para 33% e 47%, respectivamente. Ou seja, a própria oposição acredita que haverá uma reforma previdenciária com mudança da Constituição, o que alcançaria o funcionalismo público.

Raquel Balarin: Alinhamento dos astros?

- Valor Econômico

Parte da herança recebida vai facilitar a vida de Paulo Guedes

Certa vez, um ex-ministro, durante uma entrevista, teceu elogios tanto ao governo Fernando Henrique Cardoso quanto ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. O repórter ficou intrigado. O ex-ministro esclareceu: a ordem dos governos foi o que fez a diferença. "Já pensou se tivéssemos tido primeiro um governo Lula e só depois um governo FHC?"

Assim como quedas de avião são atribuídas a um conjunto de fatores, e não a um problema isolado, recuperações econômicas também precisam de um alinhamento de astros, nos mercados interno e externo. Na visão de alguns gestores de recursos e de economistas, esse parece ser o caso do Brasil no momento. E por mais que o mercado financeiro trace elogios ao ministro da Economia escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro, parte da herança recebida pelo ministro deve facilitar bastante a vida dele e de sua equipe.

No mercado interno, a inflação está sob controle. O IPCA fechou 2018 em 3,75%, abaixo do centro da meta, de 4,5%, mesmo depois de uma greve de caminhoneiros que bagunçou os preços por um tempo. Para 2019, a tropa de elite das instituições que fornecem dados para a pesquisa Focus do Banco Central, as chamadas Top 5 (que mais acertam as projeções), projeta inflação de 3,9%, também abaixo do centro da meta.

A alta capacidade ociosa da indústria (utilização média da capacidade de 69% em novembro) e o ainda elevado número de desempregados (12,2 milhões) devem permitir que a retomada da economia não traga pressões inflacionárias por um bom tempo. Há espaço para aumento do consumo no mercado doméstico. O comprometimento de renda das famílias com dívidas bancárias é de 19,7%, de acordo com os últimos dados disponíveis do Banco Central. No fim de 2016, era de 21,6%.

Ricardo Noblat: Nenhum direito a menos

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro subtrai poder ao Senado

A lei nº 10.233, assinada em 5 de junho de 2001 pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, dispõe que cabe ao Senado sabatinar e aprovar ou não a indicação de diretores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Desde então é assim. Agora, não será mais.

Por meio de Medida Provisória assinada no seu primeiro dia como presidente, Jair Bolsonaro revogou a exigência, ao mesmo tempo em que demitiu os quatro diretores nomeados pelo ex-presidente Michel Temer e emplacou os seus – entre eles, o general Antônio Leite dos Santos Filho, o novo diretor-geral do órgão.

Cabe ao DNIT cuidar dos 50 mil quilômetros de rodovias federais do país, construir e pavimentar novos trechos. Seu orçamento para este ano é de R$ 8,1 bilhões, R$ 1,3 bilhão menor do que o do ano passado, mas ainda assim um dos maiores da Esplanada dos Ministérios.

O DNIT substituiu o do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), extinto depois do caso de desvio de dinheiro conhecido pelo nome de “máfia dos precatórios”. Mas sua trajetória igualmente foi pontuada de escândalos até aqui.

Juristas consultados por este blog puseram em dúvida a legalidade da Medida Provisória assinada por Bolsonaro. Argumentam que só o Congresso pode mudar dispositivo de lei aprovada por ele e sancionada à época pelo presidente da República.

Dito de outra maneira: Bolsonaro poderia nomear novos diretores para o DNIT, mas continuaria valendo a exigência de eles serem sabatinados e aprovados pelo Senado.

Presidente tem agenda diferente da de seus eleitores

Agenda prioritária de Jair Bolsonaro gera interesse em poucos brasileiros

Segundo dados do Datafolha, parcela expressiva da população discorda dos temas centrais de sua plataforma

Mauro Paulino e Alessandro Janoni | Folha de S. Paulo

Uma primeira leitura dos resultados da pesquisa nacional do Datafolha divulgada ao longo do último mês sugere descolamento entre a agenda do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) e a opinião pública brasileira.

Apesar de o presidente ter conquistado a maioria dos votos e manter expectativa positiva sobre seu governo, o posicionamento dos eleitores quanto às teses defendidas em pronunciamentos de sua equipe não alcança apoio equivalente.

Com exceção da temática do controle de imigrantes e da redução da maioridade penal, pontos-chave da pauta bolsonarista como Escola sem Partido, posse de armas e aproximação com o governo dos EUA são reprovados por parcela expressiva da população, com percentuais próximos a 70%.

Também se mostram com altos índices de rejeição a redução de terras indígenas, medidas contra o meio ambiente, privatização de estatais e a perda de direitos trabalhistas.

Com esses dados, fica a pergunta: como Bolsonaro foi eleito com tamanho desencontro entre representante e representados?

O processo de decisão do voto é composto por vetores como avaliação de competência, valores morais e consciência de classe ou grupo.

Dependendo das características dos cenários político, social e econômico, um ou outro fator recebe maior peso no cálculo do cidadão para definir seu candidato.

Ou seja, o eleitor não precisa concordar com todas as propostas de governo de um candidato para escolhê-lo. Pode discordar da maioria, mas valoriza tanto determinado ponto do projeto que acaba optando por ele.

Previsão de um ambiente inflacionário tranquilo: Editorial | Valor Econômico

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2018 em 3,75%, pelo segundo ano consecutivo abaixo da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 4,5%. Para 2019, o cenário para a inflação também é bastante favorável, mesmo com a perspectiva de aceleração da atividade econômica. A aposta dominante é que o IPCA ficará na casa de 4%, um nível ligeiramente inferior ao alvo deste ano, de 4,25%.

Uma combinação de vários fatores mantêm tranquilo o ambiente inflacionário no ano que se inicia. Primeiro, há uma grande ociosidade de recursos na economia. A taxa de desemprego segue muito elevada - ficou em 11,6% nos três meses até novembro. Outro aspecto é que a recuperação da atividade ocorre a um ritmo bastante moderado.

Já as expectativas de inflação estão bem ancoradas, sendo um ponto fundamental no regime de metas, crucial para manter os índices de preços sob controle. Foi resultado da restauração da credibilidade do BC na gestão de Ilan Goldfajn. Além disso, o comportamento esperado para o câmbio neste ano é benigno - e, a depender do andamento das reformas, principalmente a da Previdência, é possível que o real fique mais valorizado do que o sugerido nas projeções dos analistas.

Para completar, o baixo IPCA de 2018 vai ajudar neste ano. A inércia inflacionária, o fenômeno pelo qual a inflação passada influencia a inflação futura, vai jogar a favor de um IPCA mais modesto em 2019. Isso já havia ocorrido no ano passado, quando a inflação de 2018 foi beneficiada pela pequena variação do índice em 2017, de apenas 2,95%. Um ponto importante é que toda essa avaliação favorável pressupõe que o cenário internacional não causará grandes contratempos para países emergentes como o Brasil.

Último capítulo: Editorial | Folha de S. Paulo

Extradição de Battisti encerra um caso que assumiu destaque desmedido no debate brasileiro

Às 11h47 desta segunda-feira (14), no horário de Roma (8h47 em Brasília), a superestimada novela Cesare Battisti parece ter conhecido o seu desfecho. Capturado no domingo em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), o terrorista italiano enfim regressou a sua terra natal, onde cumprirá pena de prisão perpétua.

“É um dia especial. Após quase 40 anos, os familiares podem finalmente dizer que a Justiça foi feita”, afirmou à Folha MaurizioCampagna. Seu irmão, Andrea, morreu em 1979, baleado pelo grupo de extrema esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo).

Battisti, hoje com 64 anos, foi condenado pelo envolvimento nesse e em mais três homicídios cometidos nos anos 70, todos na Itália. O terrorista, contudo, mal pagou por seus pecados. Em 1981, fugiu da prisão e abrigou-se na França, no México e, desde 2007, no Brasil.

Visto dessa perspectiva, o caso não deveria provocar alvoroço. Trata-se da história de um criminoso que conseguiu adiar o cumprimento de uma sentença que lhe foi imposta. Não é o primeiro nem será o último roteiro do gênero.

Familiares das vítimas têm seus motivos para celebrar o desenlace, e ogoverno italiano sem dúvida pode comemorar, ainda que tardiamente, a entrega da prestação jurisdicional e o fim de uma pendenga diplomática; as pessoas mais próximas de Battisti, por sua vez, hão de lamentar.

Para além desses núcleos, porém, é difícil entender um envolvimento apaixonado com o caso. E, no entanto, foi exatamente o que se observou aqui no Brasil.

Reformas não se resumem à Previdência: Editorial | O Globo

Equipe econômica estuda medidas complementares para conter outras fontes de gastos

Mesmo economistas “desenvolvimentistas” não desconhecem o problema do desequilíbrio fiscal. Basta ter seriedade acadêmica. A divergência está na terapia, porque eles não se livram do dogma de que mais gastos geram sempre mais crescimento. Como disse uma veza economista Dilma Rousseff, no cargo de chefe da Casa Civil do governo Lula: “gasto em custeio é vida”.

Mas, antes de tudo, costuma ser déficit. Contas públicas gravemente desequilibradas, como não há registro na história, caíram sobre o governo do vice Michel Temer, cuja competente equipe econômica evitou a debacle, que seria acompanhada de recessão e disparada da inflação. Devido a fragilidades éticas do presidente, um razoável e imprescindível projeto de reforma da Previdência não avançou no Congresso.

Resta ao governo Bolsonaro fazer o serviço, parada rum horizonte de crescimento ao país e esperanças a ainda 12 milhões de desempregados. Pois é preciso acelerar o crescimento, daí ser estratégico desatar o nó fiscal: uma Previdência há tempos inadequada ao padrão demográfico de um país cuja população jovem começa a decrescer; mecanismos de indexação de despesas e um Orçamento quase 100% engessado por vinculações.

Isso indica que, se a reforma da Previdência é vital, também há um trabalho a ser feito paralelamente, afim de conter fontes de gastos que funcionam de forma autônoma. Oque pode ser executado por meio de mudanças de legislações infraconstitucionais, sem necessidade do quórum qualificado exigido por mudanças constitucionais. Mais fácil de executar, e nem por isso pouco importante.

Historiadores veem eco de morte de Rosa Luxemburgo na política atual

Ativista e jornalista judia assassinada há cem anos na Alemanha se tornou ícone da esquerda

Silvia Bittencourt | Folha de S. Paulo

BERLIM - O tiro que em 15 de janeiro de 1919 matou a ativista socialista Rosa Luxemburgo aos 47 anos —e a torna ícone da esquerda alemã— ainda se faz ouvir cem anos depois.

Com a crise dos grandes partidos e a ascensão da extrema-direita no país, mais historiadores veem conexão entre o momento atual e o assassinato da jornalista judia poucas semanas após ela deixar a prisão, onde passara três anos por causa de seus artigos e discursos que mobilizavam a massa contra adversários.

“Rosa vermelha” nasceu na Polônia e mancava devido a uma doença no quadril. Agitou os quadros da social-democracia alemã no começo do século 20 e rompeu com ela por discordar do apoio à Primeira Guerra (1914-18). Até hoje, milhares visitam todo ano seu túmulo no cemitério de Friedrichsfelde, em Berlim.

Seu assassinato, assim como o do correligionário Karl Liebknecht minutos antes, foi um ápice da revolução alemã, cujo centenário o país relembra desde novembro passado.

Em Berlim, centro do movimento, debates, filmes e exposições reconstroem aquelas semanas caóticas de perseguições políticas, fuzilamentos e —já então— fake news.

A revolução pôs fim à Alemanha Imperial e inaugurou a República de Weimar (1919-33), primeira experiência democrática do país. Mas o período, marcado por grandes crises econômicas e políticas, também seria uma das fases mais instáveis da história alemã, possibilitando o surgimento do Partido Nazista de Adolf Hitler (1889-1945).

Pablo Neruda: Inicial

O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.

De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.