sexta-feira, 1 de março de 2019

José de Souza Martins*: O Brasil suspeito

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Está se iniciando uma nova onda de suspeições e de segredos. Declarações desses dias indicam que, para o novo governo, as pastorais sociais da Igreja Católica são suspeitas 
O Gabinete de Segurança Institucional, da Presidência da República, desagregou a responsabilidade pela definição de documentos públicos como secretos e ultrassecretos. Agora, os gerentes dos segredos do país serão vários. Assim como os suspeitos são presumidos, os insuspeitos também o são.

De certo modo, vão espionar o Brasil suspeito e decidir o que, daquilo que o Brasil insuspeito suspeita, deve ficar escondido. Eventuais vítimas de bisbilhotice governamental não terão como saber se estão sendo espiados pelas frestas do poder.

Num país minado por informantes, oportunistas, delatores não premiados, até em sua versão primária que é a do bajulador, popularmente conhecido como puxa-saco, fica difícil entender a espionagem brasileira.

Muitos brasileiros gostam de escrever para o presidente, quem quer que ele seja. Nas cartas que eram endereçadas a Getúlio Vargas, por pessoas comuns, nos longos anos de seus governos, há muitas de delação. Vizinhos e até parentes que delatavam como comunistas pessoas simples e inocentes, que neles confiavam. Metidos a patriotas, bajulavam o chefe de Estado.

É compreensível que a segurança nacional seja um item inevitável da organização política moderna. Resta saber se a informação necessária à segurança do Estado será obtida e classificada por gente do ramo ou por amadores.

Muita gente na história política deste país, sobretudo a partir de 1937, tem sido perseguida ou cerceada com base em meras delações de dedos-duros e aproveitadores. E, claro, os próprios espionados ingenuamente expondo-se ao olho gordo dos James Bond de republiqueta. Em pesquisa, vi em processos do Tribunal de Segurança Nacional, do Estado Novo, Caio Prado Júnior negando vínculo com a nacionalista Aliança Nacional Libertadora. Porém, o processo tem várias fotografias do próprio acusado a fazer conferências públicas com enormes faixas da ANL adornando o recinto. Os espiões e delatores eram bons fotógrafos.

Maria Cristina Fernandes: Ambiguidades dos militares

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

As eleições diretas para presidente da República permaneceram interditadas no Brasil durante quase três décadas porque os militares acreditavam que os brasileiros não sabiam votar. Permanecem com a mesma visão sobre seus compatriotas, ainda que tenham voltado ao poder, 30 anos depois, desta vez, em grande parte, com o aval da maioria.

A mais abrangente pesquisa já realizada com militares, prestes a ser publicada em livro, "Para Pensar o Exército Brasileiro no Século XXI" (Eduardo Raposo, Maria Alice Rezende de Carvalho e Sarita Schaffel, PUC-Rio), detectou que esta é a percepção predominante entre militares de todas as patentes. O baixo nível educacional da população e a corrupção dos políticos somaram quase 90% das respostas quando o questionário elaborado pelos autores lhes apresentou uma cartela de alternativas para os fatores mais prejudiciais à democracia no Brasil.

As outras opções sugeriam que o jogo democrático poderia ser comprometido pela concentração de poder no Executivo, pouco permeável à pressão ou controle dos eleitores, ou a incompetência dos governantes. Levantavam hipóteses como a falta de organização política do povo e de tradição partidária, reveladores da fragilidade da cultura política. Propunham ainda o corporativismo e o clientelismo, sinais da captura do Estado por interesses encastelados. E, finalmente, a pobreza e a desigualdade social, sinais da baixa eficácia das instituições democráticas.

Todas essas alternativas, no entanto, tiveram adesão residual. Os militares, de aspirantes a generais, resolveram concentrar as explicações na inabilitação dos representados e nos vícios de seus representantes. Quanto mais alta a patente, maior a adesão ao binômio "falta de educação" e "corrupção" para explicar os males da democracia nacional. Entre generais de Exército, topo da carreira, 100% subscreveram a tese de que eleitor e eleito são inaptos.

A pesquisa precede a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro e de seus oito ministros militares, mas é o que de mais próximo existe sobre os valores da corporação que voltou a mandar no país. Ampliou, em número de entrevistados e em temas abordados, a pesquisa, também publicada pela PUC-Rio, "A Construção da Identidade do Oficial do Exército Brasileiro" (Valor, 04/01/2019).

César Felício: A reforma será permanente

- Valor Econômico

Se o cenário se complicar, convém estudar Portugal

Qualquer reforma da Previdência que permita uma economia acima de R$ 500 bilhões em dez anos já será bem vinda para muitos agentes do mercado. Os desenredos de Jair Bolsonaro em sua confusa coordenação política impactam pouco as expectativas porque o nível de exigência foi significativamente rebaixado. A experiência vivida no governo Temer trouxe ensinamentos.

O consenso que se pode obter no Congresso para a aprovação da reforma é limitado, incompatível com a sustentabilidade do sistema a longo prazo. Daí porque é considerado estratégico se conseguir a desconstitucionalização geral que está embutida na proposta do governo, com a remissão de diversos itens para a definição por projetos de lei complementar, com quórum significativamente mais baixo, como observou anteontem Ribamar Oliveira em coluna neste jornal.

A reforma da Previdência estará permanentemente na pauta. Será tema todos os anos, para todos os governos e todos os legisladores. A desconstitucionalização pereniza a aposentadoria como tema de debate, independentemente do nível de incerteza que isso trará para todos os segurados. Do ponto de vista político, seria um extraordinário triunfo do poder Executivo, já que não é necessário demonstrar como é mais fácil se obter maioria absoluta do que o quórum constitucional. Em relação ao Congresso, o Legislativo estaria cedendo em uma prerrogativa: a de ter maior controle sobre a modulação do texto da Carta.

Face a isto, qual a importância de uma reforma do sistema previdenciário que pode ficar comprometida quando for introduzida a norma da capitalização, e os benefícios de quem está dentro da repartição perderem sustentação atuarial? Os problemas vão sendo vividos dia a dia. Como na famosa frase atribuída ao ex-vice-presidente Marco Maciel, as consequências vêm depois. O importante é que Bolsonaro concretize o primeiro passo, e ambiente para isso existe.

Claudia Safatle: Sem reformas, recessão volta em 2020

- Valor Econômico

Microeconomia só terá vez após aprovar Previdência

A profunda anemia do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu somente 1,1% no ano passado, é reflexo das incertezas que se acumulam em relação ao novo governo. Sem a aprovação da reforma da Previdência, o país entrará em uma nova recessão no segundo semestre de 2020, segundo previsões de técnicos do Ministério da Economia.

Nenhum investidor, portanto, vai expandir os seus negócios no país sem ter a garantia de que uma relevante reforma será votada e aprovada pelo Congresso. Isso é que dará a ele a certeza de que haverá um equilíbrio das contas públicas no horizonte visível e que a trajetória da dívida pública será cadente a partir de 2021, com o retorno da geração de superávits primários, conforme os prognósticos do Ministério da Economia. Nesse ambiente, a taxa de juros poderá ser menor que a de hoje e o país retomará o crescimento econômico.

"Há um claro problema de expectativa", disse o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, à coluna.

A economia hoje está marcada por um quadro binário: "Ou se aprova a reforma da Previdência ou não haverá crescimento e teremos mais uma década perdida", alertou ele.

Há coisas a fazer na área microeconômica para melhorar a política de crédito, para incentivar o mercado de capitais e para desanuviar o ambiente de negócios em geral no Brasil. Técnicos da área econômica avaliam a real situação das pequenas e médias empresas para entender o que ocorreu com o patrimônio, com a formação de estoques e com a capacidade de produção depois de cinco anos seguidos de grandes dificuldades. Desemprego, queda nas vendas, quebra do faturamento e crédito caro, com certeza, deixaram cicatrizes em quem conseguiu sobreviver.

O governo vai esperar a aprovação, pelo Congresso, da reforma da Previdência para encaminhar um conjunto de medidas microeconômicas que possam dar algumas condições do setor privado se reerguer, depois de tantos anos de recessão (de 2014 a 2016) e a posterior estagnação da economia (1,1% de crescimento em 2017 e também em 2018).

Armando Castelar Pinheiro*: O BNDES no governo Bolsonaro

- Valor Econômico

Banco precisa alavancar financiamento privado; por exemplo, por meio da securitização dos créditos concedidos

Com a crise financeira internacional, em 2008, o BNDES virou um braço auxiliar da política fiscal. A ideia era estimular a demanda doméstica dando elevado volume de subsídios, tanto explícitos, como no Programa de Sustentação do Investimento, como implícitos, via TJLP baixa, por vezes abaixo da própria inflação. Essa política se manteve mesmo depois de a economia ter se recuperado do choque de 2008-09. Foi a época dos campeões nacionais, dos empréstimos para governos de países amigos etc.

A partir de 2015, a crise fiscal e, depois, a troca de governo, colocaram um freio nessa política, primeiro parando e depois revertendo parcialmente a transferência de recursos do Tesouro para o BNDES. A criação da TLP reforçou a mudança de rumo, estimulando as grandes empresas a se financiar no mercado de capitais, além de levar a um uso mais transparente de subsídios e ajudar na gestão da política monetária.

O governo Bolsonaro já mostrou que quer continuar avançando nessa nova direção. O ministro da Economia já avisou que espera que o BNDES devolva mais recursos ao Tesouro, que pretende limitar a expansão do crédito público e que deseja privatizar a maioria, senão todas as participações acionárias dos bancos públicos e empresas estatais não essenciais às suas atividades principais.

Tudo isso fez com que, desde 2016, o BNDES ande em busca de um novo papel. O debate, porém, tem ficado muito circunscrito e, a meu ver, ainda não produziu uma resposta satisfatória sobre que papel deveria ser esse.

Merval Pereira: Venezuela e Cuba

- O Globo

Agentes cubanos vigiam os militares, suas famílias, e ameaçam os dispostos a abandonar Maduro

O vice-presidente Hamilton Mourão atribui a resistência da cúpula das Forças Armadas venezuelanas, entre outros motivos, a uma ação de agentes cubanos que vigiam os militares, suas famílias, e ameaçam os que pareçam dispostos a abandonar o ditador Nicolás Maduro para aderir ao governo de transição de Guaidó. A revelação foi feita em entrevista para a GloboNews na noite de quarta-feira, e dá uma nova dimensão ao apoio que o governo Bolsonaro vem dando ao governo que se anuncia como o substituto legal de Maduro.

Mourão foi o representante brasileiro na reunião do Grupo de Lima que reiterou seu apoio ao governo de transição e rechaçou a possibilidade de uma intervenção militar com o apoio dos Estados Unidos. Mas a negativa de que o território nacional pudesse servir de ponte para uma invasão militar não significa que os militares brasileiros se recusam a ser parceiros dos americanos nessa luta política para derrubar Maduro.

O vice-presidente reafirmou a parceria com os Estados Unidos na defesa da democracia e descartou que o petróleo seja a razão por trás da ação dos americanos na Venezuela. Ele chegou a avaliar que o petróleo já não seja um ativo tão poderoso quanto já foi, estando com os dias contados como principal força de energia do planeta. Mourão relacionou questões ambientais e novas energias alternativas como indicadores de que o petróleo já não vale uma guerra. Ainda mais o petróleo venezuelano, que é muito pesado e necessita ser trabalhado por refinarias especiais.

Míriam Leitão: Muito além da crise fiscal

- O Globo

PIB anêmico tem que servir de alerta ao governo e ao Congresso: A economia não vai voltar a crescer por inércia, é preciso acelerar a agenda de reformas

O pior do PIB não é o número magérrimo, mas sim a constatação de que nem somos ainda do tamanho que já fomos. Não nos levantamos do tombo ocorrido no governo Dilma após os sucessivos erros de política econômica. A economia não consegue pegar ritmo, o máximo alcançado até agora foi sair da recessão há dois anos. Neste ponto, continuamos parados. Em termos de PIB per capita, o país está 8% abaixo do que já foi. Essa destruição de valor, de atividade, de emprego está relacionada diretamente com a crise fiscal. Mas não apenas isso. Há muito mais a ser feito se o país quiser realmente crescer.

Pelo segundo ano consecutivo, a economia brasileira ficou em 1,1%. O crescimento de 2018 repetiu o resultado de 2017, frustrando expectativas do começo do ano de uma recuperação em torno de 3%. Mesmo no quarto trimestre, o resultado foi fraco, com alta de apenas 0,1%, e isso coloca em dúvida as projeções de 2,5% para este ano. Certamente nas próximas semanas os economistas vão rever esta previsão para baixo.

A crise brasileira vai muito além do problema fiscal. O país precisa aumentar a produtividade e a competitividade. A construção civil caiu pelo quarto ano consecutivo. No mercado se informa que a aprovação da lei do distrato imobiliário poderá destravar o setor este ano. Mas há muito mais por trás dessa paralisia de várias áreas. As taxas de juros cobradas das empresas e das famílias permanecem elevadas — subiram novamente em janeiro — mesmo com a redução da Selic, da Agenda BC+ do Banco Central, e do recuo da inadimplência.

Bernardo Mello Franco: Culpa pelo laranjal não é das mulheres

- O Globo

O escândalo do lançamento de candidatas laranjas resultou no desvio de dinheiro público. Reclamar do TSE e da cota das mulheres é atirar nos alvos errados

O deputado Rodrigo Maia atribuiu a proliferação de candidaturas laranjas a uma resolução do TSE que tentou aumentar a participação feminina na política. No ano passado, o tribunal decidiu que 30% das verbas do fundo eleitoral deveriam ser reservadas para as mulheres. “Toda vez que o Judiciário legisla, dá problema”, reclamou o presidente da Câmara.

Na quarta-feira, o senador Angelo Coronel apresentou um projeto para acabar com a cota de candidaturas femininas, que também é de 30%. “Mulheres têm sido compelidas a participar do processo eleitoral apenas para assegurar o percentual exigido”, escreveu.

Investigado no escândalo do laranjal, o presidente do PSL, Luciano Bivar, também criticou a cota feminina. “A política não é muito da mulher”, disse o deputado à “Folha de S.Paulo”. “Se os homens preferem mais política do que a mulher, tá certo. Paciência, é a vocação”, prosseguiu. Ele acrescentou que “a vocação da mulher para bailarina é muito maior que a do homem”.

O argumento não é propriamente novo. Na Constituinte de 1890, o deputado Pedro Américo disse que “a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política”. O senador Lauro Sodré emendou que permitir o voto feminino seria uma medida “anárquica” e “desastrada”.

Bruno Boghossian: A cor da boina do ditador

- Folha de S. Paulo

Presidente ataca esquerda por crise na Venezuela enquanto festeja ditaduras de direita

No discurso que fez ao lado de Juan Guaidó no Planalto, Jair Bolsonaro não usou a palavra “ditadura” para descrever o regime de Nicolás Maduro. O presidente brasileiro, como se sabe, até tem simpatia por governos autoritários. A razão da crise no país, ele sugeriu, é o fato de a esquerda estar no poder.

Bolsonaro resolveu contaminar o encontro com sua obsessão ideológica. Ignorou um alerta feito dois minutos antes pelo próprio convidado. “Não é certo que exista um dilema entre uma ideologia e outra. O dilema na Venezuela é entre democracia e ditadura”, afirmou Guaidó.

O presidente brasileiro até se comprometeu a trabalhar para restabelecer a democracia no país vizinho, mas também quis culpar as gestões petistas pelo apoio à ditadura chavista e disse que o Brasil quase seguiu o caminho da Venezuela.

Nunca houve dúvidas de que Bolsonaro usaria o governo como palanque para embates políticos com a esquerda. A referência ao regime venezuelano é singular porque, dois dias antes, o presidente se derramou em elogios a ditadores de direita.

Reinaldo Azevedo: Moro quer ser o chefe de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

O ex-juiz realizou o sonho que o PT, partido estruturado, tentou e não conseguiu

O Partido da Polícia (Papol) arreganha os dentes. É composto por setores do Ministério Público, da PF, do Judiciário e, agora se sabe, da Receita Federal. E já ameaça abocanhar o calcanhar de Jair Bolsonaro. Fiquem atentos! Os eventos deletérios já estão em curso, e a reforma da Previdência, vital para a sobrevivência política do presidente, também é território de luta.

Sergio Moro quer o poder total. Será que o Messias, que não é de todo desprovido do dom da profecia, está disposto a resistir? Basta que tenha nomeado para o Ministério da Justiça alguém indemissível "ad nutum", se me permitem a graça. Afinal, Moro fica até quando quiser; uma só vontade é suficiente para isso: a sua. O ex-juiz está empenhado agora em fazer o nome que vai substituir Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República em setembro. Compõem a sua lista pessoal José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), e Deltan Dallagnol, dublê de procurador, coordenador da Lava Jato e youtuber.

Com a transferência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que Bolsonaro nem sabia direito o que era, para a pasta de Moro, o ex-juiz realizou o sonho que o PT, como um partido solidamente estruturado, tentou e não conseguiu: aparelhar todas as instâncias do Estado de repressão ao crime e investigação. E o doutor sabe o que fazer com o Coaf, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), com a própria PF e com parcelas consideráveis do Ministério Público Federal, das quais não se distingue. Mas o que quer Moro?

Reproduzo, a título de resposta, uma mensagem de Rosangela Wolff Moro, mulher do ministro, publicada no dia 8 de fevereiro no Instagram: "Já estou iniciando HOJE campanha para 2022. Vamos anotando no nosso caderninho". Ela encerra a sua antecipação de agenda com "#foraquemnãopensanobrasil". Em lugar do nome do país, vem uma bandeirinha. Escrito de outro modo: "Brasil, pense nele ou deixe-o". Ela aproveitou a oportunidade para dar um pito nos políticos, exortando-os a trabalhar. Quem tem medo de Rosangela Wolff? Se eu fosse Bolsonaro, teria.

Vinicius Torres Freire: Brasil, líder mundial em recessão

- Folha de S. Paulo

Crise sem fim coloca o país no topo do ranking dos que mais empobreceram desde 2013

O Brasil se tornou um país de ponta em termos de recessão. A economia brasileira foi uma das que mais andaram para trás nesta década. De certo modo, foi a que mais regrediu no mundo inteiro.

Entre 2013 e 2017, em apenas 18 países o PIB per capita regrediu mais do que no Brasil. PIB per capita: o tamanho da economia (da produção ou da renda nacionais) dividido pela população. É uma medida relativa de pobreza/riqueza (de nível de renda, na verdade).

Por que não incluir o ano de 2018? Porque ainda não há dados disponíveis para a maioria dos países.

Por que medir a crise em cinco anos? É um tempo comprido o suficiente para atenuarmos os efeitos de acidentes de percurso, um ou outro ano de recessão excepcional. Por falar nisso, o crescimento brasileiro no quinquênio 2014-2018 apenas não foi pior do que naquele encerrado em 1992, desde que se tem notícia (desde 1901). O PIB per capita de 2018 ainda era 8,1% menor que o de 2013.

Como se dizia, entre 193 países, apenas 18 regrediram mais que o Brasil em termos de PIB per capita.

Oito deles têm economias muito dependentes dos preços do petróleo, que afundaram a partir de 2014 (Guiné Equatorial, Timor Leste, Kuait, Brunei, Omã, Angola, Suriname e Trinidad e Tobago).

Três países do grupo hiper-recessivo estavam ou estão em guerra civil (Iêmen, República Centro-Africana e Líbia, que também apanhou com o petróleo).

Outros três padecem de conflitos crônicos, como Burundi, Palestina (Cisjordânia e Faixa de Gaza) e Chade.

Líbano e Jordânia sofrem os efeitos de vasto tumulto regional: guerra na Síria, crise em parceiros comerciais etc. (além de zorra macroeconômica, no caso jordaniano).

Os demais são Samoa Americana e Dominica, dois países-ilha que, juntos, têm uma população de umas 130 mil pessoas e cabem em metade da cidade de São Paulo.

Hélio Schwartsman: A falta que a hipocrisia nos faz

- Folha de S. Paulo

É chocante constatar que Trump e Bolsonaro foram eleitos graças a declarações escandalosas

No impressionante depoimento que deu ao Congresso dos EUA, o ex-advogado de Trump Michael Cohen classificou o antigo chefe como “canalha”, “racista” e “fraude”. Cohen não é um ex-auxiliar qualquer. Por dez anos, ele atuou como “fixer” (quebra-galhos) de Trump, tendo sido responsável, entre outras coisas, por subornar garotas que tiveram casos com o magnata para que ficassem de boca calada durante a campanha.

Cohen não trouxe acusações novas ao já volumoso rol de complicações de Trump, mas pintou um quadro vívido do empresário inescrupuloso e mentiroso patológico que acabou se tornando presidente dos EUA.

No Brasil, temos Jair Bolsonaro, que defende déspotas, elogia torturadores e ataca homossexuais.

Mais chocante do que constatar que pessoas desse calibre tenham sido escolhidas para comandar seus respectivos países talvez seja perceber que Trump e Bolsonaro não foram eleitos apesar de suas declarações escandalosas, mas, em alguma medida, graças a elas.

Ao que tudo indica, o eleitor, farto da retórica dos políticos tradicionais, tomou o teor ofensivo da fala desses personagens como um signo de autenticidade, em nome da qual aceita o rebaixamento de padrões de urbanidade. Se estou convencido de que meu candidato diz “verdades”, não preciso me preocupar em aferir seu conteúdo.

Luiz Carlos Azedo: O malefício da dúvida

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A proposta de benefício continuado apresentado pela equipe econômica é realmente polêmica e estava na bandeja das negociações com o Congresso”

O presidente Jair Bolsonaro, na entrevista coletiva que deu ontem a jornalistas em Brasília, sinalizou para o mercado que não está tão afinado com a proposta de nova Previdência enviada pelo governo ao Congresso como deveria. O pomo da discórdia é a proposta do chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC) para os idosos carentes, que hoje é de um salário mínimo para aqueles que tem mais de 65 anos. Na proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, o benefício seria pago para idosos com mais de 70 anos, antecipada por um benefício de R$ 400 reais a partir dos 60 anos. Bolsonaro também admitiu reduzir de 62 para 60 anos a idade mínima para aposentadoria das mulheres, que a equipe queria que fosse igual à dos homens, 65 anos.

Como sempre acontece nessas situações, a Bolsa de São Paulo fechou em queda de 1,77%, influenciada também pela divulgação do PIB do ano passado, que cresceu apenas 1,1%, e pelo fato de que os indicadores econômicos dão sinais de desaceleração. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram, em valores correntes, que o PIB em 2018 totalizou R$ 6,8 trilhões, riqueza equivalente a de 2012. Ou seja, o país está estagnado há 7 anos. Não é culpa de Bolsonaro, mas o problema agora é do novo presidente.

Os números são frustrantes em relação ao desemprego, que mantém o patamar do começo de 2018 e teve uma queda do ritmo de geração de vagas. Também caíram as expectativas do comércio e dos serviços. O chamado “instinto animal” dos empresários, para usar uma expressão famosa do ex-ministro Delfim Neto, diante do atual cenário, continua recomendando mais cautela do que audácia na tomada das decisões, o que frustra um pouco as expectativas da equipe econômica. Na prática, o principal sinal de mudança precisa vir da política, com aprovação da reforma da Previdência.

A proposta de benefício continuado apresentado pela equipe econômica é realmente polêmica e estava na bandeja das negociações com o Congresso. Dificilmente seria aprovada, mas a declaração de Bolsonaro tirou o “bode” de sala antes da hora. Ou seja, o governo perdeu poder de barganha nas negociações da reforma de graça, antes mesmo de a comissão especial encarregada de examiná-la ser instalada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Eliane Cantanhêde: Avanços e tropeços

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro reforça liderança, recebe jornalistas e admite negociar reforma, mas...

Aos poucos, mas claramente, o presidente Jair Bolsonaro vai entendendo algumas premissas básicas do cargo, mas é aos poucos mesmo. Ele reluta, reclama de conselhos, ameaça não mudar nada e vai cedendo, mas mantendo a teimosia, ou uma implicância desnecessária e seletiva que não ajuda em nada.

Depois de nomear um líder inexpressivo na Câmara, Major Vitor Hugo, e um neoaliado no Senado, Fernando Bezerra, Bolsonaro, enfim, acertou com a líder do governo no Congresso. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) é neófita no Parlamento, meio estabanada, mas tem algo que falta aos outros dois: liderança, personalidade, acesso direto ao Planalto. Dizem que chama o presidente de “Jair”.

É capaz, até, de fazer o que nenhum outro integrante da base aliada ao Planalto faz: bater de frente com o 03, o deputado Eduardo Bolsonaro. Vivem aos tapas e beijos, mas não rompem e estão ambos empenhados em ajudar Bolsonaro, o governo e a aprovação da “Nova Previdência” – apesar de declarações antigas dele contra a reforma. Mas o pai também era contra. Isso é passado. Poder é poder.

Ontem, Joice Hasselmann já teve de apagar um início de incêndio, depois que Bolsonaro admitiu ceder em pontos da reforma, como a idade mínima para mulheres (de 62 para 60 anos) e as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC). O mercado reagiu mal e o pior foi o susto da área econômica.

Na quarta, Joice se reuniu com Paulo Guedes, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Ontem, já estava desde cedo com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. E coube a ela lembrar que, se tirar receita de um lado, vai ter de compensar de outro. Qual? O fato é que a conta de Guedes, de mais de R$ 1 trilhão, tem de fechar.

Outra questão é como vai se materializar o pragmatismo da nova líder para negociar com o Congresso: vem aí distribuição de cargos de segundo e terceiro escalões? Liberação de emendas parlamentares? Projetos camaradas para a base aliada?

Caindo na real, após dois meses de mandato, Bolsonaro também começou a perceber que é bacana, e pode até ser divertido, governar com os filhos via redes sociais, mas isso não é tudo e pode ser perigoso. Redes sociais que aplaudem também apedrejam.

Assim, Bolsonaro inaugurou ontem algo comum em qualquer governo: conversas com jornalistas. É quando os presidentes abrem o coração, explicam suas decisões, projetam os próximos passos para os responsáveis pela cobertura e pela análise política. Olho no olho, tornam-se personagens de carne e osso, com seus defeitos e qualidades.

É inexplicável que tenha deixado de fora jornalistas do Estado, da Folha e do jornal O Globo. Isso lembra Lula, que começou discriminando um jornalista daqui, outro dali, e, no fim, metia no Planalto ou no Alvorada até os tais “blogs sujos”, braços armados do PT na internet. Com Dilma, era pior. Assim como desdenhava a política, ela desdenhava o jornalismo.

Elena Landau*: Duas ou três coisas que sei dela

- O Estado de S.Paulo

A social-democracia à brasileira é mais liberal que o discurso dos novos libertários

Participei do programa de privatização de Fernando Henrique Cardoso nos anos 90. Aprendi algumas coisas que ainda hoje, 25 anos passados, continuam relevantes. A primeira delas é que a venda das estatais envolve todo o governo, desde o compromisso do próprio presidente ao terceiro escalão. A segunda é que numa privatização, a venda pelo melhor preço não é o objetivo único e, por isso, demanda uma série de outras iniciativas, como o desenho de um modelo que gere competição e eficiência, a criação de agências reguladoras autônomas e independentes e a garantia da transparência e segurança jurídica do processo.

Foi com esses objetivos e orientações que FHC implementou um agressivo programa de desestatização, como parte de um conjunto de políticas macroeconômicas que acompanhou o Plano Real. A engenhosidade do mecanismo de troca de moedas foi tão grande que pouco se fala da bem desenhada agenda liberal que deu sustentação ao plano de estabilização. Com abertura comercial, reorganização das contas públicas federais e estaduais, fortalecimento do Tesouro Nacional e reforma do Estado, com ênfase nas privatizações, foi definido um novo modelo econômico para o País.

Depois da retirada do Estado em setores importantes da economia, como petroquímica e siderurgia, o governo FHC avançou abolindo os monopólios estatais e vendendo empresas de energia, a Vale e a Telebrás. Com a limitação imposta pelo governo federal à capacidade de endividamentos dos Estados, os governadores decidiram vender seus ativos e aderiram ao programa, tornando a desestatização um movimento nacional e não apenas federal. Foram privatizadas empresas de distribuição de energia, saneamento e bancos públicos, como Banerj e Banespa, cuja venda com outros bancos estaduais ajudou a reestruturação do sistema financeiro, fragilizado com o fim dos ganhos decorrentes da inflação. O paralelo com momento atual é gritante: a venda dos ativos deve estar no topo da agenda de todos entes federativos, em complemento às reformas da Previdência e do funcionalismo.

Celso Ming: PIB ainda fraco

- O Estado de S.Paulo

Não há nada muito entusiasmante que se possa tirar dos números da atividade econômica brasileira em 2018

Não há nada muito entusiasmante que se possa tirar dos números do PIB divulgados nesta quinta-feira. A retomada da atividade econômica continua fraca e frágil, especialmente no último trimestre, o que sugere falta de tração para este início de ano.

É verdade que, depois de dois anos de recessão (2015 e 2016) e de um ano de baixo crescimento (2017), em 2018, a renda avançou 1,12% e deixou para trás uma fase pior.

No entanto, é pouco quando se tomam três bases de comparação. Esse 1,12% de avanço é pouco quando se levam em conta as expectativas do início de 2018, que previam um crescimento de pelo menos 3,0%. É pouco quando se considera que o PIB do ano passado ainda ficou 9% abaixo do que estava no início de 2014. E é pouco quando se compara com o que acontece com outras economias em desenvolvimento: a Índia e a China, por exemplo, crescem a 6,6% ao ano e a Coreia do Sul, a 2,7%. O Brasil é hoje um país desarrumado que não consegue eficácia tanto na administração da educação, da saúde e da segurança quanto na administração da economia.

Quem precisa de projeções firmes para orientar suas decisões espera um avanço do PIB de 2019 da ordem de 2,48%, como indica o Boletim Focus, do Banco Central, que faz um levantamento entre 117 consultorias e departamentos de economia pelo País. No entanto, o crescimento inexpressivo do último trimestre de 2018, de apenas 0,1%, indica um empurrão fraco demais para dar conta disso. Nas próximas semanas, provavelmente será preciso rever para baixo essas estimativas.

Ricardo Noblat: Moro, pede pra sair!

- Blog do Noblat / Veja

Governo no embalo das redes sociais

No dia em que anunciou que seus filhos não mandam no governo, sem dizer quem de fato manda, o presidente Jair Bolsonaro rendeu-se à pressão dos seus seguidores nas redes sociais e ordenou ao ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, que retirasse o convite que fizera à cientista política Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política e Penitenciária. Moro obedeceu sem piar.

A importância do Conselho é quase nenhuma. Criado em 1980, ele é um órgão de consulta do governo para formulação de projetos na área de segurança.
Realiza inspeções periódicas nos presídios e cadeias do país. A cada 4 anos, elabora um plano nacional para a prevenção da criminalidade. E sugere as regras para o indulto que o presidente da República concede a presos condenados a cada fim de ano.

São 26 conselheiros – 13 titulares e 13 suplentes. Szabó seria suplente não remunerada. Ela é a diretora executiva do Instituto Igarapé que se dedica a estudar e a chamar a atenção para os desafios da violência e da insegurança no Brasil e na América Latina. Pela relevância do seu trabalho, o instituto abiscoitou quase uma dezena de prêmios internacionais em menos de 8 anos.

Foram consultores do instituto os atuais ministros da Secretaria Geral da Presidência e da Secretaria de Governo, os generais Floriano Peixoto Vieira Neto e Carlos Alberto dos Santos Cruz. O Igarapé foi parceiro do Exército em missões de paz no exterior, inclusive com treinamento de tropas. Moro conheceu Szabó em janeiro passado no Fórum Mundial de Davos, na Suíça. Gostou de suas ideias.

No último dia 22, convidou-a para fazer parte do Conselho. Informou-a que na primeira oportunidade que tivesse ela se tornaria titular de uma das 13 vagas. Anteontem, em Brasília, os dois se reuniram e tiveram “uma ótima conversa”, segundo Szabó. O acerto entre eles começou a desandar ontem, quando nas redes sociais se formou uma onda bolsonarista contra a nomeação da cientista.

Szabó foi acusada de se opor à liberação da venda de armas, à posse de mais de uma arma por pessoa, e de um grau maior liberdade para que policiais, sob a alegação de legítima defesa, possam atirar em bandidos ou apenas suspeitos. Moro também era contra tudo isso, mas acabou cedendo à vontade de Bolsonaro e dos seus devotos. Um telefonema de Bolsonaro para Moro selou a sorte de Szabó.

Não foi a primeira, e nem será a última vez que Bolsonaro, de olho nos comentários nas redes sociais, revoga um fato que parecia consumado. Aconteceu com o vice-presidente do Instituto Ayrton Senna, o educador Mozart Araújo. Ele foi convidado para ser ministro da Educação. Criticado por ser um liberal, perdeu o lugar para Ricardo Vélez Rodrigues, cria do dito filósofo Olavo de Carvalho.

Em dois meses no cargo, Vélez Rodrigues já protagonizou episódios memoráveis. Disse que universidade não é para todos e que brasileiro viajando é ‘canibal’. E mandou que as escolas filmassem seus alunos cantando o Hino Nacional e lesse para eles uma carta onde Vélez Rodrigues exaltava os “novos tempos” e citava o slogan de campanha de Bolsonaro – Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.

Também não foi a primeira vez que Moro, habituado à autonomia que tinha como juiz, foi forçado a dar por não dito o que dissera. Moro foi mais duro do que desejava no seu pacote de leis contra o crime. E mais brando do que pretendia na parte do pacote referente a crimes de corrupção. Sobre Flávio Bolsonaro e seus rolos, Moro evita falar. Já não considera Caixa 2 um crime tão grave assim.

O poder – ou a subserviência – subiu à cabeça de Moro, que se arrisca a ser apontado no futuro como um cavaleiro de triste figura.

Outra teoria da conspiração

Quem mandou matar Bolsonaro?
A Polícia Federal está sob pressão do governo para arranjar um motivo que explique o tresloucado gesto do pedreiro Adélio Bispo de esfaquear Jair Bolsonaro em Juiz de Fora.

Uma vez que os dois inquéritos abertos pela Polícia Federal concluíram que ele agiu sozinho e por vontade própria, cai por terra a teoria dos bolsonaristas de que o atentado foi obra da esquerda.

Providencie-se outra teoria, portanto. Que tal a de que Bispo estava a serviço do crime organizado? Pelo menos assim, Bolsonaro poderá dizer que foi vítima de sua pregação, e não de um doido qualquer.

Dora Kramer: Show de calouros

- Revista Veja

O governo patrocina espetáculo de novatos, há dois meses em cartaz

O desempenho dos militares nomeados para postos-chave no governo tem surpreendido positivamente e remete à máxima de que de onde menos se espera é que saem as boas surpresas. Já outra banda, a formada pelo governo & seus novatos, obedece à inversão do dito na visão do Barão de Itararé: de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.

Nesse aspecto, alguns ministros, a maioria composta dos ditos ideológicos, não decepcionaram. Vistos com desconfiança quando nomeados, Damares Alves, dos Direitos Humanos, Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, Ricardo Vélez, da Educação (esses últimos da lavra de Olavo de Carvalho), Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo, formam na linha de frente no quesito amadorismo e inadequação ao cargo.

Antes de prosseguir na exibição do número de cada um deles, um exemplo de diletantismo até entre os que dão conta muito bem do respectivo riscado: inexperiente no trato parlamentar, Paulo Guedes, da Economia, pretendeu tocar a reforma da Previdência dando “uma prensa” no Congresso.

Monica De Bolle*: O quinto poder

- Revista Época

Afinal, todo mundo que é gente de pele e osso deixa rastros na internet. E não é preciso ser um hacker profissional para farejar e ir atrás dos rastros.

O Executivo, o Legislativo, o Judiciário são os três tradicionais. A imprensa é o Quarto Poder de qualquer democracia que se preze. E, nos últimos anos, vimos a ascensão do Quinto Poder: as redes sociais. Pouco se compreende sobre esse Quinto Poder. Após as revelações de interferências em eleições, de venda de dados pessoais, do clichê verdadeiro de que nas redes somos nós as mercadorias, muitos passaram a se sentir impotentes, sobretudo quando confrontados por robôs ou pessoas escondidas atrás de perfis falsos ou avatares cujo único objetivo nas redes é, no mínimo, importunar. Quando a ação dessa gente — aqui já não falo dos robôs — é apenas para importunar, é possível ignorá-la, bloqueá-la ou emudecê-la, como se faz muitas vezes no Twitter. Contudo, assim como ocorreu nos Estados Unidos após a ascensão de Trump, tenho notado no Brasil mudança de comportamento perturbadora. Quem está nas redes para agredir já não se contenta em apenas tentar chatear sua “vítima”. Quem está nas redes para agredir, hoje, perdeu a vergonha, o freio natural, e passou da chateação para algo mais sinistro: as ameaças implícitas ou explícitas de violência.

Sei que muitos jornalistas têm sido alvo desse tipo de comportamento. Também sei que há acadêmicos — em especial acadêmicas, isto é, mulheres professoras e pesquisadoras — que sofrem com as constantes ameaças. Algumas dessas pessoas decidiram sair do país, pois viram nas ameaças risco real para si e para suas famílias. Minha solidariedade a todos, de diferentes profissões, que tanto têm aguentado desde que a ascensão de Bolsonaro fez com que o ódio e o rancor de certos indivíduos, antes escondidos, aflorassem como se agora possuíssem carta branca para fazer o que bem entenderem. Em minha experiência, esses indivíduos são, em grande maioria, homens brancos de classe média ou classe média alta. A idade varia, mas está no intervalo entre os jovens imaturos e os profissionais de meia-idade. Em meu caso, muitos — não todos — desses homens que ameaçam violência de forma velada ou aberta atuam no mercado financeiro. Muitos deles não se dão conta de que minha rede de conhecidos e de pessoas próximas, profissional e de amizade, cruza com a deles. Tenho vários amigos no mercado financeiro brasileiro, e muitos são homens que jamais fariam o que seus pares fazem. Recentemente, expressaram solidariedade e apoio ao presenciar os ataques.

Pressionado, Moro afasta Ilona Szabó de Conselho

Moro cede a pressão e exclui Ilona Szabó do Conselho Nacional de Política Criminal

Cientista política havia sido indicada nesta quarta-feira, mas virou alvo de bolsonaristas nas redes sociais

Jailton Carvalho / O Globo
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BRASÍLIA — Depois de receber um telefonema do presidente JairBolsonaro na tarde desta quinta-feira, o ministro da Justiça, Sergio Moro , retirou a indicação da cientista política do Instituto IgarapéIlona Szabó , que havia sido nomeada por ele anteontem para ocupar uma cadeira de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Uma das principais especialistas em segurança do país, Ilona faria parte do colegiado responsável por debater políticas públicas para o setor. Defensora do Estatuto do Desarmamento, ela seria uma voz de contraponto, no conselho, ao pensamento majoritário de apoiadores do presidente em relação a temas como a flexibilização do acesso a armas de fogo pela população.

Desde que foi anunciada, na quarta, a indicação de Ilona passou a ser criticada por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais . A hashtag #IlonaNão se tornou um dos temas mais discutidos no Twitter. As mensagens, em geral, continham tons de decepção com o ministro da Justiça e pedidos de revisão da nomeação. Com o aumento das críticas, o presidente Bolsonaro telefonou para Moro ontem, consumando o entendimento de que a escolha de Ilona deveria ser revista.

Em nota, Moro pediu desculpas à especialista pela decisão. “Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação”.

Na nota, o ministro não informou de onde partiram as pressões. Mas a própria Ilona, em entrevista ao GLOBO ontem, confirmou que o presidente Bolsonaro teria tratado do assunto com o ministro.

— Teve uma conversa entre o ministro e o presidente, e ele (Moro) sentiu que não dava para manter a minha nomeação. Como foi essa conversa e o teor dela eu não sei. Para mim, o que eu lamento, é que a gente não deve ver pessoas que pensam diferente como inimigas — disse Ilona.

Em solidariedade, presidente do Fórum de Segurança sai de conselho

Igor Mello / O Globo

Após a decisão do ministro da Justiça, Sergio Moro, de revogar a nomeação da pesquisadora Ilona Szabó no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, se desligou ontem de outro órgão vinculado à pasta. O sociólogo é integrante do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, grupo criado em setembro de 2018 como parte do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

O órgão do qual Lima fazia parte tem caráter consultivo. Sua função é propor diretrizes para prevenir a violência no país.

No documento em que formaliza sua exoneração, Lima critica a decisão de Moro de revogar a nomeação de Ilona. Ela é fundadora do Instituto Igarapé, que se dedica a estudar e elaborar propostas de políticas públicas para a redução da violência. Segundo ele, a pesquisadora “foi colocada em uma situação constrangedora” pelo ministro:

PIB modesto põe em dúvida ritmo de expansão em 2019: Editorial | Valor Econômico

A economia brasileira continua anêmica, após sair de uma das mais ruinosas recessões em um século. O Produto Interno Bruto cresceu 1,1% no ano passado, o mesmo ritmo de 2017. É a recuperação mais fraca e mais demorada pelo menos desde a crise asiática, em 1997. Não se esperava um número muito diferente, mas a fraqueza do último trimestre do ano, com expansão de 0,1%, jogou uma nuvem cinza sobre projeções de expansão de 2,5% (mediana do boletim Focus) para 2019, que agora parecem róseas. Não há nenhum sinal claro de aceleração e a herança estatística, com o desempenho medíocre, é de apenas 0,4%.

A tendência não é promissora, mesmo que alguns números bons apareçam no conjunto das estatísticas. A taxa acumulada em quatro trimestres, considerada a oferta, mostra que apenas a construção segue em nível negativo (-2,5%). Fortemente empregadora, ela declinou 7,5% no último trimestre de 2017, melhorou mas, desde meados de 2018, perdeu fôlego de retomada. Essa é quase uma constante do comportamento do subconjuntos que formam o PIB. Desde o segundo trimestre, impactado pela greve dos caminhoneiros, o ímpeto de expansão, que já não era intenso, se perdeu.

O ano começou melhor do que terminou. O setor de serviços, que carrega consigo quase dois terços do PIB, crescia 1,5% no segundo trimestre e encerrou em 1,3%. A indústria exibiu um novo falso positivo de recuperação e após dois trimestres consecutivos de altas recuou 0,3% no último trimestre. A agropecuária, que cresceu 12,5% em 2017, terminou o ano passado com ínfimo 0,1%.

Sem boas notícias: Editorial | Folha de S. Paulo

PIB repete em 2018 resultado fraco do ano anterior, e renda per capita está 8% abaixo do nível de 2013

O desempenho da economia nacional nos meses finais do ano passado foi mais do que decepcionante. Os números divulgados nesta quinta-feira (28) pelo IBGE reforçam as dúvidas quanto à recuperação após o ciclo recessivo de 2014-16.

Medida pelo Produto Interno Bruto, a renda do país cresceu mísero 1,1% em 2018, tanto quanto em 2017, e a expansão perdeu velocidade no segundo semestre.

Os primeiros sinais de 2019 tampouco se mostram inspiradores. Há indícios de estagnação no mercado de trabalho, baixa de confiança entre empresários do comércio e dos serviços, perda de fôlego na recuperação já modesta do crédito. Estimativas para a variação do PIB até dezembro têm caído.

A incerteza ainda constitui um freio à atividade. Em 2015 e 2016, a derrocada política de Dilma Rousseff (PT) contribuiu para intensificar os efeitos de sua administração ruinosa. Os escândalos que envolveram Michel Temer (MDB) também cobraram seu preço ao esvaziar o começo de recuperação e a perspectiva de reformas em 2017.

A ordem das coisas: Editorial | O Estado de S. Paulo

A situação crítica das contas estaduais não pode servir de pretexto para que governadores condicionem seu apoio à reforma da Previdência a alguma forma de socorro da União para os Estados. Como lembrou Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, em entrevista ao Estado, “a reforma é importante para o governo federal, para os Estados e para os municípios”, ou seja, “é importante para o País”, razão pela qual “não faz sentido nenhuma ação de toma lá dá cá”.

Com isso, o ex-governador Hartung quis dizer que a reforma da Previdência não é uma escolha, e sim uma imposição dos fatos, e, portanto, não pode ser objeto de barganha - pela simples razão de que uma eventual rejeição do projeto seria catastrófica não apenas para o governo federal, mas para todos os entes federativos e para o conjunto dos cidadãos.

Já a aprovação da reforma, como enfatizou o ex-governador capixaba, será benéfica para todos. “É o tipo da ação ganha-ganha”, disse Paulo Hartung. Isso significa que os governadores deveriam se empenhar em arregimentar votos a favor do projeto encaminhado pelo governo mesmo que não haja neste momento ou mesmo no futuro alguma oferta de ajuda para Estados que estão em situação pré-falimentar.

Bolsonaro começa a entender o que é negociação política: Editorial | O Globo

Demonizado na campanha, entendimento com o Congresso é vital para aprovar as reformas

Entre os piores passivos deixados pelo lulopetismo estão, na economia, o desmantelamento fiscal do Estado, de que resultou a grande recessão de 2015/16, uma crise grave que se reflete até hoje na lenta recuperação da economia; e, na política, o mau entendimento do que é o “presidencialismo de coalizão”.

Ele pressupõe negociações entre governo e partidos, para garantir a sustentação parlamentar à execução de um programa sancionado nas urnas, mas não pode ser confundido com um liberou geral ético. É o que aconteceu nos governos de Lula e Dilma —aí estão como provas o mensalão e o petrolão, que continua a gerar forte noticiário sobre corrupção.

Talvez o vale-tudo do toma lá da cá praticado pelo PT com aliados precisasse ser muito amplo para sustentar o megalômano projeto de hegemonia política e ideológica do partido. Não se tratava apenas de governar, mas de se perpetuar indefinidamente no poder, não importando os meios. A qualquer custo. Os resultados políticos e penais são conhecidos.

Uma das graves mazelas que este erro de visão produziu foi amaldiçoar a negociação política entre governo e Congresso, para o Planalto conseguir avançar com seus projetos. Tudo virou fisiologismo. E não é assim, haja vista a experiência do governo de Fernando Henrique Cardoso.

João Cabral de Melo Neto: A lição de poesia

1.
Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.

2.
A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.
3.
A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis - naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.