domingo, 17 de março de 2019

*Luiz Sérgio Henriques: A filósofa e o autocrata

- O Estado de S.Paulo

Agnes Heller adverte que a democracia liberal é nossa única chance de sobrevivência

Talvez não seja vezo, vício, muito menos viés o que tem garantido no debate corrente a fortuna do termo “ideologia”, especialmente no seu mau sentido, aquele segundo o qual, se não formos capazes de um esforço severo e constante, terminaremos por ver o mundo com lentes deformadas ou mesmo de ponta-cabeça. A acreditarmos em Agnes Heller, filósofa de sólida formação marxista e há décadas influenciada pelo liberalismo político, passamos rapidamente de uma sociedade de classes para uma sociedade de massas, em que, se as classes obviamente não desapareceram, foram fortemente redefinidas e deixaram de ser percebidas como o motor único ou mesmo principal do comportamento político.

Neste contexto de massas, ideologias tóxicas de novo tipo, manipuladas por aventureiros, tomam a cena, insuflam atitudes irracionais e servem de escora para modalidades inéditas de tiranos e tiranias. As palavras de Heller, registradas por Le Nouvel Observateur e reproduzidas por O Globo, provêm de um dos vários laboratórios atuais dessas perigosas experiências, a sua Hungria natal. Nela, com efeito, Viktor Orbán, personagem com quem nos familiarizamos já no primeiro dia do ano, com sua presença na posse do novo presidente, radicaliza o projeto de democracia iliberal, oposto ao liberalismo não democrático que, segundo ele, assinalaria uma Europa extenuada, sem cultura e sem alma, termos afins aos do nosso ministro das Relações Exteriores.

A “democracia cristã” do autocrata húngaro nada tem que ver com grupos e correntes da mesma denominação que, no segundo pós-guerra, reuniram partes muito expressivas de eleitores influenciados pelo catolicismo, muitas vezes em confronto aberto, mas institucionalmente regulado, com setores do mundo laico, fossem eles liberais ou socialistas. Conflitos ásperos à parte, a velha democracia cristã incorporava amplos contingentes populares à vida do Estado democrático, vitalizando-o e tornando-o mais representativo, transformando-o, por conseguinte, na arena por excelência da disputa política civilizada. Nessa arena preciosa, resultado de longo e cruento percurso histórico, o conflito, então, poderia ser produtivo para todos, tal como provado por décadas de políticas de bem-estar social que não se restringiram à Europa ou aos Estados Unidos de Roosevelt, mas deixaram marcas por toda parte, até no Brasil.

A nova “democracia cristã”, ao contrário, gostaria de generalizar ideias fora de lugar e de tempo – ideologias, exatamente –, como, em particular, o recurso demagógico a egoísmos nacionais e a extremado conservadorismo de valores. O primeiro de tais recursos choca-se, evidentemente, com os traços de uma época em que o gênero humano, provavelmente pela primeira vez, deixa de ser construção mais ou menos abstrata dos filósofos e passa a ser realidade imediata para cada indivíduo, em qualquer canto que esteja. Difícil contornar essa evidência apontando o dedo contra “globalistas”, uma vez que cada país se vê às voltas com fenômenos de todo tipo que escapam às próprias fronteiras. A interdependência, por isso, é o horizonte do nosso tempo para o bem ou, certamente, para o mal, se não soubermos construir os instrumentos capazes de governá-la.

*Celso Lafer: Ruy Barbosa

- O Estado de S.Paulo

Cabe destacar a atuação em prol da criação do espaço público democrático no País

Ruy Barbosa, que nasceu há 170 anos, usufruiu generalizado reconhecimento como ícone intelectual, admirado orador e advogado, homem de notável cultura e excepcional conhecimento da língua portuguesa. Seu legado permanece atual, cabendo destacar sua atuação em prol da criação do espaço público democrático em nosso país.

Na Oração aos Moços, discurso de paraninfo da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – seu testamento político –, escreveu que estava encerrando seus trabalhos de vida sem os meios e as manhas do político tradicional. “Em compensação tudo envidei por inculcar ao povo os costumes da liberdade e à República as leis do bom governo, que prosperam os Estados, moralizam a sociedade e honram as nações.”

Entre seus serviços à Nação realço a ativa participação na campanha abolicionista. Sublinhou que a escravidão era a questão das questões, a que todas as outras se subordinavam, pois, “encarna em si o começo da solução de todas as demais”.

O Direito representou para Ruy o caminho do seu empenho político. Este foi o de ser “o mais irreconciliável inimigo do governo do mundo pela violência, o mais fervoroso predicante do governo dos homens pelas leis”, característica do civilismo que norteou suas duas campanhas presidenciais. A autonomia do jurista em relação ao poder é um traço marcante da sua personalidade e do sentido apostolar do seu percurso. Ele engloba na missão do advogado uma espécie de magistratura: a da justiça militante. Nisso inclui “não transfugir da legalidade para a violência”; “não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínios a estes contra aqueles”; não “quebrar da verdade ante o poder”; não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniquidade ou imoralidade”; “não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas.”

Sua posição em defesa da inocência de Dreyfus, cuja relevância anteviu no calor da hora, repercutiu favoravelmente na diplomacia aberta, caracterizadora da Conferência de Haia de 1907, o primeiro grande ensaio da diplomacia multilateral no século 20 e momento inaugural da presença brasileira nos grandes foros internacionais.

Nela, como chefe da delegação do Brasil, Ruy contestou a igualdade baseada na força e sustentou, no âmbito do Direito Internacional Público, a igualdade dos Estados. Foi a primeira formulação brasileira da tese da democratização do sistema internacional e uma contestação ao exclusivismo, até então preponderante, do papel da gestão da vida internacional atribuído às grandes potências.

Clóvis Rossi: Brasil / EUA, se melhorar, estraga

- Folha de S. Paulo

Nunca antes na história os dois países foram tão amigos

O presidente Jair Bolsonaro embarca neste domingo (17) para Washington, para reaproximar o Brasil dos Estados Unidos.

De acordo com Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, o Brasil do PT havia se afastado de Washington por motivos ideológicos.

Bobagem. Pura fake news.

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações entre Brasil e EUA estiveram em ponto ótimo, provavelmente o melhor da história. Assim continuaram com Luiz Inácio Lula da Silva.

Só sofreram um abalo com Dilma Rousseff, mas por culpa dos americanos (a espionagem nos telefones da então presidente), não por qualquer tipo de ranço ideológico do governo de turno.

Não é uma análise por ouvir falar. Fui testemunha direta de um punhado de cenas explícitas de engajamento muito amistoso de parte a parte.

Relembro uma, a mais emblemática delas, por envolver o sensível tema da proliferação nuclear.

Antes de uma visita de Lula a Teerã, em 2010, o presidente Barack Obama enviou carta a seu colega brasileiro indicando os pontos que deveriam constar de qualquer conversa com os iranianos.

A Folha obteve a carta depois e pôde comprovar que o acordo com o Irã (ao qual se somou a Turquia) seguia ponto a ponto o que Obama queria.

Inclusive no item crucial, de acordo com o presidente americano: o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no exterior até o nível que só permitiria seu aproveitamento para finalidades pacíficas, nunca para a bomba.

Você acha, honestamente, que os EUA confiariam a um governante ao qual tivessem qualquer tipo de restrição, mais ainda ideológica, uma negociação nesse capítulo especialmente sensível?

O relacionamento entre os dois países chegou a um nível tão bom que, uma vez, o segundo homem da embaixada americana na época veio a São Paulo para uma conversa informal com dois ou três jornalistas.

Bruno Boghossian: O titereiro da Virgínia

- Folha de S. Paulo

Presidente dá poder a Olavo de Carvalho enquanto área sensível do governo fica parada

Jair Bolsonaro decidiu submeter mais um auxiliar a um espetáculo de humilhação. Nos últimos dias, ele drenou os poderes de Ricardo Vélez (Educação), forçou a demissão de pessoas de sua confiança e deixou o ministro pendurado no cargo como um morto-vivo. A campanha de degradação pública respinga no próprio presidente.

A crise começou quando Vélez resolveu demitir seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho, responsável por sua indicação para a pasta. O padrinho não gostou e incitou um motim. Ele atacou militares e técnicos e, a certa altura, propôs que o ministro fosse posto para fora se não seguisse suas recomendações.

Bolsonaro interveio e acabou aniquilando Vélez. Primeiro, obrigou o ministro a demitir um assessor próximo que era criticado pelos olavistas. Depois, forçou a saída do número dois da pasta, alvo do mesmo grupo.

Na última semana, Bolsonaro disse que dera “carta branca” aos ministros para formar suas equipes, mas combinou que teria “poder de veto” sobre essas escolhas. Parece que, no caso da Educação, essa competência foi terceirizada para seu guru.

Janio de Freitas: A reação do cansaço

- Folha de S. Paulo

O fim da complacência com a Lava Jato ocorreu sob circunstâncias favoráveis

As quatro derrotas dos integrantes da Lava Jato, na última semana, oferecem uma percepção retardatária e bem-vinda. A força e a sequência das derrotas, apesar das pressões disseminadas pelo grupo, indicam o esgotamento da tibieza com que autoridades maiores se curvaram a tantos desmandos, à margem da ação legal contra a corrupção, daqueles juízes e procuradores associados. Alguns começam a ver as entranhas sob o papel corretivo da Lava Jato.

Se faltassem exemplos, o fundo financeiro idealizado por DeltanDallagnol e seus coordenados exibiria, por si só, todo o descaso do grupo, e de cada componente, por seus limites funcionais e legais. Deslocar R$ 2,5 bilhões de multa aplicada à Petrobras, tornando-os um fundo sob influência do grupo da Lava Jato, constituiu uma pretensão tão audaciosa, que exigiu práticas bem conhecidas dos procuradores e juízes moralizadores.

Primeiro forçar o acordo de desvio da multa devida à União ao Estado. Depois, firmar esse acordo, sem poder para tanto. Depois, incluir no projeto a ser examinado pela Justiça a afirmação falsa de que, nos termos negociados pela Petrobras para sua dívida nos Estados Unidos, ou os bilhões iriam para o tal fundo ou iriam para os americanos. É o grupo da Lava Jato aplicando os métodos de muitos dos seus presos e condenados por utilizá-los.

O Supremo Tribunal Federal destruiu o plano, dando motivo a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes arrasadora, nos sentidos jurídico e moral. Já era a segunda derrota do grupo, porque sua chefe, a procuradora-geral Raquel Dodge, preferira abrir um conflito com a Lava Jato a admitir o negócio de fundo em nome do Ministério Público. Seu parecer pediu ao Supremo a rejeição do fundo e a anulação do acordo respectivo, por inconstitucionais no teor e inaceitáveis na forma de obtê-los.

*Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato

- Folha de S. Paulo / O Globo

Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.

Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova
modalidade de barreira.

Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)

O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.

Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.

Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.

Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.

Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.
Barroso ficou na minoria.

A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.

O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.

A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.

Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.

Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.

Vera Magalhães: A todo custo, não!

- O Estado de S.Paulo

Agentes públicos esticam a corda de sua atuação, num vale-tudo institucional

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, vê em curso uma marcha para assassinar reputações e enfraquecer as instituições, tendo as redes sociais como veículo e fruto de uma orquestração que acredita ter bases inclusive internacionais. Propõe um pacto entre Poderes para se contrapor a isso e diz que combaterá essa rede a qualquer preço. O diagnóstico do fenômeno, salvo um evidente exagero, pode estar correto. O problema começa quando se analisa até onde ele e outros estão dispostos a esticar a corda para fazer prevalecer seus interesses e suas opiniões “a qualquer custo” no Brasil, neste momento. O custo, no caso, muitas vezes são a lei e as próprias instituições.

Vejamos o caso do próprio STF. Para se contrapor a uma campanha contra a Corte, Toffoli lançou mão de um instrumento mais do que controverso. Anunciou a abertura de um inquérito criminal, sem provocação nem objeto definido, para, de forma genérica e perigosamente abrangente, investigar ameaças, calúnias, difamações e sabe-se lá mais o que contra ministros e familiares.

Trata-se de um balaio no qual cabem desde os ataques virtuais até procuradores da República que tecem críticas aos ministros e auditores da Receita Federal. Senadores que propõem a CPI da Lava Toga estarão enquadrados? Jornalistas que criticarem ministros entrarão no rol dos investigados? Quem xingar ministro no avião entra na roda? Não se sabe. Justamente porque, sob o manto do sigilo, não se tem acesso ao escopo do tal inquérito.

Eliane Cantanhêde: Nas terras do Tio Sam

- O Estado de S.Paulo

O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos

O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.

Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade. Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros não poderão ir ao país deles.

A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.

O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.

Luiz Carlos Azedo: O lobo e o bom selvagem

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O risco que corremos, com a polarização ideológica e a flexibilização da posse de armas, é o surgimento de uma militância política armada”

Na política, é muito comum o sujeito achar que o bom rapaz terminará por último, uma expressão do mundo do beisebol, esporte no qual os melhores do mundo atualmente são o Japão, os Estados Unidos, a Coreia e Cuba, com a Venezuela na cola deles. O ardil, a dissimulação, a esperteza e a falta de escrúpulos parecem ser a regra do jogo, mas não é bem assim, existem bons rapazes na política, sem a qual não existe processo civilizatório. O neodarwinista Richard Dawkins, no último capítulo do livro O gene egoísta (Companhia das Letras), discute exatamente isso. Segundo Dawkins, o ser humano é um grande arranjo biológico, uma espécie de máquina de sobrevivência de um gene egoísta reprodutor da espécie. Para isso, porém, também precisa ser altruísta, cooperar com os demais integrantes da espécie para não entrar em extinção. É aí que os bons rapazes podem acabar em primeiro.

Para explicar o raciocínio, Dawkins faz uma analogia com os pássaros de uma mesma espécie, mas com comportamentos distintos: os trapaceiros, os trouxas e os rancorosos, todos em luta com piolhos alojados na cabeça, que poderiam exterminar a espécie. Caso existissem somente trapaceiros e trouxas, a espécie seria extinta, porque somente o segundo cataria os piolhos alheios, o que não seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico. Os trapaceiros não catam piolho de ninguém, nem podem removê-los da própria cabeça; com a redução da população de trouxas, todos acabariam extintos.

Quando entram em cena os rancorosos, a situação se modifica. São pássaros que ajudam uns aos outros de maneira mais ou menos altruísta, mas que se recusavam a colaborar com os indivíduos que se recusaram a ajudá-los. Por essa razão, os rancorosos conseguem transmitir mais genes às gerações seguintes do que os trouxas (que ajudavam os indivíduos indiscriminadamente e por isso eram explorados) e também que os trapaceiros (que, implacáveis, tentavam explorar todo mundo e acabaram por se anular uns aos outros). Com o chamado altruísmo recíproco, a população de trouxas diminui e os trapaceiros acabam com a sobrevivência ameaçada pelo isolamento. O Brasil está passando por um período darwinista na política. Nesse contexto é que devemos examinar a crise de segurança pública e o problema da violência.

Merval Pereira: O mal menor

- O Globo

Após a volta de democracia, apenas dois presidentes foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique e Lula

O país vive há anos em busca do “salvador da pátria” e só consegue encontrar o “mal menor”, o “erro novo”. Assim Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, Collor em 1989. Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2002, apresentando-se como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal. Os dois foram reeleito sem 1998 e 2006 esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos. A reeleição, cada um a seu tempo, pareceu à maioria o “mal menor”. Fernando Henrique reeleito no primeiro turno, temendo ser derrotado se disputasse o segundo. Lula ficou deprimido ao não conseguir vencer no primeiro turno, quando o então governador tucano Geraldo Alckmin teve uma votação espantosa de 41% dos votos. Depois, graças a erros banais e à campanha medíocre, o paulista teve menos votos que no primeiro turno.

Lula chegou ao poder em 2003 depois de perder três eleições porque se reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. Elançou a Carta aos Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou marcado pela desvalorização do real logo nos primeiros dias, o apagão de energia e a economia em situação difícil.

Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula escreveu a Carta aos Brasileiros, em que se comprometia a manter o chamado tripé econômico: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que garantiu o bom desempenho no primeiro mandato de Lula, e o tripé é a base da economia brasileira até hoje.

Em 2006, Lula, atingido em cheio pelas denúncias do mensalão, foi o “mal menor”. Sua reeleição pareceu à maioria a continuidade de um projeto político, solução menos traumática, apesar de tudo. Os demais presidentes foram escolhidos para derrotar alguém. Com um crescimento de 7,5% no ano de 2010, Lula conseguiu eleger Dilma Rousseff, mas deu início à crise econômica que resultou na recessão mais grave já havida no país.

A desastrada nova matriz econômica, comandada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, e a absoluta incapacidade da presidente fizeram com que seu primeiro mandato presidencial terminasse em crise generalizada, inclusive com as primeiras denúncias de corrupção endêmica no petrolão, que dominou a campanha de reeleição. Apesar de Dilma, Lula ainda tinha força suficiente para reelegê-la, mas à custa de uma campanha milionária financiada pelo dinheiro da corrupção. Dilma derrotou Aécio Neves, o candidato tucano, por uma diferença de 3% dos votos.

Bernardo Mello Franco: Dobradinha suprema

- O Globo

Ofensiva contra a Lava-Jato é o lance mais ousado da dupla Toffoli-Gilmar. Um abriu inquérito; o outro chamou procuradores de ‘gentalha’

O ministro Dias Toffoli iniciou os trabalhos da quinta-feira com um pronunciamento fora do script. Em tom grave, anunciou a abertura de inquérito sigiloso para apurar “denunciações caluniosas” contra o Supremo Tribunal Federal. Alegou a existência de ameaças “à honorabilidade e à segurança” da Corte.

Na sequência, o ministro Gilmar Mendes disparou seu ataque mais radical à Lava-Jato. Chamou os investigadores de “desqualificados”, “cretinos”, “covardes”, “despreparados” e “gentalha”. “Assim se instalam as milícias. O esquadrão da morte é fruto disso”, sentenciou.

Ao fim da sessão, soube-se que o inquérito de Toffoli investigará procuradores de Curitiba e auditores da Receita. O presidente do Supremo dispensou o sorteio eletrônico e delegou o caso ao ministro Alexandre de Moraes. Em outro lance incomum, a Procuradoria-Geral da República não foi consultada ou convidada a participar das apurações.

Míriam Leitão: Muito barulho para pouco fato

O Globo

Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo com o excesso de anúncio de ideias

Na economia, o governo é de muito barulho e pouco fato. Ele mal começou, é verdade, mas já produziu um volume de anúncios impressionante. De concreto, tem uma reforma da Previdência que ainda não deu um passo no Congresso e na sexta-feira houve um bem-sucedido leilão que vendeu 12 aeroportos. O detalhe é que os modelos do leilão e da concessão foram preparados pelo governo Temer. O mérito do atual foi realizar o planejado.

Há muita coisa para mudar na economia de um país que não consegue retomar o crescimento, tem um rombo fiscal persistente e 12 milhões de desempregados. Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo nessa mistura de anúncios de medidas futuras.

Apesar de ter dito que a chamada PEC do Pacto Federativo esperaria pela aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes continua falando dela como se o projeto fosse iminente. A reforma orçamentária é extremamente importante. Há dificuldades concretas na vida dos administradores públicos com o excesso de rigidez no uso dos recursos.

A questão é que mesmo Hércules fez uma tarefa por vez. Essa é de espantosa complexidade e mesmo se for aprovada um dia não eliminará os gastos incontornáveis. Além disso, pode provocar uma dispersão da base de apoio ao governo, base aliás que nem foi ainda consolidada pela incapacidade da articulação política. A boa notícia da sexta-feira foi o fato de que 12 aeroportos passaram para as mãos de operadores privados e com o pagamento de um grande ágio. Mais importante do que os R$ 2,3 bilhões que o governo vai arrecadar, são os investimentos futuros na melhoria da logística aeroviária do país.

O sucesso do leilão foi muito bem recebido pelos empresários. Para o diretor-superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, que fabrica revestimentos e materiais de construção, a notícia confirma a avaliação de que o pior da crise econômica ficou para trás. Ele fala olhando para os próprios números. Acaba de participar de uma feira no setor que teve uma alta no volume de negócios fechados e tem projeção na sua empresa de faturamento 10% maior, com um aumento de 5% no número de funcionários.

Ascânio Seleme: O general prefeito vem aí

- O Globo

Convém prestar atenção no quadro de filiações dos partidos políticos daqui até abril, quando termina o prazo para um cidadão estar filiado e apto a concorrer a cargo eletivo no ano que vem. Sobretudo nas listas do PSL e de outros partidos de direita e de centro-direita que apoiam o presidente. Jair Bolsonaro já mandou avisar a líderes partidários do Rio que vai lançar militares, principalmente oficiais, como candidatos a prefeito em algumas cidades do interior do estado.

Além do quadro de filiações dos partidos, outra pista é o Almanaque do Exército. Por este documento sabe-se quem foi promovido, levou carona ou se recolheu para a reserva. Todas as movimentações da Força são anotadas ali. Marinha e Aeronáutica têm almanaques semelhantes. Deles pode-se depreender nomes de prováveis candidatos. O TSE já definiu, em sessão plenária de fevereiro do ano passado, respondendo a consulta do então deputado Bolsonaro, que militar deve estar desincompatibilizado no momento em que sua candidatura for requerida.

O presidente quer mudar o perfil da administração pública, a partir das eleições municipais, pela via do voto. Diversos municípios do estado já estão sendo mapeados para se saber onde cabem candidaturas militares. Por ora, apenas um deles é questão de honra. Trata-se de Duque de Caxias, cidade que leva o nome do patrono do Exército. Virou uma obsessão de Bolsonaro eleger um general para comandar a cidade.

Além de oficiais e praças das três Forças Armadas, o presidente quer aproveitar também PMs que tenham destacada liderança para disputar as eleições municipais. O Estado do Rio serviria como um laboratório para medir chances e possibilidades de candidaturas fardadas. A capital por ora não entrou no cálculo político de Bolsonaro. Mas nada impede que ela também vire um objetivo. Isso vai depender dos índices de aprovação do presidente no início do ano que vem.

Ricardo Noblat: Sem armas, please!

- Blog do Noblat / Veja

Mais um

O presidente Jair Bolsonaro e sua comitiva comemoram como se fosse algo excepcional o fato de que se hospedarão na Blair House, a pouca distância da Casa Branca. Segundo auxiliares do capitão, isso só acontece com visitantes especiais do presidente americano.

No site da Blair House, em consulta ao Livro de Hóspedes, vê-se a relação dos que já se hospedaram por lá. É enorme. Bolsonaro será só mais um. A Blair House funciona como um local importante para a diplomacia americana.

Além de servir como Casa de Hóspedes de visitantes estrangeiros recebidos pelo presidente, ela também é palco para uma quantidade muito grande de eventos internacionalmente focados em ajudar no progresso das relações dos Estados Unidos com outras nações.

Uma agenda típica de um ano pode incluir até trinta visitas de líderes estrangeiros, muitos almoços ligados à política de relações exteriores, jantares formais, recepções e chás e inúmeros encontros oficiais, todos sob a chancela do papel especial de Casa de Hóspedes do Presidente.

É recomendável que o Bolsonaro não entre armado na Blair House. E que se vista de acordo com o local.

‘Entrevista / FHC: ‘Assistimos ao renascimento da família imperial’

Ex-presidente considera ‘abusivo’ o uso das redes sociais pelo clã Bolsonaro: ‘Polariza. Isso, para a democracia, não é bom’

Alberto Bombig, O Estado de S.Paulo

De sapatênis marrom e meia verde-abacate, Fernando Henrique Cardoso recebeu o Estado nesta segunda-feira, 11, no centro de São Paulo, para falar do tema de seu mais recente livro: a juventude. Contou entusiasmado que tem ido caminhar na Avenida Paulista aos domingos, quando a via é fechada para os carros, e disse que tem procurado se adaptar ao modo de pensar das redes sociais, nas quais procura sempre se manter presente. “Eu tenho 87 anos. Quando nasci, a vida era diferente. E daí? Bom não é o passado, é o futuro”, disse o sociólogo e presidente do Brasil por dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002).

FHC queria deixar a política partidária de lado na conversa e se concentrar apenas no lançamento de Legado para a Juventude Brasileira (Editora Record), uma coautoria com a educadora Daniela de Rogatis. Porém, ao abordar as redes sociais, acabou analisando o uso do Twitter pelo presidente Jair Bolsonaro: “É muito difícil pensar ‘tuitonicamente’, você pode, no máximo, emitir um sinal”. Para o ex-presidente, a democracia exige raciocínio e a rede social é operada por impulso.

Questionado diretamente sobre o comportamento de Bolsonaro e de seus filhos (Flávio, Eduardo e Carlos) nas rede sociais, FHC se disse preocupado com o envolvimento da família no “jogo do poder” porque “leva o sentimento demasiado longe” e disparou: “Eu acho perigoso. É abusivo, polariza (...) Nós estamos assistindo ao renascimento de uma família imperial de origem plebeia. É curioso isso. Geralmente, na República, as famílias não têm esse peso”. Segundo ele, “Bolsonaro está indo mal por conta própria”.

Leia a entrevista:

A Lava Jato e a lei: Editorial / O Estado de S. Paulo

O respeito à lei vai fortalecer, e não enfraquecer, a Operação Lava Jato.

A decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal que, por 6 a 5, manteve no âmbito da Justiça Eleitoral o julgamento de casos de corrupção e lavagem de dinheiro se estiverem relacionados a delitos eleitorais, como caixa 2, apenas reafirmou a jurisprudência daquela Corte. Segundo esclareceu o voto majoritário, o artigo 109, inciso IV, da Constituição não dá margem a dúvidas, pois estabelece a competência da Justiça Federal para avaliar processos relativos a crimes contra a União, "excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral".

Ademais, o Código Eleitoral, em seu artigo 35, inciso II, diz que cabe aos juízes eleitorais "processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos". O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, lembrou que esse entendimento não é novo, pois todas as Constituições desde 1932 reconhecem a competência da Justiça especializada para crimes eleitorais e conexos.

Assim, não têm nenhum cabimento as queixas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato, para quem a decisão de quinta-feira passada do Supremo constitui uma ameaça à operação anticorrupção. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba, chegou a publicar mensagem em rede social para dizer que começa a se “fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos” – em referência ao início da Lava Jato. Há alguns dias, em entrevista ao Estado, Dallagnol disse que uma derrota da Lava Jato no Supremo seria "catastrófica", pois iria "arrasar as investigações passadas e futuras".

Ora, o que ameaça a Lava Jato é o pendor de alguns de seus integrantes para agir à margem da lei, quer julgando-se acima dela, quer interpretando-a de acordo com suas convicções ou necessidades. Esse comportamento tende a colocar em questão a legitimidade das ações relacionadas à operação.

Hora de evitar ruído: Editorial / Folha de S. Paulo

Se fosse à frente, ideia de apresentar já projeto para desvincular gastos do Orçamento atrapalharia reforma da Previdência sem gerar maiores ganhos

O noviciado de Paulo Guedes no Ministério da Economia tem produzido um nível de solavancos moderado, seja em relação ao que se esperava de um quadro sem experiência na máquina pública, seja na comparação com as trepidações que acometem outros setores da gestão Jair Bolsonaro (PSL).

O economista pareceu ter compreendido depressa as especificidades políticas de sua nova posição.

Para compensar a falta de traquejo —sua e de auxiliares levados ao ministério—, escalou nos degraus abaixo técnicos com conhecimento da máquina e do Congresso. Percebida a centralidade da reforma da Previdência, passou a ceder em outros tópicos de sua agenda.

Dedicou-se a desbastar os possíveis entraves a seu programa de desestatização em burocracias poderosas, como o Tribunal de Contas da União. Como mostrou o leilão de aeroportos nesta sexta (15), cuja arquitetura foi toda desenhada no governo de Michel Temer (MDB), daí poderão vir notícias mais concretas para a ansiada reanimação da atividade econômica.

São Paulo de Doria deflagra guerra fiscal: Editorial / O Globo

Governo cria novos incentivos para beneficiar montadoras e atrair mais voos, e o Rio ameaça reagir

Numa crise fiscal profunda, a Federação, emparedada por gastos que crescem autonomamente — aposentadorias, pensões, salários do funcionalismo —, busca pelo menos impedir que a situação de suas contas se agrave.

Além da pressão dessas despesas, principalmente as previdenciárias, a economia rasteja com baixas taxas de crescimento — o PIB se expandiu apenas 1% em cada um dos dois últimos anos —, e acontece o mesmo, por decorrência, com a receita tributária. O cenário é o pior possível: despesas em alta, arrecadação em baixa.

É nesta conjuntura que o governo de São Paulo recebeu o impacto da notícia de que a Ford fechará sua fábrica de caminhões na região do ABC. Menos uma fonte de arrecadação, portanto. Antes, a GM, que alega não obter lucros no país, já fizera a mesma ameaça. A reação do governo Doria foi lançar mais um pacote de incentivos à indústria automobilística, o IncentivAuto.

Cardápio conservador

Brasil e EUA buscam uma nova relação sob Bolsonaro e Trump

“Nenhum governo anterior no Brasil assumiu essas posições, só no início de 1964 com (o embaixador) Juracy Magalhães”
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington

“Os EUA têm uma oportunidade real de aumentar a cooperação em segurança, economia e diplomacia com o Brasil”
Marco Rubio, senador republicano

“O que une os conservadores sociais, os militares e os Chicago boys do governo é a vontade de se aproximar dos EUA”
Matias Spektor, professor da FGV

Paola de Orte e Eliane Oliveira / O Globo

WASHINGTON E BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro desembarca hoje em Washington. Com a chegada ao país de Donald Trump, dá curso ao maior alinhamento ideológico do Brasil com os Estados Unidos em mais de 50 anos. O primeiro compromisso do presidente Jair Bolsonaro ao desembarcar hoje em Washington será um jantar na residência do embaixador do Brasil, Sergio Amaral. Entre os convidados, além da comitiva do presidente e de Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo que mora no estado americano da Virgínia, estão representantes de diferentes correntes da direita americana, como o ex-estrategista de Donald Trump Steve Bannon, a colunista do Wall Street Journal Mary Anastasia O’Grady, o editor da revista literária The New Criterion, Roger Kimball, o acadêmico Walter Russell Mead e o executivo do mercado financeiro de Nova York Geraldo Brant.

O jantar — que terá no cardápio mousse de caviar, bife Wellington e quindim, além de caipirinha como aperitivo — simboliza a comunhão de ideias entre Bolsonaro e seu colega americano. É a partir dessa afinidade ideológica que o governo brasileiro busca consolidar um alinhamento com os Estados Unidos que, segundo diplomatas e analistas, pode ser o maior em mais de meio século. Bolsonaro é 16° chefe de Estado brasileiro a visitar os Estados Unidos, e há outros aspectos em que o programa da visita reflete o perfil de sua Presidência. Enquanto em sua primeira viagem oficial a Washington, em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com sindicalistas, e Dilma Roussef em 2015 quis conhecer o monumento a Martin Luther King, na terça-feira Bolsonaro se reunirá com lideranças religiosas e dará uma entrevista à Christian Broadcast Network, rede de televisão fundada em 1960 pelo televangelista Pat Robertson.

HÓSPEDE ESPECIAL
Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e o de Lula, não vê grandes diferenças entre as agendas concretas da viagem atual e as de presidentes anteriores. Segundo ele, o que chama a atenção no novo ciclo das relações bilaterais é o elevado nível de afinidade ideológica, além da declarada prioridade dada a Bolsonaro por Trump, que enfrenta choques com a China e com os aliados europeus dos EUA: — Nenhum governo anterior no Brasil assumiu essas posições, só no início de 1964 com Juracy Magalhães (então embaixador brasileiro em Washington).

Para Roberto Abdenur, que chefiou a embaixada no primeiro mandato de Lula, a visita será positiva para melhorar o relacionamento bilateral, mas há risco de um alinhamento automático atrapalhar a relação do Brasil com outros parceiros, como Europa, China e mundo árabe:

—Nossa política externa já está prejudicada pela preferência de Bolsonaro por se aproximar de países que comunguem da mesma ideologia que ele sustenta. As coisas ficarão ainda piores se nos atrelarmos aos EUA. Nossa inserção internacional será gravemente limitada.

Eduardo Bolsonaro, chanceler informal

Aliado de Araújo ou com possibilidade de ofuscá-lo, deputado amplia sua influência na política externa do país

Janaína Figueiredo / O Globo

BRASÍLIA - Para alguns, ele será um aliado do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que tem sido alvo de questionamentos cada vez mais intensos pelo que seus críticos consideram uma falta de rumo na política externa brasileira. Para outros, sobretudo integrantes da área militar e também alguns diplomatas, será uma espécie de chanceler nas sombras. O fato de ser filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL) lhe dá enorme poder, e agora, como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara (CREDN), o deputado Eduardo Bolsonaro poderá ter enorme influência em assuntos pelos quais vem se interessando desde a campanha de 2018 e que o levaram a visitar Estados Unidos e Colômbia antes mesmo da posse do pai.

A realidade é que Araújo foi, em grande medida, uma escolha na qual o deputado teve participação. Em Brasília, muitos se perguntam por que a opção por um chanceler que chegou a embaixador há menos de um ano, nunca exerceu essa função no exterior e até sua nomeação como ministro era uma figura de pouco peso no Itamaraty. A resposta, para alguns, é clara: trata-se de uma pessoa coma qual o deputado Bolsonaro poderá compartilhar apolítica externa e, em alguns casos, até mesmo impor sua visão.

—De alguma maneira, o deputado já vem exercendo uma função importante em política externa e poderia, de fato, tornar-se o verdadeiro ministro da área, sem sê-lo —apontou uma fonte diplomática, que lembrou a Cúpula Conservadora das Américas, organizada pelo deputado em dezembro, em Foz do Iguaçu .— É evidente que existe o interesse de ser uma liderança conservadora na América Latina.

“IDEIAS COMPATÍVEIS”
Em sua viagem aos EUA no ano passado, o deputado reuniu-se com Steve Bannon — ex-estrategista do presidente Donald Trump e líder da organização de extrema direita O Movimento —com quem pretende voltar se encontrar durante a primeira viagem oficial do chefe de Estado a Washington. De acordo com o deputado, o presidente também participará da reunião, onde estaria, ainda, o guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho.

Não há dúvidas sobre a importância que o presidente dá às opiniões do deputado quando o assunto é política externa. Para outras fontes da área diplomática, a escolha de Eduardo para a presidência da CREDN é positiva. Ele tem influência no Executivo e ideias “totalmente compatíveis” com as de Araújo, apontaram. Tem, também, segundo elas, capacidade de liderança e mobilização. A expectativa em alguns setores da Chancelaria é de que o deputado, em parceria com Araújo, represente uma contraposição de forças aos militares, que têm restrições ao ministro. Não são todos. Alguns, como o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), têm ajudado Araújo, até mesmo em situações delicadas envolvendo o deputado.

Bolsonaro deve ter resultados escassos em visita aos Estados Unidos

Viagem marcará alinhamento ideológico a governo Trump

Patrícia Campos Mello, Marina Dias / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E WASHINGTON - A visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA nesta semana concretiza o alinhamento ideológico do governo brasileiro ao de Donald Trump, mas deve terminar com poucos resultados práticos.

Bolsonaro corre o risco de sair de Washington, onde desembarca neste domingo (17), sem seu maior trunfo na política externa: o apoio formal dos EUA para a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Acordos comerciais concretos, como o de livre-comércio e o fim da bitributação, além da inclusão do Brasil no programa de isenção de vistos para entrar nos EUA, também não devem resultar do encontro entre Bolsonaro e Trump, marcado para a terça-feira (19), na Casa Branca.

O Brasil, por sua vez, vai liberar da necessidade de visto os americanos que querem entrar no país, mesmo sem ter o mesmo gesto em troca.

O chanceler Ernesto Araújo quer conversar sobre o tema com autoridades dos EUA, mas não demonstra otimismo para um acordo rápido —12,73% dos brasileiros tiveram seu pedido de visto para o país negado em 2018.

A entrada na OCDE, o clube dos países ricos, é reivindicada pelo Planalto desde 2017 e serviria como reforço das credenciais reformistas do governo Bolsonaro. As negociações, porém, encontram resistência no governo dos EUA.

Enquanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, é favorável ao pleito do Brasil —ensaiou escrever uma carta a Trump pedindo seu apoio ao ingresso brasileiro—, o USTR, Escritório do Representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, advoga contra.

Segundo pessoas que participam das tratativas, o USTR avalia que o Brasil não é comercialmente confiável, e parte do governo americano se posiciona com cautela quando o tema é ampliar a OCDE, hoje com 35 países.

Existe ainda pressão de setores empresariais, como a indústria farmacêutica, para que o Brasil faça algumas reformas antes de ser admitido.

Dentro do governo brasileiro, a aposta passou a ser em Bolsonaro pedir o apoio diretamente a Trump.

A avaliação é que o americano é impulsivo e pode acabar fazendo o gesto a despeito da resistência de seus assessores.

Foi isso que ocorreu com a Argentina. Em abril de 2017, o presidente Mauricio Macri se reuniu com Trump e fez o pedido ao líder americano.

Ao lado de assessores contrários à ideia, Trump simplesmente declarou que iria apoiar a admissão do país.

Democratas preparam carta com críticas a Bolsonaro às vésperas de visita

Documento deve citar relação da família do presidente com milícias no Rio

Marina Dias / Folha de S. Paulo

WASHINGTON - Congressistas do Partido Democrata, de oposição ao presidente Donald Trump, preparam uma carta com críticas ao governo de Jair Bolsonaro às vésperas da visita do líder brasileiro a Washington.

Segundo pessoas que participam da elaboração do documento, a carta vai mencionar a relação da família Bolsonaro com integrantes da milícia do Rio de Janeiro, além de fazer referência às posições do presidente do Brasil contrárias a minorias, como negros e comunidade LGBTQ+.

O texto, que ainda está sendo esboçado e pode sofrer alterações, deve ser divulgado na segunda-feira (18), dia da estreia de Bolsonaro em compromissos públicos nos Estados Unidos.

A carta deve trazer ainda críticas ao decreto que facilitou o porte de armas no Brasil, à postura do governo brasileiro ante políticas que combatem o aquecimento global e a mudanças anunciadas no pacote do ministro Sergio Moro (Justiça), que pode permitir que policiais tenham redução ou até isenção de pena quando matarem em situação de confronto armado.

Os parlamentares democratas devem encaminhar o documento ao Departamento de Estado americano, em espécie de protesto à visita de Bolsonaro ao país.

Inclusão de Bannon em agenda de Bolsonaro nos EUA incomoda Casa Branca

Ex-estrategista de Donald Trump é um dos principais nomes na agenda do brasileiro

Marina Dias / Folha de S. Paulo

WASHINGTON - Um nome na lista de convidados e anfitriões de honra da comitiva de Jair Bolsonaro tem incomodado integrantes do governo de Donald Trump.

Steve Bannon, ex-estrategista do presidente americano, será uma das principais apostas da visita do líder brasileiro a Washington na próxima semana, o que tem despertado desconfiança na Casa Branca.

Integrantes do governo americano afirmam não entender a obsessão de aliados de Bolsonaro por Bannon, que, segundo eles, não tem mais influência no governo e é detestado por Trump.

O episódio que despertou a fúria do presidente dos EUA é de 2017, quando seu então assessor foi citado em um livro chamando um dos primeiros-filhos de “traidor”.

A declaração, negada por Bannon, teria sido em relação ao encontro de Donald Trump Jr. (o primogênito do presidente americano) com agentes russos para conseguir informações que prejudicassem Hillary Clinton, adversária do republicano na eleição de 2016.

A perplexidade com a dinâmica entre Bannon e o governo brasileiro, porém, não parece prejudicar as relações de Bolsonaro e Trump enquanto se restringir a troca de ideias em eventos sociais.

Líder do The Movement, grupo que promove a direita nacionalista e populista no mundo, Bannon vai oferecer no sábado (16) um jantar em sua casa para um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo.

Stephen K. Bannon —K., de Kevin— aparece também em um convite como um dos organizadores da sessão que vai exibir, no Trump International Hotel, o filme “O jardim das aflições - A maior força que existe é a personalidade”. A peça é baseada na obra de mesmo nome de Olavo de Carvalho, guru ideológico do governo brasileiro.

Nos EUA, Bolsonaro busca aliança com Trump, conservadores e empresários

Visita oficial. Para Washington, momento é propício a uma aproximação com Brasil, em razão de afinidades ideológicas sobre Venezuela, da perspectiva liberal no campo econômico e do entusiasmo de parte do governo brasileiro com o presidente americano

Beatriz Bulla / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro chega hoje a Washington para a primeira visita oficial de seu governo. O objetivo do Palácio do Planalto é selar a aproximação com os EUA, iniciada antes mesmo da posse do brasileiro, especialmente com o presidente Donald Trump, com líderes conservadores e com empresários americanos.

Na reunião com Trump, de quem o brasileiro é entusiasta, Brasil e EUA pretendem sacramentar um alinhamento de valores e de políticas entre o americano e Bolsonaro – chamado de “Trump Tropical” pela imprensa internacional. O brasileiro será entrevistado amanhã pela Fox News, canal de viés conservador próximo ao governo Trump.

Apesar da proximidade ideológica e dos elogios trocados pelo Twitter, especialmente na posse do brasileiro, em janeiro, o alinhamento pode não ser automático. Em outubro, o presidente dos EUA criticou a forma com que as empresas americanas são tratadas no Brasil. “É uma beleza, eles cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas das empresas, elas dizem que o Brasil está entre os países mais difíceis do mundo (para fazer negócios)”, disse Trump. Após o agravamento da crise na Venezuela, porém, os EUA encontraram no Brasil um aliado e a Casa Branca conta com o apoio brasileiro para endurecer contra o regime de Nicolás Maduro.

Os EUA reconhecem que o momento é propício a uma aproximação com Brasil, em razão de afinidades ideológicas sobre a Venezuela, à perspectiva liberal no campo econômico e ao entusiasmo de parte do governo Bolsonaro com Trump. A expectativa dos americanos é de que o Brasil continue do mesmo lado dos EUA na pressão a Maduro e, no longo prazo, ajude a diminuir a influência da China na região.

Os dois temas esbarram, no entanto, em diferentes alas do governo. Os militares já sinalizaram que há um limite no discurso sobre a Venezuela, quando o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o Brasil não apoia qualquer ação militar, enquanto os americanos enfatizam que “todas as opções estão sobre a mesa”.

Os assessores de Trump também sabem que, a despeito da retórica crítica à China adotada por Bolsonaro na campanha eleitoral, o país é o principal parceiro comercial do Brasil e o time econômico tenta achar o equilíbrio em meio à guerra comercial dos americanos com os chineses. Os governos brasileiro e americano querem mostrar com o encontro, contudo, que há uma convergência inédita não só entre Trump e Bolsonaro, mas entre os dois países.

O governo brasileiro tentará também alavancar a relação de Bolsonaro com o movimento conservador dos EUA e o diálogo com empresários e investidores, capitaneado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Caberá a este comandar as conversas com empresários, amanhã, e fazer uma exposição sobre o futuro da economia brasileira na Câmara de Comércio Brasil-EUA. No mesmo dia, Bolsonaro terá um jantar a portas fechadas com executivos de grandes empresas.

Manuel Bandeira: Belo Belo

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.