domingo, 25 de agosto de 2019

Alberto Aggio*: Um lugar errado no mundo

- O Estado de S.Paulo

Um nacionalismo anacrônico manchado de reacionarismo não nos serve

Se com Lula já era claro que a política interna vivia fortes condicionamentos externos, particularmente no que se refere a uma inserção do País na globalização, marcada por tensões ideológicas, sem considerar o nível de criminalização que em paralelo se praticou, com o governo Bolsonaro, excetuando aparentemente esta última ponderação, a dimensão internacional parece ser inescapável. O episódio da indicação do filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), é ilustrativo dessa evidência.

Com Bolsonaro acentua-se a percepção de que nos encontramos imersos naquilo que Giuseppe Vacca define como “conflito econômico mundial”, uma situação sistêmica que caracteriza o mundo desde a superação da guerra fria, posicionando-nos definitivamente no tempo da globalização. Trata-se de um conflito perene e global que envolve múltiplos atores em torno de decisões geopolíticas, econômico-financeiras, do mundo do trabalho e da cultura, questões tecnológicas, ambientais, etc.

Torna-se conveniente, assim, analisar o governo Bolsonaro a partir dessa perspectiva. Seu nacionalismo e seu notável reacionarismo são equivalentes ao que ocorre em diversos países e traduzem o lugar que Bolsonaro vê para o Brasil no contexto global. O que se apresenta nos EUA sob Trump ou na Hungria sob Orbán tem lógica similar aos posicionamentos de Bolsonaro, embora este possa talvez ser considerado o mais despreparado dentre tais líderes, tanto em termos pessoais como de assessoria imediata.

O momento que vivemos não recoloca na agenda mundial o retorno da guerra fria, mesmo porque não há duas potências orientando os vetores do “conflito econômico mundial”. A guerra fria foi um conflito forjado de dentro para fora das duas potências rivais, os Estados Unidos e a União Soviética, e representou um equívoco de ambas, já que nenhuma delas seria capaz de suplantar a outra e estabelecer um domínio efetivo a partir de uma suposta vitória militar sobre a adversária (G. Vacca, La Sfida de Gorbaciov – Guerra e Pace nell’Era Globale, no prelo).

Parece não haver espaço também para outros retornos cultivados no imaginário de muitos que ambicionam combater a extrema direita como um conflito do tipo “comunismo versus fascismo” – por evidente anacronismo, além do erro de avaliação que julgava ser tal disjuntiva a única alternativa que existia na década de 1930 –, ou uma confrontação do tipo “frente popular versus nazi-fascismo”, como sucedeu no século passado.

‘Regimes autoritários são mais corruptos’, diz cientista político

Steven Levitsky/ cientista político, uma das principais atrações da Bienal do Livro, o coautor do best-selller ‘Como as democracias morrem’ alerta para os perigos da polarização

Bolívar Torres | O Globo

Professor de ciência política em Harvard, o americano Steven Levitsky tem uma teoria sobre o seu livro, “Como as democracias morrem”: onde a democracia vai mal, a obra vai bem. Escrita em parceria com Daniel Ziblatt (também professor na universidade americana), é um best-seller por aqui, com mais de 35 mil cópias vendidas. As crises e polarizações políticas no Brasil serão justamente alguns temas de que Levitsky tratará na Bienal do Livro. Uma das principais atrações do evento, ele participa no dia 7 de setembro, às 13h, no pavilhão azul do Riocentro, do painel “Sobre autoritarismos e democracias”. Ele dividirá o palco com a historiadora Lilia Schwarcz e o jornalista Marcelo Lins.

• No seu livro, você alerta que os novos líderes autoritários usam a democracia para chegar ao poder. Mas e quando eles se elegem sem esconder o discurso autoritário na campanha? Isso significa que os eleitores querem autoritarismo?

Não é incomum que queiram, especialmente em países onde a democracia não vai bem, como é o caso do Brasil. Mas tudo indica que, nas últimas eleições, o eleitorado brasileiro se guiou mais pela raiva do que pelo desejo de autoritarismo. Pessoas votaram em Bolsonaro em parte porque ele prometeu atacar a elite e o status quo. Mas é fato que há uma emergência de gerações que, trinta anos após a primeira onda de democratização pelo mundo, não lembram mais do autoritarismo. Pesquisas em países como a Polônia, Espanha e Brasil mostram que essa geração pósautoritarismo está esquecendo as lições deixadas por pais e avós, o que é trágico.

• Que tipo de ilusão o autoritarismo vende a seus defensores?

Pessoas acham que um homem forte no poder pode diminuir o crime. Mas as ciências sociais já mostraram que isso não é verdade. Ditaduras não aumentam a segurança pública, assim cono não melhoram a economia nem diminuem a corrupção ao tirar os políticos e colocar os militares. Regimes autoritários são inclusive mais corruptos que democracias. A única coisa que trazem é repressão e falta de liberdade.

• Por que agora líderes extremistas s e sectários conseguem se eleger?

É a grande pergunta que todos estamos tentando responder. Nos EUA e no Brasil, a polarização extrema parece ser um fator. Entre 2014 e 2018, a política ficou muito polarizada no país. Há um número razoável de brasileiros que são bolsonaristas ferrenhos, mas ele só foi eleito porque até mesmo pessoas que não gostam tanto assim dele realmente odiavam o outro lado. Isso permite extremos.

Marina Silva*: Sem fundo

- Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro está rifando o futuro da Amazônia

Com seu desprezo pela contribuição dos principais doadores, o governo de Bolsonaro está simplesmente decretando a falência do Fundo Amazônia. E mais, está mostrando que, na prática, realiza sua intenção de retirar o Brasil do Acordo de Paris. Será impossível honrar o compromisso de diminuição das emissões de gases do efeito estufa, que estão ligadas à redução de 80% da taxa de desmatamento da Amazônia.

No ano passado, o desmatamento atingiu a marca de 7.900 km2. Neste ano de 2019, as projeções são de crescimento significativo. Como manter o limite de 3.925 km2 em 2020, conforme o compromisso firmado em 2009 pelo governo brasileiro?

Alguns dias antes de sediar a Semana do Clima, que terminou na sexta-feira (23), em Salvador, o governo brasileiro anunciou com gestos e atos: o Brasil não pretende mais cumprir os compromissos assumidos no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas. Consegue assim, em tempo recorde, fazer uma potência ambiental como o Brasil se transformar em “pária ambiental”. O que era exemplo virou escândalo.

Sentiremos na prática, ainda nesta estação seca: deixarão de existir os recursos do Fundo Amazônia, que são fundamentais para viabilizar o trabalho do Ibama de fiscalização do desmatamento, da prevenção ao fogo e de combate às práticas criminosas de grilagem de terra. Quem vive na Amazônia já está sufocado pela fumaça resultante dessa política antiambiental.

Rolf Kuntz*: Bolsonaro compete com a fuligem das queimadas

- O Estado de S.Paulo

Na falta de ONGs, Hitler atribuiu aos comunistas o incêndio do Parlamento alemão

Mais desastroso que qualquer incêndio, o presidente Jair Bolsonaro continua manchando a imagem do Brasil, pondo em risco os interesses comerciais do País e solapando a segurança econômica, o futuro do emprego e o próprio governo, sujeito aos caprichos de um chefe sem noção das próprias funções e limitações. Feito o estrago, pouco adianta apontar uma foto errada na mensagem postada pelo presidente francês e contestar a falsa imagem da Amazônia como pulmão do mundo. Não há como desvincular o fogo mostrado pela imagem da Nasa, nem o inegável aumento de incêndios florestais neste ano, da campanha contra as ações de proteção ambiental. Não há como apagar de um dia para outro a escandalosa demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Não há como passar borracha nas palavras e ações do presidente e de seu ministro do Meio Ambiente. Não há, enfim, como esquecer as ameaças, mesmo jamais cumpridas, de abandonar o Acordo de Paris sobre o clima.

Ninguém mais que o presidente Bolsonaro tem dado argumentos aos defensores do protecionismo agrícola europeu. No meio do novo escândalo associado aos incêndios na Amazônia, o ministro Onyx Lorenzoni apontou os interesses comerciais de quem compete internacionalmente contra o agronegócio. Sim, esses interesses existem, são favorecidos na União Europeia por entidades com discursos a favor do ambiente e da comida saudável e nada disso é novidade.

Se há algo realmente inédito, é um presidente brasileiro incapaz de perceber o jogo econômico internacional e ignorante da importância, para o Brasil, da exportação de produtos de origem agropecuária.

Eliane Cantanhêde || Fim de uma era doente

- O Estado de S.Paulo

Com erros e retrocessos, Bolsonaro pode virar cabo eleitoral das esquerdas e do PT

Quem brinca com fogo pode se queimar, além de incendiar a Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro tanto fez que acabou atraindo a ira do mundo desenvolvido, jogando o Brasil no centro do debate no G7, provocando protestos mundo afora e ressuscitando os panelaços da era Dilma Rousseff. Nessa toada, ele pode virar o maior cabo eleitoral da volta das esquerdas, inclusive do combalido PT e até do presidiário Lula.

Vocês já notaram que o pau está quebrando, mas o PT e as esquerdas adotaram um silêncio ensurdecedor? Bolsonaro defende torturador, desmatador, trabalho infantil, mas não há reação à altura da oposição, que, contundida, decidiu jogar parada, assim: deixa o cara se queimar sozinho que a gente volta depois.

No discurso do governo, só as queimadas na Amazônia, que simplesmente acontecem todos os anos, desde sempre, não justificam protestos, panelaços, críticas da mídia e de cientistas e reações de França, Alemanha, Noruega, Finlândia. Pois o governo tem razão.

Essas reações não são pontuais, só pelas queimadas. Elas são uma resposta a um ataque incessante do governo e do próprio Bolsonaro aos parceiros, ao meio ambiente, aos órgãos do setor e aos ambientalistas. Isso vem desde a campanha, com a história de tirar o Brasil do Acordo de Paris.

Já empossado, Bolsonaro deu pelo menos dois sinais verdes para crimes ambientais. O Ibama não só cancelou a multa contra ele por pesca ilegal em área protegida como puniu o fiscal que aplicara a lei. E, em 13 de abril, o presidente gravou um vídeo pela internet proibindo a destruição de tratores e caminhões usados para desmatar ilegalmente a Amazônia.

Vera Magalhães || Desinteligência ambiental

- O Estado de S.Paulo

Desprezo a dados, gestão e retórica atabalhoadas estimulam crise ambiental internacional

O governo Jair Bolsonaro pode até enxergar uma conspiração internacional interessada em nos tomar a Amazônia, mas partiu dele um conjunto de erros que permitiu que a crise ambiental ganhasse o mundo e expusesse o Brasil a riscos concretos para seus negócios, sua imagem e acordos dos quais é signatário.

Tudo começou com o desprezo aos dados relativos ao desmatamento, com a investida de Bolsonaro e seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, contra o Inpe, diante do silêncio conivente do dublê de ministro da Ciência e astronauta Marcos Pontes – aliás, uma figura ausente em todo o debate atual.

Não fosse o ataque deliberado de Bolsonaro a um instituto que tem reputação internacional, expertise em medição de desmatamento e um quadro técnico competente, sem que existisse absolutamente nada para se oferecer como alternativa, os olhos do mundo não teriam se voltado já antes do início da temporada de queimadas para a Amazônia.

O negacionismo retórico puro e simples já dura meses e, desde então, não se produziu uma mísera evidência confiável que refutasse definitivamente os dados do Deter, que apontavam escalada do desmatamento neste ano.

Pelo contrário: a força das queimadas antes mesmo do mês de pico da estação de estiagem (setembro) mostra que sim, há uma situação de descontrole no desmate.

José Roberto Mendonça de Barros*: O mundo está mais para os pessimistas

- O Estado de S.Paulo

Discurso do presidente do Fed não deu sinais de corte acentuado dos juros

Em meados de julho passado, o título de minha coluna foi “O mundo entre otimistas e pessimistas”.

Lá foi dito que o futuro depende, essencialmente, dos rumos da economia dos Estados Unidos, o maior e o único país rico a crescer bem neste ano. Existem dois pontos a considerar:

1) “A política agressiva e errática do presidente Trump vem elevando a incerteza e as tensões por causa das inúmeras disputas comerciais e dos atritos em regiões sensíveis, como no Oriente Médio. Entretanto, o conflito mais relevante segue sendo com a China, pois vai muito além do comércio...”

“... Essa disputa ainda vai muito longe e a recente decisão, na reunião do G-20 no Japão, de retomar as negociações sobre tarifas, tem de ser vista como apenas tática...”

2) “... No curto prazo, a pergunta dos bilhões é o que ocorrerá com a economia americana nos próximos meses. Nesse ponto, há uma clara disputa entre os analistas, que se dividem, como sempre, entre otimistas e pessimistas.

O primeiro grupo argumenta que o crescimento econômico ainda vai continuar robusto por mais algum tempo. Não existe nenhuma pressão inflacionária, o Fed deverá baixar os juros e o consumo continua a crescer.

Milton Seligman*: Em defesa de um centro político

- Folha de S. Paulo

Esquerda e direita não querem que ele se organize

Quem, ao criticar o atual governo, não ouviu: “Se o Lula tivesse ganho, não seria pior?”. E, ao criticar gestões petistas, certamente ouvirá: “Você está satisfeito com Bolsonaro?”.

Temos que optar entre uma esquerda atrasada, arrogante e incompetente e uma direita incapaz, extremista e intolerante? Não.

Há uma alternativa. O caminho para buscar o diálogo construtivo é o centro político voltar à cena.Sua agenda é quase um senso comum. Começa por substituir os jargões que confundem religião com Estado e misturam partido com salvador da pátria pelo lema da República moderna: o império é o da lei, que está acima e é igual para todos.

A cidadania reconhece a relevância do conhecimento, das crenças, da arte, dos costumes e de hábitos e capacidades humanas exercidos em sociedade. Por isso, o Estado tem, sim, o papel de fomentar e difundir a cultura, sem interveniência e ampliando os espaços de liberdade.

É importante recuperar o prestígio da política. Esta deve ser modernizada por meio do fim do monopólio dos partidos, do reconhecimento das candidaturas avulsas e da valorização dos grupos transversais. Uma reforma é necessária.

O centro é a favor do mundo dos negócios. Os governos devem estimular a liberdade de iniciativa e a inovação. O Estado não pode ser empecilho para a iniciativa privada e tem que adotar a tecnologia digital para aproximar as pessoas dos serviços que presta.

No campo social, a grande bandeira é a redução da pobreza por meio de políticas públicas de ampla inclusão aos direitos da cidadania e ao mercado de trabalho. Educação e saúde de qualidade e para todos devem ser obsessões.

A defesa da vida e do monopólio estatal da força é central. As polícias devem ser muito bem preparadas, e a população civil, desarmada.

Janio de Freitas: Duas obviedades

- Folha de S. Paulo

Com fogo na Amazônia, Bolsonaro descumpre Constituição e desrespeita tratados

Foi preciso que estrangeiros reagissem à aceleração do fogaréu amazônico, incentivada e protegida pelo governo de Jair Bolsonaro.

Há mais de um ano, ou desde o início da sua campanha eleitoral, Bolsonaro ataca a preservação do ambiente, em especial a da Amazônia. Ataca a proteção à vida indígena e suas reservas florestais. Ataca os ambientalistas, as ONGs e todos os que defendam o patrimônio natural.

Esse Bolsonaro só foi contestado pelos que lutam sem poder. A classe socioeconômica que condiciona a gestão do país nem desviou os olhos da Bolsa. E só abriu os ouvidos para as promessas de privatização e de “reformas” a seu favor.

No governo, Bolsonaro começou por entregar o meio ambiente a um antiambientalista —Ricardo Salles, advogado, condenado em primeira instância por crime de improbidade quando secretário do Meio Ambiente (por um ano) de Geraldo Alckmin.

Logo foi posta em prática a essência do novo governo, definida por Bolsonaro: “Eu não vim pra construir, eu vim pra destruir isso que taí”. O que sempre inclui mais do que serviços e organizações: também pessoas e, claro, patrimônios públicos.

Bruno Boghossian: Não era pela corrupção

- Folha de S. Paulo

Interferências frustram Moro e Deltan, mas bolsonarismo nunca ligou para corrupção

A Lava Jato vestiu o figurino de vítima de traição. Deltan Dallagnol disse que Jair Bolsonaro contribui com um movimento para enfraquecer o combate à corrupção. Em entrevista à Gazeta do Povo, o procurador afirmou que o presidente “se apropriou” da pauta na eleição e, agora, “vem se distanciando” dela.

A turma de Curitiba pegou carona com Bolsonaro para ampliar seus poderes. Percebeu, tarde demais, que os passageiros não têm direito a escolher a rota e o destino da viagem.

Embora a entrada de Sergio Moro no governo tenha lustrado a imagem de Bolsonaro, o presidente se mostra disposto a provar que não será dependente do lavajatismo. Ele faz questão de exercer sua intromissão sobre a Polícia Federal, a Receita e o Coaf com espalhafato (“fui presidente para interferir mesmo”) e sadismo (“eu que indico, não o Moro”).

Vinicius Torres Freire: Burrice, uma transa amazônica

- Folha de S. Paulo

Em rede nacional, Bolsonaro elogia política ambiental do país, que tenta destruir

Houve panelaços contra Jair Bolsonaro em bairros de rico de São Paulo. São lugares onde o presidente ganhou de lavada e Fernando Haddad (PT) perdeu de João Amoedo (Novo) na eleição de 2018.

As panelas cantavam enquanto Bolsonaro aparecia em rede nacional, na sexta-feira (23). Com a catadura feroz de costume, falava como quem dá ordens a um pelotão de fuzilamento, um de seus padrões de eloquência.

No entanto, elogiava as leis ambientais brasileiras e o sucesso relativo do país no Acordo de Paris. Afirmava que o Brasil é um “exemplo de sustentabilidade” e que é preciso ter “serenidade” (!) no debate.

Parecia um discurso que fez em Davos, para inglês ver.

Não sabia do que estava falando, como de hábito. Bolsonaro elogiava décadas de políticas e acordos ambientais, os quais ameaça de morte, criados sob tantos governos, todos “de esquerda”.

O progresso começa com uma lei de 1981, no governo do general João Figueiredo, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente e o Conselho Nacional do Meio Ambiente. Passou a ter efeito prático com o Ibama, responsável pela implementação da política do meio ambiente, criado em 1989, sob José Sarney. A lei de crimes ambientais é de 1998, anos FHC. A medição e o controle sistemáticos do desmatamento começaram nos anos Lula.

Elio Gaspari*: Aprendeu matemática? Dane-se

- Folha de S. Paulo | O Globo

O CNPq tungou as bolsas de quem ganhou medalhas nas Olimpíadas de Matemática

O bolsonarismo deve ter encontrado sinais de marxismo gramsciano e ideologia de gênero nas quatro operações da matemática.

Só isso explicaria a decisão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de não renovar o contrato do Programa de Iniciação Científica e Mestrado dos jovens que ganharam medalhas nas Olimpíadas de Matemática e chegaram às universidades. São 650 alunos e cada um deles recebe R$ 400 por mês. Coisa de R$ 3,1 milhões por ano. (Nos seus primeiros meses, o governo gastou R$ 1,6 milhão com medalhas para seus agraciados.)

As Olimpíadas de Matemática são a mais bem sucedida experiência pedagógica já criada para o andar de baixo de Pindorama. A garotada das escolas públicas faz a prova e a cada ano são distribuídas medalhas de ouro, prata e bronze. Além do prêmio, os medalhistas entram num Programa de Iniciação Científica que lhes dá acesso a dois dias por mês de aulas em universidades próximas. Originalmente, a Viúva cobria os custos do transporte e as refeições. A máquina de moer carne dos educatecas limou essa ajuda e hoje ela está em R$ 100 mensais. Se o garoto mora longe, tem acesso às aulas pela internet.

Em 2015 as trigêmeas medalhistas Fábia, Fabiele e Fabíola Loterio comoveram o país com sua história. Elas tinham 15 anos e viviam na roça no distrito de Rio do Norte, no Espírito Santo. Não tinham internet em casa e a escola ficava a 21 quilômetros da propriedade onde seus pais plantavam verduras.

Hoje as trigêmeas estão na Universidade Federal do Espírito Santo. Com os recursos da família dificilmente poderiam viver com os R$ 400 da Bolsa do CNPq. Graças a uma iniciativa da TIM, elas continuarão na universidade, pois recebem R$ 1.200 cada uma. (A TIM ajuda 200 jovens num programa que lhe custa R$ 2,9 milhões anuais.) Quem depende só do CNPq, irá às favas.

Se ninguém gritar, em setembro o CNPq poderá cortar também o Programa de Iniciação Científica, que dá bolsas de R$ 100 mensais a 6.000 medalhistas. Foi esse o programa que permitiu às trigêmeas o acesso às suas primeiras aulas com professores da Federal do Espírito Santo.

É difícil entender por que os educatecas de Bolsonaro metem a faca em programas que custam pouco e estimulam jovens que demonstraram suas capacidades. De certa maneira, só tungam a garotada do andar de baixo, aquela que precisa de R$ 100 ou R$ 400 mensais. Isso, no meio do ano letivo.

Quebrando-se a cabeça, pode-se suspeitar que o governo tenha percebido o ativismo maligno das quatro operações da matemática. Aprendendo a somar, os jovens podem juntar ambientalistas, quilombolas, LGBTs e petistas. Os mais espertos poderão aprender a multiplicá-los, subtraindo antiglobalistas e milicianos. Para os profetas desse novo tempo isso poderia levar a uma divisão.

Guedes vende o sonho da privatização

Como o doutor prometeu também zerar o déficit primário em um ano, ninguém lhe pode cercear o direito ao delírio

Merval Pereira: A fake news do presidente Bolsonaro

- O Globo

‘Ameaça’ de não dar mais entrevistas diz muito sobre uma personalidade que se mostra a cada dia mais autoritária

O presidente Jair Bolsonaro insiste na fake news de que eu teria recebido R$ 375 mil por uma única palestra paga pelo Senac. Colocou ontem no seu twitter a falsa informação e, numa entrevista coletiva, desafiou os jornalistas a publicarem sua “denúncia”.

No dia 5 de Janeiro, seu filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro, havia publicado a mesma mentira em seu twitter. Como o governo mal começara, e se tratava do filho do presidente, resolvi responder apenas no twitter, esclarecendo o que realmente se passou. O 02 parecia ter se convencido da falsidade da informação que divulgara, e apagou-a.

Ontem, seu pai voltou ao mesmo assunto, numa demonstração de má-fé. Deixou claro, naquele seu linguajar característico, que se tratava de uma desforra por causa das minhas críticas ao seu governo: “Acabei de postar aí uma matéria sobre o Merval Pereira. Palestra por 375 mil reais, tá legal? Tá ok? 375 pau uma palestra no Senac, tá ok? Façam matéria agora. Se vocês não fizerem nenhuma matéria sobre isso amanhã no jornal eu não dou mais entrevista pra vocês, tá legal? Tá combinado? Toda a imprensa. Tá combinado? E tem mais nome também, eu só botei um nomezinho hoje. Não estou perseguindo ninguém. Agora, gastar dinheiro público pra palestras, aí é brincadeira. Fica escrevendo o tempo todo lá críticas, criticar mas mostrar que é uma pessoa isenta, né? Imprensa isenta. Se não fizerem matéria escrita amanhã nos jornais, não tem mais entrevista pra vocês aqui, tá legal?”

Deixar de dar entrevistas se jornalistas não fizerem o que ele deseja? Essa “ameaça” seria apenas risível, não dissesse ela muito de uma personalidade que a cada dia se mostra mais autoritária. E desgostosa de poder muito, mas não poder tudo. Não é o desejo do presidente que satisfaço agora. É por respeito aos meus leitores que esclareço novamente o episódio, usando desta vez a coluna. Em março de 2016, eu e diversos outros jornalistas e economistas fomos contratados para participar do Mapa Estratégico do Comércio, da Fecomércio do Rio.

Bernardo Mello Franco: O Brasil na fogueira

- O Globo

O governo Bolsonaro estimulou o avanço das queimadas na Amazônia. Agora a ofensiva contra as terras indígenas pode criar outra crise internacional

As imagens da Amazônia em chamas estão queimando o filme do Brasil no exterior. Com palavras e ações, o governo de Jair Bolsonaro estimulou o avanço dos desmatadores sobre a floresta. Agora o país inteiro está na fogueira, sob risco de sofrer um boicote internacional.

A semana terminou com protestos em embaixadas, críticas de líderes do G7 e manchetes negativas nos principais jornais do mundo. Nossa reputação sofre o maior desastre em 50 anos, definiu o embaixador Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente no governo Itamar.
É um caso único de haraquiri diplomático. Em menos de oito meses, Bolsonaro conseguiu unir a comunidade científica, os ambientalistas e a opinião pública internacional contra o governo que dirige.

Depois de hostilizar doadores do Fundo Amazônia e tentar culpar as ONGs pelos incêndios, o presidente se refugiou no patriotismo para rebater líderes estrangeiros. Na quinta-feira, ele acusou o francês Emmanuel Macron de expressar uma “mentalidade colonialista” ao condenar a devastação da floresta.

O tom conspiratório foi endossado pela ala militar do governo. O general Villas Bôas falou em “ataque à soberania brasileira”, e o general Augusto Heleno reciclou a tese de que haveria um “movimento mundial” para “frear nosso inevitável crescimento”. Esta é uma conversa antiga, usada pela ditadura para justificar a ocupação predatória da Amazônia.

Além de soar antiquado, o discurso nacionalista não combina com as ações do Planalto. Há menos de um mês, Bolsonaro disse que deseja abrir as terras indígenas para mineradoras americanas. “Por isso eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada”, acrescentou, referindo-se à indicação do filho Eduardo.

Em outro sincericídio, o Zero Três passou um atestado de inadequação à diplomacia ao divulgar um vídeo que chama o presidente da França de “idiota”. Seria melhor entregar a embaixada a Neymar, que tuitou um anúncio de relógio enquanto jogadores europeus se mobilizavam contra as queimadas.

Míriam Leitão: Como recuperar a imagem queimada

- O Globo

Pessoas que tinham o mesmo sonho civilizatório venceram a escravidão, a ditadura, a hiperinflação. Será assim na proteção da Amazônia

O Brasil enfrentou, ao longo da história, diversas ondas de críticas e indignação no exterior. No século XIX, os ataques eram à prolongada escravidão e ao tráfico de africanos. Joaquim Nabuco foi acusado de difamar o país porque condenava os crimes cometidos aqui. Na ditadura, a acusação era de tortura e morte de opositores. Na hiperinflação, o Brasil era ridicularizado como um país de economia bizarra. No caso do desmatamento, várias vezes elevou-se o tom das críticas ao Brasil. Em todos esses casos, só um método funcionou para recuperar a imagem queimada: ir às causas do problema para eliminar os motivos das críticas.

A Amazônia sempre estará no radar do mundo e, quando o desmatamento cresce, as críticas são fortes. Ocorreu nos governos Fernando Henrique e Lula, e a reação, nas duas administrações, foi ampliar os esforços de combate. Mesmo que tenha havido, no caso de Lula, críticas às críticas, o que de fato se fez, sob o comando da ministra Marina Silva, foi ampliar o esforço para reduzir o ritmo de destruição e só por isso é que a taxa anual de 2004 a 2012 caiu 80%.

Esta semana, no meio da nossa aflição, era possível apontar os aviões e até as roupas dos brigadistas comprados com dinheiro do Fundo Amazônia. Ele está sendo destruído agora pelo atual ministro do Meio Ambiente. Destruir é fácil, construir foi um caminho longo e árduo no qual houve a soma de forças de ONGs, cientistas, Ministério do Meio Ambiente, Itamaraty. A questão do pagamento por desempenho dentro das negociações do clima foi sugestão de ONGs, na COP-6, em Haia, em 2000. No Protocolo de Kyoto o pagamento era feito por floresta plantada. O debate que o Brasil sustentou foi o de receber por desempenho no combate ao desmatamento.

Dorrit Harazim: Tristes trópicos

- O Globo

É nossa a responsabilidade pela indigência ambiental a que o Brasil desceu. Do país inteiro — de quem vota e de quem não vota

Mesmo não estando mais em janeiro de 1822, vale pegar carona em D. Pedro I para registrar o momento atual, tão decisivo para o futuro do Brasil. É para o bem de todos e informação geral da nação — sobretudo dos habitantes palacianos em Brasília — que transcrevemos abaixo um trecho do livro-choque “A Terra inabitável: Uma história do futuro”, de David Wallace-Wells. Best-seller nos Estados Unidos e recém-lançado no Brasil (Cia. das Letras), a obra é solidamente referenciada: às 281 páginas de texto seguem-se outras 77 só de notas e fontes bibliográficas.

O trecho pinçado é de compreensão universal, mesmo para quem é avesso a leituras sobre a questão ambiental:

“[...]Quando uma árvore morre — por processos naturais, incêndio, ou ação humana —libera na atmosfera o carbono armazenado, às vezes por séculos. Nesse sentido, ela é como um carvão. E é por isso que o efeito dos incêndios florestais sobre as emissões é um dos ciclos de retroalimentação climáticos mais temidos — o medo de que as florestas do mundo, normalmente sumidouros de carbono, se tornem fontes de carbono, liberando todo esse gás armazenado... E mais incêndios significam mais aquecimento, que significa mais incêndios. Simples assim. Na Califórnia, um único incêndio florestal pode eliminar por completo os ganhos de emissões conquistados no mesmo ano graças a todas as políticas ambientais agressivas promovidas pelo estado.

[...] Hoje, as árvores da Amazônia ficam com um quarto de todo o carbono absorvido por ano pelas florestas do planeta. Mas em 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu abrir a selva tropical para o desenvolvimento — ou seja, para o desflorestamento. Quanto estrago uma só pessoa consegue causar ao planeta? Um grupo de cientistas brasileiros estimou que entre 2021 e 2030 esse desflorestamento liberaria o equivalente a 13,12 gigatoneladas de carbono. No ano passado, os Estados Unidos emitiram cerca de 5 gigatoneladas. Isso significa que essa política, sozinha, teria o dobro ou o triplo do impacto de carbono anual de toda a economia americana, com todos os seus aviões, automóveis, usinas a carvão. Ninguém emite mais carbono do que a China, o país foi responsável por despejar 9,1 gigatoneladas no ar em 2017. Isso quer dizer que a política de Bolsonaro equivale a acrescentar, mesmo que apenas por um ano, uma segunda China inteira ao problema do combustível fóssil mundial — sem contar os Estados Unidos.[...]”.

Luiz Carlos Azedo: As Mil e Uma Noites

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo corre atrás do próprio rabo, inclusive quando atribui ao aquecimento global a ocorrência das queimadas. Trata-se de um argumento a mais para preservar a Amazônia”

A tradução mais fiel e sofisticada de As Mil e Uma Noites é do explorador inglês Sir Richard Francis Burton, em 16 volumes, lançada entre 1885 e 1888, com suas notas sobre as culturas persa e árabe e relatos de hábitos sexuais, inclusive de homossexualismo masculino e feminino. O clássico da literatura fantástica é uma coletânea de histórias reunidas durante séculos, inicialmente surgidas na Índia, por volta do século 3. Seus gênios, metamorfoses de animais e semideuses lembram o imaginário hinduísta. Essas histórias viajaram pela Pérsia, contadas pelos mercadores, sendo reunidas, a primeira vez, numa coletânea anônima intitulada Hezar Afsaneh (“Os Mil Contos”), na qual já apareciam o sultão Chahriar e sua esposa infiel, Sheherazade.

Traduzidos para o árabe, por volta do século 8, ganhou carga heroica e forte influência islâmica, inclusive no título, por causa da superstição de que números redondos dão azar. Por isso, passou a se chamar As Mil e Uma Noites. Há três versões árabes, uma síria, uma egípcia antiga e outra egípcia tardia. Por volta de 1700, as histórias chegaram ao Ocidente, traduzidas pelo francês Antoine Galland, de um manuscrito do ramo sírio do século 13, no qual incluiu as histórias de Ali babá e os Quarenta Ladrões, Aladim e As Viagens de Simbá, o marujo.

Burton (1821-1890) é um capítulo à parte. Antropólogo, espião, espadachim e poeta, foi cônsul britânico em Santos e escreveu três livros sobre o Brasil. Ex-aluno de Oxford, como capitão da Companhia das Índias britânica explorou a Índia, o Oriente Médio e a África. Em 1856, disfarçado de médico afegão, peregrinou a Meca e visitou a Caaba – santuário supremo dos muçulmanos. Logo depois, viajou à cidade santa de Harar, na Etiópia, de onde nenhum homem branco jamais saíra com vida. Em 1858, realizou o feito pelo qual é mais lembrado: descobriu o Lago Tanganica. A jornada, em companhia do explorador John Speke, que depois se tornou um desafeto, foi retratada em 1990 no filme As Montanhas da Lua. Speke descobriu o Lago Vitória, mas erroneamente concluiu que seria a nascente do Nilo, contra a opinião de Burton.

Burton falava 26 línguas e também traduziu os clássicos da literatura erótica Kama Sutra e o Jardim Perfumado, além do épico renascentista Os Lusíadas, de Camões. Suas traduções e relatos antropológicos escandalizaram a sociedade vitoriana da época, a ponto de sua mulher queimar seus manuscritos, mas isso não impediu a rainha Vitória de lhe conceder o título de Sir, em 1896, por serviços prestados à Inglaterra no “grande jogo” no Oriente, a disputa por áreas de influência com outras potências europeias, sobretudo a França e a Rússia. Quatro anos depois, Burton morreu em Trieste, na Itália, passando à história como aventureiro erudito e temerário. Sofria de depressão, era viciado em ópio, haxixe e bebidas alcoólicas e, ao morrer, revelou cicatrizes nas costas que levantaram suspeitas de que havia se convertido ao sufismo, uma linha mística do islamismo.

Gaudêncio Torquato*: Auscwitzel

- Blog do Noblat / Veja

Um saltitante governador
Cena da semana: um saltitante governador dando murros no ar na ponte Rio-Niterói para comemorar o abate do jovem Wilson Augusto Santos, sequestrador de um ônibus com 39 passageiros. O ex-juiz Wilson Witzel, na condição de mandatário-mor, vibrava ao fim da tragédia, convencido de que acertou na sua orientação à segurança pública: “mirar na cabecinha e… fogo… matar o bandido! Para não errar”.

Deu certo. Esgotados os recursos para a dissuasão do sequestrador, restava o tiro. Foram seis. A imagem de sua Excelência se destacou pela extravagância. Ainda que se justifique a ação policial, comemorar a morte de um sequestrador é inapropriado para quem deveria conservar traços da nobre missão de administrar a justiça. Witzel se mostrou mais Rambo do que ex-juiz.

Essa estampa de violência levou um dos maiores juristas do país, o desembargador e professor de Direito Penal Walter Maierovitch, a lembrar o horror de Auschwitz, no qual os nazistas mataram 1,3 milhão de pessoas em seu maior campo de concentração. O populista Witzel ou o Auscwitzel?

O Rio é uma praça de guerra. No primeiro trimestre deste ano, 434 pessoas foram mortas por intervenção policial. Média de sete por dia, maior número desde 1998. A política de segurança pública tem se guiado pelo mote: “matar ou matar. Bandido bom é bandido morto”. A doutrina, encampada pelo presidente da República, desce como uma gigantesca cortina de sangue sobre o território, abrindo os portões dos cemitérios.

O que pensa a mídia | Editoriais

A defesa da soberania nacional: Editorial | O Estado de S. Paulo

O inciso I do artigo 1.º da Constituição coloca a soberania como o primeiro dos fundamentos da República. Ou seja, o Estado deve ser soberano tanto no exercício do poder dentro do território nacional, por meio da elaboração e da aplicação das leis, como na relação com outros Estados, que deve se dar sempre de forma altiva, isto é, sem sujeitar o País a interesses estrangeiros. É dever constitucional do chefe de Estado pôr-se à frente da defesa da soberania nacional, seja ajudando a preservar a ordem interna e o Estado de Direito, seja protegendo os interesses brasileiros no exterior. Em nenhuma dessas dimensões, a soberania será bem resguardada se o chefe de Estado agir de forma autoritária e imprudente, como tem feito o presidente Jair Bolsonaro, em especial no que diz respeito à preservação da Amazônia.

É fato que a gritaria internacional em torno da suposta escalada na devastação da floresta amazônica embute muitos interesses de países europeus cujos produtores agrícolas concorrem com o poderoso agronegócio brasileiro – e o dano à imagem do País tem o potencial de minar a competitividade brasileira no exterior, num mercado cada vez mais sensível a questões ambientais. Assim, faz bem o governo brasileiro ao ressaltar que nem todas as críticas ao modo como o Brasil lida com suas florestas são desinteressadas.

Livro || O sábio e o tirano

Filósofo russo-francês foi professor de Raymond Aron, Merleau-Ponty, Eric Weil, André Breton, Georges Bataille e Jacques Lacan

Martim Vasques da Cunha* | O Estado de S. Paulo

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, o filósofo russo (naturalizado francês) Alexandre Kojève acreditava que ser um homem do pensamento era a melhor qualificação para governar um país. Ele defendia o fato de que os membros que faziam parte desta “República das Letras” gozavam de alguma vantagem sobre os “não iniciados” (e os políticos faziam parte desse grupo) no que diz respeito às questões de governo.

Esse é também o argumento principal da mais recente biografia sobre esta figura enigmática do mundo intelectual europeu – The Black Circle: A Life of Alexander Kojève, de Jeff Love (Columbia University Press, 352 páginas), publicada este ano. Contudo, não se trata de uma biografia tradicional ou de algo mais palatável. O livro de Love – tradutor para o inglês das obras de Kojève e professor de russo e alemão na Universidade de Clemson, na Carolina do Sul – é muito mais a meditação sobre uma vida puramente intelectual que, com calma, preparou a sua influência derradeira no mundo prático da política, como se fosse um círculo sombrio a se expandir infinitamente, do centro para a periferia, do subsolo da sociedade para o topo da elite do poder.

The Black Circle parte da perturbadora suposição de que a busca pela sabedoria e a busca pelo poder absoluto sempre caminharam de mãos juntas na história da humanidade. Segundo Kojève, o filósofo (que não deve ser confundido com o sábio) e o tirano (que não é semelhante ao bom governante, mas pode se tornar um) são reflexos simétricos na luta por um reconhecimento entre os dois, cujo término acontecerá apenas quando chegar a um fim em que não teremos mais qualquer espécie de sabedoria, muito menos qualquer espécie de controle sobre os seres humanos. Neste combate, o filósofo leva a vantagem porque tem “três traços distintivos” em contraste com o resto da sociedade.

O primeiro traço é que “o filósofo é mais experiente na arte da dialética ou discussão em geral: ele vê melhor que o seu interlocutor ‘não iniciado’ as inadequações do argumento do último, e sabe melhor como tirar o máximo partido dos seus próprios argumentos e como refutar as objeções dos outros”. Já o segundo é que, com a arte da dialética, o filósofo consegue se libertar de “preconceitos em maior medida do que o ‘não iniciado’: ele está assim mais aberto para aquilo que a realidade é, e é menos dependente da forma como os homens, em determinado momento histórico, a imaginam ser”. E, por último, mas não menos importante, uma vez mais aberto para as sutilezas do real, o amante da sabedoria “aproxima-se mais do concreto que o ‘não iniciado’, que se confina em abstrações, sem, porém, se aperceber do seu caráter abstrato ou até irreal”.

Poesia || Graziela Melo: Entre as estrelas

Entre
as estrelas
e a lua
transitam
nuvens
inquietas

Há muito
se escondeu
o sol
atrás
das sombras
da terra!

Ruminando
um certo
desejo
que consome
minha alma

E do meu sono
tripudia

Olho pela janela
e vejo a rua
vazia...

E apenas
olhar
para o mundo,
era só
o que eu
queria!!!