segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Opinião do dia – Celso de Mello*

O que está a acontecer no Rio de Janeiro constitui fato gravíssimo, pois traduz o registro preocupante de que, sob o signo do retrocesso – cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado -, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático.

Mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República!

Uma República fundada no princípio da liberdade e estruturada sob o signo da ideia democrática não pode admitir, sob pena de ser infiel à sua própria razão de ser, que os curadores do poder subvertam valores essenciais como aquele que consagra a liberdade de manifestação do pensamento.

*Celso de Mello, decano Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Folha de S. Paulo, 7/09/2019.

Fernando Gabeira – Máscaras que caem

- O Globo

Quando eleitores se derem conta de que a luta de Bolsonaro contra a corrupção era da boca pra fora, seu prestígio vai desabar mais

Há duas semanas, escrevi um artigo sobre o desmonte da Lava-Jato. A tese era esta: os três Poderes investiam contra ela: STF, Congresso e Bolsonaro. Isso sem contar o desgaste produzido pelo vazamento no site The Intercept.

O ataque mais vigoroso partiu do presidente do Supremo, Dias Toffoli. Ele proibiu o Coaf de compartilhar dados com os órgãos de investigação, exceto em casos em que a Justiça autorize. Recebeu o apoio de Bolsonaro, porque sua decisão foi tomada precisamente para atender a um recurso de Flávio Bolsonaro, investigado a partir da movimentação atípica de seu funcionário Fabrício Queiroz. O Supremo voltaria a atacar, anulando a condenação do ex-presidente do BB e da Petrobras Aldemir Bendine.

Na trincheira do Congresso, foi votada a lei de abuso de autoridade. É uma lei que contém artigos abstratos como, por exemplo, o que pune prisões sem base legal. É um problema de interpretação. Se faltar base legal a uma prisão, as instâncias superiores a suspendem. Por que criminalizar o juiz que considerou haver base legal?

Os 36 vetos de Bolsonaro indicam o nível de discordância da lei de abuso. Mas os vetos não atenuam seu apoio a Toffoli e as consequentes mudanças que realizou no Coaf.

O problema central são investigações sobre dinheiro. Elas não envolveram apenas Flávio Bolsonaro, mas também as mulheres de Toffoli e Gilmar Mendes. O título do meu artigo era “Desmonte em família”.

Reconheço agora que faltou um elo nessa corrente que, talvez, não queira acabar com a Lava-Jato, por causa da repercussão negativa, mas apenas neutralizá-la, impedir que chegue a alguns recantos do poder. Esse elo é a própria Procuradoria. Parece que Raquel Dodge se sentou em cima de alguns processos, e a renúncia coletiva dos procuradores é uma veemente denúncia dessa cumplicidade dela com o esquema de desmonte.

Demétrio Magnoli - 30 anos, amanhã

- O Globo

Há 30 anos, entre a noite de 10 de setembro de 1989 e a manhã seguinte, o êxodo começou. Milhares de alemães do leste com vistos de turismo cruzaram a fronteira entre Hungria e Áustria. Na passagem, cada motorista recebeu pouco mais de US$ 25 doados pela Cruz Vermelha para pagar o combustível até a Alemanha Ocidental. Ali, começou a ruir o Muro de Berlim, que desabaria dois meses depois, no 9 de novembro. A história inteira, relida hoje, é um conto sobre a indignidade e o declínio de valores.

O ponto de partida situa-se pouco antes, no 27 de agosto, quando o governo comunista húngaro cedeu à pressão e cortou a cerca erguida na fronteira com a Áustria. Vivia-se o ocaso de uma era. Da capital da Tchecoslováquia, vinham os ecos de uma grande manifestação em memória do 21º aniversário da invasão soviética que arrasou a Primavera de Praga. Dos países bálticos, as imagens de uma corrente humana de dois milhões de letões, estonianos e lituanos que exigiam liberdade e independência. Mas a ruptura física da cerca húngara de arame farpado, um ato simbólico protagonizado pelos ministros do Exterior da Hungria e da Áustria, assinalou a quebra da Cortina de Ferro.

No 27 de agosto, um estudante húngaro acompanhava as notícias de longe, na Universidade de Oxford. Chamava-se Viktor Orbán, tinha 26 anos e beneficiava-se de uma bolsa concedida pela Fundação Soros. No ano anterior, ele tinha ajudado a fundar o Fidesz, um partido oposicionista ilegal, democrático e liberal. De volta a seu país, fez carreira política meteórica, elegendo-se primeiro-ministro em 1998. Hoje, o líder que nasceu da derrubada de um muro converteu-se no principal arauto da construção de muros. Orbán é a face icônica da Europa xenófoba que invoca o direito do sangue para implantar barreiras de arame farpado diante de refugiados do Oriente Médio e do norte da África.

São dois capítulos distintos. No seu mandato original, até 2002, Orbán conservou-se fiel aos princípios liberal-democráticos, conduzindo as negociações de acesso da Hungria à União Europeia. Já no segundo mandato, iniciado em 2010, vestiu as roupagens de um nacionalista conservador, armando os canhões paralelos da islamofobia e do antissemitismo. Então, a pólvora da “civilização cristã” passou a impulsionar seus obuses dirigidos contra dois alvos: os imigrantes e a globalização.

Cacá Diegues - As bordunas que nos esperam

- O Globo

Um presidente da República devia pensar bastante antes de falar. Sobretudo se vai comentar notícia pública

Se durmo mal à noite, acordo meio distraído, preciso me iludir com manias contemporâneas e caio de boca na internet para ver o que é que há. Então, leio os posts matutinos e me assusto: onde é que estamos? E minha cabeça roda em busca de uma direção, tentando entender: onde é que viemos parar?

Não sei se a deputada Maria do Rosário é mais feia do que madame Macron. Se o pai da ex-presidente do Chile era mais cubanófilo que o pai do presidente da OAB. Se um ministro é mais chucro ou mais ingênuo que o outro, que seria rechaçado no Senado caso fosse indicado para o Supremo. Quem nos surpreende com tais escolhas é o cara em que devemos acreditar sempre, por ser o chefe da nação. Que país é esse?

Quando o Brasil completou 500 anos de invasão europeia, no ano 2000, o professor de Ciência Política Renato Lessa publicou pequeno ensaio antecipativo, quase um conto sci-fi, com o premonitor título de “Maicon da Silva, 45 anos, mulato e evangélico: presidente da República”. No final do século passado (ou no princípio deste) ele nos prevenia de que, em 20 ou 30 anos, o presidente do Brasil poderia ser assim descrito, como estava no título de seu ensaio. Dezenove anos depois, sabemos que Lessa só não acertou a idade e a cor da pele do rapaz.

Quando, no ensaio, o professor diz que não havia nada que eliminasse sua hipótese, acrescenta logo: “ainda que as barreiras à ascensão exijam fôlego heroico”. Mas esse fôlego pode muito bem ser substituído por um certo acaso, produto de um “mercado eleitoral brasileiro gigantesco e aberto a inúmeras trajetórias possíveis”. A do nosso atual presidente é um exemplo.

Bolsonaro, o indiscutível vencedor de 2018, está hoje bem atrás de alguns de seus ministros em matéria de popularidade. Dois deles, o da Justiça e o da Economia, dão-lhe surra épica em pesquisa idônea, produzida pelo mesmo instituto que previu sua vitória no ano passado, o Datafolha.

Acho que um presidente da República devia pensar bastante antes de falar. Sobretudo se vai comentar notícia pública, dessas que todos conhecem ou podem vir a conhecer. Não dá pra sair por aí temerariamente, a julgar a beleza ou a conduta dos outros, às vezes gente de quem nem teve notícia antes de lhe ocorrer comentá-la. Enquanto isso, ocorrências no mínimo lamentáveis nos enchem de vergonha, sem que ele sequer as critique.

Marcelo Trindade* - Desmentido é parte do plano

O Globo

A técnica de propaganda não é nova, mas tem se revelado imbatível em uma sociedade conectada e instantânea como a nossa.

Primeiro, monopoliza-se a atenção da mídia e das redes sociais, lançando mensagens chocantes, radicais, constrangedoras ou agressivas que, por seu conteúdo ou forma, disseminam-se rapidamente e atingem todos os públicos —inclusive, por definição, os que a elas são mais suscetíveis: dos radicais e rabugentos até os que sofrem com a estagnação econômica e o desemprego, passando pela maioria, farta de corrupção e aparelhamento do Estado.

Em seguida vem a reação de intelectuais, jornalistas e outros círculos politizados. E até de autoridades estrangeiras. É a senha para passar-se à fase do desmentido, mais ou menos enfático, a depender da intensidade da reação, variando de uma explicação implausível a uma negativa discreta.

Bolsonaro nega ter ofendido Brigitte Macron ou desmontado a estrutura de proteção ambiental. Witzel pede desculpas à família de Marielle pela quebra covarde da placa que a homenageava. Reincide, ao cair dos céus socando o ar como em Copa do Mundo, mas diz ter celebrado a vida dos reféns, e não a morte do sequestrador (justificada, diga-se). E isso depois de, colérico, atacar os que defendem direitos humanos, dizendo-os assassinos e defensores de bandidos (como o agora morto).

Carlos Pereira - Entre aflição e conforto

- O Estado de S.Paulo

Robustez institucional e alternância no poder qualificam a democracia

Sexta-feira passada visitei o museu de arte contemporânea de Amsterdã, Moco, que trazia uma exposição do artista inglês, ainda anônimo, conhecido como Banksy. Ao lado de um dos seus grafites mais intrigantes, Menina com o Balão, surgia a frase: “Art should comfort the disturbed and disturb the comfortable”.

Assim como a arte, a democracia gera conforto ou aflição. Pesquisas de opinião sugerem que é o lado vencedor que tende a extrair mais conforto com a democracia e, por consequência, desenvolver maior crença na democracia. O lado perdedor, entretanto, tende a desenvolver aflições com a derrota e a identificar sinais de que a democracia estaria em crise e sob ameaça. Independentemente do lado em que estivermos, chances de frustração estão sempre presentes: seja com a derrota do nosso candidato, seja com a performance do candidato escolhido.

Essa ambivalência em relação à democracia é decorrente de um de seus princípios fundamentais: a incerteza. Democracia exige que partidos políticos percam eleições por meio de um processo competitivo e, por isso, fundamentalmente incerto. O “milagre” da democracia se dá quando perdedores alimentam a esperança de que seu candidato venha a se tornar o vencedor nas próximas eleições e quando vencedores se comprometem a entregar o poder de forma pacífica se a oposição for vencedora. E assim o jogo democrático se impõe em equilíbrio.

Em seu novo livro Why Bother with Elections?, Adam Przeworski afirma que entre 1788 e 2008 o poder político mudou de mãos como resultado de 544 eleições e 577 golpes. Portanto, escolher governos por via de eleições competitivas é um fenômeno relativamente recente e raro. Przeworski mostra que a estabilidade do processo democrático, entretanto, aumenta com a alternância de poder. Países que nunca vivenciaram alternância de poder apresentam uma probabilidade muito baixa de fazê-lo nas próximas eleições, apenas 12%. A chance mais do que dobra, passando para 30%, se os países já tiverem tido uma experiência prévia de alternância, e chega a 45% se já passaram por duas experiências de alternância no poder.

Cida Damasco - O dito pelo não dito

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro confunde o público sobre teto de gasto e cria incertezas

Aquele mote “é melhor você já ir se acostumando” ficou lá para trás, associado à campanha eleitoral, mas a mensagem continua valendo no governo. É bom se acostumar, por exemplo, com as idas e vindas de Bolsonaro, principalmente em relação aos assuntos da economia. Ao contrário do que muitos imaginavam, elas não indicam apenas uma inexperiência de presidente de primeira viagem. Trata-se de um “estilo”, que veio se consolidando ao longo desses quase 9 meses de mandato.

O desencontro do momento, em relação a flexibilizar ou não o teto de gastos, é apenas mais um – embora a definição seja urgente diante do agravamento do quadro fiscal e tenha grande potencial de mexer com os mercados. O impacto das declarações de Bolsonaro na economia só não é mais forte porque investidores, empresários e analistas já teriam percebido que, nessa matéria, o que ele fala não se escreve.

Diferentemente do que acontece em outros terrenos, como o da política ambiental. Pelo menos até o momento, Bolsonaro tem causado muito alvoroço na área econômica, mas, no final das contas, tem se rendido às posições do ministro Paulo Guedes.

Fareed Zakaria - O fim dos tories, o partido mais bem-sucedido do mundo

- O Estado de S. Paulo / The Washington Post

No século 21, globalização vai substituir o papel do Estado na economia como divisor ideológico entre os partidos no mundo todo

O Partido Conservador britânico é sem dúvida a organização política mais bem-sucedida da era moderna. Os tories governaram o Reino Unido por quase 60 dos 90 anos desde 1929. Mas hoje estamos vendo o início do fim do Partido Conservador que conhecemos.

Como a maioria dos partidos longevos, os tories tiveram muitas facções e ideologias através dos anos. Contudo, na era pós-2ª Guerra, eles se definiram por uma defesa do livre mercado e de valores tradicionais – uma combinação que teve o auge com Margaret Thatcher, a mais eficiente primeira-ministra tory desde Winston Churchill.

A orientação para o livre mercado fazia sentido. A segunda metade do século 20 foi dominada pelo choque entre comunismo e capitalismo. Partidos no mundo todo se alinharam num espectro esquerda/direita relacionado a um tema central: o papel do Estado na economia.

Hoje, chegamos a uma nova era ideológica, definida por uma divisão “aberto/fechado” – tendo de um lado pessoas que se sentem confortáveis em um mundo com grande abertura em comércio, tecnologia e migração e de outro pessoas que querem mais barreiras, mais protecionismo e mais restrições. Os partidos do futuro possivelmente vão se posicionar dentro desse novo espectro.

Pode-se sentir essa demolição da antiga ordem examinando-se os cinco últimos primeiros-ministros do Reino Unido, dois do Partido Trabalhista e três do Conservador (Tory). Todos eram favoráveis à permanência do Reino Unido na União Europeia (Theresa May votou por permanecer na UE, mas após o referendo ela prometeu obedecer à vontade do povo).

Marcus André Melo* - O presidente incivil e a opinião pública

- Folha de S. Paulo

O relógio presidencial deveria estar marcando horas, mas marca segundos

Tomando como exemplo os EUA e a Inglaterra, Joaquim Nabuco apontou diferenças marcantes quanto ao papel da opinião pública sob o presidencialismo e o parlamentarismo: “Comparado os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio que marca horas da opinião, o inglês um relógio que marca até os segundos”.

O pulso da opinião pública manifesta-se na formação e estabilidade dos gabinetes —é ele que rege as moções de desconfiança e com elas o calendário eleitoral. No presidencialismo, a opinião pública importa apenas nos anos eleitorais. E isso se reflete no Poder Legislativo que converte-se em “teatro para os debates, mas esse debates são como prólogos não seguidos de peças; não trazem nenhum desfecho, porque não se pode mudar a administração”. (Bagehot citado por Nabuco).

O mesmo se dá com a ação da imprensa: “o Times tem feito muitos ministérios; nada de semelhante se podia dar na América. Ninguém se preocupa dos debates do Congresso, eles não dão resultado algum, e ninguém lê os longos artigos de fundo, porque não tem influência sobre os acontecimentos”.

O modelo parlamentar clássico, referência de Nabuco quando escrevia essas linhas em 1900, sofreu transformações com o advento da democracia de massas nos anos 30 (quando os partidos substituem os notáveis), que por sua vez transmudou-se, nos anos 80, em um modelo mais personalizado (a democracia de público), no qual os partidos perderam força. A democracia de redes atual —uma espécie, selvagem de democracia sem mediações— radicaliza essa transformação e cria tensões nunca vistas.

Celso Rocha de Barros* - Instituição é coisa de petista?

- Folha de S. Paulo

Progresso institucional que Bolsonaro vem revertendo aconteceu nos anos Lula e Dilma

Continua a guerra de Jair Bolsonaro contra os órgãos de corrupção. Na última semana, o presidente da República escolheu Antônio Augusto Aras como novo procurador-geral da República. Aras não estava na lista tríplice escolhida pelos procuradores.

Todas as principais figuras da Lava Jato já haviam se pronunciado a favor da escolha de um nome da lista tríplice, pois isso diminui a chance de um PGR que acoberte crimes do presidente.

A Associação Nacional dos Procuradores da República emitiu uma nota de repúdio. Os procuradores denunciaram o aparelhamento bolsonarista da PGR nos seguintes termos: “O próprio presidente representou o cargo de PGR como uma 'dama' no tabuleiro de xadrez, sendo o presidente, o rei. Em outras ocasiões, expressou que o chefe do MPF tinha de ser alguém alinhado a ele. As falas revelam uma compreensão absolutamente equivocada sobre a natureza das instituições em um Estado Democrático de Direito”.

Na mesma semana, Bolsonaro deixou claro que Moro perdeu a vaga no STF e que a Polícia Federal vai ser aparelhada para “dar uma arejada”.

Ao que parece acabou a primavera das instituições que o Brasil experimentou durante os governos do PT. Todo esse progresso institucional que Bolsonaro vem revertendo aconteceu nos anos Lula e Dilma.

O essencial dessa história é o seguinte: as instituições brasileiras viveram um período de ouro durante os governos petistas porque os petistas eram fracos. Em parte, por serem de esquerda, em parte por serem recém-chegados.

Vinicius Mota – Alvo arriscado

- Folha de S. Paulo

Três em cada quatro eleitores concordam que homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, e o presidente Jair Bolsonaro aumentaram a dose de atenção à sua base eleitoral evangélica, como ficou claro neste Sete de Setembro.

Enquanto lideranças religiosas acompanhavam, a convite do Planalto, o desfile da Independência na capital federal, um pelotão de fiscais municipais invadia, sob ordem do chefe pastor, a Bienal do Livro carioca à caça de publicações com temática homossexual.

Presidente e prefeito veem-se acossados pela impopularidade, bem mais aguda no caso de Crivella, e reagem para evitar o contágio em segmentos mais fiéis. A diretriz faz sentido, sem deixar de ser também arriscada.

Embora a eleição esteja distante para Bolsonaro, a antipatia popular crescente atrapalha o governo. Estimula o debate de alternativas e encarece as interações do presidente com outras organizações de Estado. No caso de Crivella, que em junho escapou do impeachment, o pleito bate à porta.

Leandro Colon - A última tacada de Moro

- Folha de S. Paulo

Asfixiado por Bolsonaro, Moro aposta em plano de segurança para sobreviver

Jair Bolsonaro disse à Folha que Sergio Moro é um “ingênuo” na política, mas nem o ministro da Justiça deve ter acreditado nas boas intenções do chefe com o tapinha nas costas e a mão no ombro que recebeu no passeio pela Esplanada no desfile da Independência.

Não precisa de muita malícia para entender o jogo de Bolsonaro. Se dependesse dele, o ex-juiz da Lava Jato já estaria bem longe do seu governo.

O que era para ser um símbolo virou um estorvo para o presidente. Moro foi convidado para assumir a Justiça nas horas seguintes à eleição do ano passado como um gesto de Bolsonaro para tentar ganhar a plateia assustada com o que viria por aí.

Até deu certo. Para grande parte da população, Moro chegou a Brasília como símbolo número 1 da maior investigação de combate à corrupção. O super-herói de toga que botou os políticos ladrões na cadeia.

Bruno Carazza* - O teto ameaça desabar

- Valor Econômico

Ministro evitou comprar briga com setores poderosos

O ministro Paulo Guedes gosta de metas ambiciosas e números grandiloquentes. Ainda durante a campanha, no programa Central das Eleições, da Globonews (24/08/2018), o futuro superministro da Economia anunciou sua intenção de zerar o déficit primário no primeiro ano de governo e de obter R$ 2 trilhões com privatizações, vendas de imóveis e concessões até o final do primeiro mandato de Bolsonaro.

No final de janeiro, durante a reunião do Fórum Econômico de Davos, Guedes insistia na tese do déficit zero. Em entrevista ao jornalista Jonathan Ferro, da agência Bloomberg de notícias financeiras, o ministro assegurou que alcançaria a meta logo no primeiro ano do governo com reforma da previdência, cessão onerosa do petróleo, privatizações e concessões, devolução de recursos do BNDES e de outros bancos públicos para a União e um corte de 10% dos subsídios da União.

Apesar do excesso de otimismo do ministro, a dura realidade de Brasília já se impôs. Na proposta de lei orçamentária para 2020 encaminhada ao Congresso, o Ministério da Economia admitiu que a meta não será alcançada em 2019 e nem sequer ao final do mandato de Bolsonaro: a previsão para 2020 é que estaremos no vermelho em R$ 118,9 bilhões.

Ao longo de nossa história recente, o governo brasileiro lidou com o crônico problema fiscal seguindo abordagens muito diferentes. Durante boa parte dos anos 1980 e 1990, empurrou-se a sujeira para debaixo do tapete no período de hiperinflação e nos primeiros anos do Plano Real. Quando a crise internacional bateu à nossa porta em 1999, decidiu-se atuar pelo lado da arrecadação: a carga tributária subiu de uma média de 26,4% do PIB na década de 1990 para 32,2% nos dez anos seguintes, o que foi suficiente para sustentar um dos pilares do tripé macroeconômico, gerando uma sequência de superávits primários superiores a 3% do PIB a partir do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Alex Ribeiro - Ruídos no mercado com nova ação cambial do BC

- Valor Econômico

Venda de dólares não tem relação com política monetária

O mercado financeiro ainda está se acostumando com as mudanças nas intervenções cambiais feitas pelo Banco Central, e a falta de compreensão plena vem provocando volatilidade na cotação do dólar e nos juros.

O ápice dos ruídos ocorreu há duas semanas, quando o BC fez uma venda extraordinária de US$ 560 milhões das reservas internacionais para acalmar o mercado de câmbio, que tinha perdido os parâmetros de preços. A cotação do dólar oscilou muito naquele dia, mas a repercussão mais negativa foi a alta dos juros futuros.

Uma leitura comum entre os operadores foi que, com a intervenção, o Banco Central sinalizou um desconforto com o nível da taxa de câmbio, que chegara a R$ 4,19. A preocupação do BC seria, segundo essa linha de argumentação, com as repercussões da alta do dólar na inflação. Dessa forma, cortaria menos os juros.

Na semana passado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou corrigir essa leitura. "Acreditamos no princípio da separação", disse ele, enfatizando que as intervenções cambiais visam a estabilidade cambial, e a taxa básica, a estabilidade monetária e das flutuações do ciclo econômico.

Parte dos operadores do mercado tende a acreditar que a política monetária deve responder mecanicamente a variações do dólar, um vício que remonta o regime de câmbio administrado da década de 1990. Algumas teorias dizem que Campos, por ser oriundo do mercado financeiro, teria uma preocupação pronunciada com as condições financeiras mais abrangentes da economia, das quais o câmbio é um componente importante.

Ricardo Noblat - É dando que se recebe

- Blog do Noblat | Veja

O sonho do filho custará caro
A aprovação da reforma da Previdência Social pelo Senado são favas contadas. Mas a aprovação ao nome de Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil em Washington custará caro.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado, já informou a Bolsonaro que há votos bastante para aprovar a indicação do Zero Três, tanto na Comissão de Relações Exteriores quanto no plenário.

Mas… Mas Bolsonaro, segundo Alcolumbre, não deve esperar tanta boa vontade dos senadores se não lhes der algo em troca. Cargos no governo até que seria bom, mas tem coisa melhor.

Os ministérios não se queixam – e com razão – que seus orçamentos para este ano serão pequenos, mas que os do próximo serão ainda menores? E então? É por aí.

Que Bolsonaro peça ao Congresso a aprovação de um crédito suplementar e que parte do dinheiro seja destinada ao atendimento das emendas parlamentares ao Orçamento da União.

São dessas emendas que vivem senadores e deputados. Precisaram que sejam pagas para irrigar suas bases eleitorais com pequenas obras. Haverá eleições municipais em 2019.

Velha ou Nova Política, é dando que se recebe.

Os erros que Bolsonaro quer corrigir

Cabeças a prêmio
Quando Lula foi eleito presidente em 2002, pediu conselhos a José Sarney. Com mais de 50 anos de poder, o ex-presidente respondeu que presidente da República não precisa de conselhos, mas lhe deu um:

– Há três cargos nos quais você não pode errar de jeito nenhum: o diretor da Polícia Federal, o secretário da Receita e o procurador-geral da República.

Tempos depois, Lula desabafou com Sarney:

– Aquela nossa conversa não me sai da cabeça. Errei nos três.

(A informação está na mais recente edição do TAG Reporter, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.)

Bolsonaro já errou em dois: na escolha do Diretor da Polícia Federal que deixou a cargo do ministro Sérgio Moro, e na escolha do Secretário da Receita que deixou a cargo do ministro Paulo Guedes.

A cabeça do Diretor e a do Secretário está a prêmio.

Só o futuro dirá se ele acertou ao indicar Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Parte dos seus devotos acha que Bolsonaro errou.

Um Rivotril para Paulo Guedes

Arrogância no calçadão
Conta o jornalista Ancelmo Gois, em sua coluna desta segunda-feira no jornal O Globo, que o ministro Paulo Guedes, da Economia, passeava ontem à tarde no calçadão do Leblon, no Rio, quando uma pessoa de um grupo gritou, referindo-se ao comentário dele sobre a aparência da primeira-dama francesa Brigitte Macron:

Políticos reforçam aceno a eleitorado conservadora

Apelo às pautas de costumes se intensificou com ação de Crivella na Bienal e de Doria com material didático

João Paulo Saconi | O Globo

A tentativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de censurar uma revista em quadrinhos à venda na Bienal do Livro marcou novo episódio na lista de políticos que têm dedicado sua atuação às pautas de costume, o que lhes garantiria aproximação com o eleitorado mais conservador. Há um ano, a vitória do presidente Jair Bolsonaro e de outros candidatos foi em parte atribuída a uma “onda conservadora” — e boa parte dos aliados do presidente afirmam estar em uma “guerra cultural”.

A atitude de Crivella provocou a reação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com declarações e decisões de veto à censura, e jogou holofotes sobre um político que tentará a reeleição daqui a um ano. Mas o prefeito do Rio não foi o único a tomar recentemente decisões de apelo a aspectos morais do eleitorado. Na semana passada, o governador de São Paulo, João Doria, possível adversário de Bolsonaro no campo mais conservador em 2022, determinou o recolhimento de material didático que tratava sobre orientação sexual nas escolas estaduais.

— Parece não haver dúvida de que essas atitudes têm um sentido eleitoral. Você deslocar o debate eleitoral das funções administrativas da cidade para a chamada guerra cultural, na tentativa de reunir a base conservadora e passar a debater valores. De maneira muito ampla e geral, é a mesma (tática) do presidente Jair Bolsonaro — avalia Fernando Schüeler, professor do Insper. — O outro olhar sobre isso é que a reação da sociedade às atitudes dele (Crivella), com aumento da venda dos livros e, por fim, a decisão do STF, mostra que é uma visão que não se coaduna mais com a sociedade.

HISTÓRICO
Em 2017, no primeiro ano de mandato, Crivella fez campanha pública contra a instalação da exposição “Queermuseu” no Museu de Arte do Rio (MAR). Ainda naquele ano, a reunião de obras artísticas havia sido suspensa em Porto Alegre, sob a acusação de incentivar a pedofilia, a zoofilia e o desrespeito a símbolos religiosos. Na ocasião, a atuação do Movimento Brasil Livre (MBL) pelo cancelamento do evento inflou a expressividade do grupo na internet.

Na trilha da direita, Doria traça ação contra bolsonarismo

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Aliados próximos do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), sustentam que não há nada mais emblemático do que as respostas do tucano a jornalistas na Alemanha, no último dia 30 de agosto, para entender a estratégia no enfrentamento com o presidente Jair Bolsonaro. Ao falar do desgaste da imagem do Brasil no exterior, por causa das queimadas na Amazônia, Doria afirmou que o país "precisa ter cuidado" na política ambiental e sugeriu que haja "diálogo, compreensão, entendimento". Além de usar palavras apagadas do dicionário do bolsonarismo, provocou ainda mais: "Em São Paulo não temos desmatamento, ao contrário. É desmatamento negativo".

Para concluir, Doria enfatizou que, no Estado que gerencia, o reflorestamento da Mata Atlântica é possível graças a parcerias com ONGs e instituições de pesquisa. "Esse é um bom caminho que estamos seguindo aqui em São Paulo. Espero que o Brasil também siga na mesma rota." Impossível imaginar, na atual conjuntura, o presidente Bolsonaro admitir cooperações com o terceiro setor e enaltecer a ciência.

Bolsonaro e Doria anteciparam 2022, cada um a sua maneira, e se movimentam mesclando intuição política ou análises de pesquisa. Levantamentos quantitativos e qualitativos dos últimos dias, feitas por grandes institutos e pelos principais partidos políticos do país, orientam os passos de Doria. Bolsonaro elevou o tom não por acaso. É consenso, em qualquer sondagem, seu desgaste de imagem e queda de popularidade. Do lado do tucano, a estratégia será evitar o confronto direto com o presidente, e fazer a comparação de gestão e estilo político sem qualquer referência direta ao capitão do Planalto.

"A aprovação de Bolsonaro em São Paulo é muito semelhante ao perfil dos que também aprovam a gestão Doria. Quem aprova Bolsonaro também aprova Doria. Mas ainda não há como saber se gostam mais de um ou do outro", alerta um experiente especialista em marketing eleitoral, que já atuou em campanhas presidenciais no passado. Além da disputa pelo mesmo eleitorado, o presidente Bolsonaro, pontua este especialista, é um político que tem sufixo, assim como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Existe o bolsonarismo. Não temos o dorismo", observa, salientando a força política de Bolsonaro que não pode ser menosprezada por Doria.

O que pensa a mídia – Editoriais

Polarização inoperante – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ainda que parte considerável das forças da esquerda queira partir para o revanchismo, em relação tanto ao resultado das urnas como a decisões da Justiça, é cada vez mais evidente que ela não consegue levar adiante o seu intento. O problema não é que a agenda dos partidos de esquerda seja anacrônica - ela é absolutamente incompatível com o temperamento dos brasileiros e com a realidade política e social do País.

O mesmo se pode dizer de outras forças radicais. A direita, por sua vez, tem sido incapaz de ir longe na pregação de seu catecismo fundamentalista. Sua pauta é igualmente retrógrada. Almeja, por exemplo, o retorno a um mundo pretérito, marcado pelas tensões da guerra fria, no qual a sociedade deveria concentrar todos seus esforços para combater o insidioso inimigo, o comunismo. O intento nem ao menos tem o idealismo do Quixote, espetando sua lança no moinho.

O fenômeno que ocorre com as extremas, da esquerda e da direita, tem, no entanto, consequências daninhas para todo o País. Diante do inevitável fracasso de suas respectivas pautas, os apoiadores de cada lado tendem a aumentar seu extremismo, imaginando que a inoperância de suas agendas é causada pela aplicação mitigada ou imperfeita de suas propostas e ideias. Nessa lógica, a solução residiria em aumentar a intensidade do radicalismo - e esta é a melhor receita para extirpar da vida política e social do País qualquer vestígio de racionalidade.

Poesia | Pablo Neruda -A canção desesperada

(...)
Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh porão de escombros, feroz caverna de náufragos!
Em ti se acumularam as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros do canto.
Tudo engoliste, como a distância.
Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher de amor, me acolheram os teus braços.
Era a sede e a fome, e tu foste à fruta.
Era a dor e as ruínas, e tu foste o milagre.
Ah mulher, não sei como me pudeste conter
na terra de tua alma, e na cruz de teus braços!